Vinculum Aeternum escrita por Kiri Huo Ziv


Capítulo 2
Capítulo II: Aevum


Notas iniciais do capítulo

As falas estarão entre aspas, e os pensamentos em itálico.
"Aevum" pode significar tempo ou eternidade.



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There is time in every word
There are words in every reason
And these notes that are unheard
One day they may find their season*

Regina estava preocupada. Ela não sabia ao certo o que aconteceria após a chegada de Emma Swan na cidade, e a conversa com Gold apenas servira para deixá-la ainda mais intrigada a respeito daquela mulher. Seria Swan uma ameaça não apenas para a relação com seu filho, mas também a ruína da maldição?

Além disso, havia uma chance de que Gold tivesse se lembrado de seu verdadeiro eu. Era uma possibilidade muito pequena – ela lera a maldição e sabia perfeitamente que não haveria exceções a menos que a pessoa que a conjurou as desejasse –, mas igualmente ameaçadora.

Duas das pessoas mais perigosas naquele momento: Emma Swan, que podia ser a Salvadora; Gold, que podia ter se recordado de seu passado em outro mundo. Podia. Essa palavra – essa perspectiva – não a agradou. Ela precisava saber.

Apenas três dias após a conversa com Gold, Regina recebeu uma ligação que comprovou os seus temores – não a respeito do duende, mas de Emma Swan.

Era tarde da noite quando ouviu a voz preocupada do Dr. Whale, médico do único hospital da cidade. Ele contou a Regina que o paciente desconhecido que se encontrava em coma há anos – vinte e oito, mais precisamente, embora o médico não soubesse – havia apresentado sinais de que estava despertando. Esse era um indício óbvio de que a maldição estava ficando mais fraca.

O paciente em questão não era ninguém menos do que o príncipe James, também conhecido como Charming, marido de sua inimiga. Estando a maldição enfraquecida, Regina não sabia ao certo se ele acordaria com suas memórias alteradas ou com as originais.

Preocupante.

A prefeita não dormiu naquela noite e, logo que o dia amanheceu e ela se certificou de que Henry havia tomado seu café da manhã, partiu para o hospital para verificar o que havia acontecido.

Regina encontrou Whale conversando com Graham, ambos cercados por enfermeiros, no lugar onde antes estivera o leito do desconhecido.

“Onde ele está?” Perguntou com impaciência; aqueles incompetentes não faziam nada certo?

“Prefeita, acabo de chegar ao hospital. Ele está desaparecido,” disse o médico, desesperado.

“Desaparecido? Como ele pode estar desaparecido? O homem está em coma!”

“Senhora prefeita…”

Regina, entretanto, não lhe deu atenção, pois acabara de ouvir a voz de Henry se aproximando e observou o xerife se voltar para a porta, impedindo-o de entrar. Henry, Emma Swan e Mary Margaret Blanchard eram três pessoas que ela definitivamente não desejava ver juntas.

A prefeita observou Graham explicando a Mary Margaret a respeito do desaparecimento do desconhecido; Henry se voltou imediatamente para ela.


“O que você fez?” Perguntou o menino, a raiva evidente em seu tom e sua expressão.

Swan deu razão a ele, perguntando o que a prefeita estaria fazendo se envolvendo naquele tipo de problema. Regina suspirou, resignada, e contou a eles que era o contato de emergência do desconhecido, pois fora ela a pessoa que o encontrara anos antes.

Essa era uma verdade parcial: ela fora, de fato, a pessoa responsável por ele estar naquele hospital. Certificara-se que a maldição deixasse James em sua responsabilidade, de modo que pudesse interferir caso ele começasse a acordar.

Whale apareceu, naquele momento, e disse a todos que o desconhecido corria risco de vida, o que os deixou apreensivos. Mary Margaret, muito especialmente – para o deleite de Regina –, parecia apavorada.

Morto, ele de fato seria um problema a menos, mas Regina quereria isso? Emma Swan, entretanto, não tinha dúvidas: ela, Graham e Mary Margaret foram imediatamente procurar o desconhecido. Regina optou, entretanto, por levar Henry para casa. Ela precisava pensar!

O retorno foi silencioso, Henry muito irritado com sua mãe por tê-lo impedido de ajudar na busca, e Regina pensando em qual seria o melhor caminho a ser seguido naquele momento.

Deixá-lo morrer, ela pensou, seria fácil: Mary Margaret – ou Snow White, como ela fora conhecida antes da maldição – não teria seu Charming. Ela não sabia quais seriam as repercussões de um beijo de amor verdadeiro trocado naquele mundo durante a maldição. Dificilmente a quebraria completamente, mas era possível que os fizesse se lembrar de sua vida anterior.

Por outro lado, ela não acreditava que interferir fosse a ideia mais sábia naquele momento. Emma Swan ficaria muito desconfiada, e ela não chegara ao ponto de se arriscar tanto.Além disso,deixá-lo morrer nunca fora o plano. Regina o queria simultaneamente alcançável e inalcançável, de modo que Mary Margaret sofresse ainda mais.

Ela deixou Henry em casa e foi até seu escritório, ainda pensando no que poderia fazer caso Graham e os outros o encontrassem a tempo. A resposta que lhe veio em mente foi tão óbvia que Regina se perguntou como não havia pensado naquilo desde o começo.

Princesa Abigail era, sem favor, a solução mais fácil. Ela estava ali em algum lugar e não seria difícil encontrá-la. Uma consulta ao seu computador – aquele mundo tinha alguns atrativos –, de fato, foi o bastante para Regina encontrá-la: Kathryn Nolan, filha única, vinte e seis anos, trabalhava como secretária em um escritório de advocacia.

