A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 18
O final de uma aventura


Notas iniciais do capítulo

Este é o último capítulo. Quero agradecer por todos que acompanharam a história e àqueles que deixaram seus comentários, significa muito para mim. Beijos. ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/464337/chapter/18

Quando chegamos à morada dos deuses nem pude acreditar no que meus olhos viam. Muito menos no fato de que tudo aquilo estava acima do Empire State.

– Não se preocupe, eu também tive a mesma reação quando vi esse lugar pela primeira vez. – disse Percy com um sorrisinho enquanto ele e Annabeth desembarcavam da carruagem.

Pisquei os olhos com força. Estávamos sobre um estreito caminho de pedras no meio do céu. Abaixo de mim estava Manhattan, como se eu a visse de um avião. A nossa frente, degraus de mármore branco subiam em espiral pelo meio de uma nuvem até o céu.

Do topo da nuvem se erguia o pico de uma montanha com o cume coberto de neve. Na encosta da montanha havia vários palácios e templos com colunas brancas. Estradas passavam entre as construções até chegar ao pico, onde o maior dos palácios resplandecia.

Começamos a caminhar até a escada e então subimos. Meus olhos ainda não podiam acreditar no que viam. Jardins floresciam aqui e ali com oliveiras e roseiras. Havia mercados a céu aberto cheios de tendas coloridas, um anfiteatro de pedra, um hipódromo e um coliseu. Todas as construções juntas formavam uma cidade grega antiga, que diferente do que se via hoje em dia, não estava em ruínas. Era nova, limpa e colorida, como Atenas deve ter sido.

Continuamos caminhando pelo Olimpo. Passamos por ninfas das florestas e vendedores que se ofereceram para vender ambrosia no palito. Vi uma pequena multidão de sátiros, náiades e um bando de adolescentes de boa aparência, que Annabeth me contou serem deuses e deusas menores.

Subimos pela estrada principal rumo ao grande palácio no pico, que rebrilhava em branco e prata. Degraus levavam a um pátio central. Além dele, a sala do trono.

Percy e Annabeth pararam.

– Nós iremos esperar aqui fora. – explicou ela.

– Mas vocês lutaram ao meu lado, me ajudaram a cumprir as doze tarefas. Devem vir também. – insisti.

Não podia ir lá sozinha, como se fosse a única merecedora de tudo. Afinal, se não fossem Percy e Annabeth eu nem estaria ali.

Percy pousou uma mão sobre meu ombro.

– Você deve ir sozinha. Embora tenha salvado o mundo e cumprido o desafio, Zeus é muito imprevisível. Caso ele tome... Bem, a decisão certa, nós estaremos aqui lhe esperando.

Meus olhos acompanharam uma ninfa que passava correndo entre os caminhos serpenteantes que levavam ao palácio. Entendi o que Percy queria dizer. Zeus ainda não havia decidido meu destino.

Olhei para meus amigos. Os conhecia a menos de um mês, mas havíamos passado tanta coisa juntos, que os tinha como irmãos. Na verdade éramos realmente parentes por parte dos olimpianos, mas nunca tinha parado para pensar nisso.

– Caso eu não volte quero que saibam que sou muito grata por tudo que fizeram por mim. Eu nunca vou esquecer-me de vocês.

Annabeth engoliu um soluço e me deu um abraço. Percy e eu trocamos um aperto de mãos.

– Boa sorte. – desejou a filha de Atena.

Dei uma ultima olhada em meus amigos e então virei-me para subir os degraus.

– Gabrielle, mais uma coisa. – chamou Percy. – Quando estiver na presença dos deuses, dirija-se a Zeus primeiro. Acredite em mim, falo por experiência própria.

Dei um leve sorriso.

– Pode deixar vou me lembrar disso.

Então comecei a subir as escadas em direção ao pátio central até chegar à sala do trono.

O lugar era imenso, fazia a Grande Estação Central parecer um box de banheiro. Colunas maciças se erguiam até o teto abobado, que era decorado com constelações que se moviam.

