A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 6
A Corça de Cerinéia




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Percy, Annabeth e Jéssica correram em direção as caçadoras que as receberam calorosamente. Eu não sabia o que fazer, não tinha certeza se gostaria de conhecer minha mãe.

Aproximei-me devagar, Percy e Annabeth me apresentaram e eu cumprimentei uma por uma das caçadoras, tentei procurar Ártemis, mas ouvi uma das caçadoras (que mais tarde Percy me contou ser Thalia) falando que a deusa esperava por nós no acampamento que elas haviam montado mais adiante.

Enquanto seguíamos caminhando em direção ao acampamento Percy me contava suas experiências com a deusa Ártemis, a fama que ela tinha de transformar pessoas (principalmente homens) em animais quando lhe irritavam e como ele vira Ártemis transformar com apenas um aceno de mão um helicóptero em um bando de corvos. Pensei se seria mesmo uma boa ideia conhecê-la.

Quando chegamos ao acampamento fiquei impressionada com a instalação das caçadoras, eu sabia que elas estavam sempre viajando pelas florestas e imaginei onde guardavam tudo aquilo quando viajavam. Havia mais ou menos vinte cabanas ao redor de uma enorme fogueira e vários lobos que caminhavam tranquilamente em meio às caçadoras como se fossem cães de guarda do acampamento.

Uma menina estava agachada parecendo conversar com um dos lobos, deveria ter uns doze anos de idade, tinha lindos cabelos ruivos e ondulados, sua roupa era de um prata brilhante e havia um grande arco (o mais magnífico que eu já tinha visto) em suas costas.

Ao se aproximar Thalia fez uma pequena reverência.

– Senhora Ártemis encontramos os meio-sangues que a senhora disse que estariam nos arredores.

Meu queixo caiu, a menina se levantou e me olhou, seus olhos cinza como os meus passaram rapidamente por mim e ela logo se deteve em Thalia como se estivesse querendo evitar me olhar novamente. Por mais que tentasse eu não conseguia acreditar que aquela menina era Ártemis.

– Obrigado Thalia. – agradeceu a deusa se virando para nos olhar. – Venham, precisamos conversar.

Nós seguimos a deusa até a maior cabana do lugar, era realmente diferente, havia arcos por todo o lado e cabeças de animais empanados. Pensei que como deusa da caça Ártemis pudesse repor tudo o que ela matasse. Quando voltei a olhar a deusa ela já não era mais uma menina e sim uma mulher muito bonita e com o corpo perfeitamente em forma. Ela se sentou em uma espécie de trono e ficamos frente e frente.

– Não se surpreendam com minha aparência anterior. – explicou Ártemis. – Eu poderia parecer com qualquer coisa, mas é assim que prefiro. Aquela é a média de idade das minhas caçadoras e de todas as jovens de quem sou protetora antes que se desencaminhem cresçam, enamorem-se dos garotos, tornem-se tolas e esqueçam-se de si mesmas.

Fazia sentido, pensei.

– Pedi para que minhas caçadoras os trouxessem aqui, porque caso vocês saibam ou não o quarto desafio diz respeito à Corça de Cerinéia.

Annabeth suspirou e fechou os olhos como se houvesse acabado de se lembrar de algo importante.

– Você conhece a história, não conhece Annabeth? – disse Ártemis.

Annabeth concordou com a cabeça.

– A Corça de Cerinéia era uma ninfa chamada Taigete que foi transformada em corça por Ártemis para que os homens que a perseguiam quando ela entrou no templo da deusa a deixassem em paz. O quarto trabalho de Hércules era capturá-la sem machucá-la, depois de um ano Hércules conseguiu e estava levando a corça para Euristeu. Quando encontrou Ártemis que estava furiosa com ele e ameaçou matá-lo, pois a corça era um animal sagrado para ela. Hércules a contou dos trabalhos que estava fazendo e então a deusa o deixou ir com a condição de que devolvesse a corça à natureza após mostrá-la para Euristeu. – contou Annabeth.

Agora que eu parava para olhar havia uma corça com a cabeça apoiada na coxa de Ártemis que passava suavemente a mão sobre a cabeça do animal.

– Um ano? – se admirou Percy. – Por que ele demorou tanto?

– A Corça é incrivelmente veloz filho de Poseidon. – respondeu Ártemis.

– Mas como iremos pegá-la a tempo? Só temos nove dias. – disse Jéssica.

Ártemis me encarou nos olhos pela primeira vez e senti um arrepio percorrer meu corpo.

