Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 57
Não foi bem assim.




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A média de energia acumulada d um Imperador Solar, em seu estado físico e de treinamento mais avançado, é de aproximadamente 50 trilhões de megajoules. Molly, atualmente, tinha cerca de apenas dez mil e ainda assim estava defendendo a superfície do que havia sobrado do planeta depois das grandes catastrofes de todos os adversários maléficos que se cobriam com a carapaça negra. Estava sofrendo de uma fadiga horrível e ainda por cima havia acabado de perder um braço e a mão que tecnicamente restaria só que também teve que sacrificá-la para dar aquele que seria o "golpe final". Com certeza esse último soldado negro que havia aparecido era o mais poderoso dos que já haviam enfretado o caolho desde que começou essa missão de proteger inultimente a superfície.

Era uma missão inútil, seus companheiros, a resistência, ou pelo menos o que havia restado dela, haviam-no avisado: Não importa o que você faça, simplesmente mais e mais deles surgirão até que você não consiga mais derrotá-los. O problema é que o careca sentia-se mais inútil do que a missão que havia ditado a si mesmo. Nos últimos dias viu sua vida perder o sentido ao ver o caos e a devastação que havia coberto a superfície pela primeira vez. Seus companheiros e ele se escondiam numa das restantes construções, que segundo Molly já deveria ter desabado por conta do estado em que se encontrava. Essa missão não era inútil na mente do caolho. Era a única coisa que poderia fazer para que o planeta, ou melhor, a sobrevivência da própria espécie se tornasse não mais um sonho. Não que os outros seres vivos não tenham sido afetados, principalmente o meio aquático que foi alvo de ataques radioativos pelos inimigos exatamente por ser a fonte de vida do planeta.

Sem comida. Sem água. Sem uma casa, o Imperador Solar e os remanescentes dos ataques simplesmente tentavam prosseguir vivos. Não viviam e pouco podiam afirmar que sobreviviam. Não resistiam aos ataques porque simplesmente fugiam deles. Molly foi o primeiro a tentar alguma coisa enquanto os seus amigos o observavam de cima da construção naquele exato instante. Não era um prédio que estava próximo, estava a cerca de 10 quilômetros de distância caso uma linha reta fosse traçada. Se aquela cidade ainda estivesse de pé obviamente nem sonhariam em enxergar Molly naquele lugar - os prédios não permitiriam. Mas não havia nenhuma muralha impedindo seus olhares e Molly sabia exatamente disso.

Eram três e um deles estava andando em uma cadeira de rodas. Os três desconhecidos e com faces cobertas pelas sombras da pouca luz que ainda atravessava pela camada de poeira que cobria a atmosfera, nem sequer conversavam entre si. Molly casualmente se perguntava quem ali era o mais louco do grupo. O fumante, o homem de cadeira de rodas ou a mulher cega. Seus estados físicos eram deploráveis assim como Molly atualmente estava, mas queria saber como eles eram mentalmente. Tinha certeza que todos estavam na linha para cruzar o limite da lucidez e se tornarem humanos completamente loucos. Queria se afastar deles, mas seu objetivo atual era proteger qualquer tipo de humano até porque se não pensasse assim não teria mais sentido em sua vida.

O fumante era o único que estava em atuais condições de enxergar perfeitamente por conta do cadeirante ser completamente míope e a mulher, cega. Enxergou então um robô inimigo. Era uma esfera que girava assim como a hélice que a fazia girar. Não era uma arma silenciosa, e o fumante viu que não precisava avisar Molly que a esfera voadora estava se dirigindo na direção da colho. Simplesmente jogou seu cigarro ao chão e acendeu um outro. A mulher disse, já vai acender outro?, ele decidiu não responder instantaneamente, mas depois de alguns minutos enquanto observava a hélice girar lentamente, disse que esses cigarros que tinha eram realmente vagabundos e que queria que tudo voltasse como era antes para que pudesse fumar novamente produtos de qualidade. O cadeirante riu e decidiu desistir de olhar para o grande buraco no prédio por onde observavam o Imperador Solar, afinal não conseguia ver nada mesmo. Virou para a parede, fechou os olhos e decidiu que ia descansar... Mais. Descansava muito esses dias pela falta do que fazer. A mulher também não conseguia enxergar as ações do caolho, mas diferentemente do cadeirante tinha a habilidade sobrenatural de detectar auras de uma grande distância e foi assim que sempre sobreviveu.

