A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 15
Minha visita ao mundo inferior – parte 2


Notas iniciais do capítulo

Foi então que uma espécie de névoa começou a rodopiar ao redor do corpo da múmia. O oráculo abriu a boca e eu finalmente escutei a primeira profecia feita sobre mim, no ano de meu nascimento.



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– Jéssica! – gritei.

Sem me importar com o que poderia acontecer corri em sua direção e lhe dei um forte abraço.

Ela estava perfeitamente bem. Seu rosto estava radiante, sua pele tão lisa quanto a de um bebê, seu cabelo macio e cheiroso. Ela vestia uma túnica branca de seda. Nem uma gota de sangue manchava sua pele ou sua linda roupa, e ela parecia extremante feliz.

– Gabrielle, Percy e Annabeth. Como é bom ver que vocês estão bem. – disse ela. – Zöe Doce-Amarga mandou um abraço.

Percy e Annabeth, que também haviam corrido para encontrá-la, sorriram ao ouvir a notícia.

– Eu nunca duvidei de vocês. – completou Jéssica.

Eu peguei sua mão. Não fazia ideia de quem era Zöe Doce-Amarga, mas isso não me importava no momento.

– Sinto tanto a sua falta. – confessei. – Você foi minha única amiga durante meses e agora por minha causa você está morta.

Jéssica suspirou.

– Mas que bobagem. Conhecer você foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu vivi tantas aventuras, fiz o bem em tantos lugares. Não me arrependo de nada. Graças a você tenho um lugar garantido no Elísio.

Ela apontou para os campos brilhantes.

– Mas... – tentei dizer.

– Eu não quero que se culpe. Eu não quero que se vingue. Eu estou bem, estou feliz.

Percy pareceu confuso.

– Como sabe sobre a vingança? – perguntou ele.

– Ártemis intercedeu junto à Hades pedindo para que ele me colocasse no Elísio. Ela venho me fazer uma visita e agradeceu pelo que eu fiz por sua filha, disse que eu fui muito corajosa. Ela também me contou sobre o que Nêmesis havia feito com você. Eu fiquei muito triste, mas agora estou feliz, porque você está aqui e eu posso curá-la. Acho que era essa a intenção de Ártemis.

Eu franzi a testa.

– Como você pode me curar? – perguntei.

Jéssica sorriu. Devagar ela tocou minha testa com a ponta de seus dedos e senti meu corpo estremecer.

– Eu estou bem Gabrielle. Eu não preciso que vingue minha morte. – disse ela.

Fechei os olhos. Senti algo em meu peito, como se a luz estivesse combatendo as trevas dentro de mim. De repente me senti como se estivesse explodindo em milhares de pedacinhos, a ardência no peito e a sensação de peso no corpo cessaram imediatamente.

Quando abri os olhos percebi que estava chorando. Não de dor, mas de alívio. Pensei em todas as pessoas do mundo que teriam que viver com a mesma sensação que eu havia vivido nesses últimos dias. Caso Nêmesis abrisse a Caixa de Pandora a humanidade viveria em caos. O mal-estar que eu vinha sentindo nas últimas horas havia desaparecido completamente, substituído por uma sensação revigorante. Nêmesis já não agia mais sobre mim.

Jéssica me deu um abraço demorado e logo depois se afastou.

– Não se preocupe comigo, eu não poderia estar em um lugar melhor.

Um vento morno soprou do Elísio e envolveu Jéssica. Era um chamado.

– Não posso ficar muito tempo aqui fora. – ela abraçou Percy e Annabeth e então se virou para mim novamente.

– Gabi, não se esqueça do segundo motivo de você estar aqui. Ache o diário.

Eu concordei. Era evidente eu não havia me esquecido do diário de minha mãe, o qual, segundo Apolo, continha uma informação valiosa que podia me ajudar a derrotar Nêmesis. Mas a questão era como achar um diário na imensidão do Mundo Inferior?

Senti o vento aumentado, mas dessa vez ele não ia em direção à Jéssica, ele vinha até nós, nos obrigando a recuar. Tínhamos que ir embora dali.

