Jogos Vorazes: O Despertar escrita por FernandaC


Capítulo 8
Desenhos


Notas iniciais do capítulo

Genteee... Primeiramente, muito obrigada pelos comentários, vocês são demais! Espero que eu continue escrevendo cada vez melhor para conseguir cada vez mais comentários legais de vocês! Obrigada mesmo. Segundo, desculpem-me pela demora da postagem, estou em uma semana super corrida por conta do casamento da minha irmã que é hoje. Enfim, (rsrs) por último quero dar um recado hiper importante sobre a PRÓXIMA POSTAGEM! Domingo vou viajar (Disneeeeyyy... Uhuull! rsrs), então vai ser muito difícil eu conseguir escrever e postar. MAS, não tem nada para se fazer no avião, logo, vou procurar criar algo bacana e postar assim que conseguir rede! Blz?!
Desculpem-me pelo recado enooorrme e pelo capítulo ser tão grande quanto essa nota!

Espero, genuinamente, que gostem!



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Gale responde ao meu beijo com seus lábios calorosos. Se o clima frio tem algo haver com o calor que emana da boca dele, eu nunca vou saber. Gale entrelaça seus dedos nos meus cabelos prendendo-me. Fecho os olhos com força. Meus lábios raivosos consumem os dele. Toda a tristeza que estava sentindo transforma-se em ira, desilusão, agonia. Mordo seu lábio inferior. Ele resmunga de dor. E ainda assim não largo. Abro meus olhos e encontro os seus. Aos poucos, Gale consegue retirar sua boca da minha. Coloca minha trança para traz e se afasta um pouco.

– Katniss... – Ele diz baixinho.

– Eu sei. – Respondo. Não devia ter sido assim, seja lá como Gale imaginava meu primeiro beijo espontâneo nele, com certeza não era dessa forma.

– Não, você não sabe! Na verdade, você não faz ideia de nada que está acontecendo. – Gale me contradiz consternado com a raiva beirando sua voz.

– Como que eu não sei de nada?! Tudo está acontecendo a minha volta Gale, você chegou há apenas dois dias, então não venha me dizer que não sei o que se passa comigo ou na Aldeia dos Vitoriosos. – Digo tentando manter o autocontrole, tentando convencê-lo de algo que nem eu mesma tenho tanta certeza.

– Você não consegue nem convencer a si mesma do que diz. – Gale senta-se na cama e balança a cabeça em negação. – Você pode ser boa com coisas objetivas e óbvias Katniss, mas não tem capacidade para entender as entrelinhas.

Bufo desdenhosamente e levanto para sentar-me na cadeira próxima da janela. A lembrança do sonho da noite passada invade minha mente. Gale aceita meu beijo e depois vem me falar de entrelinhas. Ele não podia ter aceitado sem reclamar? Por que as pessoas sempre querem questionar minhas atitudes?

– Você não sabe o que está falando. – Digo calmamente.

Desvio meu olhar da paisagem da janela e olho-o, ele está com as feições impassíveis. Mas Gale não me engana, ele está planejando algo. Volto novamente minha atenção para a janela. Observo a casa de Peeta.

– É isso que você acha, mesmo? – Gale pergunta com arrogância. Eu o ignoro. Ele se aproxima da minha cadeira. – Não sei se fico feliz ou triste por ter vindo para cá, em um momento tão conflituoso para você. Mas se for para escolher, digo que estou feliz. – Gale conseguiu minha atenção. Volto meu olhar para ele.

– Você está feliz com o meu sofrimento? – Pergunto intrigada.

– Não! Claro que não. Não é isso. – Gale apressa-se para explicar. - Olha, eu não sei qual é a do Peeta, só sei que a cada encontro de vocês, seja ocasional ou não, você se magoa.

– E você está feliz por ele me magoar?! – Pergunto começando a me indignar.

– Quer me deixar explicar?! – Ele retruca um pouco revoltado também. Se fosse em outra situação até que eu riria disso, só que não é o caso. – Quero dizer que, toda vez que aquele imbecil lhe machuca, você procura se afastar de tudo, você é uma sobrevivente e isso requer parar e bloquear todas as coisas que são ruins para você. Então, chegará o dia em que você o rejeitará por completo e, é aí que reside minha felicidade, isso não demorará muito para acontecer! E eu vou estar por perto quando você estiver pronta. Hoje, você me beijou. Não do modo que eu gostaria que fosse, por isso a minha raiva no início, mas sou paciente, sou um caçador, assim como você. Procuramos o melhor. Na próxima vez que você me beijar, não será apenas para extravasar sua raiva, será muito além.

