Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 105
Deve-se ir muito mais além.


Notas iniciais do capítulo

Perdão pelo hiato infinito!!! O próximo capítulo já está no forno.



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Picone tinha respostas a buscar também e os Deuses precisavam fingir que contavam com ele para realmente alguma coisa, quando na verdade realizaram há alguns séculos como a mão humana pode ser irresponsável e inútil. Conheceram outro Picone no passado que meio que sumiu do nada. Manipularam-no como uma bananinha, como faziam com nossos heróis no momento. Que fim tivera? Não sabiam, mas o olhar de Hipátia após a saída de Picone disse ao seu camarada deídade matemática que ele provavelmente estaria fazendo alguma baguncinha aí. Filolaus olhou para baixo, entendendo bem o que poderia estar na mente de Hipátia. Até pensou em dizer algo genérico para tentar acalmá-la de preocupações inerentes à situação, mas já não precisavam mais disso. Estavam nesse trabalho há alguns anos, o de tentar colocar as peças no lugar certo para buscar consertar tudo.

 

Filolaus levantou-se e buscou o losango mágico para brincar antes de sentir um clima para realmente conversarem, e precisavam o mais rápido possível. Terminou em poucos segundos com seus dedos rápidos e sentiu-se frustrado. Como matemático, sentia mais que nunca a necessidade de um desafio e esses apetrechos materiais eram muito sólidos, queria desafios abstratos. Por mais que fossem polígonos mágicos cósmicos e com diversas sequências equacionais, ainda eram só polígonos regulares. O que realmente o interessava desde que formara seu contrato com Hipátia era o projeto no qual estavam trabalhando.

 

Eles não eram, em uma explicação simples, deuses malignos que estavam enganando nossos heróis. Claro, possuem tendências manipuladoras e egos tremendos, mas isso faz parte de ser um Deus, né? Ainda mais estando tão desregulado emocionalmente longe do Alto das Constelações. Todos sofriam abstinência de algum jeito: pode ser destruindo planetas, entrando em estado depressivo e nunca mais se movendo, formando organizações malignas e usando meios diabólicos para tentar retornar ao Alto das Constelações… Filolaus poderia ser dito como um dos mais sóbrios e vivia na felicidade de poder trabalhar com um projeto que o fascinava: salvar o mundo! Era um grande desafio, e todo esse espírito de apenas 600 anos era muito novo e queimava tão forte dentro de si. 

 

Lá em cima Filolaus apenas deitava em algumas mesas, escrevia algumas histórias sem graça que ninguém lia e tomava bastante uísque divino. Artificial, claro, não tem como existir nada material sem consciência no Alto das Constelações. Mas vivia satisfeito e conseguia se entreter vendo as coisas malucas que aconteciam nos planos astrais inferiores. Mas, esse fogo… Era realmente… Uau. 

 

Acontece que faziam pelo menos umas 3 semanas que não tinham recalculado nem recebido nenhuma coleta de dados e muito menos prosseguido nas outras missões secundárias (como encontrar Edésia). Prosseguiram de forma astronômica nos últimos anos nos laboratórios de observação estátistico-quântico em interiores estelares e na adaptação para galáxias e conjuntos de galáxias de 1 até N igual a infinito. Mas ainda eram modelos aproximados e equações que poderiam não interpretar realmente o fluxo de todo aquele plano astral. Precisava aperfeiçoá-los, e as expedições para observação entre-quadrados estavam suspensas devido a uma possível… Guerra dos dragões.

 

Terminou o hexágono e Edésia prosseguia com um comportamento atônito. Filolaus estava prestes a terminar um hexagono mágico cósmico quando decidiu evitar a frustração e preferir a impaciência, indagando à Hipátia:

 

— Devemos revisar alguma das equações? - referia-se à possibilidade da adoção dos heróis manipulados como possíveis variáveis que poderiam trabalhar em seu favor. Filolaus não possuía nenhuma fé nos humanos.

 

Tampouco Hipátia.

 

— Duvido muito - respondeu, encarando o matemático com seus olhos objetivos. Mas Hipátia ainda podia concebê-los como uma luz sem que ela descartasse a possibilidade de que poderiam ser apenas um vaga-lume distante na imensa escuridão. 