Com um rápido telefonema, a prefeita localizou a jovem e a informou que seu marido, David Nolan, fora encontrado. Kathryn pareceu aliviada e desligou rapidamente, prometendo se encontrar com Regina no escritório da prefeita o mais rápido possível.

Ela chegou mais de duas horas depois, entretanto, afirmando que seu chefe não permitira que saísse antes que ele retornasse do almoço. Regina lhe disse que estava tudo bem e pediu que Kathryn se acomodasse na cadeira diante dela.

A prefeita contou que David estivera em coma por alguns anos sem que ninguém soubesse de quem se tratava. No dia anterior, entretanto, ele murmurara o nome dela enquanto dormia e, dessa forma, Regina conseguira identificá-lo.

Regina tentou parecer paciente e gentil após terminar o seu relato, esperando que a mulher diante dela se acalmasse. Quando os soluços finalmente pararam, Kathryn se voltou para Regina com um grande sorriso nos lábios – embora as lágrimas continuassem a cair de seus olhos – e a agradeceu.

A mulher mais jovem não perguntou como a prefeita saberia que ela era a Kathryn certa. As maravilhas da maldição!

Enquanto a mulher contava a Regina tudo sobre a separação dos dois e os motivos pelos quais ela nunca o procurara, o telefone tocou e Whale a informou que o desconhecido já se encontrava no hospital. Ele fora encontrado pelo xerife Graham, Emma Swan, Mary Margaret e seu filho, Henry, próximo à Toll Bridge.

Quando Regina desligou o telefone e contou as novidades à Kathryn, as duas se levantaram prontamente e se encaminharam para o hospital. A prefeita quem a levou em seu carro e permitiu que a outra mulher permanecesse em silêncio, perdida em seus pensamentos.

Quando elas alcançaram o andar correto do hospital, Regina observou Kathryn correndo em direção a porta de onde Swan, Mary Margaret e seu filho observavam os médicos cuidando de David Nolan e a abriu, em direção ao seu marido.

“Quem é essa?” Perguntou Mary Margaret.

“A esposa dele,” Regina respondeu sentindo a satisfação a tomando. “Kathryn Nolan, é o nome dela. E o dele é David.”

Regina sorriu quando Kathryn saiu com um sorriso nos lábios, agradecendo Mary Margaret por ter encontrado David – a ironia daquela situação quase provocou uma crise de riso em Regina, mas ela foi capaz de manter sua expressão neutra.

Kathryn contou a todos como David e ela haviam se separado anos antes após uma briga e, como não a procurara depois, ela supusera que ele havia saído da cidade. Regina percebeu imediatamente que tomara a decisão correta: o reaparecimento de uma esposa era inevitavelmente incrível, mas não suspeito.

Dr. Whale escolheu aquele momento para sair do quarto de David e contar a todos que ele estava fisicamente bem, embora sofresse de amnésia. Como ele acordara, entretanto, era uma incógnita, algo milagroso, como Whale mencionara.

Regina não gostou da expressão desconfiada no rosto de Mary Margaret quando o ouviu, mas aquilo não chegou a alarmá-la, pois a prefeita sabia que, em pouco tempo, a maldição se encarregaria de fazê-la ignorar o fato de que tivera um papel na recuperação de David.

Não, Mary Margaret – que um dia fora Snow White – não era um problema. Emma Swan era, e Gold talvez fosse, também. Era hora de cuidar dos verdadeiros problemas de modo mais inteligente e indireto.

~~//~~

Embora houvesse muito que conversar, Rumpelstiltskin permitiu que Belle fosse ao quarto dela tirar uma noite de descanso antes que pudessem resolver qualquer coisa. Ele sabia que a jovem se encontrava exausta após um dia cheio de emoções e mudanças e que a conversa entre eles podia esperar algumas horas.

Ele foi até o seu próprio quarto sabendo que também estava cansado, mas demasiado acordado para conseguir dormir. Ele ganhara muitas coisas naquele dia, entre elas, uma grande fraqueza viva que ele desejava ver feliz. Belle precisava ser protegida, mas aprisioná-la no castelo não era mais uma opção, pois a jovem era uma criatura criada para a liberdade. A prisão seria sua tristeza, e a tristeza dela seria a dele.

Rumpelstiltskin andou de um lado para o outro em seu quarto por um tempo que ele não conseguiu contar – alguns minutos ou algumas horas? – antes de ouvir uma leve batida em sua porta e, ao abri-la, encontrar uma Belle de camisola parada ali.

“Querida, o que está fazendo aqui?” Perguntou o homem que um dia fora o Senhor das Trevas, tentando não encarar nenhum ponto abaixo do queixo da jovem.

“Eu não consigo dormir. Estou muito acesa,” disse Belle, se aproximando para abraçá-lo. Rumpelstiltskin se afastou bruscamente, provocando surpresa e um singelo desapontamento na jovem.

“Isso não é apropriado, Belle. Você está quase despida no quarto de um homem. Mesmo um homem que te ama e te quer bem pode perder o controle em tais circunstâncias.”

Belle sorriu e se aproximou para abraçá-lo novamente. Dessa vez, Rumpelstiltskin não foi capaz de encontrar força de vontade para se afastar. O seu sangue ferveu quando ele sentiu o corpo da jovem contra o seu, e o fato de que não tinha contato com uma mulher há mais de duas décadas passou por sua cabeça.

“Eu não sou uma criança, Rum. Sei muito bem o que está acontecendo,” ela disse com um sorriso travesso brincando em seus lábios. Em seguida, se afastou, provocando um vazio dentro de Rumpelstiltskin. “Mas, na verdade, eu gostaria apenas de conversar com você.”

