Eram quinze pra meia-noite quando eu saí do salão de jantar. Definitivamente, fora um fracasso. Não que Amberly não soubesse fazer um jantar de gala maravilhoso, porque a comida, a decoração e tudo o mais fora perfeita, mas quando Clarkson apareceu no salão, Jason, Anna e Samantha se transformaram em uma espécie de demônios raivosos cujo lado negro eu jamais vira.

Clarkson arregalou os olhos ao ver uma mercenária e dois sulistas em seu castelo, se surpreendendo mais ainda com as coisas que Anna fazia na mesa. Todos os olhares sempre se voltavam pra ela á cada cinco minutos, e pelo visto ela estava adorando, mas eu não. Jason contou que fora ele quem salvara Maxon e depois disso Clarkson ficou calado a noite inteira. E talvez por algum milagre Clarkson não saiu da mesa morto.

Eu fui uma das últimas a sair do salão porque queria trocar umas palavras fora com a rainha, acalmá-la e mostrar que tinha alguém a seu lado. Mas depois de Maxon, decidi que era minha vez e parei de alugá-la. Eu já me dirigia ás escadas quando uma luz vinda de fora me chamou a atenção. Como o castelo estava sem guardas para vigia, já que os poucos que restaram estavam trabalhando em algo mais sério, abri os portões e fui até o jardim, respirando fundo o ar límpido á luz da lua que há tempos eu não sentia.

Pensei em ir até o banco do jardim e ficar observando a nova fonte de águas que eles instalaram - quando foi que isso aconteceu? - mas minha calma foi totalmente tirada quando eu vi Jason e Maxon um pouco adiante, de costas. Os dois conversavam seriamente, e eu morri de curiosidade. Só esperava que não estivessem tramando algo ruim. Me arrastei até um pinheiro e me escondi atrás dele enquanto ouvia a conversa dos dois.

– Nunca pensei que eu pudesse dizer isso algum dia, mas você é o certo para ela. - Jason dizia. - Você vai fazê-la feliz, mais do que eu poderia.

– Está falando isso porque eu tenho riquezas a dar, mas America não vive de joias e luxo, Jason. - Maxon contradisse. Então um silêncio pairou sobre o lugar, pensei que tivessem me visto.

– Maxon, isso aqui é o que ela queria desde o começo. Eu fui... Só uma diversão. - Jason falou com a voz embargada. Mas o que diabos ele estava dizendo, mesmo? - Eu sei que ela ainda te ama, então não a deixe se esquecer disso. Eu estou abrindo mão do que mais amei na vida, então por que você simplesmente não fica feliz e casa logo com ela?

– Porque eu não sou esse tipo de cara. - Maxon respondeu firme. Jason franziu as sobrancelhas, confuso. - Não podemos escolher por ela, e qualquer cara que abrisse mão dela antes do tempo estaria sendo um idiota egoísta. Se você desistir agora, então realmente não merece America.

– Isso pode ser um jogo pra você, príncipe, mas pra mim nunca foi e nunca será. Não se pode escolher entre duas pessoas se você ama as duas, e é por isso que eu estou deixando ela pra você. E eu não preciso de um sermão sobre egoísmo e idiotice, porque acredite eu já sou muito bom com essas coisas. Acha mesmo que America seria feliz fugindo comigo para lugares que não conhece, vivendo uma vida de exilada rebelde?

Maxon o interrompeu.

– Espera aí, é assim que você se sente? Não exilamos vocês!

– Cara, você é burro ou o que? - Jason riu. - Sabe quando foi que os rebeldes surgiram? Quando seu pai assumiu, Maxon. Ele exilou pessoas das castas pobres.

– O QUE?

– Talvez você devesse ser mais curioso sobre seu pai, Maxon, ele não é o que você pensa. Mas você tem professores de história se quiser saber, o que importa agora é a America. - Jason suspirou. - Maxon, entenda como quiser... Eu a amo, amo de verdade, mais do que qualquer coisa ou pessoa, e isso me consome, tanto que eu já não posso mais querer ficar com ela. Não é a vida que ela merece, não é o conto de fadas que ela sonhou... E se pra ela ser feliz eu tiver que ser egoísta e idiota, então eu sou o cara mais egoísta e idiota da história. - Jason falou sem uma expressão ao certo. Seus olhos brilhavam, o que só podia significar uma coisa: lágrimas. - Faça America feliz.

– Não vai ser difícil, com você vigiando o tempo todo. - Maxon brincou, tentando reduzi-lo á outra escolha.

– Não, dessa vez eu vou embora. Mesmo.

– Mesmo?

– Sim... Não vou voltar. Eu preciso resolver umas coisas com os mercenários, não posso deixar que eles saibam sobre America. - Jason estendeu á mão para Maxon. - Foi uma droga ter te conhecido.

Maxon riu.

– Igualmente.

– Adeus, então. - Jason se despediu e saiu do jardim, quase se perdendo na sombra das árvores. Maxon correu até ele e perguntou:

– Espera. O que falarei pra America?

Jason deu um sorriso triste.

– Fale que eu a amo.

***

Depois que Jason passou pelos portões do castelo, eu não consegui me mover. Estava paralisada pelo que acabara de ouvir, então me agachei no pinheiro e abracei minhas pernas, dando lugar ás lágrimas que há tempos não desciam. Eu chorava amargamente, desejando que Jason não fosse tão estúpido assim. Mas ao mesmo tempo não podia odiá-lo, porque eu entendia e sabia perfeitamente que uma vida de sulista talvez não desse certo, mesmo com o amor.