A visão de Jéssica começou a sair de foco e eu soube que em segundos ela desapareceria de nossa presença. Percebendo o pouco tempo que restava ela falou rapidamente antes de deixar-se levar de volta ao maravilhoso vale que fazia parte do Elísio.

– Procure na terra onde os espíritos vagueiam e você o achará.

Depois disso o vento nos empurrou para longe e acabamos caindo a metros de distância dos portões de entrada do Elísio.

Levantei-me espanando o pó das roupas com a mão.

– Os Campos de Asfódelos. – disse Annabeth ao meu lado. – O diário está lá!

– Que maravilha! – ironizou Percy. – Você viu o tamanho dos Campos de Asfódelos? Imagino que seja por isso que Nêmesis o escondeu lá. Iremos passar dias procurando por ele.

Eu tinha que pensar rápido. Nós precisávamos encontrar o diário o quanto antes, pois não fazíamos ideia de quando Nêmesis abriria a caixa. A resposta deveria estar no diário. Mas também tínhamos que cumprir nossa missão logo, caso o contrário minha vida e a das caçadoras chegaria ao fim.

Levei as mãos à cabeça e fechei os olhos com força.

– Aconteceu alguma coisa? – perguntou Percy.

Eu reabri os olhos.

– Vamos falar com Hades primeiro, depois voltamos aos Campos de Asfódelos e procuramos pelo diário. – disse eu.

Era melhor sabermos o que Hades havia planejado para nós, assim poderíamos ter uma ideia de como realizar nossa última tarefa. Dependendo do que ouvíssemos ficaria fácil decidir o que fazer primeiro. Talvez Hades até pudesse nos dar uma ajuda em relação ao diário, pensei, embora eu achasse isso improvável.

Percy e Annabeth concordaram. Estava na hora de termos uma conversa com o deus dos mortos.

O palácio de Hades era de longe uma das coisas mais horripilantes do Mundo Inferior. As Fúrias rodeavam os baluartes, lá no alto, nas trevas. As muralhas externas da fortaleza brilhavam em negro e os portões de bronze com dois andares de altura estavam escancarados.

De perto, vi que as gravações nos portões eram cenas de morte. Algumas de tempos modernos – uma bomba atômica explodindo sobre uma cidade, uma trincheira cheia de soldados -, mas todas pareciam ter sido gravadas no bronze a milhares de anos. Eu estava olhando para profecias que haviam se tornado realidade.

– Não acredito que voltamos a esse lugar. – disse Annabeth dando a mão à Percy.

Dentro do pátio havia cogumelos multicoloridos, arbustos venenosos e plantas luminosas fantasmagóricas que cresciam sem a luz do sol. Gemas preciosas supriam a falta de flores, pilhas de rubis, aglomerados de diamantes brutos. Havia estátuas de jardim – crianças, sátiros e centauros petrificados -, todos sorrindo grotescamente.

No centro do jardim havia um pomar de romãzeiras, suas flores alaranjadas brilhando como neon no escuro. O cheiro ácido das frutas era quase irresistível, e eu estava a ponto de tocá-las quando Percy segurou meu braço.

– Este é o jardim de Perséfone. Você não pode tocar em nada. Uma mordida de um alimento do Mundo Inferior e nunca mais poderemos sair. – explicou ele.

Cautelosamente eu afastei-me das irresistíveis romãzeiras. Lembrei-me de Perséfone, deusa da primavera e filha de Zeus e Deméter, deusa da agricultura. A história de Perséfone era realmente muito triste. Hades a havia pedido em casamento, mas Zeus não lhe concedeu o pedido. Impaciente o deus dos mortos emergiu da terra e raptou-a. Depois a levou para seus domínios e fez dela sua rainha.

Deméter ficou inconsolável e junto com Hermes, foi buscá-la no mundo de Hades. Entretanto, Perséfone não havia rejeitado inteiramente o deus que a raptara. Assim, estabeleceu-se um acordo, ela passaria metade do ano junto aos seus pais, e o restante com Hades. As visitas de Perséfone e sua mãe à Terra era o que justificava o ciclo anual das colheitas e a criava as estações do ano.