Sentindo o vazio sendo preenchido por impaciência, alívio e raiva, Rumpelstiltskin os transportou para a cozinha. Ele deu as costas para Belle e começou a preparar chá para ambos, contendo-se para não comentar a respeito dos perigos de se brincar com um monstro – ele não sabia ao certo se queria que ela soubesse sobre isso.

“Então, sobre o que você gostaria de conversar, querida?” Perguntou Rumpelstiltskin, sentindo os olhos da jovem em si, mas incapaz de encará-la de volta.

Belle deixou escapar um muxoxo de impaciência e, quando Rumpelstiltskin deu por si, ela já estava diante dele: as mãos segurando o seu rosto delicadamente e forçando-o a encará-la. Naquele momento, ele soube que faria qualquer coisa para que não precisasse parar de encarar aqueles maravilhosos olhos azuis.

“Não haja como se eu fosse a única que quisesse conversar. Há muito a ser dito, e não apenas por mim!”

Rumpelstiltskin permaneceu algum tempo encarando a jovem, incapaz pensar em qualquer coisa lógica para dizer a ela em resposta. Talvez sentindo seu efeito nele, Belle se afastou.

“Querida…” ele disse lentamente quando finalmente encontrou a própria voz.

“Não me chame dessa maneira, como se eu fosse apenas mais um de seus acordos. Sei que fui um, mas o beijo e as repercussões dele já provaram que sou muito mais agora, e eu realmente gostaria que você agisse de acordo.”

Rumpelstiltskin ficou novamente sem resposta, o que o deixou um pouco irritado. Ele realmente não gostava de não estar no controle da situação, e Belle parecia ter o dom de deixá-lo embasbacado. Irritante, certamente, mas Rumpelstiltskin sabia que era esse modo de ser sincero, prático e inteligente – embora muito doce – que o havia feito se apaixonar por ela.

“Muito bem, Belle! Acho que o mais importante no momento é que você saiba que eu tenho muitos inimigos que adorariam colocar as mãos na mulher que eu amo verdadeiramente e usá-la como uma arma contra mim. O que nos leva a uma conclusão muito simples: você precisa ser protegida de alguma forma.”

Rumpelstiltskin se voltou para a jovem e lhe entregou uma xícara com o chá que ele preparara. Belle a levou aos lábios e o provou, e Rumpelstiltskin observou a expressão em seu rosto mudar para o prazer e a surpresa de sentir o seu sabor de chá favorito – ele sabe, o homem praticamente a ouviu pensando.

“Conhecimento é o maior poder que alguém pode ter em qualquer mundo, minha querida,” ele disse enquanto caminhava de um lado para o outro, falando a respeito do sabor de chá favorito dela e, simultaneamente, dando continuidade ao assunto que antes estava abordando. “Você deve manter o nosso relacionamento em segredo.”

“Eu não vou contar a ninguém, mas eles saberão assim que o virem. Você tem a aparência de um homem agora, Rum, e todos vão querer saber como. Para ser sincera, não creio que será difícil deduzir, pois duvido que existam muitas outras maneiras de se quebrar uma maldição como a sua.”

“Minha querida e inocente Belle,” ele disse, sorrindo, “você se esquece de que possuo magia. Com a poção e o feitiço corretos, serei capaz de retornar temporariamente à minha antiga aparência. Posso te garantir que não é nada complexo.”

Rumpelstiltskin observou uma expressão de alívio tomando o rosto da jovem antes que ela tentasse disfarçá-la tomando mais um gole de seu chá. Ele tomou a xícara das mãos dela e colocou sobre a mesa, para depois segurar o rosto de Belle entre as suas mãos. Tão jovem, tão bela, um coração puro e delicado, mas bravo o bastante para que lhe dar a coragem necessária para se aproximar de uma besta. Eu nunca mereci um presente tão grandioso quanto o amor de Belle, mas vou guardar e protegê-lo – e sua dona! – com todas as minhas forças.

“Rum,” Belle chamou, e Rumpelstiltskin não pôde deixar de sorrir: apenas ela seria capaz de dar um apelido tão carinhoso para o temido Senhor das Trevas. O tom de voz da jovem, entretanto, era sério, e ele se forçou a não caçoar dela naquele momento. “Enquanto eu estava na estrada, a caminho da cidade, eu me encontrei com uma mulher.”

Rumpelstiltskin ouviu atentamente enquanto Belle lhe contava a respeito do encontro que tivera com uma estranha mulher, que lhe oferecera um conselho a respeito de magia. Quando a jovem terminou, ele permaneceu por alguns momentos em silêncio, pensando em quem poderia ser. Por fim, ele suspirou.

“Morena, de pele muito clara, jovem…?”

“Sim,” disse Belle lentamente.

“Você teve a honra de conhecer a Rainha Regina, minha cara,” comentou Rumpelstiltskin. “Ela não é exatamente uma inimiga, mas sabe que minha magia é mais poderosa do que a dela e faria de tudo para mudar essa realidade. Duplamente perigosa porque eu preciso dela e não posso matá-la, embora, felizmente, ela não saiba disso.”

“Por que você precisa dela?”

Ele a fitou por um instante, decidindo-se entre contar a Belle a respeito da maldição e suas motivações acerca dela ou não. Por fim, ele optou por não dizer nada, guardando a informação para ser dividida em outro momento: aquele fora um dia excessivamente cansativo para ambos.

“Um dia você saberá, minha querida. Hoje foi um longo dia, e essa é uma conversa difícil que exige muito tempo.”

