A Garota Que Sugava Almas. escrita por Jubs


Capítulo 5
5. Olhos como vidro azul


Notas iniciais do capítulo

Capítulo editado em: 25514



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5. Olhos como vidro azul.

Um choque me percorreu no momento em que abri meus olhos, me despertando de um longo e desconfortável sono. A forte dor de cabeça que tomava conta de mim fazia com que todo meu corpo latejasse e meus olhos doessem quando piscados.

Tentei me levantar da pedra úmida que estava deitada, apoiando minha mão no chão e suspendendo meu corpo, sem muito êxito, o máximo que consegui foi me sentar sobre a mesma. A dor que eu sentia em meus membros superiores e inferiores era insuportável, se minha garganta não ardesse tanto eu estaria urrando de dor naquele exato momento.

Eu estava cansada, sedenta, dolorida, machucada, e o pior de tudo: faminta. Não tinha noção de como voltar, ou como fora parar naquela caverna úmida e mal cheirosa. Tudo passara como um filme em minha cabeça, desde o momento em que chegara em casa e me deparara com a cena de meu pai, digo, do Gregory e uma vadia qualquer na cozinha da sala, até quando um ser estranho e belo aparecera no bosque. Desde então nenhuma lembrança vinha à tona.

Respirei fundo, massageando minhas têmporas por longos segundos, aquilo tudo só podia ser um sonho.

Tentei-me levantar novamente, ficando em pé sem muito equilíbrio sobre as pedras com limo e cogumelos que havia no lugar.

A cada passo que eu dava, gradativamente a minha dor aumentava. Enquanto saía daquela caverna, perdida, pude notar os cortes e hematomas roxos que cobriam parte de meus braços e pernas e os quais eu não me lembrava de ter adquirido.

— O que aconteceu comigo? — Deixei as lágrimas quentes caírem sobre minhas bochechas frias enquanto eu repetia em um sussurro essa frase — O que aconteceu comigo?

Não demorou muito para que eu finalmente encontrasse a saída daquele lugar úmido e medonho, por sorte me lembrava da área do bosque a que aquela trilha me levara.

Aumentei a velocidade de meus passos com dificuldade. Eu precisava chegar o mais rápido possível em casa, mesmo ainda me lembrando da cena da noite anterior eu não me importava. Eu estava faminta, passaria por qualquer barreira para encontrar algo que matasse minha fome.

Tiraria uma vida para me saciar.

Respirei fundo novamente. O rumo louco que meus pensamentos estavam tomando começou a me assustar, eu não estava em meu estado normal, talvez fosse pelo cansaço, mas uma coisa eu sabia: estava sem grande parte de meu controle. Eu sentia isso.

A porta de entrada de minha casa estava destrancada, facilitando minha entrada.

A televisão da sala de estar estava ligada em algum programa infantil que Jaxon assistia, mas ele não se encontrava lá, muito menos Gregory. Muito provável que estivesse com alguma vadia.

— Doroth? — Alguém me abraçou por trás, com uma voz animada — Filha, o que houve com você? Ficamos preocupados, olhe seu estado!

— Nada, não aconteceu nada — me afastei assim que vi de quem se tratava, depois de tudo ele ainda se achava um bom pai. Imbecil. — Eu só passei uma noite fora! Me esqueça!

— Uma noite? — Repetiu ele — Você estava sumida há três dias! Você está usando drogas, eu já devia saber, não acredito que...

— Cala a sua maldita boca! — O interrompi com um grito, o que me espantou, eu raramente gritava.

Diminui o tom de voz ao ver o corpo de Jaxon escondido atrás da parede e apenas seus olhinhos assustados me olhando, era como se sentisse medo de mim.

— Jaxon, vem cá — me aproximei dele, ignorando meu pai que me olhava com olhar repressor e assustado pela minha atitude — me desculpe, não queria gritar com você por perto...

— Saía de perto de mim! — ele aumentou o tom de voz, se afastando de meu abraço — Você não é a Doroth! Você não é a Doroth!

— Claro que sou a Doroth. — Afastei-me, agora com um tom de voz baixo e indiferente, subindo para meu quarto — Vou tomar um banho, não me perturbem, preciso descansar.