 

Entendiam que estava tudo nas mão dos dois e nas forças e inteligências inferiores das raças que manipulavam. Prosperidade Nova fora apenas o início, dois milhões de anos atrás. Hipátia viajava pelos planetas impulsionando-se por estrelas por bilhões de anos, deparando-se com diversos mundos vivos e mortos. Agradou-se com a prosperidade de civilizações ingênuas demais para entenderem o mundo e entristecia-se com o falecer de nações que foram arruinadas pela própria estupidez ou pela estupidez alheia. Quando encontrou o mundo criado por sua amiga querida e sumida encontrou um mundo hipócrita, como vários dos outros que visitou. Buscavam ser conscientes de suas ignorâncias, mas claro que isso foi possível até certo ponto. O mundo que encontrou foi bem distante da última visão que Edésia teve antes de ficar presa num loop temporal protegido pela Ordem. A única opção que viu foi a de manipular todos e prosseguir o que Edésia havia fundado. 

 

É claro que uma deusa sem fé em mortais não os conceberia como verdadeiras engrenagens na máquina do universo. Temia que esse Picone também fizesse besteiras, como tem certeza que o antecessor está fazendo por aí com todo poder e conhecimento que possuí, e tinha um lugar especial para Robin em algum lugar dentro daquilo tudo. Não como parte de uma equação, mas relativa à parte material de sua missão. Precisavam de Possibilidades ao seu lado.

 

 

 

O Picone casual, que é mais importante mesmo, caminhava por rochas desconhecidas em um mundo tão frio e incolor e morto que era difícil chamar aquela deformidade cósmica, para seus padrões leigos, de um planeta ou qualquer coisa mesmo. Ele estava em um lugar muito distante, um lugar cuja primeira impressão poderia ser que nunca deveria ter pisado pelo bem da sua sanidade, coisa que o jovem não se importava tanto nesse ponto tão distante e dissonante de sua jornada de herói. O céu parecia ser o mesmo cosmos presente da janela da nave de mármore que ali o deixou e desapareceu num piscar de olhos. 

 

  Por pouco que restasse sua ânsia de buscar razão em cada detalhe dos mundos que caminhava, algo deixava-o inquieto e ansioso  de forma inusitada. Era de novo como se nada pudesse sentir, como se  não houvesse potencial nenhum naquilo que pisava. Um véu macabro tomava conta da existência em tudo que encontrava ao horizonte.

 

Desde que fora teleportado de sua Terra para a Terra devastada com Robin a parte de seu cérebro responsável por manter certa linearidade na percepção da passagem do tempo praticamente apodreceu. Viagens intergalácticas e interdimensionais, após uma pitada de reprogramação cerebral leve feita por Hipátia secretamente, levavam a natureza humana de seu cérebro a ser gradualmente esquecida.  Picone tinha seu pensamento direcionado para ser o defensor da vida, da Terra e do que existe e não poderia deixar questionamentos da realidade em situações tão fora de controle. Deveria fazer o que é seu dever e seu dever seria caminhar naquelas colinas rachadas e sem vida. Sua perseverança foi o suficiente para começar os primeiros passos com o seu sapato social casual sujo da poeira galáctica do deserto de Prosperidade Nova. Seus sapatos agora pisavam em cinzas mortas em um hexágono irregular que orbitava de forma bem peculiar um planeta laranja e cheio de manchas vermelhas.

 

A poeira caminhava como sua amiga e isso lhe reconfortou. Seguia tão lenta quanto seus próprios passos e percebeu como nenhuma partícula aérea era perceptível de ser encontrada pelo seu poderoso radar de potenciais. De repente sentia como se estivesse para derreter e se sufocar em poucos segundo. Estava coberto de desespero.

 

 Foi preenchido de medo e desespero enquanto suas pernas bambearam e toda a força de seu corpo parecia estar substituída por energias tóxicas e nojentas. Era como tudo o que temia andasse ao seu redor. Retirou o paletó que não não dava nenhum destaque à sua aparência e só massageava o seu ego na busca de uma figura que nunca teve na vida. Buscava ser um exemplo.

 

Sozinho, parecia mais difícil. Sozinho, sentindo a radiação desconfortável e infindável de estrelas que na verdade já estavam mortas a milhares de anos luz. Seus passos seguintes ecoaram com um suor frio, cruzou os braços de forma que pudesse se abraçar. O calor tornou-se frio. Sua fraqueza foi preenchida por diversos calafrios e sensações de queimação nas extensões de seu corpo. Ele estava sozinho e as estrelas morreram, ou estavam todas fadadas à morte. Decidiu abrir os olhos em busca na segurança no que pudesse ver ao invés de todas essas sensações mirabolantes que o consumiam. Sua mão virada para cima continuava a mesma, assim como para baixo. Sem marcas de queimaduras e machucados, deixou que o corpo sentisse o que deveria sentir sem que necessitasse controlar. Ele percebeu que algo dentro de si o chamava além da instintiva e desesperadora vontade de não perecer onde quer que estivesse. Pôde abrir-se sem que o frio do isolamento da vida o congela-se em um túmulo e sem que o calor infernal o levasse ao derretimento violento e doloroso.

