Louise No Mundo Dos Sonhos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 15
Lembranças (Parte III)


Notas iniciais do capítulo

Espero que todos tenham uma boa leitura - e, mais uma vez, me perdoem pela demora. :(



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A Criança que tudo esqueceu.

 

Este mundo é maravilhoso, e sua diversidade é imensa… isso você já deve ter reparado. Tudo que vagueia pelos sonhos e pesadelos de seu mundo ou, pelo menos, a maior parte, vem deste lugar. Deves ter notado também o que acontece quando deixamos de existir.

Nossas “mortes” não são como a de vocês, nós simplesmente dispersarmos nossa matéria e nosso espírito. Não tenho certeza do que há no outro lado, pois não tenho memórias de lá, graças ao feitiço de Aster. Só me recordo de passar do “nada” para o “tudo” de maneira abrupta, e não sei dizer se foi uma sensação boa ou ruim.

Não sei se comentaram com você sobre minha doença. Ela é uma rara anomalia que ocorre com os habitantes deste lugar, que já nascem com a incapacidade de manter suas partículas unidas para formar um corpo. Eu consegui contornar isso por anos, mas por fim, o inevitável ocorreu. E minha vida chegou ao fim…

E então veio Aster. O necromante, um viajante vindo dessa direção, das Terras de Ninguém. Sempre me falaram, sempre sussurraram pelos cantos que existe alguma coisa para além desse limite do nosso mundo, mas poucos sabem o que exatamente é. E é desse “lugar” que ele veio, onde as coisas funcionam de forma mais similar ao seu mundo do que ao nosso.

Veja bem, a ideia de zombies nunca foi estranha a nós, mas nunca foi testada na prática. Os mortos-vivos do Mundo dos Sonhos, estranhamente, já nasceram daquela forma deformada. Afinal, não há um corpo para ser enterrado, não existe por aqui isso de “uma faísca de vida nascer em um corpo morto”.

Então, como Aster conseguiu me reviver, você pergunta?

Como já foi dito, ele veio de outro mundo, com conhecimentos mais vastos que os nossos. Meus pais ouviram falar de seus talentos e procuraram-no, esperando que houvesse algo que me trouxesse de volta, já que ninguém deste lugar poderia tal coisa. Aster usou magia negra, magia de sangue para unir minhas partículas dispersas e trazer meu espírito de volta. E, como esperado, não foi completamente eficaz.

Você consegue ver, não é? Através dessa aparência adorável tenho outra, meu corpo está sempre apodrecendo, porque não pertence completamente a mim. Minha mente as vezes se desconectava, também, e Aster afirmou que eu só seria capaz de sanar isso com adrenalina. Os duelos, o Torneio teve início porque eu era incapaz de conseguir me sustentar por mim mesma… mas isso, definitivamente, não foi o pior…

Percebe, fui a primeira morta-viva a ser criada dentre este mundo, por uma magia que não pertencia a ele e indo contra todas as suas regras. Não tenho muita certeza da razão principal, mas creio que o fato de ter meu “espírito” e meu “ser”, ou, suas partículas, retiradas de sabe-se lá onde estivessem antes, causou um desequilíbrio. Com um corpo voltando a existir depois de ser disperso, o Mundo dos Sonhos entrou em paradoxo, e várias contradições surgiram… a maior parte delas não foi registrada: erros nos nossos limites, aumento de viajantes que aqui chegaram e algumas criaturinhas que apareciam aqui e acolá e que ninguém nunca tinha visto antes… e então surgiram esses chamados Monstros da Escuridão. Eles não são feitos de matéria, creio que sejam aglomerados de partículas de outros seres, que acabaram ficando caóticas e escurecendo, ganhando uma mente. Ou, foi isso que consegui deduzir das palavras que o Necromante pronunciou ao me jogar aqui.

Outra consequência dessa contradição é sua permanência nesse plano. Humanos jamais vem para cá diretamente, sem ser por seus sonhos, e você não está sonhando. Já deve ter notado, não é?

Vamos, Louise…

Esse lugar está repleto de contradições, repleto de memórias.

Tente lembrar-se… tente lembrar-se de quem é e o que a fez vir para cá…

 

Assim que Hannyere terminou sua história, a garota afastou-se um pouco. Não teve tempo suficiente de ficar chocada, de tentar compreender o que estava realmente acontecendo. Uma dor forte acoplou-se do lado esquerdo de sua cabeça, causando-lhe uma agonia extrema. Ela levou as mãos ao local, passando por seus cabelos completamente despenteados e estranhos, fechando os olhos com força, como se isso fizesse aquela sensação ir embora.

