A morena só acordou na manhã seguinte, na própria cama, ainda de vestido, sem sandálias. Sentou na cama e se espreguiçou enquanto uma tranqüilidade vaga enchia seu coração. Levantou da cama e foi tomar um banho. O sol refletia nos azulejos brancos do banheiro, as coisas pareciam em seu lugar pela primeira vez em alguns meses. Yuki saiu do banho, vestiu suas roupas velhas e confortáveis, penteou os cabelos em frente ao espelho e foi para a cozinha. Asuka já havia acordado e estava sentada à mesa da cozinha lendo uma revista.

            - Aleluia! Já é meio-dia e eu aqui morrendo de fome, esperando a donzela acordar e vir fazer o almoço.

            - Também te amo. – disse Yuki, beijando os cabelos ruivos da amiga ao passar em direção à geladeira. – O que você quer comer?

            - Sei lá. Vê aí o que você tá afim de fazer.

            - Tá. – disse Yuki, pegando alguns tomates de dentro da geladeira. – Foi legal a festa ontem né?

            - Foi. Você que o diga. Se divertiu bastante com o Uruha né?

            - Sim. E o que você quer dizer com isso?

            - Você sabe muito bem o que eu quero dizer. 

            - Pára, Asuka. – Yuki disfarçou o embaraço e continuou picando os tomates.

            - Ah, Yuki. Larga de ser teimosa. Abre os olhos. Agora você não namora mais o Hizumi, graças à Deus, e sabe... o Uruha é um amor, e ele te adora. Ele até te trouxe para cama ontem.

            - Quê?! – Yuki bateu a faca com força no tomate, fazendo espirrar algumas sementes.

           - O que? Você não achou que fui eu quem te carregou até a cama né? – a ruiva se apoiou na pia ao lado da amiga – Aliás, eu não fiz nada. Quando eu fui olhar, você já tava sem sandálias e coberta. Ele fez tudo sozinho. Um anjo né?

           - E enquanto ele fazia tudo isso você tava na sala com o Ruki ou algo assim, certo?

           - Uhum. – a mais velha respondeu, olhando as unhas.

           - Sua cara de pau! Quando eu ia na casa do Hizumi você queria pôr toda a policia de Tokyo pra me proteger, agora o Uruha, você deixa ele tirar as minhas sandálias e me cobrir e nem dá bola. Pior! Você aprova!

           - Não compara os dois, Yuki. É água e vinho. E pára de se fazer de difícil. Ou vai dizer que você nunca pensou no quanto seria bom se vocês ficassem juntos?

           - É que... – Yuki corou um pouco, mas se manteve convicta – O lance todo do Hizumi, ainda tá muito fresco. É cedo pra pensar em outro relacionamento.

           - Essa não colou, Yuki. Ou você acha que eu esqueci de você dizendo pra ele não voltar e que vocês eram só amigos e você confundiu as coisas. E além do mais, o Hizumi mal tinha ido embora e você já tava lá no bar com o Uruha na comemoração do noivado do Kai.

           - Como amigos. E justamente por isso eu não quero que você insista nisso, eu e o Uruha somos só amigos e ponto.

           - Pára de ser infantil. Admita de uma vez que o que há entre vocês dois tá longe de ser só amizade. Eu vejo o jeito que ele olha pra você. – Asuka parou de soar um tanto severa e usou um tom mais doce – O jeito que ele te carregou no colo pro quarto ontem, Yuki, eu queria que você tivesse visto. Dá uma chance pra ele, vai.

           - Não sei. Preciso de um tempo. Preciso pensar. Eu... eu vou pensar.

           - Pensa com carinho, tá?

           - Chata. – disse Yuki, sorrindo e corando – Pega o sal pra mim?

 Aquela semana passou tranqüila. As bandas teriam dois meses de folga antes de gravarem vídeos novos e irem para a turnê européia. Yuki aproveitou aquela primeira semana para sair com seus companheiros de banda, velhos amigos de escola. Os pais de Yuki ligaram naquela semana, querendo noticias dela. Yuki quis saber da avó, a pianista que havia lhe ensinado a tocar piano e falar francês. A moça esqueceu de todos os dilemas e deu um tempo para si naqueles dias. Procurou não pensar em nada, esquecer que o mundo existia, deitar no sofá e relaxar. No domingo daquela mesma semana, Yuki sentiu-se um pouco inquieta ao acordar, como se algo estivesse faltando.

 Foi até a cozinha buscar uma xícara de café e se deparou com Asuka e Ruki de pijamas comendo biscoitos e se beijando.

            - Bom dia. – ela entrou na cozinha, desejando por algum motivo ser invisível.

            - Yuki acordando antes das dez, que milagre. – Asuka disse, tomando um gole de café.

            - Bom dia, Yuki. – Ruki respondeu.

            - Que cara é essa? Dormiu mal? – perguntou a ruiva, enquanto Yuki servia uma caneca de café.

            - Não. Dormi bem. – Yuki procurou não pensar no quanto invejava Asuka e Ruki. – Vou ver tv.

            - Ela sempre acorda assim? – Ruki perguntou quando a morena saiu da cozinha levando consigo a caneca e alguns biscoitos.

            - Não. Mas eu sei exatamente o que tá acontecendo com ela, e é tudo culpa da teimosia dela.

  Yuki sentou no sofá e ligou a tv. As imagens passavam como se nem existissem. Encarou um ponto qualquer e mergulhou em pensamentos. Por um momento quase pode sentir um braço envolvendo seus ombros e o calor de um corpo sentado ao seu lado, mas quando se virou e viu o sofá vazio esse sentimento desapareceu. Ouvia os risos de Asuka e Ruki, o som dos beijos estalados, enquanto a solidão se misturava ao sangue que lhe corria pelas veias. Deitou a cabeça numa almofada e desejou não existir. Chegou a se perguntar onde Hizumi estaria naquele momento. Algumas lembranças chegaram a lhe confortar por alguns instantes mas não demorou até que se desse conta de que não passavam de memórias. Os filmes na TV lhe mostravam histórias de amores eternos e casais felizes, uma realidade que parecia tão longe da sua e que só contribuía pra que aquele aperto em seu peito piorasse. Não soube dizer por quanto tempo ficou deitada ali tentando se sentir menos mal. Ruki e Asuka passaram e foram até o quarto, voltando minutos depois para perguntar-lhe se ela queria que eles lhe trouxessem algo pro almoço. Ela disse que não. Eles saíram para comprar comida e ela continuou deitada ali, encarando o teto até eles voltarem.

             - Trouxe um sanduíche pra você Yuki. – Asuka disse quando ela e o namorado passaram pela sala em direção á cozinha. Yuki levantou e seguiu os dois.

             - Eu disse que não era pra trazer nada, Asuka.

             - Eu te conheço, menina. Sabia que você ia querer. E você tem que comer, já é quase uma hora e você não comeu nada desde o café.

             - Mas eu não tô com fome.

             - Tá, sim. Come, vai. – disse a mais velha entregando o pacote à outra.

             - Se eu não comer o que você vai fazer?

             - Te enfiar esse sanduíche goela a baixo. Come.

             - Tá. – a mais nova sentou à mesa, conformada e comeu o sanduíche calada. – Vou tomar banho.