ANTROPÓFAGO - Diário de um Canibal escrita por Adélison Silva


Capítulo 5
O despertar de um monstro


Notas iniciais do capítulo

Max se arrisca em sair da caverna e é flagrado na floresta.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/422069/chapter/5

Fiquei horas ali, na expectativa de sua volta e nada; na curiosidade de desvendar o mistério da garrafa e de saciar a minha fome que aumentava a cada minuto que passava.

 

 

MAX

(falando sozinho) Tem algo muito estranho acontecendo aqui. (com ódio) O seu Baltasar está mentindo, ele sabe o caminho de volta. (jogando a garrafa no chão) Eu não vou mais esperar ele voltar, vou sair pra procurar algo pra comer.

 

 

Naquele dia não vi alternativa a não ser sair da caverna onde me escondia. Andei pela floresta completamente sem noção do que pretendia fazer. Parei diante de um lago e pude observar o meu rosto que se refletia na água. Passei a mão pela a minha face assustado com a imagem que via. Uma lágrima descia e pingava na água do lago embaralhando o meu reflexo. Sentei-me próximo as águas e me derramei em lágrimas, enquanto lembrava aquele maldito dia do acidente. Entendi, então, que o monstro que tanto assustava a floresta de Mossaíh estava diante de mim, refletido nas águas obscuras daquele lago. Eu me encontrava desprendido de qualquer vaidade, o meu rosto estava desfigurado por conta daquela ardente soda cáustica que outrora havia me envolvido.

  Apesar de estar me sentido um monstro, a minha forma física não era o que mais me machucava. Na minha memória, as imagens do dia do acidente jamais me abandonavam, assim como a imagem de Davi e Érica abraçados e aliviados ao mesmo tempo em que eu caía em direção à soda cáustica. É como se eles não tivessem dado a menor importância ao me ver naquele calor sufocante que dilacerava o meu corpo. Tanto tempo preso na caverna, largado e esquecido por todos, me fez mudar o conceito sobre os dois: nada tirava da minha mente que eles eram os culpados por eu estar naquela situação. Eu continuava amando Érica com toda minha alma, mas sentia ódio por ela ter se esquecido de mim.

  Percebo que passos se direcionam ao rumo em que estou. Mais que depressa me escondo atrás de densos arbustos e ali fico a observar. Percebo que se aproxima do lago, no exato local onde eu me encontrava instantes atrás, uma bela moça de rosto singelo e cabelos longos e negros que me faziam lembrar Érica. E até mesmo por um instante a minha obsessão me fez acreditar que fosse ela, porém depois compreendi que não.

  A bela moça, ao se aproximar do lago, desata a sua sandália e toca a água com o dedão do pé, como se provasse a sua temperatura. Olha para um lado e para o outro, e não me notando atrás do arbusto, começa a despir-se do vestido longo e branco que lhe cobria dos ombros até os pés. Vendo-a ali diante de mim, completamente nua, era impossível não me lembrar da beleza de Érica.

 

 

[FLASHBACK ON]

 

Lembrava-me de um dia em que estivera tomando banho e a observei pelo reflexo do espelho do banheiro, que se deixava notar pela porta entreaberta: a água corria pelo seu corpo e se envolvia nas suas curvas, deixando-me excitado com o desejo de tê-la em meus braços.

  Ao me ver refletido no espelho ela se assustou e me reprimiu.

 

 

ÉRICA

(cobrindo os seios) Sai daí Max!

 

 

Deixei-a terminar o seu banho e me direcionei até o pátio. Chegando ali fiquei sentando em um banco, refletindo o que havia feito. Ciente que Érica estava me odiando naquele momento.

 

 

ÉRICA

(com arrogância) Muito feio o que fez, sabia?

 

MAX

Me desculpe, eu me perdi na emoção de lhe ver ali tomando banho. Queria poder te tocar.