— Não lute contra isso! São as suas memórias, elas querem voltar para casa. Louise, você é capaz de suportar!

As palavras da princesa chegavam estranhas a seus ouvidos, como se viessem de algum lugar através de um vidro. A garota trincou os dentes, flashs vindo a sua cabeça naturalmente. A dor se intensificou de uma maneira insuportável, mas logo cedeu, quanto mais imagens vinham a sua mente. Sua memória era como um quebra-cabeças faltando a maior parte das peças, e o que agora via eram essas peças, que aos poucos iam encaixando-se para formar uma imagem.

Ela viu um casal. Ambos tinham cabelos muito claros e olhos avermelhados, pareciam mesmo ter a mesma etnia, suas peles pálidas e sorrisos amorosos especialmente voltados para ela. “Nossa pequena garotinha, nossa amada Louise”, a frase se repetia com alguma frequência em sua lembrança.

Viviam numa cidadezinha em meio às montanhas, talvez fosse isolada de quase todo o mundo. Seus pais tinham um chalé construído na beira de um lago, onde costumavam pescar ocasionalmente. No quintal de casa havia um jardim, com todo o tipo de flores e um par de macieiras, e em uma delas fora montado um balanço para a garota brincar.

Apesar de ficar bastante frio no inverno, era um local agradável. Dava para ver perfeitamente as estrelas e constelações de sua casa, em parte porque a cidade tinha pouca poluição visual e em parte porque a residência era bem afastada do centro. Sua mãe era uma amante das estrelas, e em noites onde o céu estava limpo, as vezes estendia um lençol sobre a grama no meio do jardim e apontava, esperando que Louise seguisse a direção com os olhos, e depois dizia o nome da maior parte das estrelas da constelação escolhida. Certa vez, Vega estava entre elas…

Seu pai, em contrapartida, era um amante de livros e de mitologia. Pelo menos uma noite por semana ele deitava com ela quando ia dormir, contando histórias, enquanto as mariposas eram atraídas pela luz forte de seu quarto. Antigamente, a garota costumava usar várias velas para iluminar o local no horário noturno, e o homem usava-as para criar sombras nas paredes. Quando notava, porém, que os amáveis insetos acabavam queimados por chegarem perto demais da chama, todas as vezes, decidiu trocar as velas por lanternas. Não davam um efeito tão legal, mas serviam.

Os contos iam de fantasias medievais, onde cavaleiros sempre salvavam as princesas e os finais sempre eram felizes, às histórias onde gênios apareciam e concediam desejos – sempre três— surgindo de dentro de lâmpadas empoeiradas e esquecidas pelo tempo. Seu pai também lhe contava mitos gregos, como o de Caronte, o barqueiro de Hades, e de como os gregos colocavam sobre os olhos de seus mortos moedas para que pudessem pagar sua travessia para o outro lado. E de como Teseu usou um novelo dado por Ariadne para deslocar-se pelo labirinto de Creta e matar o Minotauro.

Outras passagens foram tornando-se mais nítidas: uma ida ao parque de diversões numa cidade vizinha, onde Louise jurara que jamais pisaria numa montanha-russa novamente. Filmes de ficção científica vistos entre os dois pais, comendo pipoca e recostada no sofá, olhos arregalados enquanto viam tantas novidades que poderiam vir a existir. Os dois ensinando-a a jogar jogos simples de baralho e mostrando o significado do Valete, da Dama, da Rainha, do Rei e do famigerado Coringa. Uma dança louca com uma simples música, cujo refrão repetia muitas vezes “Não se Reprima” e ela nunca soube bem quem cantava. Por fim, um momento onde sua mãe abria um arquivo listando muitas pedras preciosas a sua frente e apontava para o diamante, dizendo-lhe que era o material de procedência natural mais duro que existia.

A lembrança mais forte, contudo, remetia aos seus longos cabelos, sempre aparados, nunca cortados curtos demais. Seus pais lhe diziam que seus cabelos eram importantes, assim como seus olhos. Que eles eram um povo abençoado, que um dia portou um poder mágico considerável, embora hoje este tenha se extinguido.

