Premonição 7: Clube da Morte escrita por Lerd


Capítulo 7
Esther


Notas iniciais do capítulo

Bom, me desculpem a demora, mas cá está o novo capítulo :D Um capítulo extremamente necessário, é como posso definir esse. Espero que gostem ^^E ah: esse tem capa hahahaha XD



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Cassiel e Crystal chegaram à biblioteca pública do centro juntos. Ela vestia calça pela primeira desde que eles se conheceram, e usava uma camiseta branca bastante larga. Em seu cabelo o lenço da vez era verde. Em seus braços e mãos havia mais acessórios do que de costume, todos eles feitos a mão. Cassiel usava uma regata branca, uma calça jeans surrada e um par de tênis.

A biblioteca era enorme, e o rapaz não sabia qual era o objetivo deles ali. Crystal parecia familiarizada com o local, cumprimentando cordialmente a responsável pela entrada dos visitantes. Cassiel também a cumprimentou e os dois entraram. Apesar de haver um elevador, o casal preferiu subir as escadas, sem que nenhuma palavra precisasse ser dita para que eles decidissem isso.

Crystal o levou até o sexto andar, o penúltimo. Ali era frio e ainda maior do que Cassiel imaginara ao ver o prédio do lado de fora. Lembrava-se de visitar a biblioteca só quando era adolescente, para um ou outro trabalho da escola. Depois, nunca mais. Mesmo assim, não se recordava da grandeza do local.

— O que nós viemos procurar aqui? Eu não compreendo.

— É um livro bem antigo, um diário na verdade. Eu li sobre ele numa das minhas visitas a um site wiccaqualquer. É sobre uma mulher, uma da nossa religião. O nome dela é Esther.

Cassiel se surpreendeu com várias coisas naquela frase, em especial com a palavra “wicca”. Ele não tinha ideia do que aquilo significava, só sabia que todo mundo achava que elas eram bruxas ou alguma coisa do gênero. Não se importou. Crystal podia ser uma bruxa se quisesse.

— A Esther — Crystal continuou — era uma visionária, como você. Quer dizer, é o que dizem. Eu nunca dei muita bola pra essa história, porque eu não acreditava muito nesse tipo de coisa, em premonições. Mas tudo mudou.

Eles então seguiram através de vários corredores abarrotados de livros. Crystal segurava um papelzinho em mãos, onde estava anotada a localização do diário de Esther.

— Por que esse livro está aqui? É muita coincidência. — Cassiel notou.

Crystal sorriu.

— É uma réplica, Cassiel. A Esther viveu durante a Idade Média, em algum lugar da Europa. A nossa comunidade guardou o seu diário durante séculos, traduzindo-o para alguns idiomas. Existem dezoito cópias da última versão lançada, todas elas nos Estados Unidos. Mesmo assim, o livro é velho. A versão daqui da biblioteca foi lançada em 1934.

A garota então subiu em cima de uma escada, procurando nas prateleiras superiores. Enquanto analisava os livros, disse:

— Tudo o que sei sobre ela é que ela tinha visões e que muitas pessoas com quem ela tinha contato morriam. As pessoas do lugar onde Esther morava a consideravam amaldiçoada e tudo mais... — E então olhou pra baixo, sorrindo. — Eu não faço ideia se a situação dela tem a ver com a sua, mas é o mais próximo que eu posso oferecer de ajuda...

Cassiel sorriu de volta.

— Achei! — A garota comemorou, puxando um livro. Ela então desceu da escada e se sentou no chão, apoiando as costas em uma das prateleiras. Cassiel fez o mesmo, na prateleira de frente àquela, ficando também de frente com Crystal.

O livro era realmente velho, e parecia ter sido remendado diversas vezes. A capa era dura e marrom, mas havia pouco mais de cinquenta páginas. Um livro curto. Em sua capa não havia nada escrito, apenas um pentagrama. Crystal abriu a primeira página e estava escrito, em letras garrafais: “ESTHER”.

Por algum motivo, Cassiel se arrepiou ao ver a menção àquele nome. Não conhecia nada sobre a história daquela mulher, mas sentia-se estranhamente inquieto. Crystal folheou algumas páginas do livro, passando por diversas datas escritas em números romanos e que o rapaz não tinha tempo de identificar. Após alguns minutos de leitura, a garota parou em uma página.

— Meu Deus...

