Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Apenas... não me matem!



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Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades, né, Peter Parker? Pois com um Murilo vêm grandes explorações. Mal abro um olho para as CINCO mensagens de texto notificadas que o bendito deixou na minha caixa, o celular começa a tocar. Mais uma breve lembrança de que o toque que toma o espaço é universal. Life in color. O que não sinto ser uma vida em cores se ainda me encontro no limiar do sono, não sei o que é realidade, não sei o que é sonho. Nunca realmente pensei sobre como são as cores nos sonhos. Nunca realmente pensei sensatamente foi dentro de um sonho.

Pelo menos não que me lembre.

A vontade, contudo, que tenho, é de enfiar o aparelho debaixo de meu travesseiro – pra não dizer que desliguei – e esquecê-lo lá por mais umas horinhas. Só que a música do toque recomeça, suspiro, atendo logo. Do outro lado, meu mano soa muito enérgico para meu estado de profunda sonolência:

– Viu minhas mensagens?

– Cara, ainda nem abri o olho, imagina ler cinco mensagens.

– Como você sabe que são cinco?

– Chutei.

– Hum.

– Que horas são?

– Seis e quinze, acho.

– Seis e quiiiiiiiiinze, criatura? Que tu quer a essa hora?

Era de madrugada ainda, caramba!

– Preciso que faça uma coisa pra mim.

– Tu num sai daí 7h?

Murilo estava de plantão novamente. Desde a aprovação de seu projeto no centro meteorológico – na verdade, o projeto era de Armando, colega seu de trabalho, mas com o tempo de orientação meu irmão acabou participando, e só esperou se livrar de todas as enfermidades que havia lhe acometido para voltar a trabalhar – ele tem feito mais plantões, pois está numa fase de transição de alguma coisa lá técnica que não entendo quando tenta me explicar.

– Acontece que não vou poder sair nesse horário. E isso me impede de separar minha camisa pra lavar. Preciso de uma específica. Você vai ter que levantar.

– Faz quando chegar, oras.

Quase desliguei.

– Aí não vai dar tempo. Tem que botar pra lavar cedo pra poder secar ainda hoje, pretendo usar de noite. Quando eu chegar aí já vai tá tarde. E não vai ter tanto sol quanto agora de manhã. Eu PRECISO dessa camisa, Milena, tá me ouvindo?

– Tem trocentas camisas e só quer uma. Depois reclama de mim.

– Olha, eu vou conhecer a família da Aline oficialmente, tá? Já tô pilhado o bastante. Ainda não dormi. Me cede só essa camisa, pode ser? Por favor?

Posso tá grogue, mas sei que isso vale ouro de troca.

– Quê que eu ganho com isso?

– Te dou um passe em branco.

Ele tá necessitado mesmo, me surpreendo. Passe em branco em nossa língua Lins quer dizer que eu posso fazer ou pedir qualquer coisa e não serei julgada ou negada. Era caso de último recurso mesmo usar essa ”carta”. Nem quando ele tem que tomar injeção ele a usa. Porque sabe que é poderosa, tem que saber usar sabiamente.

Mas não tem por que eu não me aproveitar, né? Abro melhor os olhos para a pouca claridade do quarto que vinha das frestas de minha janela. Meu estado sonolento é tanto ainda que não consigo me mexer além de sustentar o aparelho celular ao ouvido.

– Ok. Qual é?

– Aquela preta com botões transparentes, de manga, lembra? Deve tá do lado direito do guarda-roupa. Fico mais bonito com essa. E decente.

Pondero um pouco. É verdade, fica com cara de gente.

– Tá, vou ver aqui.

– Ok, mas vê mesmo. E... hã....tudo bem por aí?

– Mu, olha minha cara pra saber se tem ladrão aqui.

É que na semana passada houve sete assaltos/invasões a casas do nosso bairro, não necessariamente na nossa rua, mas próximo dela. Geralmente de dia, algumas à noite. Nenhuma de madrugada até então. Se bem que não sei se ladrão ou esses ladrões específicos concordam que 6h da manhã ainda é de madrugada. Também não queria perguntar, claro.