 

Picone viu além das mangas desarrumadas de sua camisa social branca de poliéster as suas mãos, mãos que poderiam fazer algo de bom para o que seguisse. Mãos com poder para construir e unir e também separar e ressignificar. Sensações térmicas se dissiparam e Picone percebeu que não havia nada a focar a não ser sua respiração, era tudo imaginário. Ofegando e com suor frio da testa confusa, recuperou-se depois de três minutos. “Talvez… Seja um tipo diferente de potencial…”, formulou os pensamentos depois de numerosas tentativas.

 

Ele aceitou o mundo como ele era, do jeito que aparecia. Aceitou quem ele é do jeito que ele é, e não da imagem que gostaria de parecer. Aceitou-se como um pedaço aleatório de material genético humano em um mundo muito complicado para as dimensões que sua mente podem entender. Aceitou as lembranças súbitas de vida que reapareceram em seus olhos enquanto alguns pares singelos e cheios de lágrimas passavam pelos seus olhos que piscavam incontrolavelmente.

 

Percebeu que a sujeira continuava a acompanhar seu passo, mesmo inconstante em ritmo até esse momento. Teria dito um carinhoso adeus, agradecendo a companhia, se soubesse antes que ela cairia em uma rachadura pequena que parecia ser tão profunda na crosta disforme daquele planeta que mostrava uma pequena parte das estrelas do outro lado. A rachadura se estendia ao horizonte e o olho de Picone encontrou flores. Flores terrestres, flores que conhecia. Eram hortênsias azuis. Não acreditou de primeira, é claro. Não sentia seu potencial, mas teve certeza de ser real ao se aproximar em passos incrédulos e calmos. Apreciou-as em seu momento “a vida é linda” da juventude. Ficou ali pensando no seu azul e no anseio de um orvalho que imaginaria nunca chegar em um mundo tão sem cor e sem variedade, um mundo estático e fadado ao fim, como tudo. As hortênsias também tinham seu destino selado, algumas pétalas caídas e secas estavam prestes a serem acompanhadas nos próximos instantes por outras que foram sugadas de vida. Don Picone apreciou. Ele estava apreciando as flores criadas provenientes do seu mundo. Tornaram-se rosas, e Picone sorriu. Foi como se tivessem lembrado que ele também deveria levantar e lutar. Que ele deveria aceitar a mudança e seguir com sua determinação enquanto seu espírito ainda resistisse dentro de si. Despediu-se das flores e adentrou uma caverna macabra temendo nada. As flores tornaram-se cinzas...

 

Preferia encarar a gruta fantasmagórica de olhos fechados. Nada temia. Era o criador desse mundo e nele também estavam presentes seus demônios, assim como luzes distantes no fim da gruta que se entendia até o fim de uma gigante e pontiaguda montanha que era sem dúvida uma das partes que caracterizava o planeta como um polígono muito irregular por aí no espaço.

 

A luz ofuscou seus olhos fechados agitando uma sensibilidade dentro de todos os seus sentidos que chocou toda a extensão de seu corpo, alma e cérebro. Muitas conexões que sentia com aquele mundo pareciam estar sendo rompidas para que pudesse construir conexões potenciais com a luz tremenda que surgira em sua frente. Seus olhos foram abertos muito lentamente por segurança. Ele precisava de sua visão agora, nada em seus sentidos podia realmente dizer que tipo de potenciais confusos, exorbitantes e místicos caminhavam e ligavam-se a Picone.

 

Os olhos de Picone encontravam o cenário próximo de um abismo intenso e dramático. Tinha formato de triângulo quilométrico e próximo do centro uma criatura misteriosa e inesperada o encontrava. Ele conhecera um único dragão antes e nunca ousou questionar a sua existência por respeito ao seu mestre e ao comprometimento de Shangri La de também proteger a vida, a Terra e o que existe. Dessa vez, respeitava a criatura cósmica pela sua magnificência e energia que não conseguia traduzir em sensações. Todos os átomos de seu corpo exclamavam de intrigues com o dragão. Não conseguia saber como reagir e seu corpo permaneceu em choque.