Cassiel fez uma expressão de quem não entendia, fazendo com que Crystal lesse em voz alta:

Os motivos fogem a minha compreensão. Temo que eles estejam certos e que os deuses tenham me amaldiçoado com infeliz dom. Tudo que eu sempre desejei e fiz, foi trazer vida a este mundo doente. Essa é a minha função. Sou agora forçada a trazer a morte, a ser a mensageira de Hades, a esposa de Caronte. Sinto-me desgraçada. Sei quem é o próximo, porém não posso salvá-lo. Ninguém pode. Foi-me concebida a ordem, mas não me foi concebido o dom de evitar que suas mortes ocorram. Mesmo que eu tivesse tal poder, o Diabo Louro não me deixaria usá-lo. A cada dia sinto-me mais próxima da morte.

Crystal terminou a leitura de maneira ofegante. Era como se aquele curto trecho tivesse lhe tirado toda a energia, tamanha era a intensidade daquelas palavras. Uma coisa, porém, parecia estar bem clara:

— Se a sua história for a mesma de Esther, então nós temos um enigma resolvido.

— A ordem. — O rapaz concluiu. — As mortes não são aleatórias, existe um padrão.

— E que padrão seria este? Eu não consigo pensar em...

A garota começou sua frase, mas foi interrompida pelo sorriso resignado de Cassiel. Ele sabe.

— Na minha visão o primeiro a morrer era o Paul. Então era a vez da Themis e da Grace. Acho que temos uma ordem aí, certo?

O coração de Crystal bateu mais forte em seu peito.

— Quem é o próximo? Nós temos que ir atrás dele ou dela!

Cassiel concordou com um aceno, sentindo-se zonzo. Seu estômago embrulhou com a lembrança de que depois de Grace quem morria era o pequeno Jamal. O casal saiu da biblioteca, após Crystal emprestar o livro para continuar a leitura. Ela perguntou:

— Pra onde nós vamos então?

— Pra casa da minha amiga Marissa.

x-x-x-x-x

Ulysses acordou exausto. Já eram dez da manhã e ele dormira por quase doze horas, segundo o que se lembrava. Mesmo assim, sentia-se um lixo. Foi até o banheiro e escovou os dentes. Voltou para a sala e deu de cara com Aristotle, o gato de Themis, dormindo em seu sofá. O jornalista deu com os ombros, não se importando.

Trouxera o bicho para casa assim que conseguiu se recompor para pensar claramente nas coisas, no dia seguinte à morte da namorada. Themis morava sozinha com o gato, de modo que ele morreria de fome se fosse deixado lá. Ulysses tinha alergia aos pelos que o bicho soltava e pretendia doá-lo, mas por alguns dias precisava fazer aquele esforço. Além do que, de certa forma, era reconfortante.

A morte da noiva fora um baque do qual ele achava que dificilmente fosse se recuperar por completo. Não só a sua morte, mas a forma como ela morrera. Apesar de ter tomado dúzias e dúzias de banhos, Ulysses ainda sentia o sangue de Themis impregnado em sua pele e em seu rosto. Em seus sonhos só conseguia vê-la morta, partida ao meio.

Chacoalhou a cabeça, tentando evitar aqueles pensamentos.

De repente, seu celular tocou. Olhou no visor e percebeu que era Erika que estava lhe ligando.

— Alô? Erika?

Ulysses, que bom que você atendeu. Você está bem? Quero dizer, na medida do possível.

— Estou sim, obrigado por perguntar.

Então eu preciso que você faça uma coisa pra mim.

— Pra Anubis? Claro, só dizer.

Do outro lado da linha, Ulysses ouviu Erika suspirar.

Não, não é sobre a Anubis. Eu te falo assim que nos encontrarmos. Você pode vir aqui em casa?

O rapaz pensou durante alguns segundos. Aquilo era estranho. Respondeu:

— Claro. Quê horas?

Agora, se você puder. É algo meio urgente.

Ulysses não tentou fazer perguntas, apenas despediu-se e foi trocar de roupa. Colocou uma camisa jeans desbotada e um par de calças vermelhas. Ajeitou o cabelo no espelho e escovou os dentes mais uma vez. Por instinto, colocou o gravador em seu bolso.

x-x-x-x-x

Cassiel e Crystal estavam surpresos. Esperavam encontrar um grupo de pessoas céticas. Esperavam ouvir todo tipo de insulto e ofensas. Esperavam ser chamados de loucos. O que encontraram os deixou tremendamente aliviados.

