Jogos Vorazes: O Despertar escrita por FernandaC


Capítulo 18
Absurdamente o impossível


Notas iniciais do capítulo

Oie gente, tudo bem com vocês? Bem, como sempre, desculpem-me pela demora na postagem. Espero que vocês me perdoem e gostem deste capítulo. Ele está realmente ABSURDO. Sem mais apreços, boa leitura e não se esqueçam dos comentários, vale qualquer coisa crítica, briga, xingamentos, elogios... Hehe, enfim. Desfrutem.



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Imersa em uma deleitável inconsciência. Superficialmente, nada me machuca, preocupa ou agoniza. Sonhos perpassam pelos meus olhos, mas nada de tão nítido ou apavorante. Bem no fundo sinto a consciência, que aparenta emergir. Ouço um som ritmado. Assim, com um usual solavanco sento-me abruptamente na cama. O telefone. Um pouco desnorteada pelo sono, entretanto determinada a chegar ao meu objetivo, desço escada abaixo, contorno o sofá de qualquer jeito, acertando, dolorosamente, meu dedinho do pé na mesinha de apoio, a dor livra-me de qualquer névoa sonolenta, enchendo minha boca de xingamentos.

– Alô. – Falo tentando controlar minha voz.

– Está tudo bem, senhorita Everdeen? – Não acredito que eu quase distendo meu dedo, por causa do dr. Aurélius. Minha raiva se canaliza para outro objeto: meu maldito psiquiatra.

– O que o senhor acha? – Pergunto incutindo a mais enraizada ironia em minha voz.

– Não estaria lhe perguntando se soubesse. Todavia, em se tratando de você e todo o seu histórico, suponho que não estamos tendo muito progresso com o seu tratamento. Fato este que, provavelmente, deve ter se intensificado com a ausência do sr. Mallark por exatos 33 dias.

– Você acha mesmo? – Respondo, ainda sem conseguir conter o sarcasmo. – Nossa, com toda essa inteligência, pudera o senhor ter se tornado um médico!

– Katniss, por favor. Seriedade. Estou ligando para tratar de um assunto delicado. – A questão é a seguinte, se tem uma pessoa que nunca munda o modo de falar, desde os primórdios da existência da terra, é o dr. Aurélius, então no momento em que ele profere esta frase, sinto que algo extremamente sério aconteceu e, com certeza, algo envolvendo meu Peeta. – Como você deve estar supondo, trata-se de Peeta. Bem, ele estava colossalmente agitado noite passada, repetindo a todo instante voltar para o Distrito 12, que ele não podia ficar mais ali.

– O que aconteceu com o Peeta?! Por que o senhor não o libera logo? - Pergunto quase gritando ao fone.

– Ele estava em tratamento, não podíamos liberá-lo simplesmente. Eu repetia isso ao Peeta, mas ele estava incontrolável, por várias vezes tivemos que sedá-lo. O ponto é que tenho que conversar com você. Tenho que lhe pedir um favor, você estaria disposta a me ajudar? Quer dizer, ajudar Peeta?

– O que aconteceu com ele? – Falo quase que inaudivelmente. O dr. Aurélius suspira pesadamente de cansaço.

– Katniss, Peeta não estava no seu quarto do hospital essa manhã. Nem no hotel, em canto nenhum. Ele não está na Capital.

– VOCÊS PERDERAM O PEETA?? – Dessa vez, eu berro.

– Primeiro, se acalme. De nada adiantará os desesperos. E segundo, nós não perdemos o Peeta, ele apenas não está em nenhum lugar na Capital, o que nos remete a supor que ele deve ter voltado para o Distrito 12, até você. – O dr. Brilhante responde. – O problema é que ele não terminou seus exames, é imprescindível a conclusão. Pode ter certeza que o Peeta é tão importante para nós quanto é para você.

Neste momento uma epifania me ocorre. Peeta não foi apenas fazer um exame por conta da sua saúde, Peeta foi para Capital como uma cobaia. Uma experimentação psicológica. “É tão importante para nós”. Aquele familiar sentimento de pavor se apodera de mim. Olho, instintamente, ao redor, a procura de uma eventual ameaça.

