A Bailarina Branca escrita por Gabii


Capítulo 2
Capítulo I - Pais e Filhos


Notas iniciais do capítulo

~>> Espero que gostem :D :D



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“No inicio, os filhos amam os pais.Depois de um certo tempo, passam a julgá-los .Raramente ou quase nunca os perdoam.”

Oscar Wilde

Eu nasci numa família rica o suficiente para se manter no Brasil eu morava no Rio Grande do Sul, o clima lá continua uma verdadeira merda.

Sério eu sempre fui a diferente da família, ou como eu gostava de me chamar à ovelha ruiva. Em certos pontos eu posso dizer que a minha família foi especial para mim, que foi a melhor família que eu podia ter, mas isso seria uma mentira.

E depois de tantas mentiras que eu contei, depois de tantas pessoas que eu iludi....eu não quero mais mentiras.

Bem, mas continuando.

Eu tinha seis anos quando meus pais se separaram, e eu ainda penso se em algum momento se eles dois não poderiam ficar juntos, quer dizer todo filho que não tem mãe, sonha em algum dia encontra-la, todo o filho que tem pais separados sonha em que um dia eles fiquem juntos de novo. Isso, não podemos negar, é um lei universal.

Naquele tempo eu me lembro de ter a vida perfeita.

Como aos sábados de noite, meu pai alugava um montão de filmes e nos ficávamos acordados até depois da meia noite assistindo enrolado nas cobertas, com refrigerante e pipoca caramelada.Lembro de como eu amava (ainda amo) chocolate e não vivia sem a sopa da minha mãe, de como eu podia me vestir como quisesse, de como não importava como as minhas notas estavam, importava se eu tinha aprendido ou não.

Meus pais eram os pais mais legais de todo o mundo.

Foi um choque para mim quando eles se separaram, mesmo que eu começasse a desconfiar que logo isso acontecesse. Brigas frequentes aconteciam em casa, eles discutiam muito e eu chorava. Eu não gosto de brigas, por causa das que eu observava escondida atrás da porta do meu quarto, quando morava com meus pais.

E daí no final, minha mãe descontava tudo em cima de mim e meu pai que era mais apegado a mim me defendia e daí eles brigavam de novo.

Eu tinha uma irmã naquela época, uma irmã mais nova.

Ela se chamava Julie.

Ela era o meu oposto. Uma cópia exata dos meus pais.

Cabelos longos, lisos e negros, pele amorenada, olhos escuros e muitos cílios.

Eu a detestava, pois minha mãe a amava. Minha mãe nunca demonstrou me amar.

Todos os dias eu queria ver aquela garota morta, eu queria ver-me livre dela e ...depois de um tempo.Eu percebi que ela era a única coisa que me mantinha viva por dentro.

/...

Era meio dia, eu estava sentada a mesa com a minha família.Minha irmã já estava pronta para ir para a creche, eu estava pronta para enfrentar mais um dia torturante de aula.Meu pai comia muito rápido, com certeza ele tinha um trabalho muito importante para fazer.

Minha mãe ficava com os olhos escuros, mais escuros do que os de Julie em cima dele.Ele não percebeu, ou se percebeu não se importou.

Na outra noite eu tinha os visto brigando de novo, eu acabará de perder meu terceiro dente. Eu estava feliz, pois poderia colocar o dente em baixo do travesseiro e a fadinha dos dentes iria me visitar. Enquanto eu esperava impaciente ela vir, para mim poder ter um vislumbre dela eu os escutei.

Os gritos deles pareciam flechas e as ameaças queriam me suicidar, queriam me atirar para tubarões.Eu fechei os olhos com força e rezei a Deus para fazer eles pararem de brigar.Acho que Deus me ouviu, porque eles pararam e então ouve um silencio reconfortante e estranho.

E depois de alguns minutos, ouvi meu pai entrar em meu quarto e beijar a minha testa e depois a de Julie, eu abri os olhos, olhei e para ele no meio daquela escuridão perpetua e perguntei:

“Aonde você vai?”

Eu escutei a minha vozinha fina preencher o quarto silencioso, eu ouvi meu pai se aproximar de mim e ele sussurrou em meus ouvidos.