 

ÉRICA

Escute bem Maxweel. Eu não vou falar sobre isso pra ninguém, mas você vai me prometer que isso jamais voltará a acontecer.

 

MAX

Eu prometo. Eu estou envergonhado por isso.

 

ÉRICA

Acho bom mesmo. Estou muito decepcionada com você.

 

 

[FLASHBACK OFF]

 

 

A moça entrava lentamente no lago, mergulhando o seu corpo suavemente nas águas obscuras que pareciam acariciar suas curvas. Sem que me desse conta, fui saindo de trás dos arbusto e lentamente me aproximei das margens do lago, paralisado com a cena que assistia.

A moça estava de costas e, envolvida em seu banho, não me notava. Mas, ao tocar os pés na água, desperto a sua atenção e ela se apavora quando me vê. Rapidamente lança os braços sobre os seus peitos no intuito de cobri-los; fiquei sem ação, paralisado pelo flagra e com o olhar penetrante em sua direção. Desperto-me para a realidade com seus gritos:

 

 

MOÇA

(gritando) Socorro, socorro! Estou sendo atacada por um maníaco! Alguém aí, por favor, me ajude! (implorando) Moço, por favor, não faz nada comigo!

 

 

  Eu me envolvi numa tristeza quando ouvi a palavra maníaco soando de seus lábios. Vi-me então diante de três opções: a primeira era fugir, deixando de lado a única pessoa (além do Seu Baltasar) que havia me visto durante esses dez anos; a segunda era tentar acalmá-la e convencê-la de que não era um maníaco. Mas como fazer isso se nem mesmo eu tinha certeza de tal coisa? Fiquei, então, com a terceira opção. Amedrontado diante do seu desespero, não poderia deixar que alguém mais se assustasse ao me ver. Pulei dentro do lago e a abracei pedindo para ficar quieta.

 

 

MOÇA

(gritando desesperada) Me solta! Socorro eu preciso de ajuda!

 

 

 O meu pedido era em vão e a moça se debatia, se contorcia e gritava por ajuda. Tomado pelo impulso, afundei sua cabeça dentro do lago, deixando-a se debater mergulhada naquelas águas. Puxei-a pelo cabelo e a levantei para conferir se poderíamos ter algum diálogo, mas a moça estava completamente transtornada. Ao olhar para a minha face desfigurada, voltou a gritar em um pranto desesperador.

 

 

MAX

Por favor, eu não quero te machucar! 

 

MOÇA

(gritando) Me solta seu monstro! Deixa-me em paz!

 

 

  Mergulho-a de volta e a seguro pressionando o seu rosto sobre as pedras do fundo do lago. Quando percebo que havia parado de se debater, levanto sua cabeça e noto que está desacordada. Arrasto-a para a margem e jogo o seu corpo sobre as pedras.

 

 

MAX

(passando as mãos pela a cabeça) Meu Deus o que fiz? Como essa moça veio parar aqui? Ela não deve está sozinha. Eu não posso ser visto por mais ninguém. O seu Baltasar estava certo, eu não deveria ter saído da caverna. E agora? Será que ela está morta? Eu não posso deixá-la aqui.

 

 

  Decido apanhá-la em meus braços e carregá-la até a caverna, deito-a no chão e me agacho ao seu lado.

 

 

MAX

Você é tão linda, como se parece com a Érica! (T) Eu preciso amarrá-la, não posso permitir que ela fuja ao acordar.

 

 

  Procurei nos pertences do Seu Baltasar (os poucos que a correnteza não levou) algo que pudesse servir de corda. Encontrei algumas roupas molhadas espalhadas por entre as rochas, peguei a faca e cortei-as em tiras, e mais do que depressa imobilizei a moça, amarrando seus pés e seus braços. Sentei do seu lado e fiquei a admirando. Lentamente a toco, passeando a minha mão de leve pelo seu corpo. É como se fosse Érica ali, diante de mim. Acariciava o seu rosto, entrelaçava as minhas mãos em seus cabelos, desejando-a como nunca naquele momento.