– Katniss, você ainda está na linha? – O dr. Aurélius pergunta algumas vezes.

– Sim. – Respondo o mais firme possível.

– Ótimo. Então, preste atenção no que eu vou lhe dizer. É de extrema importância que o Peeta retome aos exames, ele estava quase concluindo. Precisamos da sua ajuda. Uma equipe qualificada da segurança foi requisitada para fazer a busca. Esperamos que ele seja logo encontrado. Entretanto, por mais que o esquadrão esteja procurando-o, acreditamos que ele vai voltar para você.

– E você espera que eu lhe ligue imediatamente, caso o Peeta, milagrosamente, surja na sala da minha casa?! – Pergunto um pouco incrédula.

– Tenho certeza que você cooperará conosco. De uma forma ou de outra, o descumprimento de um “regulamento”, principalmente vindo de alguém que não tem um histórico bom, com certeza, não será benéfico. Além do mais, a Capital possui muitos olhos no Distrito 12. Não é mesmo? – Dr. Aurélius me ameaça sutilmente. E, infelizmente, ele tem razão. Como Peeta conseguirá atravessar todos os distritos e chegar até à minha casa sem ser visto por um maldito paparazzi?

– É... – Digo de mãos atadas, sem ter uma resposta melhor. Estupefata com tudo isso.

– Bem, então posso ficar tranquilo. Tenho certeza que você cumprirá sua parte. A Capital seria um inferno com você aqui. - Ele volta a ameaçar indiretamente. – Já que estamos conversados, aguardo sua ligação. Abraço e cuide-se, srta. Everdeen.

A ligação fica muda. Lentamente, ponho o fone no gancho. Peeta desaparecido e com uma equipe de farejadores a sua procura. Por mais que eu esteja quase me despedaçando de vontade em vê-lo, não quero que ele seja capturado. Mas como eu posso protegê-lo? Como posso ajudar? O que eu devo fazer? Sento-me no sofá e balanço-me levemente para frente e para trás com o queixo apoiado no joelho. Ouço a porta se abrir, viro-me alarmada para ver quem entra. Greasy Sae. Cumprimenta-me e dessa vez não se incomoda em perguntar o que eu tenho, entra na cozinha e começa a fazer suas tarefas.

Seria possível o dr. Aurélius estar realmente me ameaçando? Será possível que a Capital ainda esteja corrompida? Não posso voltar para aquele lugar. Não posso, tampouco, ensejar o retorno de Peeta para lá, se é que ele conseguirá chegar até aqui sem ser visto. Onde ele está? Sinto como se uma nova fonte crescente de dor irrompesse no meu ser. Uma agonia distinta de todas as outras. Algo que machuca de dentro para fora, queimando as fibras que compõem os tecidos do meu corpo. Finco minhas unhas na minha pele. Uma prática que há tempos não fazia. Preciso de ajuda, mas quem poderá me auxiliar? Dessa vez não tem Gale para me ouvir, nem mamãe e nem Prim. Poderia conversar com a Delly, mas me recuso inexoravelmente a me sujeitar a ela. Mesmo se tratando de Peeta? A dúvida circula pela minha mente. Então, lembro que tenho mais uma e última opção, Haymitch.

Passo os dedos nos pelos do Buttercup, que roça minha perna. Levanto-me, vou até à cozinha, como alguma coisa e peço para Greasy preparar algo para o meu antigo mentor. Com o café forte e quente e alguns pães vou até a casa dele. Olho, de esguelha para a casa dos paparazzi, ninguém à vista, acho que é cedo demais. Como de praxe, não me incomodo em bater na porta. Ou será que dessa vez eu deveria? Bem, não adianta de nada ficar pensando nisso, haja vista que já estou dentro da casa. De um modo um tanto quanto estranho, o lugar aparenta limpeza e organização. Pergunto-me se entrei na porta certa. Escuto o barulho dos gansos e minha dúvida é sanada ao ouvir Haymitch chamar os animais para dar a ração. Aproximo-me ainda segurando o café dele.

– Fiquei indagando quanto tempo levaria para você desembocar por essa porta. – Ele fala sem se incomodar em me olhar. Bom dia para você também.