Bati a porta de meu quarto, que fez um barulho alto o bastante. Provavelmente a força momentânea fosse apenas consequência do estresse.

Tirei minhas roupas ao entrar no banheiro e observei meu reflexo no grande espelho: eu estava ainda mais pálida e os hematomas continuavam feios, não que isso fosse algo preocupante, mas meus olhos... eles sim me intrigaram. Eles, que sempre foram negros como meus cabelos, estavam azuis.

Eles brilhavam em um tom azul de que eu me lembrava bem.

— Doroth... — fechei meus olhos enquanto sussurrava para meu próprio reflexo — você não está louca.

Ao entrar no chuveiro deixei que a água quente escorresse por todo meu corpo enquanto eu tentava esquecer a dor insuportável que tomava conta de minha cabeça e todas as coisas que estavam acontecendo à minha volta.

Após alguns minutos, sequei-me e vesti um short jeans com uma regata qualquer que pegara em meu guarda-roupa. Por incrível que pareça, meus hematomas pareciam um pouco melhores.

Deixei meus olhos rolarem pelo quarto, enquanto eu pensava no que faria antes de procurar algo na geladeira para matar a minha fome. Os pousei em minha cama e senti meu coração pular pela boca ao ver o que estava lá, sentada e perfeita sob meu edredom.

A minha boneca de porcelana que eu vira sem cabeça no bosque pouco tempo atrás.

Era inacreditável. Queria arrancar meus fios de cabelo com minhas próprias mãos, queria gritar o mais alto possível, era como se todo controle que ainda restava em mim tivesse ido embora.

A única coisa que consegui fazer foi correr pela porta. Impossibilitando meu pai, que sentado no sofá da sala de estar lia alguma revista, de dizer qualquer coisa, eu simplesmente corri o mais rápido que pude.

Nada me acalmava ou diminuía meu ritmo, nem a brisa fresca, nem a dor que tomava conta não só de minha cabeça, mas também de meu corpo e nem a fome terrível que eu sentia.

Eu sabia que aquilo tudo não era uma ilusão, eu não estava enlouquecendo. Aquele ser macabro havia feito algo comigo, só não sabia o quê. E mesmo sabendo o quão traiçoeiro era aquele bosque eu queria voltar para lá, era como se eu fizesse parte de lá, uma música que me chamava para ficar cada vez mais perto.

Aquela era uma das canções mais difíceis de seguir.

Meus passos foram diminuindo assim que eu me aproximei da velha pracinha que havia nas proximidades. Mas meu coração continuava acelerado e minha respiração ofegante.

Ao me sentar no banco de madeira que havia no lugar observei uma jovem menininha vestida em um lindo vestidinho rosa e marias-chiquinhas que prendiam seus cabelos loiros. Ela brincava em um balanço vermelho que fazia barulhos por conta da ferrugem, com um lindo sorriso no rosto.

Seus pais não estavam por perto, mas pela sua expressão sorridente pude ver que ela não se importava muito com isso. Nada diminuía o seu sorriso.

E pela primeira vez a alegria de alguém me incomodou e ver aquela cena fez a minha fome aumentar de certa forma que eu não agia mais por mim.

Uma alma pura. Ótimo para sua primeira vítima.”

A voz doce e conhecida ecoou em minha mente. Mesmo tendo algo me bloqueava de reconhecer a quem ela pertencia ela tirou todo meu controle, só deixando uma coisa em meus pensamentos:

Eu precisava matar minha fome.

Como um animal prestes a segurar sua caça, saltei para perto da criança que teve seu sorriso diminuído e, sem me importar com seu medo, agarrei seus finos braços com toda minha força.

As lágrimas silenciosas que desciam de seu rosto fizeram com que um sorriso macabro brotasse em meu rosto.

Eu queria parar, mas não conseguia. Era mais forte do que eu.

A única coisa que conseguia fazer era olhar mais e mais fundo em seus olhos e aumentar meu sorriso enquanto via as marcas dos meus dedos ficarem cada vez mais roxas em seus braços.

Pude reparar que ela queria gritar, mas seu grito era abafado.

E minha fome passou assim que seus olhos se fecharam para todo o sempre.


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