Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 89
Capítulo 88


Notas iniciais do capítulo

Tirei um momentinho aqui pra respirar e revisar. Que mês intenso, hein! Pra mim parece que vim semana passada postar, mas fui olhar a data e putz! Deixei vcs na seca pelo jeito hehe

Não deu pra comentar o capítulo passado, mas oh, eu tbm acho que o Murilo tem razão - sobre as brigas em relação ao Gui e Milena. Que vcs acham?

Leiam o capítulo e, se quiserem, comentem o que pensam desse rolo todo que tá acontecendo. Nada contra fantasminhas, só deixando claro que opiniões sempre são bem-vindas ;) pra saber se estão curtindo, surtando, enfim, leiam, leiam, leiam!

Enjoy.



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Eu sabia que não podia ficar calada, na minha, por muito tempo. Apenas que mais uma ida pra faculdade com o Gui e a gente discutindo, eu não aguento mais. E preciso deixar isso claro.

Estava eu de boa no carro, no fim do expediente, fuçando na internet do celular enquanto esperava o Gui voltar para pegar um caderno seu que esqueceu na sala dos estagiários. Pelo local onde ele estacionou, a internet não tava pegando direito, então passei uns minutinhos esperando a opção de ver comentários sobre determinada foto estar disponível. A foto em questão era de um churrasco de bairro que teve na casa do Sávio e ao fundo de toda uma zona entre crianças brincando, adultos preparando a carne e todos aparentemente conversando entre si, estavam ele e a Iara abraçados, rindo de alguma coisa que o seu tio contava. Fofo!

Então sim, tomei um susto quando o Gui se materializou no banco do motorista e me chamou. Gritou praticamente.

– Milena!

– EU! Oi? O quê, que foi?

– Te chamei várias vezes.

– Ah, hum. Num ouvi, sorry.

E me voltei de novo para a tela do meu celular. Ele ligou o carro, manobrou pra sair do estacionamento e o sinal da internet caiu de vez. Com um muxoxo, saí do aplicativo e coloquei o celular dentro da bolsa. Quando olhei para o perfil da criatura do meu lado dirigindo... percebi tensão.

– O que é que tu já tá desse jeito?

Entre dentes, Aguinaldo só disse:

– Nada.

– Tá, né.

Já ia pegar meu celular de volta, pra checar meus lembretes do dia quando veio:

– Dá pra parar com isso?!

– Isso o quê?

– Isso, você...

Talvez não fosse muito seguro conversar com ele desse jeito enquanto dirigia, pois ele tentou gesticular algo e no cruzamento onde nos encontrávamos era perigoso ele segurar o volante assim, só com uma mão. Eu acho. Estava escuro, não dava pra ver tanto assim dele ou saber se era realmente perigoso.

– Eu...?

– Você... me ignorando.

Ah, só isso?

– Cara, se eu tivesse te ignorando, juro que não estaríamos nessa conversa, pode ter certeza.

– Faz uns dias que tu anda estranha.

– Eu sou estranha, se você não lembra.

Até que eu tava bem tranquila, pra falar a verdade.

– Não me enrola.

– Tá, o que você define como... evidências... sobre eu estar... hum... estranha?

– Muitas coisas. Como o fato de que na empresa você some? Não responde minhas mensagens? Desvia quando eu apareço? Por três dias?

– Eu tava trabalhando, oras.

Ok, eu quis soar que ele era o paranoico e acho que ele tá pra ficar paranoico mesmo. Quando eu provoco, provoco e ainda gosto de sambar em cima. Mas, né, não dava pra prolongar isso por muito.

– Ok... E as horas que você fica muito indiferente também? Cumprimentei vocês hoje na chegada e recebo o quê? Você me deixando falando sozinho.

– Que mentira, a Iara tava lá.

Ela tava. E ficou com uma cara de ?? também porque eu saí andando logo que ele apareceu.

– Eu te fiz alguma coisa? Porque do que eu me lembre, eu num fiz nada.

Não fez nada para eu saber o que ele fez, mas eu descobri.