– Eu não vim aqui lhe pedir desculpas. – Respondo.

– Até parece que eu iria esperar por uma atitude dessas de você. – Haymitch me olha com escárnio.

– Então, você estava indagando sobre o que?

– Bem, só tem uma coisa que faz você sair do seu mundinho com o rabinho entre as pernas, queridinha. – Ele diz voltando a jogar a ração para os gansos.

– Como você sabe do Peeta? Você falou com o dr. Aurélius?

– Televisão. – É só o que ele responde e com certo incômodo na voz, o que me faz fechar o cenho. Não existe um ponto em comum mais intrínseco entre nós dois do que a questão dos paparazzi.

– Faz muito tempo que eles conseguiram o furo? - Pergunto observando-o alimentar as aves.

– Estava quase amanhecendo quando coloquei no canal de notícias. – Ficamos em silêncio por uns instantes, pensando em um modo, uma solução.

Apesar das nossas divergências, brigas e implicâncias, eu sei que posso contar com ele, pelo menos no que concerne ao Peeta. Ele está tão preocupado com o meu garoto do pão quanto eu. Isso é algo que não precisa ser expressado, pois é notável. Voltamos para a cozinha e ele pega o café da minha mão. Sentamos um de frente para o outro, ainda absortos nas nossas próprias mentes. Observo a paisagem pela janela, a luz do sol tornando-se mais forte a cada minuto. Haymitch termina de comer e me encara.

– O que eles falaram para você? Sabemos muito bem que não é apenas do doutor-de-meia-tigela por trás disso. - Ele questiona e comenta o que eu já suspeitava e temia, não se trata apenas de uma questão de saúde. Assim, contei toda a conversa que tive com o meu psiquiatra.

– Isso é muito estranho, essas ameaças sutis... O comando geral da administração vetou qualquer tipo de ameaça, agressão e prisão contra qualquer pessoa que não seja efetivamente considerada uma ameaça para Panem ou para as pessoas. Não faz sentido. Será que há alguma corporação clandestina? Algum resquício do passado ou mesmo um novo movimento “rebelde” atuando, como fazia o distrito 13? – Haymitch confabula mais consigo mesmo do que comigo.

– Haymitch! O ponto não é esse. Se eles estão corrompidos, não interessa no momento e, sim, Peeta. Se ele está sendo alvo de experimentações, quais são as condições físicas e mentais dele agora, será que ele tem capacidade, ao menos cognitiva para raciocinar. Será que ele consegue se locomover por ai? De sobreviver? – Questiono alarmada, a preocupação crescendo à medida que a realidade se acomoda na minha mente.

Ele tamborila os dedos na mesa. Percebo que Haymitch não havia pensado nas chances de Peeta. Nas possibilidades dele, em conseguir atravessar todos os Distritos sem ser visto. As chances são mínimas, sendo o mais otimista possível. Haymitch coça a barba rala do queixo.

– Em uma coisa tenho que concordar com tudo isso. Se Peeta está realmente cruzando todos os territórios a pé, ele vai demorar meses para chegar ao seu destino, isso se conseguir não ser pego e, caso consiga essa proeza, pode ter certeza que ele vai diretamente até você. – Haymitch fala sério. A preocupação começando a se estampar no seu rosto enrugado. – Temos que estar mais alertas do que os nossos amados vizinhos. Eles não podem, em hipótese alguma, encontrar o Peeta primeiro. Vá para sua casa, não saia, fique lá, veja os noticiários, qualquer coisa que possa ser um informativo. Vou falar com a Delly. – Fecho levemente a cara. Ele levanta as sobrancelhas desafiando-me à contra argumentar. Sei que precisamos de toda ajuda possível e confiável. - Não confie muito em Cressida e Pólux, sei que eles são seus amigos e tudo mais, eu mesmo gosto deles, entretanto, querendo ou não, eles estão são contratados pela central.

Dou um aceno com a cabeça concordando e me levando para me retirar, mas antes de sair dali, eu estico o braço e toco no ombro do meu antigo mentor.