Segundo os mitos, Perséfone era famosa por acalmar os ânimos do marido.

– Espero que Perséfone esteja com Hades. Caso ele se irrite poderemos contar com a ajuda dela. – falei.

– Sinto lhe dizer Gabi, mas Perséfone está acima, no mundo de luz com sua mãe. – disse Annabeth.

– A sorte não deve mesmo existir por aqui. – comentou Percy, lembrando-se da fala de Caronte.

Subimos os degraus do palácio, entre colunas negras, passando por um pórtico de mármore negro, para dentro da casa de Hades. O vestíbulo tinha um piso de bronze polido que parecia ferver à luz refletida das tochas. Não havia teto, apenas o teto da caverna muito acima.

Todas as portas laterais eram guardadas por um esqueleto com trajes militares. Alguns usavam armaduras gregas, outros, uniformes ingleses vermelhos, e havia ainda os que vestiam roupas camufladas. Carregavam lanças, mosquetes ou fuzis. Nenhum deles no incomodou, mas suas órbitas ocas nos seguiam enquanto andávamos.

Dois esqueletos de fuzileiros navais guardavam as portas.

– Batemos? – perguntei.

Um vento soprou pelo corredor e as portas se abriram. Os guardas deram um passo para o lado.

Nós estávamos numa vasta sala, com paredes de mármore negro e piso de bronze. No centro, em um horripilante trono feito de ossos humanos fundidos encontrava-se Hades.

Ele tinha pelo menos três metros de altura, e usava um manto de seda preta e uma coroa de ouro trançado. Sua pele era muito branca, e o cabelo comprido até os ombros era preto. Todo seu corpo irradiava uma força incrível. Era elegante e perigoso como uma pantera.

Senti que deveria inclinar-me aos seus pés, adorá-lo e obedecê-lo. A aura de Hades estava me afetando. Ele possuía um olhar intenso, um carisma hipnotizador e maligno.

– Estava esperando por vocês. – disse o deus em uma voz untuosa que não transparecia felicidade, mas sim ansiosidade, como se ele estivesse com um plano em mente.

Os olhos de Hades brilharam perigosamente quando encontrou os meus. E tive que me segurar para não sair correndo.

– Senhor Hades. – disse eu. – Caronte nos contou que o senhor exigia nos ver.

Um sorriso assustador brincou nos lábios dele.

– É verdade. Estou a par de sua situação e sei que deseja levar Cérbero daqui.

Eu concordei.

– Sim senhor. Nós precisamos levá-lo para poder terminar as tarefas que seu irmão me pediu para realizar. – disse eu.

Hades entrelaçou os dedos nas mãos, como fazem os estrategistas.

– Meu irmão. – repetiu ele, e eu não pude deixar de ouvir uma nota de irritação em sua voz. – Ele é muito criativo. Mas deixa eu lhe contar uma coisa Gabrielle, não é só porque Zeus lhe mandou buscar Cérbero que eu vou deixá-la fazer isso. Já bastou Hércules tirá-lo de mim uma vez.

Eu abri a boca. Percy e Annabeth não acreditavam no que ouviam. Havíamos chegado tão longe e agora Hades não nos permitiria concluir a missão. Dava para perceber a expressão de satisfação no rosto do deus.

– Mas senhor. – disse Annabeth dando um passo à frente. – Dessa tarefa depende a vida de dezenas de pessoas.

Hades deu uma forte gargalhada que deve ter sido ouvida por todo Mundo Inferior.

– Eu não estou nem aí para a vida daquelas estúpidas caçadoras, e muito menos para a sua, filha de Ártemis. – disse ele.

– Mas... – tentei argumentar.

– Chega! – gritou Hades. O chão começou a tremer e fragmentos de rocha caíram do teto da caverna. – Eu poderia matá-los agora mesmo, mas vou deixar que saiam daqui, porque sei que logo morrerão. Você Gabrielle, que envergonha a lealdade dos deuses, morrerá, seja pelas mãos de Zeus ou pelas de Nêmesis. E seu esqueleto viverá aqui, para que eu possa me divertir com seu sofrimento.