Só que na sexta-feira, preocupada com isso, Murilo tinha um plantão, porém voltara mais cedo. Com medo pelo barulho estranho que ouvi, me armei de uma caneta de ponta fina que foi a primeira coisa que peguei na minha cômoda quando me levantei às pressas. Era 5h praticamente. Abri minha porta com calma, engolindo o nervosismo e saquei a caneta logo que meu irmão chegava ao corredor. Ao me notar, ele deu um pulo tão grande que bateu no vão da porta do banheiro do outro lado. Ao ver que era a criatura, aliviei mais e pude rir um pouco pelo menos.

– Não sei se você percebeu, mas ainda não chegamos ao videofone.

– Imaginação serve pra isso. Até então não matei nenhum cidadão do mal com a caneta, pronto, taí.

– Hum. Toma cuidado.

Depois do incidente da madrugada, reforçamos a casa com algumas fechaduras extras. As chaves reservas teriam que ficar guardadas por um tempo, até baixar a poeira, não poderíamos arriscar. Pensei em chamar Flávia pra dormir comigo quando Murilo passasse as noites fora, porém, ela tem tido umas visitas familiares em casa, não pode no momento, noite passada tinha um jantar se bem me lembro, e Vinícius, bom, às vezes Murilo ainda é relutante por saber que temos intimidade e ele não gosta de nos deixar sozinhos assim. Ele não ofereceria a casa de bandeja.

Djane me convidou para ficar com ela algumas vezes. Sinceramente? Não queria mais abusar de minha sogra. Quando teve a viagem e meu irmão teve o timing perfeito de arrumar duas doenças, ela hospedou tanto ele quanto a minha mãe. E cuidou junto. Além do mais, acho que ela merece um tempo com o filho, que ainda é resistente quando o assunto é a felicidade da mãe num relacionamento.

Mesmo com duas semanas após esse jantar estranho, ele se recusa a aceitar o professor Renato. Qualquer menção é pedir pra Vinícius ficar chateado. Bobagem e feio da parte dele, já conversamos eu, Murilo e até minha mãe com ele sobre isso. Djane ficava mal, sem dar muito nas aparências, claro, ela realmente precisava do apoio do filho pra isso. Temos apenas esperado a poeira baixar pra ver como ele reage mais. Se continuar assim, vamos ter que fazer uma intervenção ou algo do tipo.

– Prometo que não pego mais plantões, ok? Armando já chegou de viagem.

– Tá. Vou deixar minha caneta a postos pra todo caso.

– Não sei o que você acha que dá pra fazer com uma caneta.

– Nunca se sabe até tentar, Mu. E quem quase vomitou o coração foi tu. Eu só tava tremendo na base, ia ser certeira de qualquer forma.

Era verdade.

~;~

Quando finalmente volto pra cama, arrastada – dona Bia até se assustou quando não apresentei mais que um vulto meu pra deixar a camisa pra lavar e dizer o recado – me embrulho, o sono retoma o corpo, e flutuo para a inconsciência, eis que meu celular toca de novo. Juro que se for o Murilo com outro pedido, vou colorir as cuecas dele de propósito dessa vez!

Mas é uma voz fraca que sai do outro lado. Como eu não vi direito quem ligava, só esperei que falassem:

– Alô?

– Mi? Tá acordada?

Acho que ligar pra pessoa e perguntar se tá acordada é quase como ligar para o telefone fixo de casa e perguntar se a pessoa está em casa. Com meu humor de ter sido interrompida de novo no meu deleitar dos sonhos, diria um belo “não” se não tivesse identificado a voz e uma preocupação súbita tivesse me tomado.

– Flá, que foi?

Ela simplesmente desaba na ligação. Chora, funga, diz que foi horrível. Peço que respire para me contar. Foi algo sério pra me ligar a essa hora da manhã. Não consigo imaginar do que se trata.

– Eu nunca fui tã-ão HU-MI-LHA-DA na vida!

– Como assim? Quem fez isso?

– Os pais dele!

Os pais dele, Aguinaldo. Sempre implicaram com Flávia, bem antes de começarem um relacionamento. Foi esse, na verdade, o empecilho entre eles. O sentimento forte que cresceu neles foi muito ao natural, começaram como amigos e companheiros, estudantes de uma mesma faculdade e turma, e em muitos desses estudos, foram surgindo deixas, situações e principalmente climas.