Além disso, Crystal conhecia aquela família. São as mães do menininho que gostou do meu livro. A recíproca, porém, não era verdadeira: Marissa e Erika não deram sinais de que a conheciam.

— Então vocês acreditam em tudo isso? Mesmo? — Cassiel perguntou.

Marissa, Erika, Cody, Crystal e o rapaz estavam sentados nos sofás da sala da casa das mulheres. Jamal estava há alguns metros dali, deitado no tapete e ouvindo música através de uns fones de ouvidos. Fora a melhor solução que Marissa encontrara para evitar que ele ouvisse o assunto ao mesmo tempo em que ficava ao alcance de seus olhos.

— Eu não sei mais no que acreditar. — Marissa confessou. — Quando o Cody me contou sobre tudo isso, eu achei loucura. Mas tudo faz sentido. A Themis e a Grace faleceram. O Jamal sofreu um acidente quase fatal ontem a noite. Eu... Não sei...

Ninguém disse nada por vários segundos. Então a campainha tocou. Erika levantou-se e foi atender a porta. Sabia quem era o convidado. Recebeu Ulysses com um abraço e condolências, em seguida o apresentando a todos os convidados. Ele se sentiu estranho ao ver Cassiel. Cumprimentou-o com um aperto de mão firme, recebendo as condolências do militar. Agradeceu e se sentou ao lado de Cody.

Nos minutos seguintes, o grupo se dedicou a contar a Ulysses tudo o que já sabiam. O homem foi educado e não os interrompeu em nenhum momento. Quando eles terminaram sua história, foi Erika quem perguntou:

— Você acredita em nós?

Ulysses pensou durante vários segundos, e então disse seriamente:

— Eu não sei.

E então novamente o silêncio voltou a instaurar no ambiente. Foi o próprio Ulysses quem o quebrou:

— Eu não entendi essa história direito, pra falar a verdade. A gente se salvou do acidente do zoológico por causa da visão do Cassiel. Ok. E agora nós vamos morrer exatamente por quê? Só porque a gente se salvou da última vez? Isso é tipo um payback?

Foi Crystal quem resolveu responder:

— Tudo o que eu tenho são palpites, mas eu ousaria dizer que nós enganamos a morte. — Aquela frase deixou todos um pouco desconfortáveis. — Me parece que era nosso destino morrer naquele zoológico, naquele dia, como o Cassiel viu. Mas nós não morremos. Nós estamos vivos. É como se a gente tivesse trapaceado com a morte, entende? Como se nós estivéssemos estendendo nosso prazo de validade nesse plano.

Aquela resposta pareceu satisfazer a dúvida inicial de Ulysses.

Cassiel arriscou:

— Existe uma ordem, na verdade. As mortes não são ao acaso. Elas estão acontecendo na exata mesma ordem em que eu as vi na minha visão.

Ulysses sentiu-se atingido por um soco no estômago. Por vezes se esquecia de que eles estavam tratando ali, entre outras coisas, da recente morte de sua noiva. Sentiu um nó se formar em sua garganta, tentando escondê-lo da melhor forma possível.

— Primeiro era o meu irmão Paul, que nem saiu do acidente. Então era a vez das garotas. E então era o Jamal.

Ao ouvir aquela frase, Marissa apertou fortemente a mão de Erika.

— Ele quase morreu ontem a noite. Isso quer dizer que ele escapou de novo? Ou...? — Erika não soube terminar aquela frase. Tentava manter-se forte e passar estabilidade a Marissa. Sabia que era a pedra, e que se ela desabasse, a companheira faria o mesmo.

Só então Cassiel visualizou a possibilidade de não ser mais a vez de Jamal. Mexeu em seu bolso e retirou o cartão dado por Kitty. O levara à biblioteca visualizando a possibilidade de precisar entrar em contato com a mulher. Mostrou-o aos outros e pediu para usar o telefone, já que esquecera o celular em casa. Teve de explicar toda a situação, de que Kitty morria em sua visão e que por algum motivo ela saíra do acidente junto com outro homem. Aquilo levou à indagações sobre quantas pessoas poderiam ter sido salvas, mas Cassiel garantiu que eram só os dois, mais ninguém. Por fim, Erika entregou seu celular e o rapaz discou o número, em seguida colocando o aparelho em viva-voz.

Quem atendeu foi um homem.

— Alô? Eu gostaria de falar com a senhorita Kitty.

Quem fala?

— Eu me chamo Cassiel. Sou um amigo da Kitty.