Rumpelstiltskin percebeu que a jovem queria contestar – sua natureza era curiosa e ele amava isso nela também –, mas por fim ela desistiu e assentiu.

“Eu vou intensificar os feitiços que cobrem o castelo,” ele disse, traçando o rosto dela com a ponta de seus dedos. “Eu te libertei, minha querida, e isso significa que você pode deixar o castelo, mas, por enquanto, gostaria que não trespassasse os muros. Apenas por alguns dias, até que eu me certifique de que você estará segura mesmo longe de mim.”

Belle assentiu novamente, e Rumpelstiltskiun se perguntou se fizera a coisa certa contando aquilo a ela. Ele sabia, entretanto, que a jovem não era tola o bastante para se arriscar a despeito de seus avisos.

“Eu vou encontrar uma maneira de te proteger enquanto estivermos separados. Não quero que você se sinta prisioneira, e, por mais que eu deseje estar sempre em sua companhia, há muitos acordos que precisam ser feitos.”

A jovem segurou as mãos dele e as levou aos seus lábios, o que fez com que Rumpelstiltskin sentisse como se houvesse sido atingido por um raio. Os lábios macios dela contra sua pele era a sensação mais maravilhosa que ele experimentava em muito tempo – talvez, sem contar com o beijo de amor verdadeiro que haviam compartilhado.

“Eu confio em você,” disse a jovem, abraçando-o. “Eu te amo, Rum.”

Ele observou Belle recostando a cabeça em seu peito com um pequeno sorriso nos lábios enquanto o homem sentia seu coração lutando contra o seu peito. Ver a bela em seus braços fez com que Rumpelstiltskin percebesse que há muito não se sentia tão feliz.

“Enquanto eu viver, sempre vou amá-la e protegê-la, minha Belle,” ele disse com urgência.

Abrindo mais o seu sorriso, Belle o apertou mais contra seu corpo, e Rumpelstiltskin não pôde mais se conter: sorriu também.

~~//~~

Regina sabia muito bem que aquela era uma guerra invisível de mentes que pouco – ou mesmo nada – tinha a ver com magia. Não era exatamente o tipo de jogo que ela estava acostumada a jogar: um rápido final aos seus inimigos, esse era o seu método.

Aquela guerra, entretanto, não seria vencida daquele jeito e estratégia se fazia essencial. Para montá-la, Regina precisava determinar com precisão quem eram seus inimigos e quem eram os seus aliados.

Após resolver a situação mais urgente – o despertar de Charming, ou David Nolan, como agora estava sendo chamado –, certificando-se de que Mary Margaret não ficaria com seu príncipe, ela pôde se preocupar finalmente com seus verdadeiros problemas: Emma Swan e Gold.

Regina começou pelo alvo mais fácil: Swan. Ela pediu que Glass pesquisasse tudo o que pudesse a respeito daquela mulher.

Evidentemente, o homem já havia encontrado a respeito da prisão dela, em Phoenix, mas, indo um pouco mais a fundo, ele conseguiu uma lista de todos os lugares nos quais Swan morara nos últimos quinze anos e alguns nomes de pessoas que ela conhecera.

Regina ficou satisfeita em constatar, através das descobertas que fizera, que Swan era uma pessoa extremamente desapegada a tudo e todos: a maior parte das pessoas que a haviam conhecido a descrevia como “inalcançável” e a enorme quantidade de lugares nos quais vivera era um forte indicativo de que ela não possuía um lugar que pudesse chamar de lar.

Cogitando a possibilidade de que estivesse se estressando por causa de uma pessoa que talvez ficasse apenas um ou dois meses na cidade antes de partir, Regina resolveu aguardar um pouco para ver o que aconteceria. Uma guerra contra Swan só serviria para machucar e afastar Henry.

Agora, restava um problema de mais difícil solução: ela precisava de um plano para descobrir se Gold se lembrava de sua vida anterior à maldição. Era certo que ele se comportara de maneira estranha alguns dias antes e utilizara o último resquício de poder mágico que tinha contra ela.

Pode ser coincidência, sua mente teimava em repetir. Mas o fato é que Regina conhecia Gold e Rumpeltiltskin bem o bastante para saber que, quando vindas de ambos, as coisas raramente eram simples coincidência.

Além disso, Regina precisava pensar no que faria caso descobrisse que Gold se lembrava. Precisava de um plano para torná-lo um aliado, pois, embora ela soubesse que ele era um amigo perigoso, também tinha conhecimento de que era um inimigo terrível.

Alguns dias após David Nolan acordar de seu coma, em meados da tarde, Regina recebeu uma ligação inesperada de Whale. O médico fora avisado que deveria contatá-la sempre que ocorresse algo diferente no hospital.

Segundo Whale, uma jovem chamada Ashley Boyd fora encontrada em trabalho de parto nas proximidades da fronteira da cidade. Regina se perguntou quem seria Ashley Boyd e porque ela quereria sair de Storybrooke.

“Quem a encontrou, Whale?” Perguntou, intrigada.

“Swan, prefeita. Emma Swan,” disse Whale. “E parece que o Mr. Gold tem algum interesse na garota, porque ele apareceu por aqui pouco depois de recebermos o telefonema de Swan dizendo que estava trazendo Boyd.”

Isso intrigou Regina ainda mais: uma jovem na qual Gold tinha interesse. Não era, ela sabia perfeitamente, um interesse amoroso, pois Gold só fora capaz de amar uma em toda a sua vida – alguém que ela conhecia muito bem e não atendia por qualquer nome naquela cidade. O que seria?