Enquanto Gale falava, eu recapitulava tudo o que aconteceu desde que voltei para o Distrito 12. Desde que cheguei Peeta pouco fez para me ajudar, muito pelo contrário, convidou Delly para sua casa. Haymitch tampouco está do meu lado. Não me restou ninguém, apenas Gale, que se mantem firme ao meu lado, esperando-me ficar pronta. Esperando-me dizer sim. Então, percebo que eu estava enganada sobre uma coisa. Ele sempre soube de tudo. E o pior, ele me conhece o suficiente para entender como eu funciono. Logo, ele tem razão.

– Você está jogando. – Digo um pouco alarmada. A realização deste fato sendo extraído do meu inconsciente. Isso era óbvio, Gale é um elaborador nato de armadilhas, ele trabalha com as táticas, óbvio que ele tinha ciência de tudo o que se passava por aqui. Ele está tão no jogo quanto eu ou Haymitch.

– Mas diferente de você, eu estou jogando limpo. – Entorto a sobrancelha para ele confusa. Gale esboça um pequeno sorriso. – Catnip, não seja boba. Eu percebi que você está “usando-me” para fazer ciúmes no Peeta. Mas não me importo. Na verdade, isso faz parte das minhas jogadas.

Formo uma carranca. Gale tem razão e eu odeio isso. Odeio muito mais não ter saída, a não ser continuar na jogada dele e não na minha, visto que ainda pretendo concluir meu objetivo em relação ao Peeta e a idiota da Delly. Gale percebe que eu dei o braço a torcer por suas táticas. Ele sabe que eu sei que não tenho escolha há não ser continuar jogando. Então, um genuíno sorriso aparece no meio da cara estúpida dele.

– Isso mesmo Catnip, mantenha o jogo e ambos vamos sair muito felizes! – Gale diz próximo do meu ouvido, já que eu o ignoro totalmente. Então, sabendo que eu não estou olhando-o, Gale tem a petulância de dar-me um pequeno beijo a boca. E saí correndo para o banheiro rindo. Enquanto eu xingo-o alto. Desgraçado.

A indignação extrapola os limites. Abro a janela para tentar aliviar minha raiva de Gale. Entretanto, sei que ela será momentânea. O vento gelado corta minha face. Os fracos raios de sol surgem no horizonte. Sinal de que em breve a neve dará lugar às flores e frutos. Estação perfeita para caça. Primavera.

Escuto uma porta se fechar na rua. Delly sai da casa de Peeta para o trabalho, sozinha. Quando ela está a dez metros de distância, a porta se abre novamente e Peeta a chama de volta. Ela sorri bate a mão na testa e corre para ele, que lhe entrega um envelope. Delly o abraça e beija-o na bochecha. O fato de eu ter presenciado esta cena nojenta, faz-me perceber algo que eu relutava em aceitar, a realidade de que Delly e Peeta estão juntos. Não era encenação para me magoar. Logo, relembro que eles não estão no jogo e Haymitch está ganhando, assim como Gale também. Só quem perde sou eu, não duas, mas três vezes em uma mesma guerra. Definitivamente, a sorte não está a meu favor.

Sento-me de volta na cadeira e abraço minhas pernas em meu peito. Pensativa. Ouço a tranca da porta do banheiro se destravar. Recomponho minha expressão a tempo para Gale não perceber nada. E então ele sai do banheiro e seu rosto enrubesce. Provavelmente, ele não esperava que eu ainda estivesse no quarto. Assim, ele sai do banheiro apenas de toalha. Já vi Gale de várias formas, mas nunca somente de toalha e nessa situação. Ele é musculoso, mas não exageradamente. Tudo muito proporcional. Não sei por quanto tempo fico parada olhando-o, mas acho que foi o suficiente para ele gritar comigo.

– Quer fechar essa janela?! Tá doida? Frio... – Gale reclama. – Esqueci minha roupa limpa no meu quarto.

