Amiga Morte escrita por Quézia Martins


Capítulo 2
Copo d'água


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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...

— Era só isso que eu precisava ouvir! - Clara disse.

— Já vai?

— Sim. Tudo certo para amanhã?

— Amanhã? - Babi realmente não lembrava de nada.

— O jantar na minha casa. Esqueceu?

— Não... Só... Só tinha me dado um branco. - ela mentiu.

— Então tá. Nos vemos depois?

— Pode contar com isso.

Ela se despediu com um abraço. "Tantos planos! Isso não é justo. Pô, isso realmente não é justo!" Bárbara pensava enquanto fechava a porta e acenava com um sorriso no rosto. Com quem desabafar? Ela parecia estar sozinha. Foi até o banheiro para um longo e relaxante banho. Amanhã seria outro dia. Ela contava com isso. Precisava acreditar nisso.

 Enquanto a água quente do chuveiro caía sobre seu corpo, ela pensou em Octávio. Seu salvador, como ela preferia chama-lo. "Que estranho!" Pensou quando se deu conta que pensava nele. Sacudiu a cabeça na esperança de tirá-lo do pensamento, passou as mãos no rosto e respirou fundo.

Após o banho, vestiu um pijama e se deitou. Tinha medo de dormir. Medo de não acordar mais. Na verdade, Babi tinha medo da morte. Ela nunca tinha parado para pensar nisso. Não que estivesse vivendo os últimos anos com a imprudência de quem vive sabendo que o destino que nos aguarda é um só, muito pelo contrário, passou a vida focada em livros, cálculos... Por esse motivo talvez, hoje a morte pesasse tanto. A morte. Por que ela causa tanto medo em nós? Talvez por que não existir seja algo forte demais. Você já pensou em deixar de existir?

A campainha tocou. Bárbara levantou-se. Sentia seu corpo pesado. Abriu a porta devagar e empalideceu quando viu quem era.

— Lua?! - Bárbara ficou totalmente desnorteada. A mulher estava parada em sua frente com a mesma roupa que mais cedo, um sorriso arrepiante no rosto e segurava um bolo em mãos.

— Vai me convidar para entrar? - ela perguntou sorridente.

— Óbvio que não.

— Não tem problema! - Lua falou já entrando. Parecia conhecer a casa. Foi até a cozinha, colocou a fôrma sobre a mesa e voltou para sala, onde Babi ainda estava de queixo caído.

— Quer conversar? - Lua inquiriu sentando-se no sofá despreocupadamente.

— Eu quero que você saia da minha casa! - ordenou procurando manter o tom.

— Não posso. Ainda não está na hora de voltar! - a senhora olhava as unhas.

— Você está brincando com a minha cara, né?

— Não. Eu não brinco. Ora, sente-se! - Babi a encarou e por fim sentou-se. Nem sabia o porquê, mas fez.

— Eu por acaso pensei em você dessa vez? - Lua apenas sorriu e deu de ombros.

— Cada coisa no seu tempo. - Então ela mudou de assunto. - Não há nada que você queira fazer?

— Há tantas coisas. - Só então Babi se deu conta de como aquela pergunta não tinha nada a ver com o assunto anterior. "Será que ela sabe?" Babi se perguntou.

— O que há de errado na morte? - sim. Ela provavelmente sabia. Como se estivesse dentro da mente de Bárbara, lendo e relendo cada pequeno temor que passava pelo pensamento da mesma.

— Não há nada de errado nela, com ela... Mas por que eu? Tenho apenas vinte anos! Não fiz metade das coisas que gostaria de ter feito. Não amei, não curti, não sorri todas as vezes que foram necessárias... Levei a vida com tanto desdém.

— E hoje? - Lua perguntou.

— Hoje parei pra pensar em todas as coisas que eu poderia ter feito e no pouco que ainda posso fazer. - ela suspirou. - Por que eu?

— A morte tem seus motivos, Babi. - aquela frase fez com que um calafrio percorresse o corpo de Bárbara.

— Como posso continuar vivendo assim?

— Você sabe como. Pergunta apenas na esperança de ouvir a resposta que você já tem. - aquilo era uma verdade irrefutável.

— Minha mãe vai surtar.

— Não vai não. Ela vai apenas demonstrar todo o amor que sente por você. Se não é fácil pra você, imagine pra ela. Que te viu nascer, te criou...- Babi a interrompeu.

— Não quero que sintam pena de mim.

— Então pare de se martirizar! O sofrimento é opcional. As pessoas vão te tratar da forma que você se tratar. Se não quer martírio, não martirize-se.

— Você não entende. – mas a realidade era que Lua entendia bem demais. Sabia das coisas e sabia exatamente o que dizer.

— Muito pelo contrário, Bárbara. Eu sei das coisas. Se permita viver! Você sabe que não importa qual seja sua situação, sempre haverá alguém no mundo em condições piores.

— Como vou viver? Mal tenho tempo pra isso.