Ela desligou o telefone e rumou para seu carro, dirigindo-se para o hospital. Então, no meio do caminho, Regina se lembrou da história:

A jovem Cinderella fizera um acordo com Rumpelstiltskin para ir a um baile, onde acabara por conhecer o príncipe com quem se casara. O preço de Rumpelstiltskin fora o primogênito do casal – algo que a jovem não estava disposta a dar –, de modo que Cinderella e Thomas recorreram aos amigos, Snow White e CHarming.

Os dois casais, com ajuda da Blue Fairy, armaram um plano para aprisionar Rumpelstiltskin, e fora assim que ele acabara em uma cela na mina dos anões.

O acordo, entretanto, permanecia mesmo após a maldição, e Regina sabia que Gold lutaria para manter aquele acordo – e Swan lutaria para que ele o revogasse. Essa seria uma disputa que a prefeita sabia que não podia perder: o momento perfeito para descobrir se Gold se lembrava era, sem dúvida, quando ele não sabia que ela estava ali.

Regina encontrou Gold entretido em uma conversa com Swan. Ela percebeu que eles discutiam, de fato, os termos do acordo de Ashley. Era incapaz de ouvi-los – Regina não ousava se aproximar mais e correr o risco de ser vista –, mas pôde observar que, embora ambos possuíssem uma expressão calma em seus rostos, Swan estava zangada, e Gold parecia muito divertido.

Por fim, Swan deu as costas para o penhorista, enquanto ele aparentava uma felicidade que Regina não se lembrava de ver no rosto de Gold, embora já tivesse visto algumas vezes no de Rumpelstiltksin: uma expressão que significava que ele ganhara exatamente o que desejava.

Ela se aproximou do homem, tentando parecer inocentemente curiosa.

“Gold, eu não esperava vê-lo por aqui. Algum problema?”

Gold a encarou e, por um segundo, ela foi capaz de ver uma leve apreensão no fundo dos olhos dele, mas logo em seguida ele voltou a parecer muito calmo e divertido.

“Senhora prefeita, um prazer revê-la. Minha saúde se encontra em perfeitas condições, obrigado por perguntar. Na verdade, eu estava resolvendo uma questão a respeito de um acordo feito há algum tempo. A que se deve sua visita?”

“Vim visitar David Nolan. Eu sou a pessoa que o encontrou, anos atrás, e me sinto responsável por ele,” disse, dando de ombros. “Tudo ocorreu perfeitamente no relativo ao seu acordo, eu espero.”

“Houve algumas modificações, mas estou certo de que o novo é ainda melhor que o primeiro. Foi um bom dia de negócios, sim,” disse Gold, já caminhando em direção à saída. “Agora, se me der licença, tenho assuntos a serem resolvidos em outros lugares.”

“É claro. Tenha um bom dia, Mr. Gold.”

Ele se voltou para Regina e sorriu e, por um segundo, ela viu um brilho inumano nos olhos daquele homem. O momento passou, entretanto, e a prefeita se perguntou novamente se imaginara. Improvável, mas não é motivo o bastante para eu desconfiar de que ele se lembra de que um dia foi Rumplestiltskin. É preciso mais!

~~//~~

Um par de meses se passou antes que Rumpelstiltskin se sentisse confortável e seguro a respeito de Belle deixar o castelo sem a sua companhia.

Ele começou protegendo o lar deles, intensificando os feitiços que já existiam e acrescentando novos; depois, Rumpelstiltskin encantou um cordão – algo de aparência simples, de modo que nenhum ladrão se sentisse compelido a roubar – com feitiços de proteção e um extremamente útil que permitia que ele a ouvisse sempre que ela sussurrasse seu nome três vezes.

Por fim, Rumpelstiltskin começou a ensinar magia para Belle, que, para a surpresa de ambos, mostrou grande aptidão, tornando-se a melhor pupila que ele jamais tivera.

Para resolver a questão de sua aparência, o feiticeiro criou uma poção que fazia com que sua pele voltasse a ter a textura e a cor de quando era amaldiçoado. Sua voz, entretanto, não foi modificada, de modo que Rumpelstiltskin teve que bancar o ator.

Demoraram-se alguns dias até que ele conseguisse imitar perfeitamente o tom exato que sua voz adquirira enquanto ele era o Senhor das Trevas. Ele percebeu que Belle achava a cena engraçada, embora fosse bastante frustrante para ele.

Para se vingar dela, quando finalmente foi capaz de encontrar o tom de voz certo e se disfarçar perfeitamente, Rumpelstiltskin apareceu diante dela agindo como se não se lembrasse de nada que ocorrera.

Ele pôde ver nos olhos de Belle que, por um segundo, ela acreditou nele. Depois, evidentemente, a inteligência levou a melhor sobre a surpresa e o susto, e ela percebeu a brincadeira. A jovem deixou escapar uma gargalhada e o abraçou com força, claramente feliz por ele ter conseguido.

Então, duas semanas após o fatídico beijo que o transformara novamente em humano, Rumpelstiltskin saiu para fazer um acordo com um jovem rapaz aflito por uma mulher que aparecera diante dele em uma visão, após um naufrágio.

“Ela me salvou,” disse ele, com certo desespero. “Eu pude ver o rosto dela de relance, era uma mulher ruiva. Já sei que a amo e que minha felicidade está fortemente vinculada a ela, eu preciso reencontrá-la.”

Rumpelstiltskin estava vivendo um momento em que pensava que questões amorosas deviam ser devidamente resolvidas – de preferência, de modo que ambos os amantes ficassem felizes. Ele se encontrou surpreso em constatar que sentia angústia diante do fato de que não seria capaz de ajudar o rapaz, que não possuía nada de sua amada – exceto uma visão.