“Quer vir comigo?”

Eu não pensei duas vezes, eu pulei fora da cama e calcei minha pantufas.Meu pai pegou a minha mochila do colégio e uma que eu usava quando ia dormir em outro lugar, ele pegou e colocou algumas mudas de roupa dentro e nós...nós fomos embora.

Minha mãe não deixou meu pai levar um dos colchões que nós usávamos para quando íamos acampar e nem deixou meu pai pegar os biscoitos e o leite que ele sempre levava junto para todo lugar que ia, eu é claro fiquei olhando para minha mãe como se não a conhecesse. Eu não entendi o motivo do rosto pálido dela estar vermelho de raiva e porque ela estava com um pequeno pacote na mão, ela parecia muito furiosa e frustrada.

Antes de nós sair, ela disse para mim assim.

“A Fada dos Dentes não vem para meninas más ela se transforma em Bruxa e as persegue pelo resto da vida.”

Acho que eu devia ter ficado lá parada estagnada e fazendo as vontades de minha mãe, quer dizer foi ela quem me colocou no mundo, mas outro pensamento me veio à mente naquele momento: E foi ela quem achou seu presente de dias das mães ridículo, e foi ela quem disse que você era feia, foi ela que disse que você não iria conseguir...

Assim eu fiz o que devia ser feito, eu agarrei a mão grande e calejada de meu pai e fui com ele até a nossa fábrica.

Nós passamos a noite em cima de um colchão emprestado, sem cobertas, sem travesseiros, sem conforto. Eu acordei de manhã e fui para o Centro Recreativo, como todas as crianças que não podiam ficar em casa durante o dia iam e eu tentei esquecer aquela noite.

É claro que ela nunca saiu da minha cabeça.

E ali estava eu no outro dia, comendo e observando meus pais e minha irmã brincar com a minha gata siamesa Nick.

Meu pai não havia falado com minha mãe, minha mãe não falava com meu pai e o silêncio na mesa era extremamente perturbador.

Até que quando meu pai terminou de comer, ele olhou para nós três.

E falou algo simples e fácil.

“Ju, Sam, eu e a mãe iremos nos separar.”

Mas é claro que a minha irmã se intrometeu.

“O que é separar pai?”

“Ju, é quando um casal como eu e a mãe, vão morar em casa diferentes por um período muito, mas muito longo.Não podemos prometer que voltaremos a morar nessa casa, juntos.Mas mesmo assim continuaremos a ser uma família.”

Julie não falou mais nada e meu pai me olhou, ele tinha olhos castanho claros, que ficavam escuros dependendo do seu humor. Meu pai era um comediante que tinha o sonho de ser pintor.

Então meu pai se alevantou e pegou uma mala que eu nunca tinha visto, e eu finalmente entendi que ele iria embora.

“Eu quero ir junto!” - eu disse sem conseguir me conter.

Minha mãe sugou o ar e tomou um gole do seu suco, minha irmã nem sequer olhou para mim.

“Acho que dessa vez você não pode ir junto querida.” - ele dissera em resposta.

Eu olhei fundo naqueles olhos doces e vi um amor imenso.

“Eu já tenho seis anos, tenho todo o direito de escolher com quem irei ficar.E eu escolho você! Já que somos duas e a mãe prefere a Ju do que a mim.” - eu disse.

Eu tinha aquela coisa que eu costumo chamar de diarreia bucal, quando eu começo a falar eu não paro mais e daí eu acabo falando coisas que eu não devia ter falado e acabo ferrando com tudo.

Meu pai sorrio, as covinhas dele ficando a mostra por trás da barba por fazer.

“Temos que ajeitar suas coisas bem rápido.” - ele disse, sem perguntar nada a minha mãe que continuava a observar a cena congelada na cadeira.

Eu fui para o meu quarto rapidamente e ajeitei as minhas coisas, coloquei o que a minha mãe tinha me ensinado a colocar.

O que precisava.

Apenas o que precisava.

E como nós ficaríamos longe por um longo período de tempo, eu tinha certeza de que precisaria de muita coisa.