Maxon andava pelo jardim e também parecia desolado, por mais que eu soubesse da desavença dos dois e que ele deveria era estar feliz. O que acontecia com Maxon? Eu tentei pensar em algo que me consolasse, mas todas as coisas só me deixavam mais triste. Eu chorava copiosamente, quando ouvi passos vindo em minha direção. Eu abaixei a cabeça desejando me tornar invisível, mas já sabia que era ele.

– America... - Maxon me chamou baixinho. - Você ouviu?

– S-sim. - gaguejei, soluçando mais ainda. A cada vez que eu pensava que não poderia ficar pior, me sentido pior ainda. Maxon deveria estar apavorado ao me ver chorando daquele jeito, mas eu pouco me importava. Eu só estava sofrendo porque, primeiramente, me apaixonei por Maxon. E depois por Jason. E agora não poderia ter nenhum do jeito que eu queria, não que eu pudesse ter os dois.

Maxon se agachou ao meu lado e me abraçou, pude sentir seu perfume e os seus cabelos macios tocando nos meus. Fechei os olhos, desolada. Por que Jason tivera que escolher em meu lugar?

Bem, eu acho que já tinha a resposta, pois ouvira tudo.

– Eu sinto muito, muito mesmo. - Maxon falou, me tomando nos braços. Eu não sabia o que ele estava fazendo, mas não tinha forças para dizer nada. - Não podemos passar a noite aqui fora.

Tudo de que me lembro foi Maxon me levando no colo para dentro do castelo. Eu apoiei minha cabeça em seu peito ainda chorando, deixando sua camiseta encharcada.

Depois disso, acho que capotei num sono profundo.

Eu sonhei com um sulista de cabelos escuros e olhos azuis. Eu me apaixonava por ele, mas no dia do nosso casamento, ele fugia...

***

– America? - uma voz doce me chamou. Abri os olhos vagarosamente e percebi que Maxon estava ao meu lado. Numa cama.

Mas o que?

– Não, a gente não... - eu tentei perguntar, mas Maxon me interrompeu.

– Tudo bem, calma. - ele pediu. Então eu percebi que estávamos vestidos e suspirei, envergonhada.

– Só faço besteira, não é? - perguntei.

– Claro que não. - ele respondeu sorrindo. - Eu trouxe seu café da manhã. Não achei que quisesse descer...

– Obrigada. - eu falei, me sentindo um pouco melhor. Olhei para a bandeja de café recheada de comidas gostosas que ele me trouxera e passei as mãos uma na outra, encarando o desafio de comer tudo.

Porque eu definitivamente não tinha vontade de comer. Nada.

***

P.O.V Maxon

Jason não tinha nada de egoísta ou idiota.

Ele realmente amava America, e essa era a prova que eu precisava para saber que já tinha perdido ela sem volta. A forma como ele falou, eu acho que nem eu seria capaz de entregar a minha garota para outro cara.

Depois de ver America naquele pinheiro, eu não tive escolhas. Levei ela no colo até o quarto da princesa e a deitei ali. Me encostei na cama dela e comecei a acariciar seu cabelo, tentando entender o quanto ela devia estar sofrendo. Fiquei um bom tempo fazendo isso, até que de repente tudo escureceu e, sem querer, eu dormi.

Me levantei ás seis, atordoado. Olhei para o lado e percebi que America e eu dividíamos a mesma cama, então me lembrei da noite passada... Eu havia adormecido ao lado dela. Desci para a área das piscinas e fiquei ali sozinho, certo de que teria de fazer algo a respeito de Jason. Ele não poderia simplesmente ir embora, ou ele voltava, ou eu mandava alguém atrás dele. Não era o que eu queria fazer, mas por America eu faria qualquer coisa. E á altura do campeonato, a Seleção nem existia mais. Eu teria de arrumar um jeito de contar isso para ela depois.

Subi até a cozinha e pedi uma bandeja para levar á suíte da princesa onde America estava. Eu queria que ela melhorasse logo, pois só depois de ter sua sanidade de volta nós poderíamos resolver alguma coisa a respeito de Jason.

***

– Quer fazer alguma coisa hoje á tarde? - Maxon me perguntou casualmente enquanto comia a maçã que eu rejeitei.

– Estou definitivamente me sentindo como carne fresca. - eu disse e ele riu. - Claro, por que não?

– Sério? - Maxon perguntou incrédulo.

– Maxon, eu fui deixada. Não quero passar o resto dos meus dias chorando. Talvez eu só tivesse que aprender... Uma lição. - eu disse pensativa.

– Tudo bem, então eu te esperarei ás quatro, pode ser?

– Para onde vamos?

– Ah, é surpresa.

– Claro que é. - sorri ao lembrar de como Maxon adorava fazer surpresas, como naquela noite na Torre, onde eu vi Jason pela primeira vez... "Droga, esquece isso agora, apaga!"

Maxon e eu terminamos de dividir minha gigante bandeja enquanto ele me contava sobre coisas de sua infância e eu morria de rir. Então foi ficando tarde, e ele saiu da suíte. Pedi que ele chamasse as minhas criadas para mim, e logo as três apareceram, como sempre felizes e prontas para trabalhar.

– Preciso de um vestido. - eu falei forçando um sorriso. Anne entendeu o recado e saiu do quarto, enquanto Mary entrou no banheiro para me preparar o banho e Lucy me arrancava da cama.

"Faça ela feliz." Infelizmente essa frase não parava de ecoar na minha mente.