De qualquer maneira, quase posso rolar os olhos por essa implicância dele. Me vem na mente a voz do Murilo falando que a gente briga quase todo dia e lá estava, o Gui puxando discussão de novo. Realmente, ele tem me cobrado mais que meu próprio namorado e irmão. Isso tem que parar.

– Inclusive não falei nadinha sobre você ter sentado com ele esses dias.

Sinto que ele tinha que tocar nessa parte, tinha. Esteve se segurando, inclusive.

– Nem precisou, né. E não teria o que falar afinal.

Gui ri um riso baixo e debochado. Haja paciência.

Tá, tá, minha consciência bate. Uma hora ele ia sentir a diferença, claro. Mas não preciso entregar todo o jogo, penso.

– Eu não... eu não tô chateada. Só... tentando relevar. Então baixa a bola aí que ficar irritadinho por nada não cola comigo.

Nem parece que ele me ouve.

– Relevar o quê?

Me espanto é por estar tão calma.

– Eu sei o que você fez, beleza?

– O que eu fiz?

– Você cobrou do Vini pra ir pro encontro do Sávio lá em casa.

– Então a lenda de que o Vini não guarda bem segredos é verdadeira.

– Hey, não brinca com isso, tá.

– Eu não tô brincando. Mas quer saber? Pedi sim. Tava no meu direito.

Aí é minha vez de rir debochadamente. Porque era a cara do velho Murilo de dizer essas coisas! Era igualzinho! O Gui pegou os vídeos do meu irmão e decorou as falas? Se ao menos esses vídeos existissem, dava pra acreditar que sim.

– O que você acha que é seu direito? Espionar seus amigos?

– Não, ter ao menos alguém pra cuidar de vocês quando eu não poderia estar presente... por razões óbvias.

Bufo e quero ter mais um ataque de riso, daqueles como diz o ditado, rir para não chorar. Ele que tanto me prometia que ia se consertar, que ia tentar, que... enfim, ainda é esse resistente. Quero manter minha calma, quero manter minha calma, quero manter minha calma. Quero rir também, mas manter a calma é mais válido. Vou ter que adotar esse mantra pra toda e qualquer conversa com o Gui pelo jeito.

Meio tediosa, declaro:

– Vamos ter mesmo a mesma discussão?

– Me diz você.

– Olha, foi você quem pediu pro Vini ir lá pra casa, sabendo como é a relação dele com o Sávio E com a Iara.

Não que ele pudesse adivinhar que o Vini – meu Deus, até o VINÍCIUS – estava mais relaxado e civilizado quanto a isso. Olha o nível da situação.

– Ué, quando ele me pediu pra cuidar de ti na viagem, eu não vi nada demais.

Bufo novamente.

– Acho que ainda é preciso você se dar conta do que de verdade é cuidar das pessoas. Porque isso aí que não é.

– Ah, qualé, Mi, vocês que começaram primeiro com esse encontro pelas minhas costas.

– Eu me lembro muito bem, Aguinaldo Vilhaça, que te contei.

– Porque eu te fiz contar.

– Não, eu poderia muito bem ter te enrolado na resposta. Isso sim seria agir pelas suas costas. Foi você quem agiu pelas nossas. Foi muito baixo, sabia? Parece que não confia em mim. Ou na Iara. Ou até no Murilo! Que é o Murilo!

Chateado, ele rebate:

– Eu só queria me certificar, ok?

– O que isso quer dizer?!

– Deixa pra lá então.

– Não, agora fala.

Depois de tanto me cutucar e então me aborrecer, posso fazer ele parir esse discurso. Que termine o que começou, oras.

– Como eu disse, acho melhor a gente deixar pra lá, você tá de cabeça quente.

Ah, eu tô de cabeça quente? Que ironia de vida.

– Quer saber? Agora eu tô sim chateada e com razão. O que a Iara sente pelo Sávio ou ele por ela não é algo que você possa mudar, ok? Não é algo que você possa controlar, nem brincar. Nem chamar alguém pra compactuar. Não é algo que vai mudar só porque você quer.