Eram dias de felicidade extrema, uma vida despreocupada e calma. Louise pegara gosto pela pintura e a casa era repleta de quadros que ela própria fizera, à tinta, cheia de paisagens de sonho. Ela amava seus pais, amava aquele lugar e amava suas pinturas. Contudo, já ouvira falar que tudo que é bom durava pouco…

E tragédia bateu a porta quando seu último quadro foi pintado.

Ela fizera sua arte baseada na própria família, como se os três fossem criaturas mágicas de corpo humanóide e asas de borboleta – acreditava que o nome certo seria “fadas” – na frente de uma de suas habituais paisagens oníricas, onde peixes voavam e pássaros nadavam, e flores coloridas se espreguiçavam para alcançar um sol azulado. Era sua obra-prima, e queria pendurá-la em um local de prestígio.

Já fazia algum tempo que seus pais tinham a confiança para deixá-la sozinha na casa por períodos de tempo não necessariamente longos, sem que nada de ruim tivesse acontecido. Acreditando que poderia fazer uma surpresa para eles, a garotinha surrupiou a escada que tinham para colocar sua pintura numa das paredes, a mais alta entre todas, na sala de estar. Não parecia um trabalho difícil nem relativamente perigoso, Louise era uma criança arteira, mas sabia ser cuidadosa quando devia.

Ainda assim, ela apoiou a escada no chão de mal jeito desta vez. Talvez sua alegria tenha nublado seus habituais cuidados, ou ela realmente não tinha reparado no tapete ligeiramente embolado por baixo de uma das pernas da escada. Nesse último caso, a inclinação não era o bastante para alertá-la, enquanto subia com a grande tela para prendê-la no diminuto prego ali existente, normalmente coberto por um pedaço de tecido da cor da parede amarronzada. O pequeno objeto havia sido posto por seu pai semanas antes, quando a filha alegara que logo faria a pintura suprema para colocar exatamente naquele local.

A jovenzinha colocou o quadro e observou-o atentamente, sem querer ficar subindo e descendo toda hora para visualizar como combinaria com o aposento. De maneira que só moveu-se de um lado para o outro, na tentativa de observar um pouco melhor os ângulos. A mudança de peso súbita fez a perna que estava sobre o tapete escorregar, saindo de sua posição inicial e fazendo a menina se assustar e escorregar.

Foi o suficiente para ela, que tinha as mãos no quadro, agarrar-se a ele ao invés da escada, mais por instinto do que por outra coisa. Obviamente, seu peso ganhou a melhor e as mãos soltaram-se, e ela caiu. A última coisa que viu foi a pintura que se distanciava, aquele adorável sol azul piscando para ela. Sentiu quando bateu contra o chão, uma dor escruciante explodindo em sua cabeça. E então tudo ficou turvo. E só foi capaz de ouvir os gritos e as vozes de seus progenitores, antes que sua audição se apagasse também, e a escuridão fria a abraçasse.

 

Ela deixou-se cair ajoelhada no chão, as mãos agora agarrando as barras. As mãos de Hannyere seguravam as dela por cima, como num ato de consolo. Sentiu as lágrimas queimarem em seus olhos, um bolo na garganta crescendo cada vez mais.

— Aquela pintura… se eu não tivesse terminado de pintá-la…

— Você não estaria aqui. Escute-me, você teve bons momentos nesse mundo, não teve?

Louise balançou a cabeça de um lado para o outro, não como resposta à pergunta, mais como uma forma de desanuviar os pensamentos. Agora que tinha suas memórias de volta, seu raciocínio também parecia mais apurado. — Eu morri?

Houve um silêncio pesado, e quando achou que a princesa não responderia mais, ela o fez. — Não. Não imagino que o paradoxo tenha atingido até as barreiras entre o mundo dos mortos da Realidade. Se estivesse morta, muito possivelmente não teria chegado aqui, a menos que tivesse interferência de uma força maior. Mas eu acho que sei o que aconteceu com você.

A garota ergueu a cabeça, parecendo mais atenta, estranhamente mais calma. Esperou que a outra continuasse antes de falar qualquer outra coisa. Vendo que não haveria interrupção, Hannyere prosseguiu. — Dizem que há um lugar para onde vão pessoas a beira da morte e que não devem morrer. Não todas as pessoas, na verdade… é bastante aleatório visto por fora do assunto, e não é apenas humanos que vão para lá. Muitas coisas que residem na Realidade em segredo também acabam chegando lá por outras tantas razões, assim como habitantes daqui mesmo. É como se esse local escolhesse as pessoas. Dizem que ele fica em algum ponto além destas Terras de Ninguém, mas ninguém sabe com certeza… as pessoas que o procuram nunca o encontram. Salvo exceções.