Vi nesse momento a oportunidade para uma pequena vingança. Se não posso contornar o jogo dele, vou usá-lo a meu favor. Ele falou que não jogo limpo. Hipócrita. Gale está jogando tão sujo quanto eu, só que de modos diferentes. A começar por essa desculpa esfarrapada dele de que esqueceu as roupas. Abro um sorriso diabólico, que o faz juntar as sobrancelhas, confuso. Aproximo-me, de modo que vejo as gotas escorrendo pelo corpo dele.

– Se é para ser assim, vamos todos jogar. Isso não quer dizer que eu vou dificultar suas jogadas, mas vou fazer aquilo que eu acredite não ser possível conseguir sobreviver sem. – Digo malevolamente repetindo que ele disse ao Peeta, no porão da Tigris quando estávamos todos, basicamente, encurralados, dependendo apenas de uma abandonada estilista. – Se quiser, feche você mesmo a janela. Aproveita e se seca, está ventando bastante.

Gale me encara com os maxilares travados, enquanto saio do quarto, fechando a porta. Agora, estamos acertados. Expomos as cartas na mesa e, indiretamente, as escondidas nas mangas. Chego na cozinha e encontro Greasy se preparando para fazer o meu café. Entro no banheiro. Quando saio, encontro Gale já está sentado esperando sua comida.

– Você terminou de arrumar a casa do Haymitch? – Pergunto para Greasy.

– Infelizmente não. Não sei o que aconteceu, quando desci para por as roupas sujas na lavanderia, Haymitch disse para eu ir embora. Pegou as roupas dos meus braços e as jogou em um canto, foi me empurrando pelas costas e fechou a porta. Disse para eu pegar o meu dinheiro com o Peeta. Louco! – Greasy diz indignada.

Tenho quase certeza que eu sou a causadora dessa inesperada reação de Haymitch. Minha declaração raivosa de estar no mesmo jogo que ele, deve ter alterado o humor do meu pobre antigo mentor. Que se dane. Olho de relance para Gale, que não comenta nada e continua tomando seu café tranquilamente.

– Verdade, Haymitch é doido mesmo. A bebedeira deve estar finalmente surtindo efeito nos neurônios dele. – Comento e Greasy dá de ombros. Começo a comer meu café.

Gale se levanta e vai para a sala. Quando estou para terminar meu café, ouço o telefone tocar. Antes que eu poça atender, Gale já está falando com alguém na linha. Olho-o enfezada. Em contrapartida ele apenas levanta as sobrancelhas e ombros como se aquilo fosse normal. Subo uma mão como sinal de que quero que ele me passe o telefone. O idiota bate a mão dele na minha. Encaro-o com mais raiva ainda.

– Ha ha... Muito engraçado. Telefone, por favor! – Falo tentando controlar minha voz.

– Sim, sim, ela está muito bem, se recuperando, estou fazendo ela tomar todos os medicamentos. – Gale fala mentirosamente ao telefone. – Na verdade, ela está começando a superar os obstáculos da vida. – Ele fala dramaticamente com um enorme sorriso no rosto, me olhando.

Eu reviro os olhos e ele me entrega o fone.

– Alô.

– Senhorita Everdeen, como vai? – Dr. Aurelius pergunta.

– Neste exato momento, irritada. – Respondo, pela primeira vez, com sinceridade. Não pelo doutor, mas para Gale, que se sentou no sofá e está vendo televisão.

– Irritada? Por qual motivo? Algo haver com seu amigo? – Ele pergunta conspirativamente.

– Também... – Digo evasivamente.

– Entendo. Parece-me que a situação está mais complicada do que você quer que eu saiba. Bem, a minha função é ajuda-la com seus problemas e por mais que você não me diga, eu sei que você não está bem, ao menos psicologicamente. Então, o que acha de começar a ocupar sua mente com outras coisas? – Dr. Aurelius sugere.

Até que é uma boa ideia. Depois da guerra todas as pessoas ao meu redor se ocuparam com algo para evitar a depressão. Já eu mergulhei de cabeça nela. Mente vazia, mente doente. Meu caso.

– Acho que sua ideia seria interessante para mim, mas não sei com o quê me ocupar. – Digo apontando o óbvio e lembrando da época em que Haymitch tentava encontrar alguma coisa que fosse útil para eu usar ou ser no dia da entrevista antes de entrar na arena dos Jogos Vorazes. Perda de tempo e muito estresse.