Era uma grande vigia. Era conhecida em Albuquerque, país natal, como A Anciã dos Mil Olhares. Não era velha e nem sábia, mas era como se tivesse realmente mil olhos. Seu maior olho era o sol ou a lua. Conseguia sentir a aura de uma criatura de todos os ângulos possíveis descobrindo assim o ponto fraco de cada adversário. Não tinha grande poder físico, mas sempre era vencedora por acertar exatamente no calcanhar de Aquiles. Tinha grande velocidade e grande precisão em cada movimento pelo fato de ter seus outros sentidos muito mais desenvolvidos por conta da inerência da visão.

O fumante não era grande lutador. Era apenas um homem que havia fugido, a sua vida. Quando fez 10 anos de idade fugiu de casa, virou menino de rua e continuou a fugir - das brigas de rua. Quando se tornou mais velho, roubou e conseguiu fugir da cadeia sem ninguém suspeitar. Decidiu se tornar alguém na vida: arrumou um emprego clandestino, mas fez besteiras durante expediente e seu patrão decidiu matá-lo vivo por isso. Fugiu dos assassinos que o chefe havia contratado - sim, a besteira que fez foi bem grande e custou bastante dinheiro para o patrão ficar tão revoltado assim. Suas pernas já haviam percorrido uma distância cinquenta vezes maior que a superfície do planeta Terra e provavelmente ainda tinha fôlego para correr mais umas cem vezes sem que começasse a se cansar. Quando descobriu que tinha a habilidade de ser tão veloz assim, antes de fugir de casa, achou o máximo. Mas seus país viram-no como uma aberração e o internariam no Internato de Alienistas e Mutantes, fugiu por não ter aceitado isso uma opção para prosseguir sua vida.

O cadeirante havia perdido suas pernas durante um acidente de carro. Uma vez já foi um contador muito bem pago, e só queria que o mundo voltasse a ser o que já foi para ser promovido. Sinceramente parou de raciocinar quando toda a desgraça começou a cair pelo solo. Vivia sua vida normal e perguntava aos deuses "Por que isso aconteceu a ele e a todo mundo?" "Por que não posso voltar a viver na minha rotina babaca e ser promovido de uma vez?". O mundo girava ao redor de si, em seu mundinho. Por isso achava que os inimigos só dispararam em ataque para impedir que fosse promovido. Sempre teve grande afetividade com os números e se entendia como um: podia vê-los circulando ao seu redor, se multiplicando e se potencializando.

Praticamente esse quarteto nada tinha em comum a não ser uma vontade: viver. Cada um tinha um motivo em particular, mas o caolho só queria viver para que os outros também vivessem. Alguns dos integrantes daquela resistência tinham habilidades talentosas ao se tratar em técnicas de combate ou resistência, mas não eram páreos aos inimigos que estavam para vir. Os inimigos, máquinas ou soldados negros, eram mais rápidos que A Anciã dos Mil Olhos, mas não mais rápidos que o fumante. Mas o fumante nada poderia fazer a não ser fugir, e fugir eternamente porque Molly sabia, via isso nas estrelas, que a cada dia mais inimigos chegavam: não demoraria para que cada esquina de cada lugar que já foi uma cidade fosse ocupado por um dos que tem como intuito destruir o planeta.

– Às vezes Frota... Na verdade sempre. Sempre é muito díficil de imaginar o que as coisas realmente são.

– O que você quer dizer? - Frota estava começando a reperceber que aquela situação era mesmo estranha demais. Seu eu havia acordado para novamente indagar o que estava fazendo ali e onde estava.

– Nós não somos humanos. Eu e você. Somos vários ingredientes químicos juntos e que ironicamente consegue se expressar e se mover sem que ninguém nos empurre. É claro que precisam nos ensinar a andar, mas depois disso nós fazemos tudo sozinhos. Nós, os humanos, você sabe? É bem engraçado que depois de vários e vários seres que não conseguem fazer nada, você sabe... O ser humano nasce para destruir o planeta. Somos mais poderosos que um leão, mais inteligentes que um golfinho e mesmo assim nos destruímos. A seleção natural vai continuar e... Bem, eu posso dizer que a seleção natural é tudo menos aleátoria. Decidiu fazer um ser tão inteligente e com uma capacidade evolutiva tão absurda para ensinar a cada partícula desse universo o quão imprudente isso é! Nós não vamos sobreviver Frota. Nós somos tão novos nesse universo, é como se nós estivessemos aqui há 4 minutos, e conseguimos destruir quase tudo o que foi feito em um dia completo.