Doze tronos, construídos para seres de cinco metros de altura, estavam arrumados em um U invertido, exatamente como os chalés do Acampamento Meio-Sangue. Uma enorme fogueira crepitava no braseiro central. Só havia quatro tronos ocupados. O trono principal a direita onde se encontrava Zeus, e um imediatamente a sua esquerda ocupado por Poseidon. Nos dois tronos restantes sentavam-se Atena e Ártemis, uma ao lado da outra. Cheguei à frente dos deuses com as pernas tremendo.

Eles estavam em forma humana gigante e eu mal podia olhar para eles sem sentir um formigamento, como se meu corpo estivesse começando a queimar. Lembrando do conselho de Percy, aproximei-me de Zeus, o Senhor dos deuses. O ar estalejou e senti cheiro de ozônio.

Zeus usava um terno azul-escuro. Estava sentado em um trono simples de platina maciça. Tinha uma barba bem aparada, cinza-mármore e preta, como uma nuvem de tempestade. Seu rosto era orgulhoso, belo e severo, os olhos tinham o tom cinzento da chuva e lembrava-me muito os de Thalia. Talvez isso tenha ajudado para que eu conseguisse sustentar seu olhar.

Imaginei porque Poseidon e Atena estariam presentes, e conclui que devia ser por causa de Percy e Annabeth. Os deuses não estavam se falando, mas havia tensão no ar. Eu podia sentir a energia que emanava deles, e isso me deixa nervosa. Se eles quisessem, poderiam me reduzir a pó.

Ajoelhei-me à frente de Zeus e tirei a Caixa de Pandora da mochila.

– Senhor Zeus, aqui está a Caixa de Pandora que havia sido roubada por Nêmesis. – disse eu mostrando o objeto ao deus.

Zeus abriu a palma de sua mão e a caixa voou pra dentro dela, parecendo mais uma caixa de fósforos na mão gigante do senhor dos deuses.

– Não fez mais do que a sua obrigação, menina. – disse Zeus com rispidez. – Eu ainda não decidi o que vou fazer com você. Você ainda envergonha a lealdade dos deuses.

Baixei a cabeça e esperei.

– Vá com calma, irmão. – disse Poseidon tentando acalmar Zeus.

Poseidon lembrava-me muito um pescador. Usava sandálias de couro, bermudas cáqui e uma camisa toda estampada de coqueiros e papagaios. Sua pele tinha um bronzeado escuro e as mãos eram marcadas de cicatrizes. O cabelo era preto e seus olhos iguais aos de Percy, verde-mar.

– Deixe a menina terminar o que venho fazer aqui. – disse o deus do mar.

Ainda de joelho à frente de Zeus, olhei para minha mãe. Peguei o diário da mochila e o cilindro de prata do bolso. O estendi em direção à deusa imaginando que ela utilizaria os mesmos métodos de Zeus para tirá-los de minhas mãos, mas algo inesperado tanto para mim quanto para os deuses aconteceu.

Ártemis desceu de seu trono e assumiu o tamanho humano, perfeitamente à vontade em meio aos gigantes olimpianos. Ela caminhou em minha direção, a túnica prateada tremeluzindo. Não havia nenhuma emoção em seu rosto. Parecia caminhar numa coluna de luar.

A deusa parou à minha frente e estendeu as mãos para pegar os objetos, logo depois os fazendo desaparecer em um brilho prateado. Ártemis pousou uma mão sobre meu ombro e olhou em meus olhos como se dissesse Está tudo bem. Depois se voltou para Zeus.

– Pai. Eu não vejo motivos para tirar a vida desta menina. Eu sei que os deuses devem sempre cumprir com suas promessas, mas todos nós cometemos erros.

Senti um nó na garganta. Era isso que eu ainda representava para ela? Um erro?

– Portanto pai, mostre que Zeus cumpre com o que diz. – dessa vez era Atena quem falava. – O senhor prometeu poupá-la, assim como as caçadoras, se Gabrielle conseguisse cumprir seu desafio. Que a justiça seja feita.

Zeus enrugou a testa. Ele sempre escutava Atena, tanto que foi por causa dela que ele havia repensado na questão das caçadoras e da filha de Ártemis. Sua filha estava certa, ele devia cumprir com o que tinha prometido, mas lhe desagradava deixar a menina viva. Quem sabe com o tempo ele se acostumasse com a ideia. Por hora o único jeito era encerrar a discussão.

