Eu sabia antes mesmo de abrir os olhos, que tinha uma ressaca violenta. Sentei, estendendo a mão para o copo de água que coloquei no meu criado-mudo e bebi o copo inteiro, apesar de beber ser a última coisa que eu queria fazer nesse momento.

Caminho até a sala e encontro Blaire já acordada assistindo Friends.

– Bom dia Sunshine! – grita de propósito me fazendo estremecer.

– Bom dia B, fala baixo por favor – resmungo.

– Ok. Olha, eu fiz ovos e bacon porque estava com vontade e sobrou, mas tem também iogurte e granola na mesa se preferir.

– Obrigada – agradeço. Pego um pouco do que ela fez e vou comer no sofá. – Kate ainda está dormindo?

– Sim, aquela provavelmente hoje só acorda para almoçar e olhe lá! – diz.

Estamos assistindo um episódio em que o Joey e o prédio inteiro ficam viciados nos chocolates da Monica, quando Blaire se vira me olhando e pergunta:

– Ontem a Kate e o tal de Elliot estavam praticamente se engolindo, mas foi impressão minha ou rolou um clima entre você e o Jamie?

– Clima? Aquele homem é doente. Eu estava dançando com um cara e de repente ele chega e diz “ela está comigo”. - engrosso a voz fazendo Blaire rir da minha imitação – Quem ele pensa que é?

– Meg, eu não sei, mas ele sempre estava te olhando. Não tão descaradamente quando o Elliot, mas estava. E rolou um clima sim que eu vi.

– Não, você viu errado então. Mudando de assunto, quando fui te chamar você estava conversando com o dono do club?

– Não. Você acredita que do nada ele aparece na pista, me puxa pelo braço e diz que eu não precisava daquilo para chamar atenção e para eu não me tornar comum como todas. Eu fiquei totalmente sem reação, ainda bem que você me chamou – explica indignada.

– É amiga.. Acho que só a Kate se deu bem – digo e ela concorda – bom, vou me trocar e correr um pouco no parque. Topa?

– Prefiro ficar aqui quietinha vendo meu seriado. Corre por mim também – Blaire odeia correr e Kate só me acompanha na academia, então eu vou sempre só. Eu e minhas músicas.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Adoro correr pela manhã. Calço meu par de tênis, visto um shorts e uma camiseta confortável. Prendo o cabelo no alto e ligo meu Ipod. Com “Frown now on” em meus ouvidos, parto em um dia lindo de sol.

Megan: http://www.polyvore.com/meg_correr/set?id=109783600

Atravesso o parque. Meus pensamentos voltam a todo o momento para ontem... Homem nenhum jamais me afetou como ele, e não consigo entender por quê. Será sua aparência? Sua postura arrogante exalando poder? Não entendo minha reação irracional. Enquanto corro minha mente continua vagando, lembrando de dois penetrantes olhos azuis me encarando e da voz grossa me dizendo que faria o que for preciso. O que for preciso para quê? Esqueça isso Meg, eu me repreendo. Não pense mais nisso, não vai vê-lo nunca mais. Imediatamente me animo com essa ideia.

Paro para comprar uma água e começo a sentir os sinais de sempre. Minhas costas começam a formigar na região da tatuagem e dói (http://www.tatuagens3d.com.br/wp-content/uploads/2013/03/tatuagens-feminina-53.jpg ), fico inquieta e isso me frustra. Eu já sei o que me espera. È automático, por mais que eu não queira e por mais que eu tente impedir é em vão. Eu me sinto impotente e ao mesmo tempo realizada.

Havia um casal fazendo um piquenique no parque, pareciam se divertir e esquecer o mundo a sua volta. Estavam em um mundo particular, só deles. Eu me sentei em um banco ali perto e fiquei observando-os. Momentos dos dois juntos passavam como flashes: quando se conheceram, os encontros, flertes, mensagens antes de dormir e ao acordar. O brilho nos olhos, o sorriso no rosto. Promessas, beijos, abraços, a primeira transa. A distância, o ciúmes, as lágrimas, o sofrimento e as brigas. Um momento se destacou no meio disso tudo “Como você sabe que me ama de verdade? – ele pergunta a olhando nos olhos. Ela responde sem hesitar – O dia em que você abrir mão da sua própria felicidade por outra pessoa, terá entendido o que é amar de verdade.”

Essa frase mexeu comigo, e tive certeza que se tratava de um casal especial. Antes eu não via importância nisso. Fiz muitas besteiras pensando que podia fazer as pessoas se apaixonarem, porém oferecia ilusões a pessoas que não sabiam nem o que é o amor. Nenhum poder do além pode fazer um humano amar o outro, aprendi isto da pior forma. Sofri as consequências pelos meus atos impulsivos e por agir conforme a minha vontade. A dor era insuportável, mas era de se esperar que uma adolescente com esse poder nas mãos fizesse merda. Hoje não brinco mais com o sentimento alheio, não saio por ai flechando corações sem motivos. Hoje eu só faço o que devo, e quando devo. Eu concretizo um sentimento que já existe, com a intenção de quebrar qualquer barreira, receio ou medo. Acabo com os “porque”os “e se”que na maioria das vezes são induzidos pela sociedade.

Eu ando com o meu arco sempre. Ele é um pingente que uso na pulseira na maioria das vezes. Posso aumentá-lo para se adaptar a situações e quando grande ele se torna invisível. Pego o arco e a flecha dourada está armada, aponto para o casal e disparo. Eles se olham como se fosse a primeira vez e se beijam apaixonadamente.

No fim a dor some, me sinto entorpecida e o meu corpo pesa. O pior não é a dor que sinto antes, quando minhas asas querem sair fazendo as minhas costas queimarem e a minha cabeça latejar. O pior é me achar horrível por sentir inveja. Inveja de um sentimento puro, da sorte de encontrar a pessoa certa, de ser amada.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Chego em casa cansada não só fisicamente, mas emocionalmente também e encontro Kate falando sem parar.

– Meg, ainda bem que você chegou. O Elliot ligou e me convidou para jantar com ele hoje à noite.

Eu estava alheia a tudo, irritada e impaciente, mas não queria descontar isso nela.

– Sério? E aquele papo ontem de sem compromissos, trancar meu lado emocional e blá blá blá?

– Você se esqueceu que está falando com a Kate? – Blaire diz bufando.

– Amigas lindas é só um jantar, nada demais. – Kate pensa que me engana, deve estar dando cambalhotas por dentro. Eu conheço a peça que tenho como amiga/irmã.

– Aham, sei. – respondo.

– Eu queria sua opinião, estou com dúvida entre dois vestidos. Blaire já deu seu voto e agora falta o seu.

– Tá, me mostra as opções – Sigo ela até o nosso closet e ela mostra os vestidos.

– E aí o que você acha? – Um vestido era vermelho vazado entre os seios e o outro preto fechado, justo até a cintura e mais soltinho abaixo dos quadris.

– Preto sem dúvidas. Você fica sexy com quase tudo, não precisa de um decote desses – Até de moletom ela fica linda!

– Se isso não é uma declaração de amor, eu não sei o que é. – diz se fazendo de emocionada, e não consigo não rir da sua cara.

– Menos sua convencida. Eu estou muito cansada, se você precisar de mim é só me chamar – digo, mando um beijo e vou direto para o meu quarto.

Caio na cama do jeito que estou, sem me importar com nada. É sempre assim, ser um cupido é exaustivo em todos os sentidos. Me encolho enrolada nos lençóis, fecho os olhos e adormeço pensando no que aconteceu no parque. Isso, o amor, é sempre com os outros, nunca comigo.