– Molly... Onde você quer chegar? - Frota agora também se perguntava se Molly também não estava ficando louco.

Frota olhou para o lado e simplesmente se assustou. Havia uma esfera de aço girando loucamente, mas sem sair de sua posição e apenas para manter-se em pé, bem próxima delas. Fazia um barulho absurdo. Molly percebeu a surpresa de Frota e decidiu olhar para a mesma direção. A expressão de Molly, em um milésimo de segundo, fez com que toda a situação mudasse na cabeça do jovem de óculos negros. Não sabia o que aquilo era e nem o que significava, mas o que a expressão facial de Molly traduzia era nada a não ser o desespero. Era como se tivesse envelhecido um século pela aparição da esfera. Rugas que ninguém nunca havia notado, por não existirem ainda, apareceram e Frota sentiu seu coração bater forte. Se Molly sentia-se apavorado com a presença daquele dispositivo, o que faria ele? Molly deu um passo para trás porque era a única coisa que conseguia fazer naquele momento. Nesse instante seus neurônios funcionaram como nunca em busca de uma opção, algo que pudesse fazer para salvar a sua vida.

Aquilo era exatamente o que pensava. Já havia visto e sobrevivido aquela criatura: Uma esfera de captação de energia. Assim que qualquer partícula de grau energético maior do que o natural do ambiente terrestre se manifestasse, se transformaria em um robô buraco-negro que sugaria simplesmente a fonte de emissão da energia manifestada para depois se autodestruir levando junto consigo o conteúdo absorvido.. Molly, como um usuário da energia amarela, um Imperador Solar, emitia pequenos feixes de energia amarela a cada passo ou ação qualquer. Como a de respirar. Por isso nesse exato instante parou de respirar e até mesmo a ideia de suar lhe dava calafrios. Frota assistia essa onda de pensamentos que Molly surfava e o encarou lucidamente. Molly o olhou perplexo para ver se o rapaz entendia a situação. Era claro que não. Não estava tão familiar com as táticas de combates que o inimigo usaria e provavelmente não tinha ideia do que estava acontecendo, talvez só parecesse um pouco medroso pelo comportamento de Molly. É. Era isso.

Molly não poderia dizer algo a Frota porque isso emitiria uns pequenos feixes de energia amarela. Lembrou uma coisa bem engraçada: Havia ainda partículas de energia amarela que haviam sido transformadas em impulso elétrico, obviamente em forma de impulso elétrico, no sistema nervoso de Frota. Havia de descobrir uma maneira para fazer sua mensagem chegar até ele claramente a partir desses impulsos.

A mensagem chegou incompleta para Frota. "Essa... Você... Energia... Não posso fazer... Você... Corre...". Frota entendeu. E Frota foi estúpido. Seu atual estado de espiríto contribuiu para isso. Frota entendeu a mensagem como uma espécie de "Você não pode enfrentar esse inimigo, corra que eu cuido dele e serei um martír". Frota já havia visto esse filme antes. Afinal havia perdido Molly na aventura em que se juntaram anos atrás. Frota não queria perder Molly de novo, mesmo esse não sendo o Molly que conhecia. Eram todos Molly afinal. Frota pôs-se em posição de batalha. Puta que pariu, pensou Molly, e eu nem posso dizer pra ele parar. Tentaria usar uma mensagem elétrica novamente, mas não houve tempo. Frota já estava próximo da esfera e utilizou do punho esquerdo para acertar um poderoso soco na esfera.

A esfera parou de girar com o impacto do soco e Molly julgou que o punho de Frota a desativou. Nossa, e como se acalmou. Como estava aliviado, decidiu agradecer a Frota. Foi que abriu a boca para agradecer e fez uma besteira sensacional. A esfera voltou a girar e dessa vez emitindo luzes vermelhas dando sinal de ativação.