– Pai. – chamou Ártemis. – Thalia é uma grande caçadora, mas ela também não deveria ter nascido. O senhor também já quebrou uma promessa. Por favor, o senhor sabe o que eu sinto por ela. Gabrielle é minha filha.

As emoções começaram a girar dentro de mim. Ártemis estava me assumindo como filha na frente dos deuses. Perante o Olimpo.

Zeus suspirou.

– Lhe pouparei a vida, como gratidão por ter salvado o Olimpo. Em nome da paz da família e em consideração à minha filha, lhe deixarei viver.

– Ahn... Obrigado, senhor.

Zeus desceu do trono e a Caixa de Pandora cresceu em suas mãos, ficando proporcional ao tamanho do deus.

– Cuide-se Gabrielle, eu não vou tolerar algo que faça de errado. E não esteja aqui quando eu voltar. Porque isso será um erro. Tenho que levar esta caixa de volta ao lugar do qual ela nunca deveria ter saído.

Um trovão sacudiu o palácio. Com um clarão ofuscante Zeus se foi.

Ártemis virou-se para mim e eu me levantei enquanto Atena e Poseidon desciam de seus tronos e como minha mãe, assumiam o tamanho humano.

– Não se preocupe Gabrielle, meu irmão só estava com a cabeça quente. Apesar da aparência severa, na maior parte do tempo ele consegue ser alguém que você possa suportar pelo menos por alguns minutos. – brincou Poseidon.

Eu sorri levemente e então me lembrei que eu tinha algo para agradecer ao deus.

– Senhor Poseidon, obrigado pelos cavalos. Sem eles não teríamos chegado ao Monte Olimpo a tempo. – falei.

O deus concordou com a cabeça e dirigiu-se aos degraus que levavam para fora da sala do trono, caminhando até o pátio central onde Percy e Annabeth me esperavam.

Atena aproximou-se de mim.

– Hoje a justiça foi feita – disse ela com sorriso. – Parabéns Gabrielle, pela sua vitória sobre Nêmesis.

Fixei meu olhar nos olhos sábios da deusa.

– Eu tenho tanto que lhe agradecer.

Ela balançou negativamente a cabeça.

– Eu fiz o que era certo. Eu nunca deixarei de defender os justos.

Atena observou o pátio central ao longe.

– Agora, se me dêem licença, preciso ver minha filha.

Ártemis e eu ficamos sozinhas em meio à imensa sala do trono.

A deusa olhou para mim por um breve momento, e então começou a andar em direção aos degraus. Eu permaneci parada, sem saber se a seguia ou não.

Ao chegar ao primeiro degrau Ártemis parou e ainda de costas virou levemente a cabeça. Seus olhos fitavam o chão.

– Você não vem? – perguntou ela.

Olhei para a deusa.

– Vem, vamos dar uma caminhada.

Eu não consegui conter o sorriso. Sem esperar um novo convite, caminhei até ela e juntas deixamos a sala do trono.

Andamos entre os palácios que cobriam a encosta do Monte Olimpo e por alguns minutos nenhuma de nós falou. Eu caminhava ao lado de Ártemis, mas não me atrevia a olhar seu rosto.

– Eu não permitiria que Zeus lhe matasse. – disse a deusa de repente, quebrando o silêncio.

Ergui os olhos. Ártemis não olhava para mim, seus olhos fitavam o vazio, como se estivessem longe dali.

– Estou orgulhosa de você. – continuou ela.

Passamos perto de um lago onde várias ninfas e sátiros se divertiam.

– Eu fico feliz e poder ajudar. – disse eu. – Mas não teria conseguido sozinha.

Ártemis deu um breve sorriso.

– Você pode muito mais do que você imagina, minha filha. Sua amiga, Jéssica sabia disso.

A menção do nome de Jéssica lembrou-me do encontro que eu tivera com ela quando estávamos no Mundo Inferior.

– Tenho que lhe agradecer por ter interferido junto à Hades e pedido para que ele a colocasse no Elíseo. Jéssica sempre acreditou em mim, amigos como ela são difíceis de encontrar. – falei.

– Era o mínimo que eu podia fazer. Ela salvou sua vida. – disse Ártemis.

A imagem de meu pai passou como um flash por minha mente. Lembrei-me de seu sofrimento como prisioneiro nos domínios de Hades. Um nó começou a formar-se em minha garganta.