Hades levantou-se e nós três recuamos. Rostos sombrios apareceram nas dobras de sua veste negra, rostos atormentados, como se o traje fosse feito de almas dos Campos de Punição pegas ao tentarem escapar, costuradas umas às outras.

Olhei para o trono menor, vazio, ao lado do de Hades. Tinha a forma de uma flor negra, decorada em ouro. Desejei que a rainha Perséfone estivesse ali.

– Cérbero é um dos poucos que mantém a ordem nesse lugar. Vocês não viram a quantidade de almas que eu recebo todos os dias? É graças a Cérbero que elas não tentam fugir. – completou Hades.

O deus ergueu a mão e eu pensei que ele fosse nos matar. Ao invés disso houve um bater de asas coriáceas, as três Fúrias voaram para baixo para empoleirar-se nas costas do trono do seu senhor. Elas possuíam uma expressão furiosa, perversa. Seus olhos brilhavam como carvão de churrasco. No lugar de dedos elas tinham garras enormes e nas costas grandes asas de morcego. As três sorriram para nós, suas bocas repletas de presas amareladas.

Eu percebi que não tínhamos mais chance, se continuássemos a insistir Hades acabaria por nos matar. Mesmo sem conseguir cumprir as tarefas nós ainda tínhamos que deter Nêmesis.

Então me lembrei de meu pai e uma ideia louca passou-me pela cabeça.

– Senhor Hades. Eu tenho uma proposta para lhe fazer. – disse eu.

Percy e Annabeth congelaram.

– O que você está fazendo? – sussurrou Annabeth.

Enfrentando o medo aproximei-me de Hades. O deus ergueu uma sobrancelha.

– Já que o senhor tem tanta certeza que eu vá morrer. Eu lhe faço uma proposta. Se eu morrer, seja pelas mãos de Zeus ou pelas de Nêmesis, o senhor fica com minha alma para toda a eternidade e faz o que quiser com ela. Mas se eu vencer Nêmesis, e Zeus não me matar, o senhor liberta meu pai e o coloca no Elísio. – disse eu.

Hades sorriu levemente e eu senti o ar mais frio, meu corpo ficou rígido, comecei a ter falta de ar, meu sangue começou a arder, meus ossos pareciam estar em fogo. Tudo venho muito rápido e com a mesma rapidez se foi. Hades estava me mostrando apenas uma parte do que faria comigo caso minha alma caísse em suas mãos.

– Tem certeza de que quer fazer isso? – perguntou o deus.

Pensei em viver a eternidade sentindo tudo o que havia sentido, e ainda muito mais. Mas eu não podia e nem queria voltar atrás. Havia prometido ao meu pai que o tiraria de lá, e confiava em mim e em meus amigos na luta contra Nêmesis.

– Tenho. – respondi.

Hades voltou-se a sentar em seu trono.

– Então está fechado. Que o Rio Estige sele o nosso juramento.

Um trovão se fez ouvir.

Virei-me para Percy e Annabeth e eles me deram um forte abraço.

– As Fúrias irão acompanhá-los até a saída. – disse Hades. – E não tentem nenhuma gracinha. Não se esqueçam de que estão em meus domínios.

Nossa conversa com Hades havia chegado ao fim. As três Fúrias voaram em nossa direção e seguiram para os portões. Dando às costas ao deus do submundo nós as seguimos.

Começamos a fazer o caminho de volta com as Fúrias voando à nossa frente.

– Você não deveria ter feito isso. – disse Percy.

– Eu prometi ao meu pai que o tiraria de lá. –falei.

– Vai ficar tudo bem. Zeus não irá lhe matar, e nós acabaremos com Nêmesis. – disse Annabeth, embora não parecesse muito confiante.

Estávamos passando em frente aos portões do Elísio.

– Eu sinto muito por esses últimos dias. – disse eu. – Por ter brigado com vocês dois sem ter motivos e falado coisas grosseiras que não eram verdade.

Annabeth pousou uma mão sobre meu ombro.

– Sem problemas. Nós sabemos que aquela não era realmente você.

Eu suspirei. Nêmesis quase havia estragado minha amizade com Percy e Annabeth.