– Você realmente não sabe ou ainda não procurou? Sei que você gosta de caçar e que seria um ótimo começo...

– Eu já voltei a caçar. – Comento.

– Excelente! Muito bom, posso ver que estamos progredindo. Mas não podemos nos prender apenas nisso. O que mais você gosta de fazer no seu tempo livre? – Dr. Aurelius pergunta incentivando-me a pensar em algo.

Olho para Gale que detém sua atenção na tv. Lembro de Prim, em como passava o tempo com ela. Vejo a casa de Peeta pela janela e, de novo, olho para Gale, que agora folheia o livro de plantas da família.

– Acho que tenho uma boa ideia do que fazer.

– E o que seria? – Ele pergunta interessado.

– Acho que vou continuar a escrever o livro de plantas da minha família.

– Perfeito. Fico feliz que estejamos progredindo em seu tratamento. E como você pretende escrever esse livro? – Essa é a pergunta. Preciso de um desenhista.

– Hum... Vou ver ainda. Então, até a próxima sessão. – Digo e desligo rapidamente antes que ele possa mencionar o nome Peeta.

Por um lado, eu realmente gostaria de continuar a escrever o livro, finalmente teria algo com que me ocupar, por outro eu não conheço ninguém que saiba desenhar, além do Peeta. E não sei se terei condições de sugerir uma parceria com ele. Como vou conseguir ficar sentada por horas ao lado dele... Viro-me para Gale que continua a estudar o livro.

– Essas informações são muito valiosas, Katniss. – Gale comenta sem tirar os olhos das páginas do livro.

– É eu sei. – Respondo pensativa. Ele me olha.

– O que foi? O médico reclamou de algo?

– Não, não. Está tudo bem. – Digo sentando-me ao lado dele. Gale desliga a televisão e volta-se para mim, fechando o livro.

– O que houve? Vamos... Deixa eu lhe ajudar. – Ele pede. Encaro-o, então penso que ele realmente poderá me ajudar a decidir o que fazer.

– Bem, como você sabe, eu tenho que tomar esses remédios todos. E como você também sabe, eu não vou tomar nenhum. O problema é que eu sei que preciso deles! Querendo ou não, ainda sou depressiva e a qualquer momento posso ter uma recaída, basta eu estar no local errado e na hora errada em uma situação totalmente fora do meu controle. Mas eu não quero recorrer a esses medicamentos. Eles me fazem mal, como se eu tivesse alguma reação alérgica. Então, certa vez eu fui caçar e decidi que faria meu próprio tratamento. Iria procurar me socializar, voltar a caçar e coletar as ervas necessárias. – Desabafo para Gale que está grudado em cada palavra que profiro. – Até que estava indo bem, só que isso não é o suficiente e o dr. Aurelius concorda comigo. Preciso de algo que me faça ocupar a mente efetivamente. Logo, eu vi você segurando o livro e a ideia me ocorreu. Poderia continuar a escrevê-lo.

– Você iria se ocupar mesmo. Posso até lhe ajudar a coletar as ervas. Pesquisar com você, assim você teria alguém com quem conversar. – Gale diz pensativo, lembrando-se de todas as ervas que ele conhece e suas funções.

– É... Mas tem um problema. – Ele me encara. – Você sabe desenhar?

Essa é a armadilha. O truque que nenhum de nós armou. A jogada do destino. Gale não pensou no desenho e ele, sendo um sobrevivente, sabe que para escrever um livro como esse, as informações devem ser precisas. Então, precisamos do Peeta. Na verdade, eu preciso do Peeta. O tratamento é meu. Agora, o jogo mudou e como Gale vai conduzi-lo, eu não faço a mínima ideia. Como eu vou conduzir o meu jogo, isso é já tenho alguma noção. Farei aquilo que conseguirá me manter sã. Se eu preciso de um desenhista, terei que bater na porta do vizinho da frente.

Pego o livro e olho para Gale. Não é preciso dizer o que ele já sabe. Ele apenas assente com a cabeça e levanta-se.

– Acho que você não precisa de um casaco para atravessar a rua, não é mesmo? – Gale diz com um pequeno sorriso esboçado no canto dos lábios. Ele tem que seguir com o jogo, não tem jeito.