Ártemis parou em frente a um templo e virou-se para mim.

– Acho que vai gostar de saber que Hades libertou seu pai. Se eu não me engano você fez um acordo com ele, não é? Até o deus dos mortos cumpre com suas promessas.

– Quer dizer que agora ele está no Elísio? – perguntei. Uma sensação enorme de felicidade tomou conta de mim. Meu pai não teria mais que sofrer, agora ele estava em um lugar melhor.

– Sim. – respondeu Ártemis, mas então desviou o olhar. – Sinto muito pelo seu pai. Talvez tivesse sido melhor se nunca tivéssemos nos encontrado. Confesso que voltar a amar um homem me assustou, mas agora não posso dizer que estou totalmente arrependida, pois desse amor eu tive você.

Ártemis voltou a me olhar e dessa vez fui eu quem evitou seus olhos. Não queria que ela visse a lágrima que escorria por meu rosto.

Foi então que o templo ao nosso lado chamou-me a atenção. Era o Templo de Ártemis, mas este não estava em ruínas. Era enorme e com vinte colunas de mármore que sustentavam um teto triangular. No centro do templo puder ver a estátua de Ártemis. A deusa fora esculpida em ouro, prata, ébano e outras pedras, vestindo um manto decorado por imagens de animais.

– É magnífico. – falei enquanto observava o templo.

Olhei para o lado e vi Percy e Annabeth despedindo-se de Atena e Poseidon. Virei-me para Ártemis.

– Acho que está na hora de voltar ao Acampamento Meio-Sangue. O pessoal lá deve estar louco para saber dos últimos acontecimentos. – brinquei.

– Gabrielle. – chamou Ártemis. – Eu só quero que você saiba que eu sempre estarei com você. Amo você minha filha.

Olhei no fundo dos olhos de Ártemis e percebi o mesmo olhar materno com o qual Atena olhava para Annabeth.

– Eu também amo você mãe. – falei.

Então algo que eu nunca esperaria aconteceu. Ártemis me abraçou. Eu não sei explicar exatamente o que senti. Ela era quente como um ser humano comum e tinha um perfume maravilhoso que por algum motivo me fez lembrar a natureza.

– Tenha cuidado Gabrielle. – avisou Ártemis enquanto me soltava.

– Eu terei. – respondi.

Ártemis e eu voltamos para o pátio central e juntei-me a Percy e Annabeth para ir embora. Despedimos-nos dos deuses e começamos a descer as escadas em espiral que levavam ao estreito caminho de pedras. Enquanto caminhávamos, pessoas, sátiros e náiades voltavam-se para nós, os rostos plenos de respeito e gratidão, e quando passávamos eles se ajoelhavam, como se fossemos verdadeiros heróis.

O caminho terminou em uma porta e quando nos aproximamos ela abriu ao meio, como as portas dos elevadores. Nós entramos, Percy apertou um botão e minha última visão antes que as portas se fechassem foi do Templo de Ártemis na encosta do Monte Olimpo.

Minutos depois as portas voltaram a se abrir, revelando o saguão do edifício Empire State. O guarda da recepção, que antes estivera concentrado em um livro, nos observou por um longo tempo enquanto nos dirigíamos à saída.

– Não se preocupe. – explicou Percy. – Ele sabe de tudo.

Descemos os degraus do edifício e pegamos um táxi.

– Entrada da fazenda 3.141. – disse Annabeth ao motorista.

– Vamos voltar para casa. – murmurou Percy.

Fechei os olhos. Tudo havia enfim terminado.

Ao chegarmos ao Acampamento Meio-Sangue fomos recebidos por Quíron. Em sua cadeira de rodas ele nos guiou pelas várias salas da Casa Grande.

– Fico feliz em ver que estão todos bem, e em saber que Jéssica, embora não esteja mais aqui, passa bem nos Campos Elíseos. – falou o centauro.

Olhei pela janela enquanto atravessávamos um corredor e não vi ninguém em meio aos chalés do acampamento.

– Onde está todo mundo? – perguntei.

– Jantando. – respondeu Quíron, e então parou de repente. – Tem uma coisa que preciso lhes contar. Como tanto a missão de vocês quanto a história de Gabrielle eram assuntos mantidos em total segredo, é claro que todos campistas já sabem, portanto não fiquem surpresos.