– Fico contente em saber que ainda estamos mantendo a promessa de tentar manter Peeta a salvo.

Sem dizer mais nada vou embora.

–--

Os dias seguintes são torturantes. Estou praticamente acampada na frente da televisão. Atenta a cada informação útil. Vez ou outra Haymitch aparece e trocamos informações ou conversamos sobre alguma notícia interessante. A Delly também veio aqui e disse-me que nossos vizinhos estão quietos e não demonstram nenhuma anormalidade. Até que ela não é tão imprestável assim. Está quase anoitecendo, quando Buttercup sob no sofá e acomoda-se nas minhas coxas. Coço seu queixo enquanto vejo a televisão. O apresentador narra as manchetes do dia.

Senhoras e senhores é com imenso prazer que anuncio uma excelente notícia esta noite. Depois de aproximadamente 15 dias sem alguma informação sequer sobre o paradeiro do ilustre e querido Peeta Mallark, que desapareceu do seu leito no hospital, nesta madrugada do dia 16 de agosto houve relatos de algumas pessoas do Distrito 7 que alegam terem visto o garoto em uma casa noite passada. No momento em que a equipe de busca conseguiu chegar ao local, o lugar já estava abandonado. Nada se sabe sobre o mesmo, acredita-se que era apenas um casebre arruinado pela guerra e que o refugiou por um tempo. Mais informações em breve.

Fiquei olhando as imagens. A porta de entrada se abre e vejo Haymitch. Ele também olha a televisão.

– Como é possível ele estar caminhando tão rápido? – Questiono virando-me para ele. Haymitch apenas balança a cabeça sem saber, pensativo.

– Eu não sei lhe responder isso, entretanto posso lhe garantir que, agora mais do que nunca, não somente eu, mas todo mundo sabe que ele está vindo para cá. Isso é certo. Então, prepare-se e fique esperta, pois não será fácil, a resistência já pode estar a caminho, queridinha. – Haymitch fala e se levanta para ir embora.

–--

O sono custou a chegar noite passada. A preocupação açoitando-me, não me permitindo descansar. Girei incessantemente a pérola entre meus dedos. Por fim consegui dormir. Os raios do sol inundam a sala. Acordei tarde. Levanto-me do sofá e alongo as costas, arrumo-me no banheiro e vou comer alguma coisa na cozinha, depois saio para o jardim. Analiso as prímulas desabrochadas. Levanto um pouco o rosto e observo a rua, as casas, alguma movimentação. Nada de anormal. Dou mais uma olhada para as flores e viro-me para voltar para casa, quando escuto uma porta se fechar. Volto minha atenção na direção do som.

Ao longe avisto Pólux, que me retribui o olhar. Não trocamos acenos, nem palavras, apenas olhares e ainda assim tudo foi dito. Meu amigo avox também está preocupado com Peeta. Deste modo, mais seguro não nos cumprimentarmos avidamente, o melhor é continuarmos na espreita, mantendo a distância. Dou um leve aceno com a cabeça e entro em casa. Haymitch não aceitará isso, não entenderá que podemos contar com Pólux e foi muito taxativo quanto aos nossos amigos vizinhos. Entretanto, ele não conviveu com o avox como eu e Peeta durante a guerra, logo não tem os mesmo laços afetivos.

Jogo-me no sofá. Buttercup sobe na minha barriga. Escuto a televisão, mas não me dou ao trabalho de olhar a tela. Lentamente, sinto os efeitos de uma noite mal dormida e caio no sono.

–--

Não sei por quantas horas eu dormi, estou meio desnorteada biologicamente e sinto um calor desgraçado. Eu acampei na sala e Buttercup resolveu me copiar e se acampou na minha barriga. Ainda com os olhos fechados, eu o empurro, tirando-o de cima de mim. Escuto-o miar indignado e ir embora. Viro-me de lado na direção do encosto do sofá e tento pegar novamente no sono. Estou quase caindo na inconsciência quando escuto o cara da notícia.