 

O dragão dormia. Conhecia a chegada do Criador daquele universo mas não estava muito a fim de recebê-lo com uma festa de boas vindas e muito menos um bom dia. Poderia dizer muito bem que por ele continuaria dormindo ali e ignoraria o coitado do humano ignorante por toda a eternidade dormindo e fingindo dormir. Não foi isso que aconteceu e Jiangzhai teve que deixar um pouco de sua prepotência amplamente justificada para abrir os olhos e ouvir o que for que o rapaz tivesse a dizer. Picone continuou parado mesmo assim, não se sentia tão intimidado desda primeira cartinha de amor que entregou durante o ensino médio. O nome dela era Jaqueline e no momento Picone estava bastante perdido em seus pensamentos - de um jeito gracioso e que lhe enchia de satisfações viciosas.

 

Jiangzhai perguntou-se porquê colocava alguma fé numa mera existência humana e seus olhos encheram-se de uma decepção casual que estava acostumado a demonstrar a qualquer forma de vida ou consciência. Antigamente ele costumava humilhar as formas de vida porque realmente nunca teve paciência para isso, sua casa sempre tinha sido um inferno de dragões que não colaboravam para o seu crescimento pessoal e só se importavam com seu próprio algodão doce e tanta raiva guardada causou com que saísse xingando todos que julgassem serem vagabundos e incompetentes, principalmente aqueles do sindicato que diziam se importar com os Giradores de Quadrados. Isso não terminou bem, mas não tão mal quanto os dragões reacionários e essa história toda. Jiangzhai aceitou a expulsão do plano dos dragões, algodão doce e quadrados julgada pela Corte Trabalhista da Terceira Vara Quadradal. Ele sabia que isso era o melhor, pra ele principalmente. Poderia fazer o que quisesse, o que muitas vezes era nada ou maratonar séries sobre dragões fazendo esportes radicais. Também tinha as séries de dragões que eram colocados em situações difíceis que dragões não conseguiam sobreviver antigamente devido à falta de recurso mas agora era só uma brincadeira de reality show.

 

Jiangzhai queria muito xingar Picone, mas as últimas três milhões de eternidade das duzentas e sete trinta milhões de eternidades lhe trouxeram paz e muita paciência. Jiangzhai gostaria até de se desculpar com o pessoal do Sindicato, da Firma e da sua família pela falta de paciência que teve antes de sua expulsão. Ele não sabia disso e demoraria muito para descobrir por fazer muito (muito mesmo) tempo que interagiu com qualquer outra forma de vida. Estava começando a descobrir esse seu lado quando decidiu falar algo para Picone primeiro.

 

— Olá, creio que ainda não nos conhecemos - disse, da forma mais educada que conseguia lembrar. Suas habilidades de comunicação estavam bastante enferrujadas.

 

As palavras corriqueiras que Picone ouviria em um dia comum em um trabalho novo  ao ser julgado dos pés à cabeça por algum chefe prepotente e ignorante foram o suficiente para fazer Picone retornar a realidade até certo ponto. Sabia que o dragão não estava sendo prepotente, afinal era um dragão mesmo, melhor que dragão só dinossauro.

 

— O-olá… Senhor…

 

— Jiangzhai.

 

— Jiangzhai… - Seus olhos só então foram capazes de julgar a aparência de tal já que a hipersensibilidade causada pelo potencial infinito da bela criatura mística e cósmica cessara há pouco.

 

Jiangzhai continuou estático. Ele estava deitado como uma cobra gigantesca. Seu corpo infinito enrolava-se para que fosse um travesseiro confortável para a sua cabeça longa e estreita. Suas escamas eram todas negras que podiam ser diferenciadas da imensidão do vácuo graças à graciosidade do reflexo de sua pele eterna. Brilhava como um diamante nunca antes visto por um ser humano e de fato Picone era o primeiro. Picone não sabia o que pensar, não era um especialista em cristais e jóias para poder analisar tamanha joia. Uma criatura tão bela. Possuía uma aura muito diferente de Shangri La, era como se diversos paradigmas criados pela cabeça de Picone estivessem sendo quebrados.

 

Picone em poucos segundos saiu do estado de choque e de maravilha. As emoções estavam muito intensas desde o início do capítulo. Picone fechou os olhos por alguns segundos e respondeu.