Percy, Annabeth e eu rimos juntos. Estávamos quase chegando ao pátio onde se localizava as doze mesas usadas para as refeições, quando fomos barrados por Dionísio encostado à beirada da porta que levava para fora da casa.

Ele usava as mesmas roupas de quando o havia conhecido. Uma camisa havaiana com estampa de tigre.

– Parece que os moleques voltaram intactos. Como eu tenho falta de sorte.

Cerrei os punhos, não valia a pena discutir com Dionísio.

– O que aconteceu com Sophia? – perguntou Annabeth. Imaginei que estivesse querendo mudar de assunto.

– Eu tive uma conversa com ela há pouco. Acho que é melhor deixá-la sozinha por enquanto. Ela precisa de um tempo para pensar no que fez, então resolveu voltar para a casa de sua mãe. Conversaremos novamente nas próximas férias. – explicou Quíron.

Dionísio deu uma risada sarcástica.

– Traidora isso sim. Mas isso não interessa agora, é melhor você levar logo esses moleques para comerem alguma coisa. Quantos antes terminarem, antes irão dormir, e o silêncio finalmente reinará neste lugar.

Quíron deu um leve suspiro e nos acompanhou até o pavilhão do refeitório. Tentei imaginar como ele conseguia aturar Dionísio, mas não encontrei uma resposta.

Quando chegamos ao pavilhão todas as cabeças imediatamente viraram-se para nós, e o barulho de talheres contra pratos parou abruptamente. A única coisa que se podia ouvir era o fogo central que queimava em um braseiro de bronze.

Percy, Annabeth eu, paramos por um momento, um pouco constrangidos pelos vários olhares que caíam sobre nós como pedras nos esmagando aos poucos. De repente alguém à mesa de Hermes levantou-se e começou a bater palmas. Reconheci ser John.

O barulho soava como um eco distante inicialmente até que mais um dos campistas, também do chalé de Hermes, levantou-se e acompanhou o colega. Em alguns segundos o pavilhão inteiro tremia com o som das palmas dos campistas. Até mesmo os filhos de Ares, embora de má vontade, faziam sua homenagem.

Para mim este foi um dos momentos mais felizes daquele dia. Sentei-me à mesa e Hermes e fui recebida com leves palmadas nas costas pelos meus colegas de chalé. Annabeth reuniu-se com seus irmãos do chalé de Atena, e Percy dirigiu-se sozinho para a mesa de Poseidon. Logo depois Grover foi sentar-se ao seu lado para lhe fazer companhia.

Depois de comermos fomos para o anfiteatro, onde o chalé de Apolo liderou a cantoria. Cantamos canções de acampamento sobre os deuses e nos divertimos bastante ao redor da fogueira. Percebi que vários dos campistas não paravam de lançar olhares em minha direção.

Eu sabia o que eles estavam esperando, e de certo modo eu também estava. Que Ártemis me reconhecesse. Eu não queria admitir, mas desde que havia chagado ao acampamento, esse pensamento não saia da minha cabeça. O que havia acontecido? Será que ela estava ocupada de mais?

De qualquer modo quando chegou a meia noite, as fagulhas da fogueira se enroscaram em um céu estrelado e uma trombeta de caramujo soou ao longe. Todos nós formamos filas para voltar aos nossos chalés.

Desejei uma boa noite à Percy e Annabeth, e segui para o chalé de Hermes. Tentei enfiar na cabeça que talvez Ártemis tivesse outras coisas para fazer.

Não havia me dado conta do quanto estava cansada até desmoronar em meu saco de dormir. Tive uma noite agitada, mas sem sonhos.

Na manhã seguinte os chalés acordaram ansiosos. Era o dia da captura da bandeira. Novamente uma trombeta de caramujo soou ao longe e todos nos postamos juntos às mesas que haviam servido para a refeição da noite passada.

Os campistas aplaudiram quando Annabeth e um de seus irmãos entraram correndo no pavilhão, carregando um estandarte de seda. Tinha cerca de três metros de comprimento, reluzindo em cinza, com a pintura de uma coruja em cima de uma oliveira. Do lado oposto do pavilhão, duas das filhas de Ares entraram correndo com outro estandarte, do mesmo tamanho, mas vermelho-berrante, com a pintura de uma lança e uma cabeça de javali.