Lembro-me bem de como ela me descreveu o primeiro beijo deles. Aquele beijo incerto, duvidoso e arriscado que todo pré-casal tem. Era mais uma tarde de grupo de estudos, nesse dia eu não pude ir, mas eles continuaram sem mim. Fazia um bom tempo que uma fagulha crescia neles sem que percebessem – nem eu percebi e olha que sou observadora – e, durante brincadeiras, algumas foram ficando mais sérias e mais constantes. Gui já havia convidado para jantares chatos que tinha de ir para acompanhar os pais.

Às vezes ele me convidava, fui uma vez até. Realmente, era chato pra caramba, não sei como ele aguentava aquilo. Não querendo falar mal dos pais deles, mas... eles são meio aproveitadores de situação. Não sei bem quem é o pior, se é o pai ou a mãe, cada um tem lá seus momentos inconvenientes. Mas são os pais do Gui, então não posso sair alfinetando-os. Apesar de muito diferente deles em caráter, sei que ele os ama. Não gosta do fato de quererem viver em alta sociedade e toda aquela fresculhagem de festas porre que saem em jornais da cidade, por isso ele só vai pra dizer que foi mesmo, afinal, eles pagam a faculdade dele ainda, Gui fica sem meio que como fugir.

Por isso me compadeci uma vez e fui. Como os pais nunca me viram como ameaça, eu era apenas uma amiga, eles tentaram puxar conversa comigo sobre as mulheres da tal festa que estávamos, empurrando-as para o filho, queriam que eu ajudasse. Foi muito estranho, eu mal sabia o que dizer. Gui nesse dia ficou bem possesso, eu quem tive que dar um jeito de contornar.

Quando Vinícius contou-me sobre como surgiu o namoro com Becca, eu entendi bem o que ele quis dizer, porque eu estive num lugar parecido com o dele. Só não pensamos eu e Gui em dar um jeito com um namoro falso, isso não iria prestar se inventássemos e não só por causa de seus pais. Seria injusto comigo e com ele mesmo. Sem falar que Murilo surtaria, apesar de gostar muito de Gui.

Mas voltando à história do beijo, foi a coisa mais meiga. Não que ele me deixe dizer isso, claro, afinal, é homem e, mesmo muito amigo meu, daria um jeito de me zoar e ficaríamos um perturbando o outro infinitamente como sempre. Após os estudos daquela tarde, em que ele já havia dado umas respostas suspeitas para Flávia em conversas paralelas, choveu. Bem na hora da saída dele para ser mais exata. O carro estava do outro lado da rua, ele teria que correr para entrar.

Ele preferiu esperar, ficaram lado a lado conversando na porta, à brisa gelada da chuva que despencava de vez, porém, daquela que rápida, logo passaria, por isso ficaram lá. Ao acaso conversavam sobre a festa de aniversário dela, e Gui reclamara não ter pegado as fotos do evento, que Flávia nunca passou para ele. Sem jeito, ela brincou que ele quem nunca a lembrava. Aí Gui disse que só queria uma foto. A da dança deles.

Ela teria tempo pra corar se não fosse o cano de escoamento do vizinho ter quebrado naquele exato momento, quase acima deles, na marquisa, o que o forçou a se jogar contra e com ela para o muro da casa no pouco espaço de proteção que tinha. Eles riram pelo imprevisto no início, então se aperceberam da proximidade que tinham, não mais que um palmo separava-os.

Talvez menos, Flávia nunca soube ao certo e eu que não ia perguntar pra ele, né? Só sei que a graça foi se perdendo, e ele declarou algo como “ainda quero aquela foto”, ao que ela retrucou “pra quê?”. “Um lembrete de não ser mais aquele covarde que dança com a garota mais maravilhosa e não a beija quando tem a chance”. E aí ele a beijou.

Ficou um clima “estranho” entre os dois por dias. Impressionei-me como eles eram discretos! Gui roubava beijos da minha melhor amiga, eu além mundo, por não notar nada. Quando ele ficou de final numa disciplina que não era muito bom, até pediu para que fizesse um grupo de estudos. O safado sabia que eu ia dispensar e insistir para Flávia ajudá-lo. Essa já foi de uma época em que ela tava chateado com ele por causa dos pais se não me engano. E desde então as coisas só acumularam.

Eles nunca a trataram por igual. Era como uma diversão para o filho, alguém para não ser levada a sério. Isso causou mais discórdia na casa dele, pois ele a defendia. Bom, nem todas as vezes. Não que ele tenha me explicado a situação, nem a ela, então só tínhamos a versão dela praticamente.