Molly então disse, agora sem medo de emitir energia amarela: CORRE MOLEQUE. Frota por algum motivo correu para a direita, Molly usou da energia amarela para que conseguisse planar e, melhor que isso, voar. O fumante perguntava-se como que a coisa chegou a esse ponto. Não poderia ajudar. A esfera simplesmente decidiu agora girar para a horizontal formando um grande buraco negro e começou lentamente absorvendo tudo que estava pela volta. O fumante viu: Frota seria pego pelo centro de gravidade que cada vez aumentava de potencial gravitacional na esfera. Correu como sempre correra para fugir e por um feixe de um trilhonésimo de segundo ele e Frota não foram pegos pelo campo gravitacional da esfera e foram sugados para depois serem explodidos de dentro da máquina.

Molly, por mais que pairasse mais e mais, também seria pego pelo campo gravitacional e por isso que o fumante o persegui. Mas, óbvio, o homem era só um corredor e não podia voar. Ninguém podia voar, obviamente, foi quando Molly simplesmente sumiu no clarão dos céus. Não, não foi absorvido, e o fumante e a anciã, que observava de sua posição porque sabia que era inútil naquele momento, perceberam o que foi que aconteceu. Molly agora os esperavam nos Confins do Universo.

Imagine o universo como um quadrado. Quantos quadrados podemos fazer em um quadrado? Quatro. Quatro quadrados. Nesses quatro quadrados, quantos podemos fazer? Quatro em cada um desses quadrados. E é assim infinitamente. É assim que o universo funciona e lá está o dragão de corpo infinito girando ao redor dele. Na verdade os quadrados também giram. E é quando giram que se formam novos quadrados dentro deles. Tudo isso é, na verdade, comandado pelo maior quadrado. Para onde ele girar os outros quadrados também girarão. Entretanto cada quadrado só gira uma vez. O quadrado maior, o primeiro a ser girado, simplesmente já deu início e também um fim a todos os outros quadrados. Por mais que esses outros quadrados, independentemente do grau de variação deles, são destinados a concluir assim como esse outro quadrado.

Como o quadrado e o dragão giram, parece mesmo é que os dois estão parados. Mas o corpo do dragão simplesmente cresce cada vez mais e os quadrados aumentam. O quadrado, o maior deles, é e sempre será o maior. Nada pode alterar isso. A cada segundo o quadrado maior cresce e os outros sucessivamente dependendo do seu grau de variação. Infinitos quadrados são gerados. O dragão é aquele que controla esse movimento intenso no universo. O universo se expandiria como um louco e outros universos seriam criados rapidamente, assim como novos universos e novas dimensões. O dragão também previne que ninguém interfira nesse universo a não ser que esse alguém exista no universo.

Quando os Confins do Universo foi criando, supondo que foi até porque as evidências apontam que ele sempre esteve lá, ele foi construído em prol de dar a um observador um olhar mais privilegiado de todos os universos.

Seria um cientista, um físico? Não, se um homem como esses sentasse na cadeira da varanda do templo enlouqueceria em segundos. O errado desses homens é valorizar demais a razão e buscar para tudo uma explicação quando o que apenas é necessário para a adaptação do ser humano é aceitar o fato e dar voltas em torno dele. Um homem capaz de cordenar esse templo é apenas um ser humano que possa pensar assim, ou seja, ele claramente não é um ser humano. É por esse e outros motivos que Don Ramon deixou de se reconhecer como humano por um longo período de sua vida eterna até os dias de hoje. Don Ramon teve dúvidas de sua humanidade quando pela primeira vez ouviu uma pergunta. Você vai ou não vai ajudar-nos? Não conseguia respondê-los porque simplesmente não tinha uma opinião sobre o assunto. Ajudaria os seus amigos a caçar ou simplesmente esperaria pela janta que viria junto aos seus colegas de tribo desfinhados por garras de tigres maldosos? Não via necessidade para ajudá-los assim como sentia um ato maldoso deixá-los caçar sem sua ajuda.

Buscava ajudar os seus companheiros de tribo porque via nisso uma vantagem tanto para ele quanto para eles. Eles sairiam ilesos e comeriam enquanto ele comeria e veria os seus amigos ilesos. Nesse ato percebeu uma troca e sentiu que isso podia funcionar. Não funcionava em todas as situações na sua vida porque com certeza não tinha opinião em muitas coisas. Não via necessidade em ter opinião e não sentia verossimilhança nas palavras dos seres humanos, ou melhor, dos seus amigos da vila. Quando um amigo perguntava se Ramon acreditava ou não no que os sábios diziam, as grandes histórias sobre os heróis da natureza, Ramon simplesmente respondia que não sabia. Por que não sabia? Como assim? Ramon não se julgava apto a julgar tão friamente as palavras de alguém que é considerado um sábio.