Desculpe-me, Murilo, não deu pra segurar essa.

– Não é por que eu quero, não mistura as coisas.

– É o quê então?

Ele para. Quer dizer, parou o carro em uma ruela iluminada. O pagode de um bar próximo chegava a nós como um som abafado e Gui de repente se virou pra mim, após desligar de vez o motor. Ele massageou as têmporas e pareceu tentar organizar seus argumentos lá dentro antes de voltar a falar. Mais brando, Gui recomeçou:

– Ok, quem me garante que ele não tá de sacanagem de novo? Que não seja um “novo erro”? Quem me garante que isso é sério?

Eu pisquei. E com muuuuuuuiita paciência evitei metralhá-lo, mesmo que me sentisse o Julius de Todo Mundo Odeia o Chris querendo dar lição:

– Quem me garante que sábado ainda passe Bob Esponja? Quem me garante que não vai haver tragédias no jornal do almoço? Quem me garante que o tio da lanchonete não vai mais me dar o troco em bombom? Quem me garantiu que aquele avião da viagem passada não iria cair, se para o Titanic bastou um pouco de má-fé?

Gui bufou, impaciente pela tal lição, provavelmente questionando sobre minha falta de foco. Inspirei e continuei, já que ele não respondeu. Ou fez questão de não responder pra deixar claro minha sem-noçãozice. Não era. Sem noção, digo.

– Ok, quem me garante que o Murilo não vai se danar a pirar de novo? Quem me garante que o Vini não vai pegar o carro e dirigir maluco pela cidade? Quem me garante? Quem me garantiu que...que... que você é o certo para ficar com a Flávia?

– Eu amo a Flávia, você sabe disso!

– Espera, não mistura você as coisas, só acompanha meu pensamento, por favor. Eu tô dizendo que não temos garantia de nada em nada. Sobre ninguém. Na melhor das hipóteses, nós temos confiança... Esperança. E você tá esgotando as minhas se comportando desse jeito.

É como se ele fosse um sonâmbulo e de repente lhe acordassem ali. O caso é que eu já havia cansado de ser essa que sempre tinha de acordá-lo. Já chega pra mim mesmo.

– O que eu tô falando é que isso não é de seu controle. A Iara merece ser feliz. Se é com o Sávio ou com o Osama Bin Laden, é decisão dela. Se der errado, você tem todo direito de defendê-la. Mas não agora.

Ele se cala por uns minutos, com um dedo da mão batendo no volante onde estava segurando. Se cala porque sabe que eu iria rebater todos os seus argumentos fracos mais uma vez – e quantas vezes fosse preciso. Parecia estar confuso. Achei que ele diria algo mais, então ele preferiu só olhar as horas no celular e religar o carro. Sem respostas mais, inspirei devagar, não querendo acreditar ainda que tínhamos mesmo chegado a esse ponto. Logo Aguinaldo ligou a rádio e ambos nos permitimos mergulhar em pensamentos além dali até a faculdade.

É quando chegamos na catraca da entrada, que eu fui na frente, me vem outra vez a voz de meu mano na minha cabeça. Ele dizia que eu devia persistir em falar que eu me desagradava desse comportamento, mais do que propriamente demonstrar que estava chateada, porque às vezes tinha coisas que ele mesmo, meu irmão, não se tocava e até achava que estava no direito, e não era assim que as coisas funcionavam. Já estou nesse joguinho com Gui tempo demais. Não é nem 5% do que realmente era com o Murilo, porém, já tínhamos passado dos primeiros 1% e se eu não o parasse de fato, essas porcentagens iriam aumentar.

Então, assim que Aguinaldo passa também pela catraca, eu o paro no pátio perto da escadaria antes de subirmos:

– Então... uma última coisa.

Embora pareça desencanado ali, ignorando a real situação, eu permaneço séria e centrada. Talvez achasse que por estarmos em um local público, eu não faria nada demais.

– Amanhã não precisa me esperar pra dar carona. Porque pra mim já deu, valeu?