Como bom ator, conseguiu esconder os seus verdadeiros sentimentos, alegando que o rapaz deveria chamá-lo quando tivesse algo com o qual ele pudesse trabalhar. Quando chegou ao seu castelo, entretanto, Rumepelstiltskin se sentou diante de sua roca e fiou durante toda a tarde, recusando-se a contar a Belle o que ocorrera – ele ainda possuía algum orgulho.

Belle não insistiu muito: era fato que ela era curiosa, mas já se acostumara com a mania dele de guardar alguns segredos. Eles, portanto, jantaram juntos, em silêncio. Apenas quando Belle se levantou para começar a tirar a mesa que ele se voltou para ela:

“Amanhã, partirei para ter com Regina e demorarei dois ou três dias para retornar. Ela vai precisar de minha ajuda para algo de importância fundamental: encontrar Snow White, sua enteada.”

“Algo errado com Snow?” Perguntou a jovem, parecendo intrigada.

“Algumas coisas erradas e outras certas, como sempre. Você a conhece, meu amor?”

Rumpelstiltskin percebeu que Belle sorriu levemente. Ele apenas raramente a chamava de outra maneira que não o seu nome ou querida.

“Não muito bem, para ser sincera. Quando a mãe dela morreu, o pai enviou um pedido à alta nobreza do reino dele e todos os aliados para que levassem suas filhas de idade próxima para se juntar à princesa. Em troca, nós seríamos educadas no palácio, que possui os melhores tutores do reino. Tutores melhores do que os do castelo do meu pai.”

Ele ouviu enquanto Belle contava sua experiência na corte do Rei Leopold. Segundo a jovem, o lugar era cheio de meninas enviadas com o mesmo propósito que ela. A maior parte delas eram crianças animadas que se escondia por trás de seu status, ignorando o mundo; outras, como a própria Snow, conheciam o fardo de ser nobre. Belle, entretanto, sentia-se deslocada diante de todas elas.

“Eu sempre sonhei em ser uma heroína e conhecer o mundo. As mulheres não devem desejar tais coisas na nobreza, Rum, estamos destinadas a ser, na melhor das hipóteses, governantes, líderes. Não nascemos para o heroísmo, para as aventuras. As garotas, incluindo Snow, consideravam-me estranha.”

Rumpelstiltskin segurou a mão da jovem, sorrindo. Ele concordava com Snow White e as outras garotas – embora não pelos mesmos motivos que ela –, Belle era uma pessoa muito estranha, mas ele estava contente por isso. Ela é especial, uma jovem capaz de se apaixonar por um monstro.

“A jovem Snow White aprenderá muito em breve o que é ser uma heroína ou perecerá, não há escolha,” disse Rumpelstiltskin, com um sorriso, e contou a Belle sobre como a Rainha mandara matar o Rei Leopold. “Ela mandou um caçador atrás da princesa para matá-la também, mas ele se apiedou dela e, agora, Snow White é uma fugitiva.”

“E você vai ajudar Regina depois disso tudo,” disse Belle com desgosto, afastando-se bruscamente dele. “Você não pode fazer isso! Snow é a legítima herdeira e, por tudo que sei sobre ela, tenho certeza de que será uma boa Rainha.”

“Eu posso, sim, mas não vou,” disse, calmamente. “Regina pedirá um feitiço para se camuflar entre os cidadãos comuns e, dessa forma, se aproximar sorrateiramente de Snow. Isso será, eu te garanto, uma perda de tempo para Regina, mas necessário para planos maiores.”

“Os planos que envolvem Regina, você quer dizer? O motivo pelo qual você não pode matá-la?” Perguntou Belle, curiosa. “Snow White tem relação com isso?”

Era fato que ele andara se esquivando daquele assunto. Afinal, como contar à mulher que ele amava que criara a maldição mais poderosa e terrível já inventada? Uma maldição que a faria ficar presa no tempo e espaço por vinte e oito anos?

“Minha sempre curiosa Belle e suas infindáveis perguntas. Um dia, eu prometo, vou te contar, e não restará nada que você não saberá sobre mim. Mas esse não é o momento adequado para revelações dessa magnitude,” disse com um sorriso.

Belle deixou escapar um suspiro, mas não insistiu. Ela o conhecia bem o bastante para saber que não adiantaria nada e confiava que ele, um dia, contaria tudo a ela, como estava prometendo.

Rumpelstiltskin venceu a distância entre ambos e segurou a cabeça dela entre suas mãos. Seus rostos se aproximaram lentamente enquanto eles se encaravam até que a proximidade culminou em um beijo ardente.

“Vou sentir sua falta,” disse a jovem em um sussurro quando eles se separaram para respirar.

“E eu a sua, minha querida.”

Eles se abraçaram com força, sentindo por antecipação a distância que os separaria. Dois ou três dias pareciam uma eternidade e ambos queriam algo que, simultaneamente, os distraísse da partida iminente de Rumpelstiltskin e fosse uma lembrança forte o bastante para dar alegria a eles durante todo o tempo de separação. Portanto, naquela noite, pela primeira vez, os dois dormiram juntos.

~~//~~

Regina ficou preocupada em constatar que Emma Swan era a nova assistente do xerife Graham. Agora, ela tinha um lugar na cidade, algo que pudesse chamar de seu, um passo em direção a uma permanência mais definitiva.

E, então, um terremoto causado pelo desmoronamento nos túneis subterrâneos da cidade – o que um dia fora a mina dos anões – e uma atitude de clara desobediência por parte de ninguém menos que o Dr. Archie Hopper, que um dia fora um insignificante grilo conselheiro.