Interrompemos a programação para anunciar algumas informações importantes sobre o paradeiro de Peeta Mallark. – Fico estática, apenas escutando, como se o simples movimento pudesse causar danos à informação. – Aproximadamente às 11:32 da manhã do dia de hoje, a equipe de procuração conseguiu encontrar nosso vitorioso no Distrito 9. Entretanto, houve complicações no momento do resgate, Peeta resistiu à equipe e escapou assustado. Ele precisa de ajuda. Quem o avistar ou mesmo encontra-lo, não hesite em entrar em contato com as autoridades da administração de Panem. Ele realmente está viajando e o que tudo indica seu caminho é o Distrito 12. Agradeço sua atenção. Boa noite.

Continuo na mesma posição tentando engolir todas aquelas informações. Peeta conseguiu fugir. Como ele está conseguindo passar por tudo? Calma, não posso ser pessimista. Lado positivo, ele deve estar bem fisicamente e até mesmo psicologicamente. Entretanto, pergunto-me o motivo de ele estar sendo tão “rebelde” a ponto de violar as prescrições médicas, fazendo o país, junto com a mídia, estarem a sua procura. Isso não é muito típico dele. Minha mente divaga em pensamentos e todas as sensações que vão do medo à esperança afloram dentro de mim. Enquanto tento, furiosamente, me controlar, sinto algo cutucar minhas costelas dolorosamente. O pavor expulsa qualquer outro sentimento e se aloja pesadamente no meio do meu ser.

Viro-me aterrorizada e a descrença verga-se sobre mim.

– Hahahaha... Eu queria muito ter podido tirar uma foto da sua cara. A sua expressão foi impagável. Você já pensou em ser humorista em um desses programas de merda que passa na tv? Tenho certeza que você ganharia muita grana e privilégios, nem falo em fama, isso é algo que você já tem de sobra, não é mesmo desmiolada? – Fico olhando embasbacada para aquela figura na minha frente. Pudera eu estar sendo alvo de gozação, mas não consigo tomar nenhuma atitude para mudar essa situação. A incompreensão é demais para meu cérebro. – Você vai mesmo ficar aí me olhando? Não vai falar nada? Bem, eu não esperava uma recepção calorosa ou bolos e confeites, mas algo melhor que isso, querendo ou não quase dividimos o mesmo leito.

– Como? – Isso resume o que se passa na minha cabeça com exatidão. Repetidas vezes. Joana se levanta da mesinha de centro em que estava sentada com aquele mesmo sorriso um tanto quanto zombeteiro e superior acompanhado do olhar duro.

– Tinha esquecido o quão desmiolada você é. A pergunta não é “Como” e, sim, “Por que?”. – Joana me corrige e abre a porta da frente, saindo sem me dar maiores explicações.

Saio da momentânea torpeza e caminho lentamente na direção da entrada da casa. Algo me diz que não devo acompanha-la, meus instintos bloqueiam a vontade de segui-la, cerceando minhas curiosidades. Sinto a adrenalina correr pelas minhas veias, olho ao redor a procura do meu arco. Encontro-o acomodado perto da lareira com a aljava. Preparo-me para qualquer ameaça, refutando a ideia de ser levada para a Capital. Miro a flecha na direção da porta, enquanto protejo meu corpo atrás do sofá, o que não é muito, mas é o que tenho.

Ouço passos vindo na minha direção. Percebo que não se trata de apenas uma ou duas pessoas. Puxo a flecha no arco e segundos depois um rapaz, e corajoso, diga-se de passagem, entra na casa. Ao me avistar levanta imediatamente as mãos para o alto, informando rendição, no entanto por mais que o gesto seja pacífico, seu olhar é intenso e nem um pouco apaziguador. O maxilar trincado, os cabelos negros, curtos e bagunçados, fenótipo de um sobrevivente. Logo em seguida Joana surge na soleira da porta, expressando desdém pela minha atitude defensiva.

– Você acha mesmo que eu iria trazer a equipe de resgate para lhe capturar? Como você me frustra a cada instante, sua cabeça de vento. – Joana diz

E, ainda assim, não descanso o arco. Meu cérebro está buscando mais informações sobre o que fazer, qual atitude tomar. Olho para aquelas duas criaturas estranhas a minha frente. Um ainda com as mãos para cima e a outra demonstrando um possível tédio. Até que, uma terceira criatura surge no meu campo de visão, um ser totalmente diferente, arruinado, sujo, maltrapilho, mas que, mesmo nas piores situações, eu jamais deixaria de reconhecer. Peeta.