Bato três vezes na porta do Peeta. A ansiedade tomando conta dos meus músculos por conta da demora. Começo a me impacientar a tal ponto que Gale põe uma mão em meu ombro para tentar me acalmar. Finalmente, Peeta atende a porta. E fica surpreso com a inesperada visita. Entramos na casa e ele educadamente nos oferece alguns biscoitos. Sento-me ao lado de Gale no sofá, enquanto ele procura uma poltrona. A situação não poderia estar mais constrangedora. Não devia ter trazido Gale, contudo não sei se conseguiria continuar com os planos, se Delly estivesse grudada no pescoço de Peeta.

– Peeta, eu gostaria de lhe pedir um favor. – Digo diretamente, sem enrolações.

Estou muito impaciente para fazer entradas desnecessárias. Ele olha-me curioso, mas ainda com a irritante formalidade em seu semblante. Peeta faz um sinal com a mão incentivando-me a fazer o pedido.

– Não sei se você ainda conversa com o dr. Aurelius, mas eu, infelizmente, ainda sou obrigada a tanto. Então, hoje progredimos. Ele sugeriu que eu ocupasse minha mente, logo pensei em continuar a escrever o livro de plantas. – Digo.

Peeta me olha como se esperasse eu dizer algo a mais. Balança a cabeça um pouco confuso e fica olhando de mim para Gale repetidamente. O que está havendo com ele? Por que não diz se aceita me ajudar ou não?

– Ela quer que você a ajude a escrever o livro, como vocês costumavam fazer antes da guerra. Desenhando e descrevendo as plantas. – Eu reviro os olhos por Gale complementar o óbvio. – Katniss não explicou essa parte.

– Ah! É isso que você quer? Realmente, você não deixou claro, nem nas entrelinhas, que queria pedir isso. – Peeta diz fazendo Gale rir baixinho, por conta da piada interna. Entrelinhas. Dou uma cutuvelada nele. – Você quer começar agora?

– Se você não estiver ocupado... – Respondo olhando para os lados a procura da Delly. Então, eu lembro-me que ela saiu para o trabalho.

Nós três nos dirigimos para a cozinha. Peeta limpa a mesa que está suja de trigo e eu o ajudo a retirar algumas tigelas. Gale se sentou ao me lado, de modo que Peeta ficou na cabeceira da mesa. Com algumas resmas de papel e os lápis certos começamos a trabalhar. As primeiras plantas começaram a ser desenvolvidas, procuro ser bem detalhista, portanto Gale pouco se manifestou. O tempo passou sem que eu percebesse. Acho que esse é o objetivo do tratamento. Logo é hora do almoço, mas não quero parar agora. Assim, Gale sai para ir buscar comida para nós, visto que ele é o único que praticamente não está fazendo nada.

Ele definitivamente não esperava a essa mudança no seu jogo. Agora, estamos todos “cegos” por não saber que rumo essa situação tomará. Pensativo, ele vai buscar as refeições, não antes de plantar um beijo no meu rosto. Olho de relance para Peeta que continua com os olhos fixos no desenho. Escuto a porta se fechar.

O silêncio se instala. Mas não de modo constrangedor, dessa vez. Estamos trabalhando. Enquanto ele desenha, eu não tenho muito que fazer. Então, retomo aos costumes. Começo a mover um lápis verde, para frente e para traz, enquanto o observo desenhar. Presto atenção na sua postura sobre o papel e em como segura o lápis nos dedos. O formato das suas mãos recuperadas das queimaduras. Sigo o olhar pelo seu antebraço, notando algumas veias puladas por conta do esforço em levantar pesadas sacas de trigo, continuo para o bíceps, pescoço, maxilar... Que por sinal está travado. Estranho. Lembro-me perfeitamente que ele não ficava assim. Então, meus olhos esquadrinham sua face, concentrando-se nos seus enormes cílios.

Peeta faz menção de pegar outro lápis, mas estou tão focada em seu rosto que não percebo que ele está indo na direção do objeto que está sob meus dedos. Ele envolve não só o lápis como meus dedos também. Inspiro um pequeno ar de supresa pela boca entreaberta. Peeta prende-se nos meus olhos. E em nenhum momento ele faz menção de quebrar o contato, tampouco eu. Ficamos nos analisando por algum tempo e a cada minuto percorrido, mais eu sinto sua mão preenchendo a minha. Seus dedos deslizando pela minha pele, aquecendo meu sangue. Então, percebo que seu rosto está a menos de um palmo do meu.