Não havia risco algum de que ele se lembrasse, a prefeita constatou devido ao tom ainda pouco confiante exibido pelo homem, mas ele tomara consciência de possuía algum poder para desafiá-la e superara um dos grandes efeitos da maldição, pois era claro que ele estava aprendendo a driblar as suas próprias fraquezas.

Não apenas as circunstâncias estavam mudando – como comprovavam o fato de David Nolan ter acordado e Ashley Boyd ter tido seu bebê –, mas também algo no interior das pessoas, algo que era extremamente perigoso para a maldição.

Após a perturbadora conversa que tivera com Hopper, Regina resolveu optar pela solução mais imediata para aquele problema: ela precisaria envolver Gold na equação mesmo desconhecendo o quanto ele sabia. Era um movimento perigoso, ela sabia, mas necessário: Emma Swan se tornara um obstáculo grande demais em um tempo demasiado curto, ela precisava ser eliminada.

Regina se certificou de que Henry estava em casa, dormindo, e saiu em direção à loja dele. Ela sabia que Gold tinha grande apreço por seus objetos e passava grande parte do tempo nos fundos de sua loja, organizando ou admirando-os. Ele era extremamente apegado a pequenas coisas, algo estranho vindo de alguém tão antigo.

Regina o encontrou trancando a loja. Ele parecia sério e pensativo, sua expressão muito perturbada. Quando ela o chamou, entretanto, o rosto do homem mudou em questão de segundos para algo muito mais relaxado e calmo.

“Senhora prefeita, o que deseja? Está um pouco tarde para fazer compras,” disse ele, sinalizando a loja com a mão que não estava sobre a sua bengala.

Observando o modo como ele se apoiava em sua bengala, ela se lembrou que nunca entendera muito bem a razão de Rumpelstiltskin ter sido transformado em um homem manco, mas isso certamente era uma vantagem para Regina, e a prefeita nunca reclamara quando ganhava uma.

“Na realidade, eu vim até aqui porque gostaria de fazer um acordo com você,” disse Regina, indo direto ao ponto. “Podemos entrar?”

Gold abriu um leve sorriso, parecendo apenas um pouco divertido e curioso. Ele abriu a porta de sua loja e saiu do caminho para que Regina entrasse antes dele. Ele se esforça muito em se parecer um cavalheiro. Muito diferente de Rumpelstiltskin, nesse sentido.

“Então,” disse Gold, fechando a porta atrás de si. “De que tipo de acordo nós estamos falando, senhora prefeita?”

“Eu preciso que você cuide de Emma Swan para mim. Eu tentei ser condescendente, permitir que ela ficasse um pouco mais com Henry, afinal, ele tem o direito de conhecer a mãe biológica dele.”

Gold ouviu educadamente enquanto Regina contava como Henry roubara uma camisa dela para Emma Swan, desobedecera-a constantemente e parecia cada vez mais mergulhado em seus devaneios.

“E, agora, acabo de descobrir que ela conseguiu um emprego como assistente de Graham e planeja ficar de modo permanente, o que não é saudável para o Henry. Eu a quero fora!”

“Senhora prefeita, por mais que eu ache Henry uma criança adorável e aprecie sua dedicação em protegê-lo, não há nada que eu possa fazer a respeito de Emma Swan se ela deseja, de fato, ficar. Eu podia, é claro, tê-la forçado a sair da hospedaria, mas você já fez isso e ela conseguiu um lugar com Mary Margaret Blanchard, que é incorruptível e extremamente benevolente. Também poderia tê-la impedido de conseguir um emprego, mas ela já possui um.”

Regina cerrou os dentes com força. Ela sabia perfeitamente bem que Gold estava brincando com ela, fingindo não perceber que o que ela pedia era algo paralelo à lei. Não havia, entretanto, uma maneira de pedir a ele diretamente.

“Sinto muito, senhora prefeita, mas, mesmo se houvesse uma maneira de impedir Emma Swan de permanecer na cidade, não há nada que você tenha que eu queira, de modo que você não teria a capacidade de me pagar por um serviço tão difícil.”

Isso é o que você pensa! Mas Regina sabia que não podia usar aquilo como uma resposta: a arma que ela possuía contra Gold não deveria ser descartada com tanta facilidade. Ela aindanão estava tão desesperada.

Além disso, existia uma boa chance de que Gold sequer se lembrasse que ela existia. Regina não compreendia muito bem os efeitos da maldição naquele homem, aquele que a criara; ele sempre fora muito diferente dos demais, mesmo antes da chegada de Emma Swan.

Com impaciência, ira e brusquidão, a prefeita deixou a loja. Um único pensamento lhe serviu de consolo naquela noite, quando ela se deitou: Gold era perigoso, é claro, mas o verdadeiro rival de Regina era Rumpelstiltskin, que estava em suas mãos e sequer sabia.

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Pela quinta vez na vida, Rumpelsiltskin ouviu Belle conversando sozinha – algo que o preocupava mais por ela não falar a respeito com ele do que pelo fato dela estar falando sozinha, em si.

Isso ocorreu durante uma fresca manhã de primavera, quase seis meses depois dos dois começarem a dividir a cama no quarto de Rumpelstiltskin. Belle se encontrava nos jardins do castelo, cuidando das rosas que haviam nascido da primeira rosa que ela ganhara dele.