Continuamos caminhando quando de repente olhei para o lado e vi os Campos de Asfódelos. Comecei a diminuir o ritmo de minhas passadas enquanto pensava em uma maneira de distrair as Fúrias e sair em busca do diário.

Percy e Annabeth aos poucos se aproximaram mais de mim.

– O diário. Não podemos sair daqui sem ele. – sussurrou Percy tomando cuidado para que as Fúrias não lhe ouvissem.

Então eu senti algo. Era como uma força estranha que serpenteava entre os mortos que vagavam ao longe, e se dirigia a mim. Eu parei subitamente e fixei o olhar entre as várias almas dos Campos de Asfódelos. Estranhamente minha visão foi aumentando, percorrendo em meio aos mortos, exatamente como quando você olha por um binóculo e aos poucos vai aumentando sua capacidade de enxergar à distância. Meus olhos pareciam agir como os das águias quando, mesmo voando conseguiam enxergar uma presa no solo à metros de distância.

Só que diferente das águias, não foi uma presa que eu encontrei, mas sim o diário. Ele estava sobre uma bancada, era feito de prata e brilhava como o luar. Em sua capa lia-se: ÁRTEMIS.

Pisquei com força e quando reabri os olhos estava enxergando normalmente. Não conseguia mais ver o diário, mas eu tinha certeza que ele estava perto.

Agarrei o braço de Annabeth.

– Eu sei onde está o diário.

– Mas como? – perguntou ela.

– Não importa agora. Vocês acham que conseguem distrair as Fúrias enquanto eu corro para buscá-lo? – perguntei.

Percy ia abrir a boca para responder quando uma das Fúrias virou-se para nos olhar.

– O que está acontecendo aí trás? Por que pararam? Vamos, voltem a andar agora mesmo.

Percy, Annabeth e eu nos pusemos a caminhar lentamente, seguindo as três Fúrias.

– Algum plano? – perguntou Percy.

Estávamos quase passando os Campos de Asfódelos, se esperássemos mais um pouco não teríamos como voltar atrás. Annabeth começou a mexer em sua mochila.

– Por sorte Atena sempre tem um plano. – disse ela puxando o boné da invisibilidade que ganhara de sua mãe.

– Brilhante. – falei.

Certificando-se de que as Fúrias não nos observavam, Annabeth colocou o boné sobre minha cabeça. Maravilhada baixei o olhar sobre meu corpo, mas ele não estava mais lá. Eu estava completamente invisível.

– Espera aí. Onde está a outra? – perguntou uma das Fúrias olhando para nós.

– Droga. Malditos filhotes de deuses. – resmungou a que tinha em mãos um chicote.

As Fúrias começaram a avançar rapidamente. Annabeth pegou sua faca e Percy sua espada de bronze.

– Vai! Agora! – gritou Percy.

Sem pensar duas vezes comecei a correr o máximo que podia, o que não é pouca coisa, por ser filha de Ártemis minha velocidade e agilidade superavam as de qualquer semideus. Minha visão estava focada no diário, os espíritos dos mortos à minha volta resmungavam sem entender quando eu passava e os empurrava para longe.

Finalmente comecei a aproximar-me cada vez mais da bancada até que minhas mãos tocaram o diário.

Não sei explicar muito bem o que aconteceu, mas foi como se o tempo parasse. Eu não me encontrava mais nos Campos de Asfódelos, mas sim em algum no lugar no meio de uma linda floresta banhada pelo luar. À minha frente uma mulher com lindos cabelos ruivos ondulados e um vestido prata segurava um bebê no colo, e cantava uma música leve e suave, como uma canção de ninar. O brilho da lua pareceu inclinar-se sobre a criança iluminando seus olhos cinza. Ártemis sorriu e então beijou a testa do bebê.

A visão mudou e agora eu me encontrava em meio a uma floresta diferente. Embaixo de uma árvore Ártemis conversava com uma bela mulher que possuía a cor dos olhos iguais aos de Annabeth e que vestia um elegante vestido vermelho. As feições de seu rosto também me lembravam muito de Annabeth.