Ramon era um mar de emoções. E um mar de vazio. Quando sentia amor pela humanidade, não sabia o que sentir sobre si mesmo. Quando viu seus comparças morrer quando animais monstruosos invadiram as cabanas e queimaram tudo com suas chamas maléficas, sentiu-se obrigado a ajudá-los e vazio em consideração a si mesmo. Quando Ramon percebeu que foi derrotado pelos demônios e poupado, perguntou-se o motivo disso para os demônios e eles não responderam. Quando atingiu a loucura e treinou durante anos no topo do monte onde mais tarde fundou o clã, simplesmente esqueceu tudo. Sentiu que seus falecidos companheiros de tribo e amigos de sua rotina estavam distantes demais, e se sentiu sozinho... Se sentiu vazio.

Mesmo após treinar o clã inteiro e se exilar do mundo porque percebera, enfim, que não era mesmo um humano que se sentiu como ele mesmo era. Ele era mesmo vazio. Um coração pedra consigo mesmo mas uma água ardente com aqueles que observava. Sentia cada sensação que os humanos sentiam. Cada perda, cada amor, cada vitória, cada derrota, cada vida, cada morte. Tudo... Don Ramon não se resumia a Don Ramon. O homem se resumia aos outros pelo qual amava e pelo qual sentia aquela sensação de troca. Ajudava-os para que eles se sentissem bem.

O gelo frio sobrevoou a cabeleira anciã do velho que viu surpreendente um homem que há muito tempo procurava que aparecesse. Não havia o visto desde a última Grande Guerra e o ver fez com que a esperança de Don Ramon reaparecesse depois de perceber que estava perdido naquela imensidão congelada. Xupa por sua vez disse: Eu recebi a mensagem, mestre.

Foi melhor ainda ouvir a voz daquele homem. Tinha certeza que o retorno dele seria de grande ajuda. Havia visto um pequeno feixe da existência desse homem no corpo de Xupa Cabrinha durante os últimos dias, mas não sentiu ele completamente. Sentia-o agora. Sentiu e se arrepiou. Era como se estivesse próximo do adversário mais poderoso que já tivera em milhares de anos. Isso era revigorante, o velho se sentiu mais novo e assim fez a sua aparência. Seus cabelos deixaram de ser cinza, passaram para o marrom que sempre foi e sua barba tornou-se muito menos anciã do que antes. Agora era um homem, se antes era um velho. O tremor do frio não mais influenciava o seu corpo e a sua aura se manifestava como um gigantesco mostro agora. Tudo isso por causa de uma presença, por causa daquela voz. Sentiu na pele o sentimento de preenchido. Por que? Porque agora tinha um objetivo. Superar. Aquele homem.

Aquele homem era ninguém mais ninguém menos do que Krom Hellrock em pessoa. Se estava morto? Estava. Mas foi o próprio Krom que num súbito ataque existencial de Xupa Cabrinha fez com que o caminho do pensamento do homem de terno branco transtornasse para uma curva que Xupa nunca pensou em antes andar. Uma curva que parecia estreita e perigosa, cheia de obstáculos. Após apresentar a curva para a consciência do Imperador Solar, foi simplesmente uma questão de tempo para que a mensagem deixava por Don Ramon chegasse à consciência de Xupa Cabrinha.

– Para você lembrar-se de mim... Eu tenho certeza que ele ainda está aí.

– Apenas eu estou aqui, mestre - disse, lúcido de si.

– Não há dúvidas que ele agiu para isso.

– Apenas eu. - Revidou Xupa Cabrinha. Não lembrava Krom Hellrock. Lembrava-se das ilusões, porque era isso que ele achava que era aquilo que conversava com ele durante o tempo em qe permaneceu ainda para ser despertado. Tudo o que ocorreu depois de acordar do gelo que vagou os oceanos foi completamente a visão de uma mente conturbada por traumas de batalha. A batalha que teve para terminar congelado em Pinball Wizard fora completamente devastadora, lembrava cada detalhe e ainda de ter perdido o sentido de sua existência e motivo de vida durante o combate.