Então eu fui pegando o que eu achava que precisava e fui socando dentro de mochilas e coisas com buracos grandes o suficiente para eu poder carregar e enfiar o que precisava. Quando eu não encontrava mais nada para eu enfiar o que precisava eu chamei o meu pai.

Que riu da minha cara do jeito bem de meu pai de ser.

Ele tirou tudo o que eu tinha colocado das bolsas e pegou o que ele achava necessário e ficou irritado porque eu atazanei até ele me deixar levar as minhas bonecas junto, mesmo ele dizendo que onde nós iríamos ficar não ia ter espaço para tudo.

Então nós fomos.

Eu me despedi da minha mãe com um beijo, ela tinha cheiro de mãe. De creme hidratante e chocolate.

Eu olhei para minha irmã, ela continuava a acariciar minha gata num ritmo mecânico e eu desejava mais que tudo que seus olhos escuros parassem em mim por um segundo e que ela dissesse que sentiria a minha falta, mesmo que mínima.É claro que ela não disse, ela tinha apenas dois anos.

Meu pai me ajudou a subir no carro e nós partimos para longe da grande casa azul turquesa que eu morava desde os meus quatro anos, era tão estranho estar saindo dum lugar conhecido e indo para um totalmente desconhecido, eu fiquei com medo, mas eu lembrei que era a minha escolha e nem todas as escolhas são fáceis.

Nós fomos para a casa de uma das minhas tias, irmãs de meu pai. A minha tia Cat era extremamente engraçada, além de uma cozinheira de mão cheia, mas de um jeito estranho eu sentia que ela não me queria ali.

Convenhamos, eu era bem estressante.

Quer dizer, eu tinha uma mente bem maluca para comida. Ou seja, eu só comia aquilo que eu queria e o que eu não queria, eu não queria e ninguém ia conseguir me fazer mudar de ideia. Então como minha tia tinha que trabalhar cuidar da casa e da sua filha doente a Janice, ela não tinha tempo de cozinhar o que eu queria então podemos dizer que eu sentia fome constantemente e não me surpreendeu quando os médicos constataram que eu estivesse com anemia.

Sério mesmo, estar doente era uma novidade para mim.Eu não gostava de estar doente, eu senti como se meu corpo necessitasse de alguma coisa que ela não poderia ter no momento e eu não gosto de perceber de que não poderei ter o que eu quero.Mimada? Sim ou claro, como preferir.

Mas, acontece que estar doente para mim era péssimo. Eu detestava hospitais, eu detestava o cheiro, eu detestava agulhas, eu detestava remédio e termômetros eu detestava os médicos de jaleco branco que sorriam para mim e diziam que tudo ia dar certo. Como eles poderiam saber se tudo ia dar certo!!!!! Eles não eram Deus.

Aos poucos, aos poucos que eu morava com minha tia.Acordava de manhã e não havia sinal de meu pai e ia dormir de noite sem sinal do meu pai, eu senti algo grande crescer dentro do meu peito.Era algo escuro e quente e que escorria por minha bochechas constantemente, eu não conseguia acreditar que ele estava me abandonando, eu o amava mais do que qualquer pessoa no mundo e ele me trocava por trabalho, bailes, festas, sobrinhos e eu? Eu que era a filha mais velha dele? Eu?

Então depois de tanto tempo eu percebi que eu havia arruinado a vida dele tanto quando havia arruinado a da minha mãe, eu os impedira de voar e de se libertar tanto quanto eles queriam, eles desejavam voar, conhecer Bora-Bora, não ter uma filha anêmica e cheia de frescuras. Eles queriam gastar o dinheiro deles em algo que valia a pena. Eu com certeza não era uma daquelas coisas que valia a pena.

Aos poucos eu senti meu coração ir escurecendo e cada parte de mim doer, aos pouco eu ia me afastando da minha melhor amiga e não gostava mais de dançar como uma vez ,eu simplesmente queria ir para bem longe num lugar onde apenas eu, minha mãe, meu pai e minha irmã morássemos.É claro que o meu desejo não se realizou, ele nunca se realizava.


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