Aquele era o último dia para os campistas que apenas passavam as férias no acampamento.

Eu nunca havia participado da captura da bandeira. Virei-me para John.

– O que representam aquelas bandeiras?

Ele olhou para mim.

– Aquelas bandeiras representam os líderes de cada equipe. Se outro chalé capturar uma delas, o estandarte assumirá o símbolo do chalé que o capturou. Desta vez estamos do lado de Atena, Poseidon e Apolo, temos que tentar tirar a bandeira de Ares.

Quíron dirigiu-se à frente dos campistas e anunciou as equipes. Ares havia se aliado a Dionísio, Deméter, Afrodite e Hefesto. Entre os doze chalés aparentemente haviam sido trocados privilégios como horários de chuveiro, escala de deveres e as melhores posições nas atividades.

Quíron, na forma de centauro, bateu o casco no mármore e anunciou.

– Heróis! Vocês conhecem as regras. O riacho é o limite, a floresta inteira está valendo. A bandeira não deve ter mais de dois guardas. Os prisioneiros podem ser desarmados, mas não é permitido matar nem aleijar. Agora, armem-se!

Ele estendeu as mãos e as mesas subitamente se cobriram de equipamentos: capacetes, espadas de bronze, lanças, escudos e etc. meu capacete, como todos os capacetes do lado de Atena, tinham um penacho de crina azul no topo. Ares e seus aliados tinham penachos vermelhos.

Annabeth gritou:

– Equipe azul, para frente!

John olhou para mim. Ele estava armado até os dentes.

– Você não vai usar uma espada? – perguntou, vendo que eu não trazia nada nas mãos.

Sorri para ele e puxei minha caneta do bolso, destampando-a.

– Não preciso de uma. – respondi.

Ele abriu um sorriso ao ver o arco.

Seguimos Annabeth para baixo, pelo caminho para os bosques do sul. A equipe vermelha gritou nos provocando enquanto seguia na direção norte.

A captura a bandeira havia começado.

Para minha sorte entendi bem as regras do jogo. Após 45 minutos consegui capturar a bandeira de Ares. Quíron soou a trombeta anunciando o término do jogo enquanto eu saia da floresta com a equipe inteira de Atena gritando em comemoração atrás de mim.

Do outro lado a equipe de Ares apareceu de cara amarrada. Alguns jogavam suas armas no chão ou resmungavam em silêncio.

– Parabéns à equipe de Atena. – disse Quíron. – Foi um jogo justo e...

Ele parou de repente, seus olhos fixos em algo acima de minha cabeça. Alguns dos campistas sufocaram um grito. Todos olhavam para mim, havia surpresa em suas expressões.

Quando olhei para cima pude distinguir o holograma de uma lua e um arco e flecha, girando e cintilando acima de mim. O sinal começou a desaparecer e então algo aconteceu com o estandarte vermelho em minhas mãos. Ele começou a tremular e ficou prateado. O javali e a lança foram substituídos pelos mesmos símbolos que haviam aparecido sobre minha cabeça. Pela primeira vez na história do Acampamento Meio-Sangue, a bandeira do jogo assumiu os símbolos do chalé 8. Os símbolos de Ártemis.

– Está determinado. – anunciou Quíron.

Por toda minha volta, os campistas começaram a se ajoelhar, até mesmo o chalé de Ares, embora não parecessem muito felizes com o gesto.

– Ártemis. – continuou Quíron. – Senhora da caça. Protetora da natureza e das mulheres. Salve, Gabrielle, filha da deusa da lua.

Nas horas que se seguiram o acampamento continuou com suas atividades normais. Perto da noite os campistas fizeram uma última refeição juntos, e mesmo sendo contra as regras, Percy e Annabeth sentaram-se ao meu lado para fazer-me companhia à mesa de Ártemis por alguns minutos.

Queimamos parte do nosso jantar para os deuses e junto à fogueira, os conselheiros mais velhos entregaram as contas de fim de verão. As contas são bolinhas feitas de argila e nelas são gravados desenhos que mostrem algo que marcou aquele ano. Elas são amarradas em um fio de couro, formando um colar. Percy e Annabeth possuíam muitas contas já que viviam no acampamento há alguns anos. Já eu, ganhei minha primeira conta e amarrei-a ao pescoço. Ela era preta com o desenho da lua.