Óbvio que aquele não era Xupa Cabrinha. Xupa Cabrinha não se assustaria como ele se assustou quando pela primeira vez se encontrou com a sociedade. Viu imensas construções lisas e densas como rochas do vulcão mais antigo se erguerem e velocidades muito maiores que já havia visto. Viu pessoas mais que demais. Viu estrelas distintas e que eram ofuscadas pelo clarão que surgia da madrugada. Uma cidade que a noite nunca surgia. O ser humano que cada vez mais conseguia poder. Tudo isso para ele foi como um grande espanto. Caso já estava traumatizado pelo combate, traumatizou-se mais ainda e por isso apenas conseguiu se despertar atualmente. Não tinha boas lembranças da primeira vez que reviu o mundo por completo. Sentiu-se esgotado nos primeiros momentos em que viu tudo que não se lembrava mais.

Do falso acordar na praia da Ilha em que os sapos o observaram até a reencontro com o mundo humano muitos pensamentos incompletos passaram pela mente do rapaz. Ao ver pela primeira vez um mundo que não fazia sentido em sua inocente mente, ainda inalterada pela sociedade colossalmente maléfica, um ar de atonía foi transpirado por cada um de seus poros. Foi por ver o sol artificial e a grande cidade que por baixo dele tinham criado que percebeu: É isso que sou, um monstro. A primeira resposta a ser respondida. Caminhou por cada rua da cidade e não reconheceu um sequer rosto. Os vidros refletiam a sua presença e não viu ele mesmo nos espelhos, viu alguém olhando para si. Alguém muito diferente de Xupa Cabrinha. Alguém que estava para fazer muitas besteiras e viver com um patife em becos com mendigos. Não havia noite. O cansaço era um colosso e a fome era um gigante que tinha que derrotar. Não havia dinheiro logo não tinha meios para sobreviver nesse mundo. Foi o desespero que, para Xupa, foi o necessário para que sua mente criasse um amigo que não se lembrava para guiá-lo. E o amigo disse: Você vai até ali e vai fazer isso. E ele fez. Cada ordem era cumprida. Naquele momento teve uma razão para viver: seguir as ordens do meu amigo. Não sabia quem era. Não tinha lembranças dele. Tudo o que tinha era nada.

– Sou eu e apenas eu - reafirmou Xupa Cabrinha.

– Ele não é uma ilusão. Se você continuar acreditando nisso você simplesmente ignorará a melhor ajuda que você pode ter em tempos como esse. - Ramon sentiu-se ofendido.

A cara de Xupa fez com que Ramon percebesse que o rapaz merecia uma explicação.

– Você ao menos entendeu a mensagem?

– Pouco dela fez sentido para mim. Estive fora desses assuntos por um bom tempo. Vaguei pelos mares em um cubo de gelo e dormi por quase um ano. Não há o que eu tenha que comentar sobre coisas que não sei.

Don Ramon olhou para Xupa como se ainda visse o discípulo impaciente e complementar das épocas de treinamento. - E eu tenho certeza que você não veio até aqui para conseguir respostas. Conhecia o discípulo.

– Eu vim para avisar que tenho um inimigo maior.

– Duvido disso, mas como pretende apresentá-lo para mim se não temos como voltar praticamente?

– Ele veio até mim uma vez. Nada significa que ele não virá novamente.

– Você se julga tão impotante assim?

– Eu não me julgo, sou um Imperador Solar. Não há o que qualquer um possa fazer para me impedir. Simplesmente vim para avisar-te para parar de lutar essa guerra desnecessária contra um inimigo que não pode nos acertar. Por mais que você veja que ele pode, eu sei que ele não pode.

– Você nem sabe de que inimigo eu estou falando.

– Claro que sei, porque ele é o mesmo que implantou em mim essa ilusão... Essa farsa que é esse fantasma de Krom Hellrock que me persegue.

Shepard estava absolutamente morto. A fórmulta mortal de Informática havia terminado com a sua mente enquanto conectada com o software de Transportação Espaçotemporal. Não havia mais volta para aquele Shepard e não havia nenhum outro com um plano maléfico de destruir as outras raças humanas "imperfeitas". Mendel, um sistema operacional, havia salvo a humanidade sem que ninguém soubesse. A mente de Shepard, ou o que restara dela, agora estava sofrendo do logaritmo mortal quântico das dimensões introespaciais, um presentinho que Mendel havia dado para o pós-vida do falso profeta.