– Tenho a impressão de que não será uma tarefa difícil para vocês.

O modo como ela havia dito vocês enquanto encarava-me, me fez pensar se ela estaria se referindo a mim em particular.

– Conversei com Zeus e ele concordou que vocês terão que capturar a Corça e trazê-la a mim, como Euristeu já esta morto, somente após mostrarem a mim o animal é que sua missão estará completa.

Nós concordamos e Ártemis nos dispensou. Sentei-me em um banco ao redor da fogueira e observei as caçadoras enquanto Percy, Annabeth e Jéssica se juntavam a Thalia para colocar os assuntos em dia.

Ártemis (ainda com a aparência de adulta) caminhava dando instrução as caçadoras que sorriam e conversavam com a deusa, e que logo depois saíram para caçar com ela.

Abaixei a cabeça e fitei o chão, Ártemis havia pedido para que passássemos a noite ali e havíamos concordado, agora não sabia se tinha sido uma boa ideia.

Ártemis não se importava comigo, nem sequer havia mencionado algo em relação a ser minha mãe, nem um oi ou algo do tipo. Ela apenas estava nos ajudando para que eu conseguisse salvar suas preciosas caçadoras.

Era com elas que ela realmente se importava, elas eram suas verdadeiras filhas, eu era apenas um erro. Uma lágrima começou a escorrer por meu rosto, me senti ridícula por estar com inveja.

Levantei e peguei meu arco, fui para o campo de treinamento e mirei o alvo mais difícil, segundo boatos que eu havia escutado entre as caçadoras, somente Thalia (a comandante das caçadoras) tinha conseguido acertar.

Mirei o alvo e atirei, a flecha acertou o ponto certo, algumas Caçadoras que estavam por perto cochicharam entre si sem entender.

A noite caiu e trouxe as caçadoras e Ártemis que haviam chegado da caça. Não me sentei para jantar ao redor da fogueira aquela noite, se Ártemis se importava apenas com as caçadoras não havia motivos para ficar no mesmo lugar em que estava a deusa, eu tinha sido um erro seu e ninguém gosta de ficar relembrando seus erros.

Perto da onze horas da noite as caçadoras começaram a se recolher para suas cabanas. Percy, Annabeth, Jéssica e eu nos arrumamos junto à cabana de Thalia enquanto os lobos se postavam ao redor do acampamento e gaviões (a mando de Ártemis) voavam por cima das cabanas para garantir uma noite segura.

É claro que não consegui dormir, olhei o relógio de pulso de Percy, já eram três e trinta da manhã e eu ainda não havia pegado no sono.

Levantei-me e abri a porta da cabana. Fazia uma noite estrelada, uma das noites mais bonitas que eu já tinha visto. Aproximei-me da fogueira que ainda ardia lançando labaredas ao céu escuro, imaginei que devia ser Ártemis que fazia algo para que ela sempre se mantivesse acessa.

Sentei-me em um banco e fitei a fogueira pensando no que nos esperava quando o sol nascesse, de repente uma voz que vinha de dentro de minha cabeça me fez pular.

Hei, chefia. Não acha que é muito cedo para estar acordada?

Procurei ao redor e vi um lobo branco se aproximando de mim. Ao chegar ao meu lado ele se deitou e também fitou o fogo.

– Eu posso lhe entender porque você é um dos símbolos de minha mãe, não é? – murmurei.

Poisé. Estamos vigiando você desde que era pequena a mando da senhora Ártemis.

Fazia sentido agora. Lembrei-me do lobo pulando para me salvar do ciclope. Parecia ter sido há décadas atrás.

Na verdade sempre estamos com você.

Continuou ele.

Quando precisar é só nos chamar, é como se fosse uma ligação.

Eu concordei, mas pensei comigo mesma que por mais que precisasse não iria chamá-los, já havia muita gente em perigo, não tinha porque envolver outras vidas.

A fogueira começou a crepitar com mais força e imagens começaram a se formar nas labaredas: uma mulher correndo com lobos, uma flecha cravada em um homem, a lua e o sol juntos. As imagens começaram a passar mais rapidamente e pararam em um bebê num cesto de prata radiante, a mulher que segurava o cesto parecia triste, se inclinou para o bebê, o beijou e logo depois pousou a mão sobre a cabeça dele, como uma proteção, uma benção, uma despedida.

Um barulho me chamou a atenção e me virei rapidamente, o lobo ao meu lado já havia ido embora e meus olhos encontraram os de Ártemis logo atrás de mim. Ela se aproximou e sentou ao meu lado. Observou a criança no cesto e suspirou, com um aceno de mão a imagem se desfez.