 

— Eu sou Picone. Eu sou.... - Era claro, Jiangzhai era um dragão. E isso estava claro. Picone sentia que precisava se provar, mas nada na sua história até equiparava-se à magnitude do grandioso. Não importaria dizer ser milionário e acionista de uma parte interessante do setor energético das duas maiores nações de sua Terra. O espírito e a vontade de proteger o mundo era apenas isso mesmo, não se provara e mal sabia qual era o caminho da proteção da existência. Estava ali porque Filolaus e Hipátia o disseram para que explorasse aquele estranho e desconhecido setor do mundo. Com um toque de humildade pouco visto nos anos adultos de Picone, introduziu-se ao ser celeste seja por ter sido intimidado ou por estar passando por um arco de desenvolvimento de personagem. - Eu busco a proteção do que existe. - Era profundo demais para as suas concepções. Sua entonação fora longe do esnobe, queria transmitir uma mensagem simples para que pudessem começar um diálogo, seja lá qual fosse. 

 

A humildade de Picone foi como a de um pai que no lar de sua família encontrou um leão que apenas buscava um momento de paz, seja lá porque estivesse ali. Não é uma analogia muito direta ou precisa, mas Jiangzhai leu nas ondas vitais de Picone tudo aquilo, sensações que fluíam em Picone e que tinha dificuldade de entender. Picone na verdade não entendia nada. Não entendia que era dono daquele mundo, mas estava claro que estava começando a perceber no mundo pedaços de si mesmo inconscientemente. Por isso agora consegue se encontrar.

 

— Jovem… Você não sabe porque está aqui. - Jianzhai encarava-o com os olhos bastante curiosos. A cor de seus olhos não é possível de ser entendida e nem enxergada por humanos, então uma descrição detalhada fica pra próxima. Um bom resumo é dizer que é bem “bonito”. Para Picone, lembrava gatinhos filhotes brincando e isso era mais um fato doido que tinha que lidar. - Claramente não é daqui… Mas como chegou a este lugar? 

 

— Meu mundo foi atacado… E eu fui enviado por outros que também buscam a proteção da existência para cá - pausou. - Sinceramente, não esperava encontrar um Dragão. Eu pensava que…

 

— Que vivemos apenas girando ao redor de quadrados?

 

— Sim…

 

Nesse ponto da conversa que Jiangzhai nunca pensaria estar tendo com o criador daquele universo aleatório que decidiu descansar. Também nunca pensaria que o criador fosse tão perdido da vida. Seu senso de propósito estava se desvirtuando, apesar da determinação inabalável. Era ingênuo, como uma criança. Pelo menos sabia dos dragões, é verdade, mas se realmente buscava proteger a existência deveria conseguir ouvi-la muito melhor. Necessitava de um caminho de iluminação e seus aliados entregaram-lhe uma jornada claramente vaga e confusa. Algo estava errado, pensava o dragão. Sentiu certa compaixão com o pobre menino e percebeu que também poderia aproveitar alguma conversa. Há muito abandonara tudo e todos e aceitara o tédio como o melhor caminho a percorrer: o nada. Agora era como se uma faísca acesa de um gás de compaixão com um fogo de curiosidade.

 

— É a parte mais importante de nossa existência, todavia certos desviados tratam sua faculdade como mera obtenção de algodão doce. O problema, um grande problema… É o algodão doce.

 

— O algodão doce? 

 

— O algodão doce rouba nossa juventude e os transforma em destruidores de mundos. E isso tudo é legalizado e promovido pelo governo e as maiorias dos sindicatos.Nossa… - Sem palavras, Picone tentava imaginar uma câmara de deputados composta por dragões. Dessa parte nunca tinha ouvido de Shangri La, e muito pouco do algodão.  - E você vive aqui faz quantos malafa-malafa? 

 

Malafa-malafa é nada mais do que a unidade de tempo mais comumente utilizada por dragões. Jiangzhai surpreendeu-se com o conhecimento de Picone e sentiu-se bastante interessado, sorria com a lateral de sua boca extensivamente como um vilão maligno, o que era nada menos que na verdade empolgação (Picone não tinha chance de enxergar tais expressões por tão minúsculo que é comparado à criatura astral). Era raro encontrar criaturas de planos astrais inferiores que conhecessem as histórias dos dragões. Jiangzhai não teve outra opção a não ser considerar o homem como realmente interessante e não só um zé-ninguém.