O grupo então ouviu uns resmungos do outro lado da linha, como se o homem estivesse discutindo com alguém. Ele então bufou e falou, meio que pra ele mesmo:

Dane-se, vai estar nos jornais em poucas horas mesmo. A Kitty faleceu ontem a noite, durante uma missão.

Crystal não conseguiu evitar soltar um gritinho. Marissa observou que Jamal estava tirando os fones de ouvido, de modo que ela correu até ele e o levou até a cozinha para comer alguma coisa. Cassiel perguntou:

— E o parceiro dela? Você pode me passar o número dele?

Muito estranha essa sua reação pra quem era amigo da Kitty. — Aquela frase assustou Cassiel. Será que ele está me acusando de alguma coisa? Sentiu-se burro. Deveria ter fingido algum tipo de espanto ou surpresa mais latente. — O Diego também faleceu, é só o que eu posso dizer. Agora me dá licença que tenho mais o que fazer. — E desligou na cara do homem.

O loiro olhou para cada um dos presentes. Ulysses parecia cansado, esfregando os olhos e mexendo no cabelo. Erika respirava profundamente, tocando o próprio peito. Cody mantinha uma expressão de desconfiança, enquanto Crystal olhava para baixo e mexia em suas pulseiras. Foi o tatuado quem disse:

— Os dois morriam depois do Jamal, correto?

Cassiel meneou a cabeça positivamente. Erika soltou um suspiro alto, dizendo:

— Isso quer dizer que o Jamal está salvo. — E novamente, num gesto que parecia ser frequente, tocou o próprio peito, como se estivesse aliviada. Marissa já chegava e ouvira aquela parte da conversa. Permaneceu de pé, tocando o ombro da parceira.

Crystal disse:

— Então nós já temos uma arma. A lista não é imbatível afinal. Nós podemos detê-la, só precisamos estar atentos. O Jamal foi salvo, a gente pode repetir o feito.

Aquela situação era pelo menos minimamente reconfortante. O grupo permaneceu em silêncio durante alguns segundos. Marissa levantou-se e foi verificar como Jamal estava, na cozinha. Foi Erika quem perguntou:

— Então os dois policiais estão mortos. Na sua visão, quem morria depois deles?

Cassiel calou-se. Ele sabia daquela informação, mas jamais conseguiria pronunciar o nome em voz alta. Não precisou. Um único olhar na direção de Marissa assim que ela voltou para a sala foi suficiente. Erika abaixou a cabeça e começou a chorar.

x-x-x-x-x

Cody, Crystal e Cassiel chegaram à casa do militar no fim da tarde. O rapaz os trouxera dirigindo o carro de Erika. O loiro o convidou para entrar e tomar um café e o tatuado não recusou. Assim que eles entraram na casa, deram de cara com Julia dançando ao som de uma música que tocava na vitrola de Tina. Era I Wanna Dance With Somebody, de Whitney Houston.

— Oi princesa. — Cassiel disse, erguendo a filha no colo e lhe dando um beijo demorado.

Tina estava sentada no sofá fazendo tricô. Levantou-se e cumprimentou Cody e Crystal, dizendo para o rapaz:

— Você é o irmão da Marissa né?

Ele concordou com um aceno.

— Eles vieram tomar um café com a gente, mãe. — Cassiel respondeu.

Crystal observou a maneira como o rapaz lidava com a filha. É tão desajeitadamente fofo. Ele nem sabe como segurá-la direito! Apesar disso, era claro que ele a amava intensamente. A garota sorriu involuntariamente.

— Então eu vou arrumar a mesa, só um minutinho.

— Eu ajudo a senhora. — Crystal se ofereceu, seguindo com Tina para a cozinha.

Cody sentou-se no sofá e ficou observando a casa. Era bonita e acolhedora, cheia de enfeites e quadros por todos os lados. As paredes eram cobertas por um papel de parede de flores, e havia pequenas toalhinhas debaixo de cada pecinha. Dava para notar que se tratava da casa de alguém mais velho.

— Cassiel... — Cody começou, de repente. O militar virou-se para ele, atento ao que o rapaz diria. — A Marissa me contou que você estava morando em um lugar pequeno...

— Sim, até ontem. Era um quartinho de hotel. Eu voltei pra casa da minha mãe pra cuidar dela.

— Oh! Então você vai ficar aqui?

— Por enquanto sim. Por quê?

Cody deu com os ombros, mas Cassiel pediu que ele falasse.