Eu não sabia o que dizer e a jurar pela expressão de Ártemis ela também não. Ela me olhou.

– Faz muito tempo desde que lhe deixei naquela casa com aquele casal mortal.

Ela falava como se eles fossem algum tipo de “coisa” referindo-se a eles como “aqueles”.

– Eu os amo e quando isso terminar voltarei para os meus pais. – falei, mesmo sabendo que não era verdade, quando eu terminasse essa missão toneladas de monstros viriam atrás de mim todos os dias e eu não queria colocar em risco a vida de meus pais e de minha irmã.

Eu sabia que os monstros não haviam me atacado ainda por causa de Zeus que os tinha mandado esperar, o deus queria ver se eu conseguiria sobreviver ao seu desafio e somente a ele, sem ninguém para se intrometer.

Ela desviou o olhar, pensativa.

– Isso nunca terminará. Você nunca estará segura lá fora, é uma semideusa poderosa os monstros sempre estarão atrás de você. – Ártemis então voltou a me olhar. – Sinto muito em ter dado esse destino a você, não era para você ter nascido e agora tem que pagar pelos meus erros.

Ali estava minha mãe confessando que sentia muito por eu ter nascido. Lembrei-me dos meio-sangues no acampamento e quando seus pais os reclamavam como filhos. Percebi que Ártemis nunca me reclamaria como filha, por ela seu chalé continuaria vazio quanto menos pessoas soubessem de mim melhor.

Ártemis franziu a testa.

– Você sabe que as pessoas não podem saber que é minha filha, não só por mim, mas por você. Se eu lhe reclamasse só haveria mais monstros e até deuses querendo matá-la. Não quero que você corra mais perigo do que já esta correndo.

Havia me esquecido que os deuses podiam ler pensamentos. Eles deviam parar de ser tão intrometidos.

– Pode falar a verdade, eu sei que é por você. Se as caçadoras descobrissem que sou sua filha deixaria de ser a inspiração delas.

Falei tudo sem parar, eu sei muito bem que se Ártemis quisesse poderia me incinerar agora mesmo por tê-la confrontado. Mas eu não estava nem aí.

Ela se levantou e fitou a lua.

– Vamos só esquecer tudo isso. Cumpra sua missão, sendo minha filha ou não cada um faz suas escolhas, e você escolheu ajudá-las.

Ótimo, pensei. Era assim que ela queria encerrar: “você é minha filha e eu não me importo com isso, apenas siga sua missão e salve minhas caçadoras.”

– Filha? Eu... Eu não posso acreditar senhora Ártemis você... Como pode?

Ártemis e eu nos viramos e encontramos Thalia em pé poucos metros atrás de nós.

– Thalia. Eu posso explicar. – disse Ártemis indo em sua direção.

Thalia deu um passo para trás e eu me levantei.

– Thalia, por favor, nos deixe explicar.

– O que? – desafiou ela. – Vai me dizer que o que escutei é mentira?

– Não. – respondeu Ártemis. – Thalia venha comigo vamos conversar.

Ártemis guiou Thalia até a sua cabana e as duas entraram. Voltei a me sentar, agora Thalia havia descoberto o meu segredo se ela espalhasse as caçadoras se virariam contra a deusa por minha causa sem contar que iriam vir atrás de mim. Bom, nada como mais um grupo de meninas para adicionar a minha lista de “pessoas que me odeiam por ter nascido.”

O sol mal havia nascido e as caçadoras já estavam acordadas, algumas treinando outras apenas conversando ou procurando madeira para ascender uma fogueira.

Olhei ao redor procurando Thalia, mas não a encontrei, tinha medo de começar a andar pelo acampamento e ser abordada por uma caçadora irritada. Mas não foi isso que aconteceu, o acampamento parecia perfeitamente normal.

Percy, Annabeth e Jéssica estavam logo à frente me esperando para completar o quarto desafio, quando me aproximei levei um susto ao perceber que Thalia estava junto com eles.

– Bom dia. – cumprimentei.

Percy, Annabeth e Jéssica responderam, ao contrário de Thalia que puxou uma mochila e a colocou nas costas.

– Vou acompanhar vocês no quarto desafio e é melhor nos mexermos, vocês não tem muito tempo. – ela disse.

Nós a seguimos pelo que pareceu uma hora por uma mata fechada até chegarmos a um bosque, mas não um bosque qualquer, este tinhas árvores que brilhavam douradas e a grama era tão macia que parecia que estávamos pisando em algodão.