– Por que você está com ela? – Sussurro expondo o que estava entalado dentro de mim.

– Por que você está com ele? – Peeta rebate com intensidade no olhar.

– Você não me respondeu. – Contraponho.

– Você nunca me respondeu.

E, dessa vez, eu entendo o que as entrelinhas significam na sua resposta. A angústia catalisada pela raiva por conta do meu descaso com ele. Meus olhos percorrem seu rosto e param nos seus lábios. O remorso impulsionando-me a querer senti-los. Percebo minha agonia em querer explicar algo tão complexo, algo que não tem resposta. Então, relutantemente, desvio o olhar da sua boca e encaro-o. Peeta, não diz nada, mas seus olhos dizem tudo. É a dor da tristeza, revolta, mágoa, descrença. O puro sentimento de algo que não tem volta. Fracassei. Afasto-me aos poucos dele, sentindo-me miserável, odiando-me arduamente por tê-lo magoado das mais variadas formas.

– Katniss, você ainda tem a pérola? – Peeta pergunta baixinho.

Volto a olha-lo. Dessa vez, não tenho condições de esconder minhas expressões. Na última vez que saí em missão, botei a pérola junto com a pílula cadeado. Quando a explosão me atingiu, eu acordei sem o uniforme. E assim perdi nossa ligação, o símbolo de tudo que nós passamos juntos. Baixo os olhos, tentando controlar minhas emoções.

– Essa foi uma péssima ideia, Peeta. Desculpa ter feito você perder seu tempo. – Pego o livro e saio da casa. Escuto-o me chamar, mas vou embora sem olhar para trás.

Encontro Gale enquanto caminho apressadamente em direção de casa. Não o olho, mas sei que ele me segue. Sento-me na minha usual poltrona, enrosco minhas pernas no meu peito e as abraço com meus braços. Controlando-me furiosamente para não perder a sanidade. Gale se aproxima.

– O que ele fez dessa vez? – Ele pergunta um pouco exaltado. Agora, não se preocupando com jogos e sim comigo.

– Nada! Ele não fez nada, eu fiz! Por favor, não começa! – Respondo raivosamente, a irritação e agonia estampada na minha voz.

Gale avalia-me e se retira. Escuto barulho de pratos e talhares tilintarem, ele provavelmente está fazendo a mesa para o almoço. Como se eu fosse conseguir ingerir algo. Ele me chama depois de alguns instantes. Não me movo, apenas continuo a olhar vagamente para a lareira a minha frente. Gale volta com um prato nas mãos. Sei que ele não irá me deixar em paz, se eu não comer ao menos um pouco. Pego a comida e engulo algumas colheradas. Definitivamente, eu não estou com fome, entretanto não é do meu feitio estragar qualquer alimento. Logo, me forço a mastigar tudo e engolir.

As horas passam e em nenhum segundo sequer eu consigo acalmar meus pensamentos. A culpa é toda minha, desde o princípio. Eu não devia ter ido para guerra com a pérola, devia ter deixado no Distrito 13. Se assim tivesse feito, talvez ela estivesse junto com as outras coisas que voltaram. Minhas unhas, a cada instante, são impulsionadas contra minha pele. Gale entra na sala e senta-se no sofá. Liga a televisão. Não dou a mínima para ele. Estou em um momento muito tenso para fazer qualquer outra coisa que não seja pensar em um modo de recuperar a pérola. Mas sei que isso é impossível.

– Você já viu essa invenção do povo da Capital? – Gale pergunta para mim, mas não estou prestando atenção. – Acho que com o fim da guerra, eles ficaram entediados. Só pode, porque eu não consigo encontrar motivos para um grupo de pessoas se reunirem em frente de uma câmera e ficarem fofocando sobre a vida alheia, como nesse programa de talk show.

Gale continua falando sobre o estúpido programa que não me interessa em nada. Ignoro a ambos completamente. A tarde se esvai, dando lugar para a noite. A noite surge com um piscar de olhos. Gale desiste de tentar me distrair. Ele acende a lareira e tenta a todo custo fazer-me sair da poltrona, mas não quero sair daqui. Se existem vários tipos de depressão, tenho certeza que já passei por todas as fases, contudo a que estou sentindo é, simplesmente, uma das piores, pois ela não se alimenta apenas da minha dor ou luto, ela vai além, ela me corrói pelo remorso e arrependimento.