– Atena. Eu não posso abandoná-la. – disse Ártemis.

– Então entregue-a a um casam mortal. – respondeu a outra.

– Mas Zeus irá matá-la.

– Não. Eu tenho tudo sobre controle. Não se preocupe, eu falarei com nosso pai, ele não fará mal a minha sobrinha. – garantiu a deusa da sabedoria.

A visão mudou novamente. Eu estava em uma espécie de sótão, era possível sentir o ar morno e o cheiro de mofo e de madeira podre que impregnavam o lugar. O sótão estava atulhado de sucata de heróis gregos. Sobre uma mesa comprida estavam amontoados potes de vidros cheios de coisas em conserva – garras peludas decepadas, enormes olhos amarelos e diversas outras partes de monstros. Tudo estava empoeirado e coberto de teias de aranha.

Reconheci o lugar imediatamente, embora nunca houvesse estado lá. Lembrava-me detalhadamente das descrições que Jaqueline, uma das filhas de Atena, havia me dado quando lhe perguntei o que havia dentro daquele sótão. Ele encontrava-se no Acampamento meio-sangue, e quem morava em meio a todos aqueles entulhos era o Oráculo de Delfos. Um oráculo consultado pelos gregos desde a antiguidade e que agora servia para que os semideuses pudessem ter uma noção do que enfrentariam em sua missão.

Este oráculo era na verdade uma múmia que se encontrava sentada em uma banqueta de madeira com três pernas. Seu corpo não era enfaixado, mas sim ressecado até ficar só a casca. Usava um vestido de verão estampado, uma porção de colares de contas e uma bandana por cima de longos cabelos pretos. A pele do rosto era fina e parecia couro por cima do crânio, e os olhos eram fendas brancas vítreas, como se os olhos de verdade tivessem sido substituídos por bolas de gude, devia estar morta fazia muito, muito tempo.

À frente da múmia uma mulher caminhava para lá e para cá, como fazem as pessoas quando estão nervosas e ansiosas ao mesmo tempo. Aproximei-me e percebi que aquela mulher era Ártemis.

A deusa continuou caminhando de um lado para o outro por um tempo, como se estivesse pensando qual seria a coisa certa a pedir. Por fim Ártemis parou em frente à múmia e perguntou:

– Qual é o destino de minha filha?

Por um breve momento a múmia continuou parada. Ela não estava viva. Ela funcionava como um tipo de receptáculo onde o espírito de Apolo, deus das profecias, podia agir.

Foi então que uma espécie de névoa começou a rodopiar ao redor do corpo da múmia. O oráculo abriu a boca e eu finalmente escutei a primeira profecia feita sobre mim, no ano de meu nascimento.

Enquanto os deuses comemoram a queda do grande titã,

Sobe até o antigo monte sagrado a mais pura vingança.

A humanidade encontra-se em perigo,

E da filha da lua surge a única esperança.

A névoa desapareceu serpenteando de volta à boca da múmia, que se fechou bem apertada, como se não tivesse sido aberta em cem anos. O sótão tornou a ficar em silêncio. Ártemis poderia ficar lá para sempre, mas não ficaria sabendo mais nada.

A deusa fechou os olhos. Seu bebê estava salvo por enquanto, até o dia em que a profecia se cumpriria. Sem aviso Ártemis desapareceu em uma luz prateada que iluminou o sótão por um momento e então se foi.

Eu estava novamente nos Campos de Asfódelos. Minha mão estava sobre o diário, eu me encontrava na mesma posição em que o havia tocado. Às minhas costas eu podia ouvir Percy e Annabeth lutando contra as Fúrias.

Aquele diário continha as lembranças de minha mãe. No momento em que eu o toquei pude vê-las claramente. O estranho era que apesar delas terem durado alguns minutos o tempo não parecia ter passado no Mundo Inferior.

Minha cabeça estava atolada de pensamentos. Os versos da profecia faziam eco em minha mente, mas eu não tinha tempo para analisá-los. Precisava ajudar Percy e Annabeth.

Peguei o diário e o coloquei dentro da mochila. Arrumei a mochila nas costas e destampei minha caneta. Em segundos eu segurava um arco prateado nas mãos.