Existem alguns pontos específicos e engraçados nos universos chamados de intereseção em que as mesmas coisas acontecem por conta de serem fatos completamente naturais. Como por exemplo na primavera uma rosa desabrochar. Essas pequenas interseções acontecem a todo tempo e são fenômenos inexplicáveis para os cronólogos, mas Mario pode explicar muito bem isso assim como explicava nesse momento na Faculdade Pontífica de Nova Subúrbia do Sul num universo em que Albuquerque era um país racionalista ao invés de se basear em mitos sem sentidos.

– Que aluno pode me explicar que ponto, nessa trajetório de A para C é em relação a B?

Um rapaz negro e de óculos grandes levantou a mão, antes que o professor desse a permissão ele levantou e respondeu: É a interseção das linhas do tempo. Estava empolgado. Era a única matéria no curso de CronoEspacologia que ele realmente se sentia empolgado, o resto era um saco mesmo.

– Muito bem, senhor Bello, agora, se me permitem continuar, eu gostaria de dizer mais algumas coisas. O que você faz quando acorda? Toma café da manhã. Mas todos você... Todos vocês... Tomam café da manhã assim quando acordam? Não. Por mais que isso não seja da minha matéria e eu esteja puxando um pouco da matéria do Senhor Frederico sobre Hiperdimensionalismo Pessoal e Sexualismo Cronogrâmico III, isso não pode ser considerado uma interseção porque interseções nos gráficos temporais apenas podem ser interpretados como fatos que acontecem ao mesmo instante no mesmo contexto e em exatos e iguais percentuais de probabilidades. Se em um universo você tem 0% de tomar café da manhã porque você não está com fome quando acorda, isso não é igual a esse universo que você tem 50% de comer porque acha que tem waffles e você só come waffles de café da manhã. O waffles, nesse caso, é o fator de pluralidade. Se existirem waffles na sua dispensa, você vai tomar um café da manhã e a possibilidade das linhas de tempo se cruzarem será igual a zero. Logo, não ocorrerá uma interseção.

– Professor Mario...

– Por favor, chamai-me de Doutor Mario porque eu mereço esse título. E inclusive tenho um Prêmio Noel por isso.

– Doutor Mario, fatores de pluralidade apenas estão relacionados ao não natural? Uma vez que fatores de singularidade são apenas fatores naturais.

– Puta que pariu por que eu ainda dou aula aqui? - Mario se enfureceu. - É claro que não. Fatores de pluralidade e singularidade apenas estão ligados a equação dinâmica das ações do preceito psicólogico humano temporal de Friedman. Essa coisa de fatores naturais e não naturais é dito na internet por professores de merda ou por alunos que se baseiam em livros de cronologia antiga! Se você pesquisar mais a fundo, na crononomia, você vai descobrir que os conceitos puramente aplicados na equação podem ser muito bem utilizados descobrindo o fator ímpar ou par de cada universo. Agora, para vocês que não são tão específicos nesse assunto, eu posso simplesmente dizer que sim porque vocês vão se formar aqui e virar um bando de babacas comentando sobre a negatividade e positividade de cada gráfico temporal em sonegação ao estado enigmático de cada ato pseudoatômico. - Mario virou e apagou o quadro. - Alguém tem mais alguma pergunta?

– Doutor Mario, o princípio relativo das ações pode ser aplicado num caso de singularidade de eventos... Ou melhor, de interseções? Uma interseção entre duas linhas do tempo pode ser interpretada como fator necessário para a realização da sequência da dinâmica de cada universo se analisados cada um dos universos envolvidos?

Mario largou o apagador. Estava surpreso. Não esperava uma dedução como essas em uma turma tão idiota como aquela. Virou para Bello, o interlocutor da pergunta e disse: - Sim. Estava muito mais feliz que isso, mas não daria o luxo de Bello saber disso.

– Tenho mais uma pergunta doutor.

– Pode mandá-la, meu caro.

– Você acha que a particularidade de cada universo pode ser distinguida a partir de uma função. E, se essa função for de qualquer forma de resultado inexistente, você acha que pode haver um X que possa transformar o Y de um valor diferentedo inexistente se o X também for um número inexistene e fora do complexo utilizado?

– Sim. Isso é um fato bem raro e nós podemos estar vivendo isso. Na verdade, todo fenômeno estudado aqui pode estar acontecendo nesse exato momento. A sua pergunta. O fato das alunas lá atrás estarem mexendo no celular. O fato do meu amigo Pedroca ser gay.... Tudo... Até mesmo a minha vida pode ser uma particularidade desse momento, meu caro.