Após certo tempo, jogo-me no sofá. Gale já deve ter ido dormir. Fico olhando para o teto a procura de alguma solução para o meu problema. Mas como posso recuperar o que foi perdido? Procurando. Contudo, a base do meu problema não está no núcleo procurar e, sim, no conquistar. Se eu quero algo, tenho que me esforçar para alcança-lo. Se for realmente importante e especial, então não importa o quanto eu lute, no fim, valerá a pena.

Como tudo na minha vida é consequencial. O simples fato de eu me levantar desse sofá, já ocasionará mudanças e todas elas me afetarão, tanto as boas quanto as ruins. Se eu abrir a porta e começar a andar na neve, fico sujeita não apenas há um risco, mas diversos. São os caminhos da vida. Tenho que trilhar um, se eu estagnar na encruzilhada, não seguirei caminho algum. Agora, se eu tiver coragem de me levantar, abrir a porta, andar na neve, até chegar ao outro lado da rua, não estarei apenas violando minhas próprias regras, como os dos outros também. Aí, não haverá mais jogos, truques ou armadilhas. Se eu tiver coragem de fazer tudo isso e confrontar aquele que me vulnera, finalmente poderei seguir com a minha vida. A consequência que meus atos trarão é a ameaça que terei de sofrer.

Mais cedo havia dito à Gale que não iria interferir em nada, deixaria o jogo acontecer. O fato é que estou farta de jogos. Dessa vez eu não sou somente uma peça, também sou a idealizadora e com isso farei com que a sorte esteja a meu favor!

Levanto-me do sofá, vou rapidamente ao banheiro. Devagar abro a porta de casa. Atravesso a rua escura. O tempo bem mais quente, sinal de que a primavera está próxima. Encaro a porta da casa de Peeta. Poderia bater, mas isso faria eu acordar Gale. Então, decido invadir. Porta aberta. A sorte finalmente me encontrou. Já era tempo. A casa está escura. Subo as escadas e sigo para o quarto de Peeta. Mas não há ninguém dentro! Se ele não está aí, só me resta outro lugar. Meu sangue escorre da minha face com meu coração martelando em meu peito. Abro a porta do quarto de Delly e espio. Vazio.

Duas sensações totalmente diversas me invadem. Primeiro o alívio, depois a confusão. Vasculho por toda a casa e não há sinal de vida. Volto nos quartos e olho os armários. Tudo limpo. Cubro minha boca com as mãos em choque. Não pode ser. Impossível. Saio da casa e corro na direção da outra casa que contém minhas respostas. Escancaro a porta de Haymitch, arranco sua faca da mão e jogo água gelada impiedosamente na sua cabeça. Ele faz tudo, até cogita lançar a cadeira na minha direção, mas estou mais valente do que ele pode imaginar.

– Onde ele está Haymitch?! – Pergunto exigindo uma resposta que, no fundo, não quero escutar.

O antigo mentor olha para minha cara e começa a rir pesadamente. Após um tempo, finalmente, ele consegue se controlar e toma fôlego.

– Pode tirar essa carranca azeda na sua cara, docinho. E comece a entender uma coisa de uma vez por todas. Você pode fazer o que for, mas nunca, nunca merecerá aquele garoto. Já lhe disse isso milhões de vezes. Aceite.

– Haymitch, não brinque comigo! Onde está Peeta?! – Digo avançando ameaçadoramente um pé na sua direção.

– Se você quer tanto saber, então não posso fazer nada. Mas depois que eu lhe disser, não quero lhe ver tão cedo aqui! – Ele fala irritado por conta do banho inesperado. Avalia meu rosto como se estivesse ponderando as palavras. – Peeta foi embora. E não me pergunte para onde. Eu não sei. Delly foi junto. Os dois pegaram o trem da tarde. Sinto muito, docinho. Você perdeu. Eu ganhei. Supera.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, capítulo tá grande, mas foi pensando no tempo em que eu poderei ficar sem postar. Espero que não tenha ficado muito tedioso. O pior de tudo foi o modo como eu terminei este capítulo. Acho que se eu fosse leitora, estaria amaldiçoando a escritora, por favor não façam isso. Se meu avião cair, vocês ficam sem final! Decidam! hahah... Deus me livre!

Beijos, Fernanda