— É que a Marissa jogou a ideia de que a gente podia alugar um apartamento juntos ou algo assim. Ela disse que você queria um lugar seu, e também é hora de eu sair da casa dela. Ela não me disse, mas eu sei que é por causa do Jamal.

Cassiel não estava esperando por aquilo. Julia cambaleou para a cozinha, deixando os dois a sós.

— Como assim por causa do Jamal?

— A Marissa nunca te falou? Eu sou um ex-viciado, cara. Cocaína.

Apesar da surpresa, Cassiel não ligou muito para aquilo. Ele acreditava na mudança das pessoas. Tanto para o bem, quanto para o mal. Cody continuou:

— Daí eu estou empatando a vida delas...

Cassiel não soube o que dizer. Pensou por alguns segundos e então disse:

— Eu preciso me mudar daqui mesmo, essa é uma boa ideia.

Aquela fala deixou Cody satisfeito.

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O café correu de forma tranquila. Os quatro conversaram, mas nenhum deles tocou no assunto de nenhum dos acidentes ocorridos nas últimas semanas. Cody contou sobre a batalha legal que Marissa e Erika estavam enfrentando para conseguir Jamal, e Cassiel falou sobre seu tempo na Síria. Crystal ouviu a tudo atentamente, até que a curiosidade do grupo se voltou para ela. A garota acabou contando que trabalhava em uma loja de artigos esotéricos e que os pais moravam em outro estado. Contou até mesmo sobre sua coruja Patricia, o que deixou Julia bastante empolgada. Ela conhecia corujas apenas por fotos na internet que seu pai lhe mostrava.

Então Cassiel mencionou o assunto do apartamento, e o grupo conversou um pouco sobre aquilo. Foi então que Tina surpreendentemente disse:

— Por que você não vem passar uns tempos aqui, Cody? Até você encontrar um apartamento.

— Oh, a sua oferta é muito gentil, senhora Hendrix, mas eu não posso aceitar. Eu seria um intruso.

— Deixa de bobagem. — Tina insistiu. — Nós conhecemos a sua irmã há anos, ela ajudou muito o Cassiel. Seria um prazer tê-lo nessa casa.

Cody ficou pensativo. Cassiel disse:

— É isso mesmo, cara. Nós temos um quarto vazio, vai ser bacana. Nós achamos um lugar maneiro depois. — O militar forçou-se a usar uma das gírias que o outro rapaz dizia. Crystal caiu na gargalhada.

Ficou decidido que o tatuado pensaria no assunto. Ele despediu-se e ofereceu uma carona a Crystal. Ela agradeceu e aceitou.

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Já era oito da noite quando Cassiel ligou a televisão. Ele estava de folga da boate e agradeceu por isso. Tina estava na cozinha lavando a louça do jantar, enquanto Julia dormia tranquilamente ao lado dele, no sofá. A cabeça do militar estava a mil. Só conseguia pensar em Marissa e na angústia que ela deveria estar sentindo. Subitamente pensou em sua mãe, e em como ele não havia contado nada a ela. Ela não aguentaria outro golpe, pensou.

Na TV passava uma game show qualquer. Cassiel o assistiu de maneira entediada. Já estava quase dormindo quando começou o noticiário. Ele levou um susto com a primeira notícia exibida.

Ramona Cooper e Diego Valens são os nomes dos dois policiais mortos durante a tentativa de captura do assassino conhecido como Cara de Coelho. Os dados não são oficiais, mas estima-se que ele seja o responsável por mais de oito assassinatos ocorridos nos últimos meses na cidade. Após as cinco primeiras vítimas, a polícia parecia querer abafar o caso, mas essa posição parece ter mudado. Em coletiva realizada durante à tarde, Peter Trevisan, delegado responsável pela divisão de homicídios da cidade, alegou que todos os esforços da polícia estão voltados para a captura do maníaco. Ele ainda alerta que não existe motivo para pânico e que eles estão próximos de encontrar o responsável pelos homicídios. Peter ainda disse que lamenta a perda dos dois profissionais...

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Cassiel não sabia, mas há alguns quilômetros dali, Cody assistia a mesma notícia de dentro de seu quarto. Ao ouvir o apelido do assassino, uma ligação imediata se formou em sua cabeça. Ele lembrou-se imediatamente do post:

Toma cuidado, loirinho.

Aquele comentário havia sido escrito por alguém denominado “Coelho da Morte”. Poderia haver alguma relação?