 

— 37 malafa-malafas - respondeu. Mesmo assim Picone não conseguia enteder, um malafa-malafa é o tempo que o  Deus-Dragão-Superior-Destruidor-Criador demora para falar “malafa-malafa” e ele nunca presenciou tal acontecimento. Nunca foi para os Reinos dos Dragões, apenas batia papo com Shangri La mesmo, esse que dizia que o Deus-Dragão era muito muito muito grande mesmo e por isso sua fala acaba sendo lenta. Além dele também ser um idoso, já nos 108 malafa-malafas de vida.

 

Então, o dragão não conseguiu esconder o súbito interesse pelo viajante. Possuía conhecimentos além de seu plano, além de ostentar uma presença que ressoava como cada ponta daquele mundo.

 

— E qual a sua jornada, mero rapaz? Para atravessar a gruta fantasmagórica infinita, para manter-se concreto em um corpo celestial irregular, para conhecer da cultura dos dragões… Sua história deve ser extensa.

 

Picone sentiu-se lisonjeado e feliz. Adoraria mostrar o quão extensa é a sua história. A realidade é que a resposta que sabia sobre o hoje era vaga, genérica e ingênua sendo um ser tão ínfimo.

 

— Meu objetivo é salvar o mundo. - Dizer isso frente à uma criatura 

 

O passado lhe assombrava. A morte de seu mestre por incompetência, seu descaso com o título de novo protetor do mundo…

 

— Eu falhei com meu mestre e estou aqui em busca da coisa certa. - “O que é a coisa certa?”, perguntou-se logo depois de se ouvir. - Estou ajudando outros, humanos e também deuses matemáticos, para salvar o universo.

 

O dragão sentiu como se a conversa tivesse passado de um ponto que fizesse sentido. Queria  ser respeitoso com Picone em sua resposta, sem desmerecê-lo, e teve que lutar contra a sua natureza de criatura astral superior com complexo de superioridade e ego inflado por ser gigantesco, lindo e brilhante.

 

— Salvar o universo? - Jiangzhai concebia o fim como parte do tudo. “Falar em salvação pela simples percepção da aproximação da morte é nada mais que balbuciar sobre inevitável”. 

 

— Como? Estamos trabalhando em equipe… Os deuses possuem grande aparato tecnológico e matemático. Eu e Robin, um recém-conhecido da minha realidade e planeta de origem,  fomos enviados para setores diferentes pelos deuses em missões de busca e coleta de dados. Há outros poderosos como nós de onde viemos, e logo estaremos prontos para retornar à nossa casa e salvarmos os inocentes da crueldade do destino. - Uma inspiração tremenda viera no final, mas de início precisou se esforçar para conseguir responder. Ele não sabia como.

 

Ele não sabia o que estava fazendo.

 

“Poderosos?”, refletia sobre parte da afirmação do rapaz. Pouco importava-se com quantos fossem ou a capacidade de seus poderes, a realidade…

 

— Coleta de dados? Busca? - A sua natureza de dragão, criatura superior e criadora das possibilidades, falava mais alto. Sua imponência falava mais alto. Sua estatura gigantesca e a sua cabeça, quilômetros de altura acima do pequeno crânio do humano, expressavam junto com as afirmações que estava ouvindo conversa pra boi dormir. Considerava isso ridículo, mas é sério, sério mesmo: Jiangzhai estava tentando ser bomzinho. - Estamos em uma parte desse universo… Que já faleceu. 

 

O dragão olhava pelo seu lado esquerdo os objetos e formatos de todos os corpos que sua visão captava - milhares. As nebulosas tomavam conta de tudo, sombrias e infinitas, carregavam o cheiro da morte que chegava às estrelas ardentes vermelhas. As nebulosas eram como folhas secas. Jiangzhai via-as como já estragadas, e o fluxo do universo as degradava e contorcia seus formatos. Perdiam sua intensidade e movimento. Os planetas daquele sistema solar encontravam-se mortos, também. Seus núcleos deixaram de funcionar tampouco a poeira manifestava-se na ausência de forças externas no universo. O mundo tornava-se apenas uma casca.

 

E ainda assim o viajante permanecia diante de Jiangzhai. Sobrevivia. Respirava onde há muitos malafa-malafas gases tornaram-se apenas átomos inertes. Pois Picone é um criador. - Não há o que coletar ou buscar, a não ser o que seja criado. - Jiangzhai sentiu-se desafiado com essa ousadia ingênua e fervorosa do mísero humano. Isso o inspirou. A vida no isolamento por considerar outros dragões muito idiotas e seres de planos inferiores infinitamente desinteressante estava cansativa. Poderia ter uma prova em sua frente que algo valia a pena.  Deveria ajudá-lo a encontrar o seu caminho?


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