– Lá. – apontou Annabeth.

Sobre a grama e entre as árvores pastava uma linda corça que tinha os cascos de bronze e os chifres de ouro.

– Vamos terminar com isso. – disse Percy enquanto corria para a corça.

– Não, espere! – gritou Jéssica.

Mas era tarde de mais, antes mesmo de Percy se aproximar dois metros a corça saiu correndo numa velocidade que a tornava quase impossível de seguir com o olhar. Corremos atrás inutilmente, Thalia atirou uma flecha e mesmo com a ótima mira das caçadoras (que alguns dizem superar a dos filhos de Apolo) a flecha errou o alvo.

– Ela está indo para o lago. Percy veja se pode fazer alguma coisa. – gritou Annabeth enquanto corríamos.

Percy parou e fechou os olhos, no mesmo instante a água explodiu do lago e voou como um jato em direção a cabeça da corça. Mas não adiantou nada, ela apenas baixou a cabeça e continuou.

Paramos exaustos e a perdemos de vista.

– Agora entendo porque Hércules levou um ano pra capturá-la. – ofegou Jéssica.

– Não vamos desistir. – disse eu tentando encorajá-los.

De repente eu notei algo, a corça era um dos símbolos de Ártemis assim como os lobos, e se eu entendia os lobos então...

– Vamos. – disse eu me levantando. – Temos uma corça para capturar.

Continuamos andando por mais um tempo até que a encontramos novamente. Ela estava deitada parecendo aprecia a paisagem.

– Muito bem. - disse Thalia erguendo o arco. – Eu não vou errar essa.

– Espera. – disse eu abaixando o arco de Thalia.

Ela me lançou um olhar elétrico, literalmente, seus olhos brilharam como relâmpagos, percebi que não era uma boa ideia irritar a filha de Zeus.

– Eu tenho uma ideia. – disse tentando manter meus olhos nos dela.

Comecei a me aproximar devagar da corça, quando eu estava a três metros de distância ela se levantou preparando-se para correr.

Calma. Pensei, tentando canalizar meus pensamentos para o animal na minha frente. Nós não iremos machucar você, estamos em uma missão queremos apenas levar você à deusa Ártemis.

A corça fixou o olhar em mim.

Você me entende. É filha dela, não é? Perguntou a corça.

Sou. Respondi.

– O que ela esta fazendo? – sussurrou Thalia.

– Pode falar com os animais símbolos de Ártemis. – respondeu Annabeth.

Calculei que Thalia já havia contado a eles sobre sua pequena excursão na madrugada.

Eu a respeito, a deusa da lua salvou minha vida. Continuou a corça.

Eu estendi a mão. Venha comigo.

Você encara uma missão impossível meio-sangue, vocês podem ser mais fortes que os mortais comuns por possuírem um lado divino, mas não se comparam a Hércules, vai ser difícil realizar os doze trabalhos, pois os próximos não serão tão fáceis.

Após esse comentário feliz a corça se levantou e começou a caminhar.

Você não vem? Sua mãe a espera semideusa. Falou a corça.

Enquanto caminhávamos de volta ao acampamento com a corça ao nosso lado Thalia me puxou para um canto mais afastado. Pensei que ela deveria estar aborrecida pelo meu ato anterior de impedi-la de acertar a corça e que agora certamente um relâmpago me atingiria, mas ela apenas murmurou olhando pra o chão.

– Eu não contarei para ninguém sobre o seu segredo. A verdade Gabrielle é que os deuses gregos não são perfeitos é essa sua maior característica, os próprios gregos admitiam isso, os deuses possuem um lado humano, o de cometer erros.

Eu fitei a estrada a nossa frente.

– Eu sei o que esta pensando. – continuou Thalia. – Eu também não deveria ter nascido, sei como se sente.

Por que isso estava acontecendo com a gente? Podíamos ser um bando de crianças normais se encontrando em shoppings ou Mc’donalds sem problemas ou compromissos. Sempre me senti diferente e gostava disso, agora daria tudo para ser normal.

Seu destino é muito maior do que apenas salvar as caçadoras, você salvará muito mais. Disse a voz da corça em minha cabeça.

Antes que eu pudesse pedir no que ela estava se referindo uma chuva de flechas cruzou o ar por cima de nossas cabeças descrevendo um arco e fincando-se no chão ao nosso lado.

– O que é isso? – perguntei.

– Saudação. – respondeu Thalia. – Uma homenagem das caçadoras por termos conseguido.


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