— E como sabe que algo assim existe, ninguém deve retornar de lá.

— Alguns saem, mas nunca encontrei nenhum deles. Mas Allistar sabe bastante sobre o assunto, sabe bastante sobre todos os lugares possíveis. É dele que eu ouvi, e Aster mencionou algumas coisas do tipo também… creio que tanto ele quanto os Gêmeos tenham vindo do mesmo local. — ela parecia mais pensativa do que afirmativa falando isso, mas por fim, completou. — Eu acredito que você deveria ter sido enviada para este lugar, que tecnicamente fica tão próximo do nosso lado do plano. Com a contradição no Mundo dos Sonhos e os limites alterados, contudo, apenas sua alma foi sugada, e foi trazida diretamente para cá…

— Significa que estou desacordada no meu mundo. — os olhos dela voltaram a brilhar. — Eu posso retornar! Com a ajuda de Bree!

— Queria ter posto meus olhos nela pelo menos uma vez. — Hannyere soltou as barras, descansando a mão sobre o vestido.

— Eu vou soltá-la e voltaremos todos juntos, não se preocupe! — a garota se pôs de pé novamente, seu coração pulando dentro do peito, enquanto ela tentava quebrar a grade com uma motosserra que havia surgido literalmente de lugar nenhum. A cativa meneou a cabeça, sem dar-lhe muita atenção.

— Sim, você me soltará… mas não, eu não poderei retornar.

As barras trincaram, sem querer ceder. Louise pressionou com mais força, mas nada acontecia. Irritadiça, fez com que plantas crescessem por dentro da gaiola, expandindo, sem tocar na princesa, na tentativa de entortá-la por dentro. — Do que está falando? Eu vou chutar aquele necromante metido e deixá-lo longe de você, não há razão pra se preocupar.

— Aster não é o problema.

— É claro que é, ele é tipo o vilão dessa história! — ela parou de tentar abrir a jaula, confusa. As plantas não queriam fazer efeito, de qualquer forma. Deixou suas mãos penderem do lado do corpo. — Não é?

— Sim… Aster é o vilão, mas ele não é o responsável pelo paradoxo. Enquanto eu existir os monstros da escuridão continuarão a nascer e as barreiras entre-mundos continuarão a se embaralhar. Louise… eu não retornarei para casa. Não posso encarar minha mãe e dizer a ela que eu sou a ruína de seu povo, que terá de me perder mais uma vez…

A garota não fez mais que entreabrir os lábios, e engoliu o choro que vinha para focar sua atenção em um dos monstros da escuridão, que acabava de entrar no aposento. Não era apenas um qualquer, mas aquele que Aster utilizara como montaria: suas três cabeças silvaram em direção à intrusa, que recuou na direção da princesa. Uma voz autoritária, contudo, fez com que o bote da criatura fosse parado, e cinco pares de olhos voltaram-se na direção de onde ela vinha, focalizando seu dono… vestido impecavelmente em negro.

Aster.

— Deixe para esmagar a criança intrometida outra hora… não podemos deixar que nossa amada Hannyere, a garantia de nossa estadia nesse mundo, seja maculada, certo?


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Notas finais do capítulo

Yei, gente!
Infelizmente não tem imagem hoje, to postando super correndo e morrendo de sono. -q
Vocês devem ter reparado que existem algumas partes do texto em negrito. Elas são referentes a todas as lembranças (ou flashs) que tem ligação com conhecimentos que a Louise mantêm durante a história. Se relerem, verão que está tudo ai (e oh, que trabalho que isso deu... u.u).
Quanto ao coma, algumas várias pessoas me disseram que um trauma bem forte na cabeça poderia causá-lo. Originalmente eu pensei em um acidente de carro, mas queria manter os pais dela vivos, e não me ocorreu nenhum outro método a não ser fazê-la se acidentar sozinha.
Originalmente, também, Louise estaria morta. Mas mudei de ideia no meio do caminho - me apeguei demais, creio, e sei lá, tive uma ideia melhor, que verão mais adiante.
Façam suas apostas sobre quem vai ganhar e qual será a decisão de Hannyere no fim, pessoal!
Estamos na reta final.
Kisses kisses para todos vocês e até a próxima. :3



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