– O que esses desgraçados fizeram dessa vez? Você tá onde?

– Acabei de chegar em casa... Ainda bem que tá todo mundo se aprontando para seus serviços, não... não n-notaram como cheguei. Ele tá me ligando desde que saí de lá, mas não atendi alguma vez. Talvez ele te-e ligue mais ta-arde para testar o território.

– Mas o que aconteceu? Lá onde?

– Da casa dele. Lembra que eu falei que teria aquele jantar lá com uns clientes da empresa do pai? Pois é... Gui tinha brigado com a mãe porque ela queria me barrar de entrar, o que quase me fez desistir. Na verdade, eu havia desistido, mas Gui me persuadiu a entrar. Nisso ele bebeu umas a mais para suportar umas alfinetadas do pai. Eu não ia deixá-lo dirigir daquele jeito, então ia pedir um táxi para me deixar em casa, afinal já tava tarde e eu não iria voltar andando, mesmo que fosse relativamente perto daqui.

Não importava sono, eu sentei na cama para ouvir seu desabafo. Na verdade, eu não tinha mais sono. E ela não tinha mais a voz esganiçada de choro como foi no começo da ligação, aos poucos se permite falar mais firme pela raiva que sente.

– Só que ele ficou brincando e não me deixou ligar para o táxi. Me pediu para ficar com ele, no quarto dele. Não aconteceria nada, que podia confiar. Você sabe que ainda não tô pronta e com essas poucas instabilidades no nosso relacionamento fica complicado de... enfim, me vi sem muitas opções, então aceitei. E aí... foi a noite mais maravilhosa, Mi! Dormir junto dele, vesti uma camisa grande dele, me senti... segura. Isso até... até hoje cedo. Ainda agora.

– Tenho até medo de perguntar. O que aconteceu?

– O pai dele bateu na porta. Eu ouvi, mas o Gui tava dormindo tão profundamente que nem eu ter mexido nele resolveu. Um tempo depois veio a mãe, e ela abriu a porta. Nos viu deitados, juntos, entrelaçados. Abriu o barraco ali mesmo antes de entrar no quarto. Gritou “que pouca vergonha é essa?”. E Mi...

Aquilo já tava me dando um negócio. Queria esfolar os olhos da mãe dele num chão de pedras. Já não gostava da mulher, agora a odeio quanto posso por ter feito isso com minha melhor amiga. E temo que tenha feito mais e pior. Hesito também por Flávia ter vacilado antes de contar o resto.

– Hum?

– Ela... ela av-v-vançou em mim. Puxou o lençol, me pegou pelo braço como se eu fosse uma prostituta, me empurrou, caí no chão do quarto e me jogou minhas roupas na cara.

Quase fico sem ar.

– Não!

– O Gui acordou bem na hora que ela me jogava ao chão praticamente.

Soco o colchão de minha cama.

– Que vaca desgraceira! Ela...

– Recolhi minhas coisas e saí de lá imediatamente. Trombei com o pai dele no corredor. Foi pior ainda, Mi! Ele me chamou de... de vagabunda. VA-GA-BUN-DA, e disse com todo o gosto de desprezo que conseguiu. Me expulsou de lá! Eu... eu... me senti pior que o cachorro que o vi chutar na noite anterior!

– Ah, mas não vou deixar isso barato não! O que Gui fez?

– Ele tentou me alcançar no corredor, só que eu só quis fugir dali, eles ainda gritavam comigo. Eu ia sair de camiseta e calcinha na rua com minhas roupas em mãos se não fosse o primo dele que me acolheu no quarto de hóspedes ao ouvir a gritaria. Me vesti no banheiro rápido, e na hora de sair, ainda ouvia Gui aos berros com eles na sala. Quando me pronunciei pra escapar, ele tentou me interceptar. O Ricardo, primo dele, que foi mais rápido, pegou as chaves do carro e só assim pude chegar em casa.

– Eu vou praí agora!

– Mi, eu não quero te atrapalhar.

– Nem que eu tivesse em uma reunião com o Papa, eu vou aí!

– Só... continua falando comigo, ok?

– Não acredito que eles chegaram a esse ponto! Essa foi demais! Argh, eu quero puxar toda aquela peruca da vaca até sangrar o couro cabeludo dela. Aproveito e termino de matar ela com minha caneta.