– Todos concordaram com o desenho. – disse John. – Está conta comemora a primeira filha da deusa da lua neste acampamento.

Antes de me aprontar para dormir, fui até o chalé de Hermes para despedir-me de meus amigos. Em cima de meu ex-saco de dormir encontrei uma carta padronizada.

Cara Gabrielle ,

Se você pretende permanecer no Acampamento Meio-Sangue o ano inteiro, precisa informar a Casa Grande até o meio-dia de amanhã. Caso não anuncie suas intenções, presumiremos que você vagou o seu chalé ou morreu de uma morte horrível. Harpias da limpeza começarão seu trabalho ao pôr do sol. Elas estarão autorizadas a comer qualquer campista não registrado. Todos os artigos pessoais deixados para trás serão incinerados no poço de lava.

Tenha um bom dia!

Sr. D (Dionísio)

Diretor do Acampamento, Conselho Olimpiano nº 12

Eu tinha apenas algumas horas para decidir se ficaria no acampamento ou voltaria para casa. Dias atrás a escolha teria sido fácil, mas agora que eu sabia de toda a verdade, sentia-me culpada por ter fugido de casa. Sentia muita falta de minha mãe, meu pai e minha irmã.

Dobrei a carta e guardei-a no bolso. Caminhei até o chalé de Ártemis e parei à entrada. Como sempre acontecia à noite, o chalé brilha em prata, como o luar.

Toquei a maçaneta e abri a porta enfeitada com a figura de um arco e flecha em alto relevo. Por dentro o chalé era ainda mais espetacular do que vê-lo de fora à noite. As paredes e o chão eram pintados de prata e havia várias camas com a imagem de uma lua minguante gravada na cabeceira.

Cabeças de animais empanados estavam penduradas na parede do fundo do chalé, exatamente como na cabana de Ártemis. Havia uma prateleira com vários arcos e flechas e imagens de lobos e cervos pintadas ao lado da porta.

As janelas estavam abertas e, embora a noite estivesse fresca lá fora, o chalé era quente e aconchegante. Uma brisa suave soprava de algum lugar, brincando com meus cabelos e deixando um cheiro gostoso que me lembrou o perfume de Ártemis.

Deitei em uma das camas e percebi que cada uma delas ficava ao lado de uma janela, e cada janela dava direto para a lua, dependendo da estação em que ela estivesse.

Lembrei-me de como o chalé de Hermes era barulhento, e de certa forma eu sentia falta disso. Mas fica no chalé de Ártemis também tinha suas vantagens. Eu tinha espaço à vontade. Sentava-me à minha própria mesa de jantar, escolhia todas as minhas atividades, determinava o “apagar das luzes” sempre que tinha vontade e não ouvia mais ninguém.

Olhei para cima e admirei-me com o teto do chalé. Ele era feito para parecer o céu à noite. A lua brilhava iluminando quase todo o recinto com uma luz pálida enquanto as constelações moviam-se ao seu redor, exatamente como no teto sobre os tronos dos olimpianos. Se eu não olhasse com clareza nem daria para perceber que havia de fato um teto de mármore no chalé.

Fitei o anel que havia ganhado de minha mãe no dia em que fugi de casa, e para o colar, presente de Ártemis quando eu ainda era um bebê. Duas famílias tão diferentes unidas por uma única pessoa.

Observei a lua pela janela e lembrei-me de Ártemis dizendo que sempre estaria ao meu lado. Já havia me decidido sobre a carta de Dionísio.

– Eu vou voltar, mesmo que seja perigoso. – falei. – Mas sempre estarei aqui nas férias. Espero que você aprove minha decisão.

Eu nunca deixaria de ser filha de Ártemis e, portanto devia aceitar meu destino como semideusa. Estava no meu sangue, assim como no de todos os outros campistas, lutar contra monstros e vez por outra salvar o mundo. Nós éramos heróis e isso nunca iria mudar.

Virei-me para o lado, fechei os olhos e pela primeira vez em semanas, tive uma noite tranquila.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!