Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 4
Capítulo 3




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Batidas na porta, são leves, mas suficientes para arrancar o comandante da cama, os movimentos doem, as fibras de seus músculos parecem ter encolhido enquanto dormia, um gemido de desconforto antes de se levantar, as marcas roxas já impressas pela pele, tempestuosas feridas de sangue pisado, músculos feridos e veias estouradas.

Ele se arrasta a passos pesados até a porta, pressionando com certa dificuldade o botão prateado com luzes azuladas ao lado do batente, abrindo a porta num suspiro surdo de ar. A luz branca do corredor fere seus olhos, ele precisa fecha-los um pouco para poder olhar a figura desfocada de preto a sua frente, até distinguir a figura do doutor com seu costumeiro olhar vago e cadenciado, com os braços caídos ao lado do corpo, com cabelo escuro numa desordem direcionada.

– Alguém morreu...? – ele pergunta, esfregando as mãos espalmadas no rosto, tentando recobrar os sentidos de modo a absorver as palavras que receberia como resposta.

– Terminei senhor.

– Terminou... o que? – ele pergunta, apoiando um dos braços no batente, sentindo o peso do próprio corpo na musculatura das pernas.

– Os soldados, senhor... Disse que deveriam estar prontos para a manhã de hoje. – os olhos do médico vagavam em algum lugar entre os olhos e o pescoço de seu superior, reclinando levemente a cabeça para cima para fazê-lo.

– Ah, os soldados... – Morpheu puxa um cigarro da cômoda próxima a porta, procurando o isqueiro pelos bolsos até recordar-se que o havia deixado no bolso do casaco que compunha seu uniforme, se é que podia chamar assim. – Estão acordados?

Ele da alguns passos no interior do quarto, indo buscar o isqueiro dentro do bolso do casaco de inverno preto e dourado.

– Sim senhor. – Klaus avança um pouco além do batente da porta, parando respeitosamente antes de propriamente entrar.

– Excelente. – uma tragada no cigarro.

Usava algumas roupas que carinhosamente apelidara de pijamas, mas em verdade eram apenas roupas que por conta de manchas ou rasgos estavam perdidas para sempre.

– Devo instruí-los a participar das tarefas de campo amanhã? – os olhos do doutor permanecem vagando nesse ponto entre os olhos e o pescoço de seu comandante. - Apesar de acreditar que seria de seu maior interesse se deixasse que se acalmassem, estão um tanto elétricos por conta do procedimento, senhor.

– Estão acordados... E de pé?

– Devem estar bebendo agora... Estão um tanto elétricos, como já disse.. – disse olhando de soslaio na direção do corredor. – Devem conseguir dormir em dois ou três dias.

Ele simplesmente o observa com descrença, segurando o cigarro aceso entre os dedos, o fio de fumaça subindo para se dissipar na altura das janelas, recostado na parede oposta a porta.

– Com licença senhor. – com cuidado ele atravessa essa linha tênue que define o interno do externo dos aposentos de Morpheu.

Como? Como você conseguiu?

Mas ao invés disso sua única resposta foi:

– À vontade, doutor.

– Peço que me chame de Klaus, senhor. - seu caminhar é silencioso enquanto ele atravessa a sala em passos surdos. – Dói? – uma pergunta em voz baixa, contudo suas mãos não se mexem.

– O que? – ele ainda sustenta o cigarro sem de fato notá-lo, seus olhos parecem tentar atravessar a parede que o doutor mantém antes de seus olhos acinzentados, como concreto... ou será que de fato ele não sentia nada como fazia parecer?

– Seus hematomas... devia me deixar dar uma olhada, senhor. – seus olhos agora se voltam as cicatrizes antigas e às manchas escuras espalhadas pelo peito do homem a sua frente.

– Estou bem. – num movimento pesado e fluido, Morpheu afunda o cigarro no cinzeiro sobre a mesa.

– Posso ver? – ele puxa as luvas pretas devagar.

– Já disse que estou bem.

– Senhor, eu não o impeço de fazer seu trabalho, porque não me deixa fazer o meu?

Um suspiro resignado. – Quer que eu acenda a luz, doutor?

– Não é preciso. – com isso o espaço entre eles se fecha um pouco mais, as mãos do doutor se escorrem pelo peito de seu superior, que olha para o teto, em silêncio, apoiado na cômoda atrás de si, distribuindo o peso do corpo nos calcanhares.

A respiração de Klaus assombra a superfície lacerada da pele de Morpheu, que ministra as pequenas doses de dor infligidas pelos dedos gelados de seu médico obstinado reclinado a sua frente.