– Caneta?

– Te explico mais tarde.

~;~

Sentia que deveria ter faltado estágio, sentia apenas. Na minha cabeça, era pra ter ficado com Flávia. Cheguei rápido à casa dela pela manhã, havia pegado uma carona com uma vizinha minha, a que o carteiro de vez em quando troca correspondências, não importando o quanto conversamos com os oficiais dos correios, e hoje quando fomos destrocar uns documentos, disse a ela que tinha muita pressa e aí ela perguntou para que lado eu ia. Muita sorte de ela pegar o mesmo caminho quase, agradeci muitíssimo por essa sua ajuda.

Encontrei uma Flávia sozinha e... devastada. Me deu um negócio tão forte no estômago e no peito ao vê-la desse jeito que eu quase a deixei lá e fui tirar satisfações com a bruxa-vaca da mãe do Gui. De todos os limites que ela havia passado por causa do namoro dos dois, esse foi o pior. Ultrapassou fronteiras, continentes e invadiu território inimigo. Me sinto assim, invadida de ódio por essa mulher. E quero mandar bombas nucleares pra mostrar que ela não pode fazer isso e sair andando com altivez depois disso.

Consolei-a o quanto pude. A dor infelizmente precisava ser sentida, não ignorada. Então por tempos ela chorou muito, perdendo assim, a sua animosidade de ser aquela pessoa sempre pra cima. Eles haviam carregado um pedaço dela e talvez eu não fosse suficiente para cobri-lo. Pelo menos não naquele momento.

Felizmente seus pais, nem sua irmã ou cunhado foram almoçar em casa. E que os familiares foram embora esse fim de semana. Não sei o que teriam feito se descobrissem essa barbaridade. Teria sido mais humilhante, compreendo, admitir que fora tratada de tal maneira. Entendia bem esse seu ponto de vista. Apenas comprei comida ali perto, insisti para ela comer algo, que resistiu por muito, mas depois cedeu, por ver que eu não iria desistir disso.

Tomei banho por praxe. Aí quando saí do banheiro, ela, aninhada na cama, disse que não iria ao estágio dela. E como poderia? Bom, eu não deixaria, reclamei. Só que ela insistiu em me fazer vir ao meu, separara até uma roupa dela para mim, que devia servir, pois intuía que eu não tinha levado.

– E o que você vai ficar fazendo sozinha?

– Vou pegar qualquer dvd de séries e ficar assistindo até você voltar, prometo.

– Flá, eu não vou. Não vou te deixar assim.

– Tô melhor. Pode ir. Eu preciso respirar um pouco, sozinha mesmo.

Me deixou em má posição, me derrubou por querer ficar sozinha, o que eu entendia bem, e não queria entender tanto assim. Vi que precisava mesmo, então me aprontei rápido e iria pegar um ônibus para o estágio, que não era tão longe dali, mas o percurso do ônibus passava um pouco longe, eu ia chegar atrasada.

Por todo esse tempo claro que Gui ligou. Desliguei o celular de Flávia quando cheguei a sua casa. Na realidade, eu o expulsei da porta dela ainda quando alcancei a rua. Foi horrível ter que gritar e empurrar meu melhor amigo dali, desnorteado e desesperado pra vê-la, ter notícias dela. Ele tentou apelar para me fazer mediadora dele, só que eu tava com uma raiva tão grande dele e tudo aquilo que, quando viu minha expressão, Gui mesmo recuou.

– Por favor, Lena, eu só... preciso vê-la.

– Não agora, Gui, não agora.

Me doeu muito dizer isso. Eles eram o típico casal da tranquilidade, eram amorosos, lindos, companheiros. Apaixonados. Admirava-os tanto por isso que até pra eu também admitir que aquilo acontecia era difícil, pois minha mente mal conseguia processar aquela desgraceira toda.

Cheguei atrasada mesmo. Dei meus pulos para passar despercebida, Iara até achou que eu tava de sacanagem. Meu chefe não percebeu, só que o André fez questão de frisar isso pra ele, ao que apenas revirei os olhos e declarei ter sido um problema pessoal. Thiago não deu muita trela, passou-nos serviço e avisou que teríamos uma consultoria mais tarde.