Por mais que Doutor Mario tenha brincado com a pergunta, era isso. Mario estava vivo apenas nesse universo. Mas a simples sentença anterior do narrador fez com que um outro universo em que Mario sobreviveu ao ataque lisoatômico nascesse, ou o simples fato do leitor ter pensado "bem... Mario poderia ter sobrevivido e continuado na sua jornada" fez com que um outro universo seguisse para isso. O universo que o narrador criou é mais legal então por isso nós vamos seguir com ele. Não agora porque a explicação do ponto de interseção e o papo furado na aula de Mario, que você não entendeu porque não conhece os simples princípios da cronólogia, foi apenas para concluir que a morte de Shepard foi uma interseção.

Como todos sabem, quando isso ocorre em uma morte, a mente do indíviduo é transportada para cada universo para ver cada morte que ele sofreu nesse mesmo instante. Ou seja, Shepard não sentiu a sua morte ao levar a equação mortal da Informática porque antes dissom mesmo o universo transportou a sua mente para um outro Shepard, na verdade foram vários Shepards e em nenhum deles Shepard sentiu a dor da morte. Na realidade pela existência eterna de universos e consequentemente de Shepards aconteceu que Shepard se tornou fadado a ver diferentes iminências de morte sem que sentisse a morte.

O primeiro foi um ataque nuclear de uma nação inimiga enquanto Shepard lia o jornal. No segundo ele estava amarrando o sapato quando levou uma bala perdida. No terceiro um dinossauro destruiu a cabana de sua tribo e Shepard foi devorado pelo tiranossauro. No quarto Shepard estava com câncer e se despedindo da família. No quinto ele era um policial e estava prestes a tomar um tiro na nuca. No sexto Shepard estava pulando de uma ponte. No sétimo Shepard seria atropelado. No oitavo sofreria um ataque cardíaco. No nono estava tossindo e morreria de tanto tossir. No décimo ele estava entrando na frente de uma bala de escopeta para salvar alguém. No décimo primeiro Shepard já havia percebido o que estava acontecendo e pensou "puta que pariu vai ser assim pra sempre". E foi.


Agora você leitor dirá que o Plano de Shepard simplesmente foi por água a baixo. E foi. Mas havia um sucessor com quem o homem contava caso falhasse em alguma de suas missões. Esse sucessor é pouco conhecido, mas é conhecido. Esse sucessor fazia parte do plano e foi roubado pelo primeiro Mormada, aquele que agora estava pensando exatamente nesse sucessor - sem saber que ele era o herdeiro do trono, claro - e estava com tantas saudades do seu filho... Seu sucessor tornara-se praticamente invencível por receber amostras de um DNA de um homem-deus chamado Mario. Seu sucessor sabia usar daquelas habilidades e o plano do seu sucessor era por seus próprios punhos destruir os impuros.

Um plano que parece mais de um desenho animado. Mas há alguns pontos em que um desenho animado e uma obra escrita tem sua interseção. Um desenho também tem seu roteiro e esse pode ser o roteiro para um. Mais do que isso, o chá que você toma pode ter inspirado o superman e quem sabe o jacaré do sítio do seu tio não inspirou nenhum herói. É tudo um chute. O homem que tinha o plano de super herói estava fadado a ser derrotado e foi por isso que um de seus subordinados tentou detê-lo. Mendel, que gostava do filho do Mormada cujo nome o narrador momentaneamente esqueceu, estava feliz demais por ter matado o homem que caçoou de seu nome e como estava com um bom humor decidiu ajudar todo mundo. Mendel acabar de fazer com que a humanidade sofresse ao propôr um plano maligno e lento. Um plano que o sucessor podia dar algumas porradas em algumas pessoas, é claro, mas um plano em que não se arriscaria tanto, é claro.

O universo até agora se mostrou muito simples. Não há mistério no universo. Até agora a única dúvida que resta é o seu surgimento - uma vez que é apenas suposto até porque as provas mostram que ele sempre esteve lá - e como o destino foi anexado ao universo. Cada fato será revelado em seu tempo, mas o mais interessante é dizer que esse capítulo terminará por aqui por conta do tamanho de páginas que já tem. São muitas as linhas e ainda mais a surpresa de saber que tudo isso foi escrito em uma fria madrugada. Mais interessante que terminá-lo aqui, é ter...


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