Comecei a correr de volta para os portões que levavam aos Campos de Asfódelos. Quando cheguei lá encontrei Percy e Annabeth em apuros. Eram três Fúrias contra dois semideuses.

Puxei uma flecha e a coloquei no arco. Atirei na direção da Fúria que possuía um chicote e quando a flecha a atingiu, o monstro demoníaco explodiu em pequenos gransinhos de poeira.

As duas Fúrias restantes começaram a olhar ao redor procurando o autor da flecha, mas não me viram, pois eu ainda usava o boné de Annabeth.

Aproveitando o momento de distração das Fúrias, Percy usou sua espada e com a lâmina afiada atravessou o corpo de uma delas perfurando o coração enquanto Annabeth cravava sua faca diretamente na barriga da última Fúria. As duas Fúrias explodiram como a primeira.

Tirei o boné e juntei-me a Percy e Annabeth.

– Conseguiu pegar o diário? – perguntou Percy.

– Sim. – respondi devolvendo o boné à Annabeth. – Temos que sair daqui. Eu acho que sei onde encontrar Nêmesis.

Nesse momento alarmes começaram a tocar por toda a parte e começamos a ouvir centenas de passos em sincronia que vinham em nossa direção. Por todos os lados surgiram soldados esqueléticos portando armas de fogo.

– O que fazemos agora? – perguntei.

Os soldados aproximavam-se. Eram centenas de esqueletos furiosos. Aos poucos eles começaram a nos cercar.

– Eu tenho uma ideia. – disse Annabeth. – Me sigam!

Ela correu em direção aos soldados e começou a golpear usando sua faca. Percy fez o mesmo com sua espada, e os dois iam abrindo caminho enquanto eu cuidava de nossa retaguarda, atirando nos esqueletos que nos seguiam. Mas eles eram muitos e continuavam avançando.

Annabeth nos levou de volta as três entradas que continham filas enormes de gente morta. Ao longe eu pude ver o Estige, o rio pelo qual havíamos chegado ali.

A poucos metros de onde estávamos encontrava-se Cérbero, o cão de três cabeças.

Annabeth parou.

– E agora? – perguntei ainda atirando nos soldados mais próximos e os impedindo de avançar.

– Subam em Cérbero. – disse ela.

– O que?! – perguntou Percy.

– Confiem em mim. – falou Annabeth. – Vamos sair daqui com o diário e a última tarefa cumprida.

Nós nos aproximamos do cão. Cérbero notou nossa presença, mas não nos atacou.

– Bom menino. – disse eu. – Vamos tirá-lo daqui. Só tem que nos deixar subir em suas costas.

O cão pareceu entender. Ele inclinou seu corpo para perto do chão e nós três subimos.

Vendo que tentávamos fugir, os soldados esqueletos começaram a atirar. Tinhamos que ir embora dali.

Escolhi uma flecha e a atirei na corrente de aço que prendia um das patas de Cérbero. A corrente arrebentou deixando-o livre.

– Como ele vai fazer para atravessar o rio? – perguntei.

Um dos tiros dos soldados passou a centímetros de minha orelha esquerda.

– Ele não precisa. Cérbero é um cão infernal. Cães infernais podem viajar nas sombras. – respondeu Annabeth.

“Viajar nas sombras?”

O chão começou a tremer. Uma espécie de força maligna tomou conta do lugar.

– Hades. – sussurrou Percy. – É melhor sairmos logo daqui.

– OK. Cérbero, nos leve para fora desse lugar. – disse Annabeth, mas então ela pareceu pensar duas vezes. - Pensando melhor, nós leve de volta à Nova York.

Cérbero balançou suas três cabeças enormes e fixou o olhar à frente, então saltou adiante, na direção de uma parede de rochas.

Um instante antes de a atingirmos, mergulhamos em sombras tão frias quanto o lado escuro da lua.


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Notas finais do capítulo

Gabrielle está livre do poder de Nêmesis, mas a luta contra a deusa da vingança está prestes a começar. A missão foi cumprida, mas o mundo ainda corre grande perigo.



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