— Você vai descobrir como. Só não esconda a verdade de quem te ama, por amor a elas. Entendeu?

— Sim. - ficaram em silêncio por um tempo. - Aceita algo?

— Um copo d'água por favor.

Babi foi buscar, mas quando voltou Lua não estava mais lá. Deixou o copo em cima da mesa de centro e correu pra porta ver se a achava e nada de Lua. Nesse momento, Octávio saiu de seu apartamento.

— Babi?

— Oi.

— Você quem bateu em minha porta?

— Não.

— Acabaram de bater aqui. - ele falou coçando a cabeça. Babi reparou em como seus cabelos estavam desgrenhados, um sinal de que ele estava deitado.

— Não foi eu. Acabei de sair aqui. - ela disse pensando em Lua.

— Hum. Gostei do pijama. - ele falou rindo. Babi sentiu as bochechas arderem mas, sorriu de volta.

— Obrigada.

— Boa noite.

— Para você também - e ele entrou.

Ela mordeu o lábio inferior e entrou sorridente. Pegou o copo de água que tinha deixado sobre a mesinha de centro e só então percebeu que ele estava vazio. Sem vestígios de água. Ela balançou a cabeça pensando em como tudo aquilo era sombrio e desligou as luzes indo para seu quarto dormir.

O dia chegou rápido. Babi logo foi despertada pelos raios de sol que invadiam sua janela. Se espreguiçou e levantou para um banho. Como dormira bem! Um pouco mais de meia hora a campainha tocou. Ela penteava os cabelos quando foi atender. Era sua mãe. Babi surpreendeu-se pois não a esperava.

— Mãe?

— Oi filha. Posso entrar? - Sandra sorriu.

— Claro que sim! - ela a abraçou fazendo um gesto para que a mesma entrasse.

— Que milagre esse apartamento em ordem. Não está mais trabalhando e estudando? - Sandra perguntou olhando tudo em volta.

— Sim. Já prestei o exame pra faculdade e aliás, fui muito bem. Quanto ao emprego, pedi demissão.

— Hum - Babi esperava que ela fizesse algum comentário desnecessário ou algum interrogatório. Mas não.

— E o papai?

— Ocupado como sempre. Está em uma reunião de negócios a algumas quadras daqui.

— E a senhora resolveu passar aqui?

— Pretendemos passar a noite aqui, senão for incômodo.

— Magina... Família reunida - Babi resmungou nem um pouco animada com a ideia.

— Aprendeu a cozinhar ou ainda vive de pizza? - sua mãe criticou implicitamente.

— Estou progredindo.

— Já é alguma coisa. - as duas riram.

— Preciso falar com a senhora e o papai juntos - Babi disse tentando manter a calma, não revelar nada antes da hora.

— Esse lance de papo em família nunca deu certo - Sandra comentou recordando as outras tentativas de reuniões.

— Dessa vez tem que dar!

— Está acontecendo algo?

— Eu falo pra senhora quando papai estiver junto. Tenho consulta agora. Até mais, fique à vontade.

— Obrigada querida.

Bárbara saiu meio sem rumo. Começou a pensar em como contaria a seus pais. Respirou fundo para evitar que chorasse. Chorar era o que ela mais queria. Sentou em um banco em frente ao hospital. Começou a observar tudo em volta, inclusive as pessoas que por ali passavam. Eles passavam sempre rindo, conversando contentes e animados. Não tinham a mínima noção da fragilidade que é a vida. Como qualquer coisa podia pôr um súbito fim e deixar rastros de dor. Todos dizem que a única coisa certa na vida é a morte mas, porque eles agem com tanta ignorância a ela? Como se nunca fosse acontecer! Como se nunca fossem dar de frente com o fim.

Babi começou então a pensar em como a vida podia ser trapaceira, injusta... Então seu celular tocou. Era o alarme que já anunciava ser a hora da consulta. Levantou com ímpeto e correu ao hospital. Ao chegar dirigiu-se para um balcão e apresentou-se perguntando se sua médica já estava disponível para atendê-la. A enfermeira a olhou com os olhos cansados e falou com certa fadiga.

— Ainda não sabe? - ela indagou piscando lentamente.

— Cancelaram minha consulta? - perguntou inocentemente.

— Pior. A médica Cristina veio a óbito ontem à noite.

— O quê? Como? - se Babi tivesse engrenagens na cabeça, elas estariam fazendo um barulho insuportável nesse momento.

— Ninguém sabe ao certo. Foi repentino. Bom, ao menos você não vai ficar sem consulta. Já mandaram um novo médico estagiário para ficar uns dias. Aguarde. - ela sorriu e Babi correspondeu sem saber ao certo o que dizer, ou pensar. Então ela apenas balançou a cabeça como uma perfeita débil e sentou-se para esperar.

Ainda não acreditava.


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Notas finais do capítulo

Reviews??? Digam que sim e comentem rs'

Até logo...