Ele só abaixa o olhar, engolindo a seco, enquanto os alunos passam por nós, sem se darem conta do que rolava. Acho que Gui relutava em assentir, da mesma maneira que relutava em dizer algo mais pra não complicar pro seu lado. Porque ele vê que eu tentei e se estou tomando essa difícil decisão, é porque ele também não tem facilitado.

Já que ele parecia que não diria nada mais, eu já ia me retirar, afinal, ele me ouviu bem. Só que de repente alguém nos interrompe. Melhor dizendo, força que quebremos nossa bolha. Max surge do nada vindo da escada e tromba no Gui, mal pedindo desculpas e seguindo caminho, ainda que nos espie a la sua maneira. Eu bufo um pouco, desconfortável por ter Max nos vigiando de tão perto e odiando por ele estar muito bem levando isso possivelmente pro lado ruim. Tipo, já não basta o fato de estar discutindo com meu amigo, Max tem que taxá-lo com suas suspeitas?

Isso porque ele só tromba mesmo, imagina se tivesse dito algo.

Quando me volto para Gui, ah, sim, ele tá injuriado. E com razão.

– Eu sei que você está chateada, mas você vê, não vê?

Vejo.

– O quê?

– Max.

– Você pode reportar ao diretor qualquer abuso, você sabe.

– Mas você vê, não vê?

– Eu... vou na biblioteca.

~;~

Eu imaginava que Aguinaldo teria soprado tudo no ouvido da namorada, mas quando a encontro na lanchonete um pouco antes do intervalo, ela está muito serelepe. Quer dizer, aparenta serelepe por chocolate até que se vira e me vê na fila ao lado pedindo um potinho de sorvete. Se antes eu já estava querendo qualquer doce, com essa da minha resolução com Gui, eu precisava me afogar em pelo menos umas colheradas antes mesmo de chegar em casa. Principalmente após ter tido uma pequena discussão também com o Max. Argh, como ele me deixa raivosa!

Flávia cruza o braço no meu e me puxa pra andar.

– Hoje você senta comigo, bonitinha!

– Ah, Flá. Do jeito que eu tô, sento até com o Pé Grande.

– Só pra evitar o Gui? É sério que vocês... vão ficar assim?

Aiin, muxôxo de melhor amiga é de apertar o coração.

– Já nem sei mais o que dizer pra vocês, que não param de discutir.

– Faz assim, não diz mais nada, tá? Deixa que o melhor agora é esperar esfriar.

– Por isso o sorvete?

Assim que abro a tampa e encho a boca com um pouco de morango, chocolate e baunilha, só assinto para ela, que passa os braços por meus ombros e me acolhe. Nem parece que ela é contra meus argumentos, ou mesmo contra Sávio ou contra minhas constantes brigas com seu namorado. É um alívio ter ela assim, sem querer chutar meu cérebro e, sei lá, abrir minha cabeça e enfiar as verdades em que ela acredita. Apesar de tudo o que tá rolando, eu ainda sou uma besta que, como ela, fica do lado mesmo estando uma fera.

Bom, eu não tava uma fera com o Gui, mas dá pra entender do que tô falando.

Antes de ir para a classe no começo das aulas, tive o desprazer de reencontrar o Max bisbilhotando-me outra vez. Acho que após ter me visto com o Aguinaldo na entrada, ele não nos largou de mão como pensei. Assim que tomei caminho para a biblioteca, ouvi passos de que havia alguém atrás de mim e imaginei que seria mais algum aluno indo para o mesmo local. Quando vi que a biblioteca estava temporariamente fechada e me virei, me toquei que era ele.

Podia ser que estivesse ali apenas para consultar algo na biblioteca, então preferi rumar de volta pra ala das turmas, e foi aí que começou a provocação. Porque ele não me deixou passar.

– Problemas no paraíso?

Max claramente se reportava à ceninha que tinha presenciado antes de trombar no Aguinaldo fazia uns instantes. Procurei disfarçar, né, pra ninguém perceber que rolava atrito e viessem a me fazer perguntas que eu não poderia responder.

– Não é de sua conta.

– Quem disse?