 

 

MAX

Érica, minha amada Érica. Como eu queria ter você todinha pra mim. Porque me abandonou aqui? Porque não quis mais saber de mim?

 

 

  Agachei-me e fui me aproximando de sua boca no intuito de beijá-la. Mas ela despertou e se assustou ao me vê ali próximo dela.

 

 

MOÇA

Me solta seu monstro, me tira daqui! (gritando) Socorro, alguém me ajude!

 

MAX

Por favor, não grita, eu não vou te fazer mal.

 

MOÇA

Fique longe de mim! Que lugar é esse, me tira daqui!

 

 

  Ela se levantou e se moveu saltitando e gritando para a saída da caverna, com os braços e pernas amarrados.

 

 

MOÇA

(gritando) Socorro! Socorro! Alguém, por favor, me ajude!

 

MAX

(com a faca nas mãos) Moça se acalme, eu prometo que não irei lhe fazer nenhum mal.

 

MOÇA

Fique longe de mim seu maníaco! Eu preciso sair daqui.

 

MAX

Eu vou tirar você daqui, mas você precisa se acalmar.

 

MOÇA

Não se aproxime de mim. (gritando) Socorro! Alguém, por favor, me ajude! Tem um maníaco tarado querendo me matar. Socorro! Socorro!

 

 

  Como acreditar que um monstro com a cara desfigurada e uma faca na mão não lhe faria mal? Quanto mais eu me aproximava, mais ela se desesperava. Agarrei-a pelas costas e com a mão esquerda tampei sua boca, sufocando o seu grito.

  A moça se debatia em seu desespero, tentando fugir dos meus braços. Levado pela adrenalina do momento, a seguro com mais força e sinto a faca perfurar o seu couro um pouco abaixo do seu seio, em meio as duas de suas costelas flutuantes. A moça arregala os olhos e geme de dor. Apavorado, aprofundo a faca sentindo o seu sangue escorrer em meus dedos. Percebo que a lâmina entrou por completo, pois o cabo já se encostava ao osso da costela. Ela para de se mexer e, soltando-a lentamente vejo-a ceder ao chão, morta.

  Desta vez, eu é que me cobri de desespero! Ao vê-la ali no chão, não sabia o que fazer. Dou alguns passos para trás, perplexo comigo mesmo.

 

 

MAX

O que eu fiz? Meu Deus eu matei a moça!

 

 

  Dando meia-volta, vou ao interior da caverna, lavo as mãos ensanguentadas e meu rosto no pequeno rio que tinha ali.

  Sento-me ao longe e a observo caída no chão, o seu corpo debruçado sobre a pedra retangular. Brotava do seu peito perfurado litros de sangue que banhavam completamente a pedra e escorriam até a água do rio fazendo pigmento da sua cor avermelhada com a água. Os olhos fechados faziam-na parecer dormir o sono dos anjos e pelos seus condutos lacrimais brotavam um pouco de sangue como um choro sufocado. A minha Érica estava morta; tenho consciência de que não se tratava da pessoa de Érica, mas a semelhança era tão grande que às vezes me confundia.

  Levantei-me do lugar em que estava e me aproximei novamente do seu corpo, Fiquei um instante em pé ao seu lado lhe observando. Depois me agachei e voltei a lhe tocar.

 

 

MAX

Como ela é linda, como é perfeita! (chorando) O que eu fiz? Meu Deus eu matei a minha Érica! Meu amor me perdoe, eu só queria ter você pra mim. (passando os dedos delicadamente pelo o corpo da moça) Poder sentir a sua pele. Sentir de novo o seu beijo...