Fiquei na dúvida se Gui realmente tinha ido trabalhar. Quando topei com ele no corredor, eu indo para a sala dos estagiários, ele voltando dela, quis que não tivesse ido. Ou eu ou ele, tanto faz. Claro que estava péssimo, claro que ele quis conversar. Apenas passei por ele dizendo que tava ocupada e ali não era lugar, além de que eu não devia estar conversando com ele se era bem provável que batesse nele.

Ele insistiu outras vezes. Mandou-me mensagens que não li, arranquei recados com post-its na minha mesa, ignorei suas olhadelas, dispensei suas investidas de qualquer tipo de conversa. Ele havia magoado minha melhor amiga, o que ele queria que eu fizesse? Tava com raiva sim dele. Aquilo tava num nível bem insustentável, Gui não poderia ter deixado chegar naquele ponto.

Houve um tempo de break que meu chefe deu para se preparar para a consultoria. Fui na lanchonete rápido comer alguma coisa, Gui me seguiu. Pedia por qualquer notícia dela, que, por favor, entendesse que tinha feito muito para defendê-la, e se ressentia por esse muito não ter sido suficiente. O máximo que consegui de distância dele foi, enquanto comia meu lanche, ordenei que ficasse a tantos passos da mesa e se ousasse passar dali, ele ia me perder como amiga. Notou que eu estava séria o bastante, por isso ficou plantado no limite que estabeleci e tentava, a todo custo, ser ouvido.

Isso nos trouxe uma atenção indesejada dos poucos frequentadores da lanchonete àquele horário. Aí eu passei a dizer cala a boca para ele, que ainda insistia. Foi por aí que Iara chegou na mesa.

– O que tá acontecendo?

– Ele machucou minha melhor amiga.

– O Gui????? Como?

Certamente eu tive essa expressão incrédula quando Flávia me ligou pela manhã.

– A família dele não a aceita. Dessa vez a destrataram de um jeito que...

Deixei a frase morrer, nem eu conseguia finalizá-la. Iara notou como fiquei, com olhos brilhando por estarem cheios d’água. Decidi ignorar aquilo de novo, então pedi licença que meu break tinha tempo delimitado e teria de voltar rápido, só que topei com Filipe que estava bem atrás de mim.

Havia resquícios de seus machucados do assalto ao rosto. Não nego, deu vontade de tocar seu rosto e perguntar como estava. Porém, o ambiente era de trabalho.

– Senhor Muniz, desculp...

– Senhorita Milena, algum problema?

Ele me chamava formalmente de senhorita por saber que eu não queria dar às claras que havia mais que relações de profissionalismo entre a gente. Balancei a cabeça, afirmei que não era nada. Só que Iara resolveu tomar partido, já que notou que eu não iria dizer nada:

– Problema dela com o Gui.

– Ouvi um burburinho sobre isso no corredor a caminho daqui. Ele te fez alguma coisa, querida?

Desviei a tempo do carinho de Filipe, ele iria me tocar no ombro, inocentemente. Ele entendeu o que eu quis fazer, embora tenha parecido se magoar um pouco com isso. Eu não iria misturar as coisas.

– Não, não comigo. Não se preocupe, ele já saiu. Deve ter voltado para seus afazeres, devo voltar para os meus. Tenham uma boa tarde.

Educados, eles devolveram um pouco do formalismo e me cederam espaço.

Respirei melhor quando sentei na minha cadeira, ajeitava uns arquivos no computador. Às vezes André mexia nele pra me passar uns documentos e nem sempre as nomenclaturas vinham certas. Ainda havia outros recados, papéis de Aguinaldo lá, que apenas joguei na lixeira dali perto. Chequei uma mensagem da minha amiga, que pedi para mandar de tempos em tempos sobre como estava. Blair Walfort estava desesperada por um estágio, isso a deixava melhor. Maratona Gossip Girl a deslocava dos problemas, escreveu.

Logo Thiago passou na sala dos estagiários para recrutar a mim e a André para a consultoria no escritório dali próximo. Quando fechei a porta para sentar-me e cumprimentar o cliente, vi que não poderia fazer isso. Vi que devia ter me ouvido e não à Flávia de ter vindo ao trabalho.

A minha frente estava a vaca desgraceira que humilhara minha melhor amiga.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei! Comassim separar o shipper mais amor?????



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