Ele saiu do castelo em direção à jovem com o objetivo de convidá-la para uma viagem até a vila mais próxima ao castelo, onde haveria uma feira que reuniria comerciantes e artistas de toda a redondeza. Eles teriam que ir disfarçados, uma perspectiva que ele sabia que agradaria Belle ainda mais do que a feira em si: a jovem adorava brincadeiras.

Rumpelstiltskin, entretanto, tirou um momento para observar, maravilhado, a beleza que só crescia em sua amada. Ele demorou a perceber o que estava ouvindo: a voz dela se misturava ao som do vento.

“Você não compreende, Gwenaël,” ela disse. “Eu o amo, mas também amo o meu pai e meus antigos amigos. Eu sou muito feliz aqui, com ele, mas gostaria que as pessoas que eu amo vissem isso. Eles devem estar muito preocupados comigo.”

Anteriormente, ele achara que Belle estivera conversando sozinha, mas percebeu que a jovem acreditava que havia alguém ali e isso o alarmou. A solidão estaria fazendo Belle imaginar pessoas que não existem? Estaria ela criando um alguém com quem pudesse conversar?

Rumpelstiltskin sabia perfeitamente bem que Belle não era louca, mas temia que o contato com a mágica do castelo – e a dele – estivesse gerando aquele estranho efeito colateral.

Outra explicação plausível era que a criatividade e a imaginação de Belle, somadas à sua clara vocação para magia, estivessem criando ilusões mágicas sem que a jovem percebesse. Mas isso não explicava porque ele não podia enxergar a pessoa com quem Belle achava que estava conversando.

“Não posso pedir a ele,” disse Belle, tirando-o de seus pensamentos. “Eu não creio que Rumpelstiltskin fosse compreender.”

Rumpelstiltskin sentiu o sangue fervendo de raiva: sua Belle não confiava nele, ela não confiava que ele pudesse entendê-la ou considerar seus sentimentos mesmo quando incapaz de compreendê-los.

Seu impulso era ir até Belle e gritar, jogando todo o discurso da jovem a respeito de sinceridade e confiança contra ela, mas séculos de vida o ensinaram a nunca agir por impulso e, segundos depois, ele se sentiu agradecido por isso:

“Não é que eu não confie nele, mas ele vem mudando muito por mim, tentando ser menos cruel e mais compreensivo. Não quero jogar uma carga tão pesada em cima de seus ombros, forçá-lo a tomar uma decisão para a qual ele não está preparado.”

Uma decisão para a qual ele não estava preparado. Pensando no que ouvira a respeito dela desejar dividir sua felicidade com outras pessoas, Rumpelstiltskin compreendeu que Belle sentia saudades de sua família e do lugar onde crescera.

As coisas, entretanto, não eram tão simples – e Rumpelstiltskin sabia que Belle sabia disso. Embora ele não se preocupasse com formalidades quando se tratava do amor, a sociedade e, muito especialmente, a corte não viam as coisas do mesmo modo: Belle seria taxada de prostituta e rejeitada – mesmo se suas pessoas amadas a compreendessem. Havia regras que não podiam ser quebradas sem um alto preço.

O casamento, portanto, era necessário, e ele sabia que, aos olhos da corte, já era tarde demais para Belle – mas Rumpelstiltskin também tinha conhecimento de que ninguém precisava saber que a jovem já havia perdido sua pureza.

Por mais ridículas que os dois considerassem normas sociais como aquela, elas eram um fato que nenhum dos dois podia ignorar se Belle desejava reatar com sua terra natal. Um casamento como aquele faria de Belle uma mulher marcada como a esposa de um monstro, mas a lei estaria ao lado dela.

Ele se voltou, portanto, para o castelo, esquecendo-se completamente de que planejara chamar sua amada para sair. Sua mente estava focada no que precisava fazer a seguir.

Casamento. Ele sabia que, agora que ele era um homem e Belle era sua igual, haveria um momento em que ela quereria isso dele. Seis meses haviam se passado, e Rumpelstiltskin quase se esquecera, mas o momento chegara e ele precisava se preparar para dar a ela tudo o que merecia.

O Rei Midas ainda lhe devia um favor após Rumpelstiltskin lhe dar o toque de ouro. Portanto, o feiticeiro pediria ao Rei que os casasse: um casamento digno de uma Rainha – embora Rumpelstiltskin achasse que Belle merecia muito mais.

Ele precisava providenciar com urgência um anel e criar um pedido inesquecível. O anel, Rumpelstiltskin decidiu, deveria ser único, especial, deles,o que significava que era ele quem deveria fabricá-lo.

Ouro, é claro, era a matéria prima primordial, e a que ele teria maior facilidade em adquirir. Talvez pudesse lançar alguns feitiços enquanto o fabricava, para que, mais do que um símbolo, o anel também se tornasse um amuleto.

Então, algo muito maluco surgiu em sua cabeça: algo útil e simbólico, simultaneamente. Algo que ele achava que sua Belle adoraria.

Então, ele começou a colocar tudo o que pensara em prática. Aquele era o momento dela, e precisava ser perfeito.

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* “Existe um tempo em cada palavra/Existem palavras em cada razão/E as notas que são desconhecidas/Um dia, podem encontrar sua ocasião.” (Música: The Moment – Trans-Siberian Orchestra)


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Notas finais do capítulo

Eu peço desculpas pela demora para a atualização, Regina é um ponto de vista que sempre vai me dar muito trabalho.

Eis que nós chegamos à metade dessa primeira parte, espero que tenham gostado do capítulo e que a narrativa da Regina não tenha ficado muito fake.

Agradeço a todos que comentaram e seguiram a história. Continuem acompanhando e, se chegaram até aqui, não deixem de comentar também. Sempre aberta a críticas e sugestões!