– É quase obsceno. – Klaus comenta, quase que para si mesmo, subindo os dedos pelas costas marcadas do homem cujos olhos agora ele procurava num quase abraço, havia nítido choque ali.

– Perdão? – Morpheu volta seus olhos do teto, encontrando os olhos de seu subordinado quase na mesma altura que os próprios.

– Considerando a força que você foi jogado contra aquelas rochas, você devia estar imobilizado agora... Você nem ao menos deslocou nada.

– Como sabe a força com que fui jogado contra as rochas? Como você sabe que haviam rochas em primeiro lugar?

– Seria muito trabalhoso se eu explicasse senhor... Eu apenas sei. – dando alguns passos para trás, quase que na defensiva, Klaus recoloca as luvas, enfiando as mãos nos bolsos do avental branco.

– Por que as luvas? – pergunta o comandante com um pequeno aceno de cabeça na direção genérica de Klaus, preferindo ignorar os assuntos anteriores em prol de evitar atritos maiores.

Mas isso não queria dizer que deixaria passar.

– Digamos que para a minha cultura, o contato de mãos de uma forma geral é considerado inapropriado. – ele responde jogando o cabelo para trás e olhando para cima, para o lustre, com um olhar resignado e reprovativo. – É promíscuo.

– Dar as mãos... Promíscuo. – ele cruza os braços sobre o peito, em ceticismo silencioso.

– Eu não espero que entenda, senhor. – os olhos do jovem médico vagam pelo quarto escuro, pela mobília e pela decoração. – Nem que concorde.

– Definitivamente não concordo, nem mesmo entendo... Mas aceito. – ele sorri, amigável.

– Boa noite, comandante.

Com isso ele roda sobre os calcanhares, dirigindo-se a porta, passos tão quietos quando aqueles de entrada.

~*~

Deixando o som de seus passos pelo corredor, Klaus se encaminha ao próprio quarto, ao lado da enfermaria, lugar onde ele passava pouquíssimo tempo dos dias e noites que passava ocupado com todo tipo de coisa que pudesse mantê-lo distraído de si mesmo por alguns momentos.

Os dedos formigavam, gelados e pálidos...

Havia sido uma má ideia.

Mas sabia disso mesmo antes de tê-la executado.

Contudo estava curioso, ávido em saber como, diante das dadas circunstancia, o comandante humano, com seus ossos tão frágeis, havia sobrevivido a ser arremessado como um boneco de pano contra os rochedos das montanhas da fronteira.

Sem nenhum único osso quebrado.

Aquele parecia diferente.

Cheirava diferente.

A sangue e ossos, sim, mas era mais que isso.

Era cheiro de morte.

E dada a sua origem... não podia dizer que isso não afetasse seu julgamento...

Quem é ele?

Foi jogando as roupas pelo quarto, caminhando na direção do banheiro, desconfortável, esfregando os braços nervosamente, ligando o chuveiro, a água quente o suficiente para deixar a pele avermelhada, tinha frio... Tanto, tanto frio.

Mas há quanto tempo vivia isso? Quantos anos?

Klaus apoia a testa na parede de vidro do banheiro, suspirando pesadamente enquanto a água quente ferve o dia para fora dele, aquele cheiro acre que os humanos exalam quando o medo se apodera de seus olhos.

Olhou suas mãos , vermelhas... Já estavam assim antes do banho, disse para si mesmo, nem sequer tinha essa desculpa. Sentia os joelhos fracos, mas não cederia sobre eles, ficaria em silêncio, como sempre ficou.

A nota escura em seus olhos era perceptível a ele apenas, se olhou no espelho que pedira que colocassem no box do chuveiro envidraçado, encarando as tatuagens que subiam pelos ombros até os cotovelos partindo do grande desenho que tinha nas costas. Abraçou-se, fechando os olhos em silêncio constrangido, segurando a respiração e olhando para o teto, sentia os olhos arderem.

Não conseguia se olhar no espelho, por mais que fosse de vital importância que visse suas costas.

Teria, entretanto, de viver com sua própria vergonha.

Apoiou o corpo numa das paredes, fechando os olhos, vergonhosamente evitando reflexo do espelho enevoado pelo vapor. Mordeu o lábio com força, sentindo o gosto do próprio sangue.

– Frio... – permanecia de pé olhando as gotículas de água pelo ar voando pela pequena janela no alto do box, esperando que a água pudesse lavar a sujeira em sua mente também.


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Notas finais do capítulo

well well well
Aqui está
comecei a espiral sobre os pensamentos pessoais de Klaus
Tudo será explicado, não se preocupem.
Me digam o que acharam, ok? :3
kissus



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