– Eu digo. Isso é entre mim e ele. Nada a ver com... sua pesquisa.

– Só há como afirmar isso depois que eu souber do que se trata e aí sim declarar que não há o que tratar a respeito.

Cara, eu não tava nem pra graça com ele. Não que eu algum dia tive, mas ele tava corroborando com meu péssimo humor pós-briga.

– Pois é algo que o senhor não conseguirá de mim.

– Não preciso lembrá-la que...

– Não, não precisa.

E saí batido. Havia começado tão preparada e lá estava eu, chateada de novo. Me foquei na aula pra não ter mais pensamentos me torrando o cérebro e acho que foi isso que começou a fazer fumaça na minha cabeça. Forçar a não pensar era tão terrível quanto pensar.

– Vamos então falar de coisa boa.

Flávia me traz de volta pro pátio da faculdade, que começa a se encher de aluno e quase posso abraçá-la por estar sendo essa compreensível. Imaginei tantas vezes que ela seria uma das que acenderia o fogaréu e incendiaria mais a fogueira, que percebo o quanto tava precisando apenas relaxar. Temos estado tão “pisando em ovos” que cansa ficar se portando de forte desse jeito.

– Já tem notícias da sua avó pra a gente se programar?

Tá o maior rolê pra decidir o dia do lançamento do livro da minha avó. Já trocaram tantas vezes que eu mesma já perdi a conta. Desse jeito a gente não tem como se programar direito. Minha avó diz que é coisa do centro de cultura da cidade, que tem feito confusão junto com o jornal. Até segunda-feira ela diz que vai arrancar a resposta de alguém e enfim definir uma data de uma vez por todas.

– E você vai mesmo?

– Por que não iria?

Fico naquela de “preciso mesmo responder?” e Flávia revira os olhos pra mim, inspirando longamente. Ela já tinha demonstrado interesse de ir, e costuma perguntar também pra se manter antenada, só que depois desse climão com Aguinaldo... Não sei, imaginei que ela pudesse dar pra trás. Eu não queria que ela tivesse que escolher entre mim e ele, preferia até a destituir de ir na viagem se fosse preciso.

– Não é o melhor momento de vocês eu sei, e eu não quero ficar no meio, puxando um e outro. Pra mim também já deu, Lena. Mesmo que o Sávio seja aquele... enfim, você sabe...

Ela não quer dizer ladrão alto o bastante, acho. Porque é isso que ela sabe. Que contei antes de saber da real real real sobre a relação de Sávio e André.

É só quando chegamos na catraca da entrada, após atravessar o pátio todo, que me toco que estamos saindo dali. A Flávia que estava me conduzindo, assim como na conversa, que nem me apercebi. Ela me empurra gentilmente para passar pela catraca e logo descemos a rampinha da entrada. Ao chegarmos na calçada, ela me puxa para o muro baixo que eu costumava ficar e me oferece como assento. Estava um climinha muito bom, com uma brisa fresca e toda uma avenida zoadenta que chegava a ser relaxante. Preferi não questionar o fato de estarmos ali.

Assim que nos sentamos, ela continua.

– Olha, o Sávio... Ele tem uma droga de uma bendita aura que tem hora que me parece improvável. Digo, que ele tenha invadido a tal oficina que você me disse e que foi preso. Mas não quero ser ingênua, de achar que ele não seria capaz. Só que, sei lá, Lena, eu não acho você tão burra assim.

Nossa, essa eu nem sei responder. Não sei se tomo isso como elogio ou ofensa, só mexo a colher no meu potinho e espero que venha o resto.

– E vá lá, a tal jogada com o Vini foi sacanagem do Gui mesmo... Tem hora que nem eu sei o que anda naquela cabeça dele. Eu não sei mais o que pensar, pra falar a verdade.

Bem-vinda ao clube.

E lá estava de novo o Murilo sussurrando no meu ouvido que uma hora as coisas iam complicar pro meu lado com a Flávia.

– O que eu quero dizer é que... tenho pensado sobre o assunto. Algo não tá batendo. Conheço você, não estaria nessa defesa com tanto afinco se não soubesse de algo mais. Quer dizer, tem que ter algo mais, não?