 

 

[FLASHBACK ON]

 

 

 

Érica encostou o seu rosto no meu e levemente acariciou-me com sua boca carnuda, e depois nos abraçamos. Fechei os olhos e respirei fundo na expectativa de que ela me desse um bom beijo. Mas não, afastou-se de mim e com um olhar sapeca e um sorriso enigmático perguntou curiosa.

  

 

ÉRICA

— E então, o que queria mesmo comigo?

 

MAX

— Já não sei, só sei que te quero.

 

 

  Érica aproximou-se de mim em um estilo malicioso, parou na minha frente, deu uma volta ao meu redor e sussurrou em meu ouvido.

 

 

ÉRICA

— Eu acho que também te quero.

 

 

  Fiquei ali inerte, meus olhos a fitavam a cada movimento. Ela por sua vez completou a volta deixando a mão sobre a minha nuca e me acariciando. E finalmente já em minha frente, me deu um demorado beijo. Quando o beijo chegou ao fim, Érica afastou-se de mim o suficiente para que os nossos olhos se encontrassem.

 

 

[FLASHBACK OFF]

 

 

MAX

(falando sozinho)... Queria sentir o seu sabor, poder possuí-la e lhe ter só pra mim. (com ódio) E desta vez sem Ricardo e muito menos o Davi para me atrapalhar. (T) Seria só eu e você, nós dois se amando sem se preocupar com o tempo e nem com ninguém. Apenas eu e você. (com tristeza) Mas eu sou um monstro e a matei.

 

 

  Meus pensamentos me torturavam, eu sentia um remorso e ao mesmo tempo um desejo de querer possuí-la.

  Dava-me conta de que não era Érica, e sim um cadáver, obra de um crime do qual eu era o culpado. Olhava as minhas mãos que haviam se sujado novamente com o seu sangue e, aproximando-as do meu rosto, sinto o cheiro doloroso da culpa. Espalho as mãos deixando a minha fronte completamente ensanguentada. Desci a mão até a altura da minha boca e levemente lambi os dedos, provando o sangue daquele jovem que eu havia acabado de matar.

  Acredite! Eu gostei do sabor.

  É como se eu experimentasse um pedaço de Érica. Eu não poderia acreditar no que estava sentindo. Se o seu sangue era saboroso, mais apetitoso ainda seria um pedaço da sua carne. Desejava eu experimentar o sabor do corpo daquela moça. E por que não a parte mais importante, o coração? O coração que nunca me pertenceu. Aquele pedaço de carne que nunca bateu por mim da forma que o meu ainda batia desesperadamente por ela, a minha amada Érica.

  Virei o seu corpo que estava em decúbito ventral. Dei-lhe um demorado beijo em sua boca e retirei a faca, que ainda se encontrava em seu peito. Partir um pouco abaixo da sua caixa torácica (exatamente onde o osso esterno termina). Enfiei a minha mão por inteiro, desviando-me do pulmões, até encontrar o seu coração. O segurei em minhas mãos e o admirei ali ainda quente. A sensação que eu tinha era que ele ainda pulsava. Aproximei a minha boca lentamente, sentindo o cheiro do seu sangue. Rasgo a sua carne, e sacio a minha fome com partes do seu miocárdio.

 Era impressionante o prazer que eu sentia por experimentar a carne humana, por sentir o sabor da minha Érica. Era nojento imaginar que se tratava de um ser da minha espécie, mas prazeroso. Sentia o seu sangue ainda quente descendo sobre a minha garganta. Abocanhava a sua carne como um animal feroz diante de sua presa.

  De repente ouço um barulho. Paralisado no lugar, sou flagrado pelo Seu Baltasar. Que se encontrava em pé na minha frente, segurando o vestido branco da moça. Sem ação ao me ver ali naquela situação.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Max sentiu o sabor da carne humana, será que vai consegui parar por ai, ou fará mais vítimas. Péssima hora para seu Baltasar chegar. O que acham que vai acontecer? Por favor, cometem...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "ANTROPÓFAGO - Diário de um Canibal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.