Ele levanta as mãos do mesmo modo como o rapaz ao lado de Joana. Rendido. Seu olhar também é muito intenso, entretanto distintamente dos outros, ele transpassa serenidade. Deixo meu arco no sofá e sinto os músculos do meu rosto rasgarem minha boca, formando um enorme sorriso que há tempos não é feito. Pela visão periférica vejo Joana e o rapaz relaxarem um pouco, ela olha rapidamente para fora e fechar a porta. Assim como todas as cortinas da casa. Logo, toda a minha atenção se concentra no sorriso de Peeta, que ilumina qualquer sombra existente em meu ser, revigorando-me, enchendo-me de forças e vitalidade. Ele caminha ao meu encontro. E eu nem consigo acreditar que estou realmente tocando-o. Sinto seus braços ao meu redor, concebendo um abraço, que por noites e dias acreditei que nunca mais fosse receber.

Eu não compreendo muito sobre o tempo, sua composição, funcionalidade ou física. Mas posso afirmar, com toda convicção, que cada segundo, cada minuto e semana contados foram inestimáveis, pois a sensação de lentidão temporal que sinto ao abraçar Peeta é incomparável com a passagem normal do tempo. É como se este fenômeno não corresse e, sim, estagnasse, permitindo-me desfrutar deste momento por completude. Sinto-o inspirar o perfume dos meus cabelos na base do meu pescoço, ele olha-me nos olhos e dessa vez estou completamente tonta de deleite para conseguir observar algo além da sua alegria em estar aqui comigo.

– Como Peeta? – Eu pergunto com um sorriso ridicularmente bobo no rosto. Eu olho rapidamente ao redor e observo que estamos a sós na sala.

– Katniss, - Meu garoto do pão fala meu nome com ternura, em um sussurro encantador, apenas para eu escutar. - eu reuni todas as lembranças, momentos, absolutamente todas as insignificâncias que compõem a tua perfeição, e a perfeição nada tem de insignificante, para buscar o impossível, mas eu somente pude alcançá-lo quando experimentei a necessidade de fazer o absurdo. Meu coração é maior que a distância entre nós dois, tenho certeza disso, pois eu o senti bater, incansavelmente, na busca impossível de sentir o seu novamente.

– Peeta... – Eu digo bobamente, sem acreditar em tais palavras tão doces.

– Eu, absurdamente, fui contra todos os ventos para conseguir o inexequível. Nunca mais irei passar tanto tempo longe de você novamente, não quero correr o risco em lhe perder. Nunca mais. Minha Katniss. – Peeta diz e me beija doce e lentamente. Sinto seus lábios acariciarem os meus, desfrutando cada parte, desfrutando o momento que supomos que jamais iríamos ter de novo.

– Você jura? – Eu pergunto com os olhos fechados, encostando a testa na dele. Sinto suas mãos pressionarem minhas bochechas levemente.

– Eu não preciso jurar. – Abro os olhos e o encaro. Deste modo, percebo que seu olhar vale mais que mil juras verbais. Peeta mete a mão no bolso do jeans e puxa um bilhete amassado. “Volte para mim.”. Eu pego o papel que entreguei para ele contendo meu pedido antes dele viajar para a Capital.

– Eu disse que voltava para você.

Eu abro um largo sorriso e o abraço apertadamente. Estamos dentro do nosso mundo, na nossa própria dimensão, quando alguém bate na porta avidamente. Olhamos temerosos na direção da entrada. Joana aparece apressada e tensa na soleira da porta da cozinha com o rapaz em seu encalço. E lança um olhar significativo para nós.

– Peeta, eles chegaram.


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Notas finais do capítulo

"A insignificância compõe a perfeição, mas a perfeição nada tem de insignificante". Sandman -Nail Gaiman.
Frase brilhante extraída de Sandman, revista em quadrinhos escrita por Neil Gaiman.

Até o próximo capítulo,
Beijo, Fernanda.