Isso não é bom.

Quer dizer, é bom saber que ela não é de se contentar com o que foi dito, mas não é bom pelo resto, que não é o momento de ser revelado. É muito complicado até pra começar a explicar. Raspo mais uma porção de sorvete do potinho e fico incerta de lhe dizer qualquer coisa. Já me bastava ter que omitir isso tudo de uma porção de gente. Omitir da melhor amiga e ela te confrontar era até tortura. Por isso mesmo não levanto o olhar para ela.

– Flá...

– É sério. Tem algo, não tem? Tem algo que você não tá contando?

– Você disse que a gente ia falar de coisas boas.

– Só me confirma, sim ou não. Não preciso do resto.

Titubeio e meneio a cabeça, pensando se confirmo ou não, pesando minhas opções de maneira mais ligeira. Decido averiguar primeiro e ganhar tempo.

– Por que agora?

Ela quebra mais um quadradinho da barra de chocolate dela e se senta de modo a encostar-se na parede do muro. Ainda não sou capaz de lhe encarar.

– Tenho conversado com o Eric... Por causa das aulas que acompanho minha irmã, você sabe. E a Iara tem hora que deixa uma coisa aqui e ali escapar. E aí penso sobre o caso da Denise também, que você escond... guardou coisas bem importantes. E aí que quase não te vejo mais relaxada. Tem que ter algo, tem que ter um por quê. Algo que não tô vendo ou sabendo. E se não sei, ou é porque você não quer me contar ou porque não pode. Prefiro acreditar na segunda opção. Mas não quero forçar a barra, ok? Só me confirmar.

Inspiro, um pouco derrotada por essa determinação dela, que tem capturado, como disse, aqui e ali. Tem ficado claro pra ela. Por que não para o Gui também? Reluto e reluto e...

– Tem.

– E você tem como ter certeza que vale a pena?

Pego mais uma porção de baunilha e morango.

– Acha que estaria tão empenhada com afinco se não valesse?

– Não quero que se engane mais uma vez com o Sávio.

É, essa pesou. Minha língua pesa dentro da boca, anestesiada como se estivesse comendo gelo e não sorvete. Essa pequena declaração tem o poder de me desarmar de pronto e acho que a Flávia nota.

– O que eu descobri é tão maior que a gente que me dói ver o que ele tem passado e não poder fazer nada a respeito.

Me dói mesmo ver que o Sávio, quem literalmente apanhou por cada um de nossos amigos, que quase foi escorraçado de nosso grupo, que fora obrigado a fazer serviços de que não queria se envolver, que... Deus, eu podia ver as imagens ainda, dele machucado no suposto assalto, ou quando chegava quebrado ou aparecia ferrado no dia seguinte. Não era 10% do que ele havia sofrido e isso me dava um rebuliço ruim por dentro que me seguro pra não demonstrar emoções ademais.

Lágrimas quentes e embaçadoras não iriam mudar a situação.

– Por que não diz isso ao Gui?

– Porque ele não quer ouvir qualquer coisa diferente do que ele acredita. Além disso, como você bem notou, eu não posso.

Ela se ergue um pouco de onde está encostada e me segura delicada no ombro. Por favor, não, não quero continuar a falar sobre isso.

– Sabe que pode me contar as coisas, né? Mesmo que eu não concorde com... você sabe.

– Sei, Flá, sei disso tudo e obrigada por isso. Mas por enquanto, sério, não comenta com ninguém, ok? Apenas deixa pra lá. Quando for a hora, você vai saber.

Ela assentiu. Ficou claro que não deixaria pra lá por muito tempo, mas esperaria, esperaria mesmo. Ter lhe confirmado era em algum ponto tranquilizante, e por outro, preocupante. Flávia vai estar mais atenta, isso é certeza.

– Mas vamos falar de coisas boas.

Ela aceitava que não era a hora ainda, pelo menos.


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Notas finais do capítulo

Só sei que nada sei e... Sávio postou a foto *----------*



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