Na manhã seguinte eu acordei meio perdida. Os últimos dias haviam alterado tanto minha rotina que eu tive que parar um momento pra saber o que eu iria fazer em seguida. Fui ao banheiro, escovei os dentes e quando eu vi meu reflexo no espelho com a boca toda cheia de espuma eu soube o que eu queria.

É uma forma estranha de ser saber o que quer, mas eu sou estranha..queria o quê?

Imediatamente me arrumei às pressas, coloquei a comida do Narrow e fui dar uma geral rápida na casa. Antes mesmo deu começar a executar essas tarefas ouvi o som da campainha.

Acho que meu apartamento nunca teve um movimento tão intenso de visitantes assim.

Quando abri a porta me dei de cara com uma pessoa que eu definitivamente não esperava ver agora.

-Megie!- eu estava surpresa, já fazia alguns dias que nós não tínhamos notícias um da outra. Mas por culpa minha, admito.

-Oi Audrey. - ela parecia irritada, não era comum vê-la ser simpática claro. – Caramba, você ainda lembra-se do meu nome. Imagino que também não tenha esquecido do meu telefone.

Toma-te. Acho que mereci isso.

Ela atravessou a porta e voltou pra me encarar.

-Megie, eu vacilei, eu sei, eu queria poder te explicar tudo ma...

-Ah ta, você também se esqueceu que tinha um emprego? E que você ta um dedo de ser demitida, a sua sorte foi que eu me revirei pra tentar quebrar seu galho.

-Me perdoa, é sério, estou me sentido uma tremenda idiota.

Parecia que fazia dias que eu não há via. Até me assustei quando a vi sem aqueles olhos pretos de costume, estavam pintados mais menos intensos.

-Que bom que você se sente assim, porque foi assim que eu me senti nos últimos dias, quando você decidiu tomar chá de sumiço sem deixar um bilhete. Que droga Audrey.

 Eu fiquei sem resposta.

-Eu fiquei preocupada, te ligava e você não atendia... Nunca estava em casa. – a voz dela começou a falhar, mas ela ainda estava furiosa. – Eu pensei que você tinha fugido com o circo ou sei lá, virado hippie.

Eu a encarei por um segundo, mal sabe ela que a situação se assemelhava muito a isso.

-Megan, eu queria que você entendesse...

-E porque eu não posso entender me fala logo, me fala agora o que ta havendo com você. Ficou grávida, matou alguém... O que Audrey? Por favor

-Megie...

-PARA COM ISSO! – ela jogou a bolsa no chão. – Para de ficar inventado histórias.

-Eu não estou inventando nada.

-Quer saber de uma coisa Audrey? - nessa altura os olhos dela já estavam marejados, e os meus também. – Eu realmente acreditava que você fosse minha melhor amiga, a melhor desde o começo, que eu poderia sempre confiar em você e você em mim. Mas foda-se, acho que não é assim né?! Não faz muita diferença pra mim.

Ela enxugou uma lágrima. Pela primeira vez nos últimos quatro eu vi Megie chorar.

 -Eu achava... Eu achav... que... que você era a minha única família desde que aquele babaca me largou, que você se preocupava comigo. Você é como todos eles, você não dá a mínima.

-ISSO NÃO É VERDADE! – Eu desabei, e mais algumas verdades foram comigo.

- E o que é? Porque se tratando de você eu não sei mais... Porque eu sei que você está escondendo alguma merda de mim.

-Se eu contar, você não vai acreditar em mim, eu não sei se posso...

-Porque você não fala de uma vez e testa logo.

Eu enxuguei uma lágrima que escorria pelo meu queixo e então levantei o meu indicar.

-Sim, o seu dedo já vi, e daí?

No lugar onde ficava a minha unha apareceu uma pequena chama oscilante.

Megie soltou um grito fino, e se afastou um três passos pra trás.

-Mas que porra é essa? Como você fez isso? – ela falava quase gritando.

Eu sorri.

-Você queria saber.. então.

-Como Audrey? Não pode ser como você faz isso sua vadia?

-Não sei, desde quinze anos, um dia apareceu e por aqui ficou.

-Então é por isso que quando eu pedia um isqueiro você nunca tinha o que era estranho porque você fuma o tempo todo.

-É. Desculpa eu não ter te contado antes, é que já tinha me chamado de bruxa e coisa e tal, eu não queria que você achasse que eu também era uma aberração.

- Aberração? Fala sério, isso é simplesmente incrível, deve ser o máximo, igual aos desenhos. Você consegue fazer mais alguma coisa? Voar?

Eu ri. Era simplesmente ótimo saber que aquilo pareceria incrível pra Megie. E que eu não seria mais uma espécie de ameaça a sociedade pública.

- Não, só fogos de artifício mesmo. Você entende agora?

-Acho que sim, deveria ter contado antes sua imbecíl... Mas tudo bem.

-Mas isso é só o começo da confusão, tem mais coisas.

Eu sentei com Megie no sofá e daí expliquei tudo desde começo. Falei do Circus, do Tom, de ter que ir embora. E só eu sei como foi grande o alívio que senti por estar falando tudo isso para outra pessoa. Ela ouviu tudo atentamente, às vezes ria, às vezes fazia aquelas caras engraçadas, mas era muito bom dividir aquilo com alguém.

-Ok, antes de eu dizer qualquer coisa sobre tudo isso que você acabou de contar, eu quero dizer só uma coisinha.

-Ok.

- Qual é a sua? Você beijou o Nick, o Nick Audrey. – ela começou a gargalhar feito louca - Você pirou de vez? Eu queria ter visto isso, minha nossa.

-De tudo que eu acabo de te falar você vai me comentar primeiro isso.

Nós rimos juntas.

-É claro ué, isso foi o babado do ano.

-Você ouviu quando eu disse que soltou fogo pelos dedos?

-Esse é o segundo maior babado do ano.

-Mas falando sério agora Audrey. – ela me encarou enquanto segurava minhas mãos. – Sabe isso não é o que você quer pra sua vida, digo, ficar aqui sabe, ficar aqui pra sempre trabalhando naquela loja de merda de tendo que ouvir o Oliver mandar a gente fazer aquilo e isso. Nenhum de nós queremos.

-Eu sei.

-Então se você tem uma oportunidade legal de poder crescer usando suas mãos literalmente. – nós rimos. – Então vai nessa cara, eu vou morrer sentindo a sua falta, mas vou estar muito feliz se souber que você se der bem.

Eu a abracei.

-Megie...

-Eu sei, eu sei... vou sentir saudades também. Mas se você confia nesses caras, nesse tal deTom, sei lá, deve correr o risco.

Eu ainda não sei se confio.