Não é possível... Como ele saberia que os detetives também saíram do acidente? Mais ainda: qual seria o objetivo desse cara?

Tudo parecia muito aleatório, uma sucessão de coincidências. Cody começou a pesquisar sobre o assassino e descobriu coisas inimagináveis. Aparentemente ele estava em atividade há meses, mas a polícia tentava abafar o caso, tratando o assunto como uma lenda urbana. As notícias na internet eram escassas, e em geral não estavam ligadas a fontes oficiais. Nos itens mais recentes havia vários links relacionados à coletiva de imprensa realizada com o delegado-chefe da divisão de homicídios. Fora isso, pouca coisa podia ser encontrada.

De repente, deu de cara com um blog chamado: “Os Hackeados”. Na descrição estava escrito:

Compilação de vítimas do hacker Bunny Face. Nós não somos da polícia.

Cody arrepiou-se ao descer a página. Havia vários printscreen do facebook de diversas pessoas. Contou dez. Todas tinham sua foto de perfil trocada por uma máscara de coelho. Quando o rapaz chegou à última foto, teve a certeza.

Themis Aghata Dellis.

Isso não pode ser coincidência!

Levantou-se da cadeira no mesmo instante e ficou encarando o número do celular de Cassiel.

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A casa estava escura. Ulysses havia saído de casa quando estava de dia, e chegara tarde. Deixou a garrafa de vodca em cima da mesinha de centro e escorou-se pela parede. Apertou o interruptor e esfregou os olhos.

Deu um pulo e caiu no chão.

No meio da sala, enforcado e amarrado no lustre, estava Aristotle. A barriga do gato fora completamente aberta, e as tripas estavam penduradas, quase tocando o chão. Pingava pouco sangue do corpo do gato. Ulysses virou o rosto e vomitou em cima do sofá.

Limpou o rosto e respirou fundo. Percebeu então que embaixo do cadáver, onde pingava o sangue, havia uma máscara de coelho. O rapaz andou até lá e, com nojo, pegou o objeto. Olhou fixamente para o rosto e sentiu um arrepio atravessar todo o seu corpo. Era a exata mesma máscara que fora colocada no perfil de Themis logo após a sua morte.

Alguém estava lhe pregando uma brincadeira de muito mau gosto.

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Quando Cassiel colocou Julia no berço, estava exausto. Não fisicamente, mas mentalmente. Tudo o que ocorrera naquele dia era completamente alucinante, capaz de confundir até os mais mentalmente estáveis. E levando em conta tudo o que ele passara, Cassiel não era um desses.

O militar desceu as escadas e ouviu o barulho das dogtags tilintando. Percebeu então que as borrachinhas delas haviam caído. Na mesma hora ele se desesperou.

— Mãe, você viu onde foram parar os meus silenciadores?

Tina estava sentada no sofá fazendo tricô. Olhou para Cassiel por cima dos óculos e disse calmamente:

— Não, você perdeu? Eu vou varrer a casa amanhã, se encontrar eu te entrego.

— Não, eu preciso hoje! Eu, eu...

— Calma, filho, é só uma borracha.

— Não é só uma borracha! — Cassiel gritou, e arrependeu-se no exato mesmo segundo. Tina o olhava com uma expressão confusa. O rapaz sentou-se no sofá ao lado dela e tapou o rosto com as mãos. — Não é... Mãe, você não entende. Essa borracha é tudo o que eu tenho. A minha chapa de identificação, a minha corporação... Eu... — E então ficou sem palavras.

Tina deitou a cabeça no ombro do filho, segurando sua mão cheia de cicatrizes.

— Você tem a Julia.

Cassiel sorriu.

— A Julia é sua, mãe. Eu só a fiz, mas ela é sua.

A mulher não soube o que dizer. Cassiel então pigarreou, tomou coragem e disse:

— Eu sinto falta do Paul, mãe. — Tina o olhou com surpresa. — É sério. Eu sei que nós não éramos os irmãos mais próximos do mundo, mas eu sinto muita, mas muita falta dele.

Aquilo foi o suficiente para fazer os olhos do rapaz ficarem molhados. Ele não derrubara nenhuma lágrima pela morte do irmão, mas sentia que a cada dia a ficha caía um pouco. Paul não estava em outro estado pronto para voltar da noite para o dia. Ele morrera e não voltaria nunca mais. Cassiel sabia que precisava ser forte e apoiar sua mãe, pois ela perdera Paul e Grace, mas era mais forte do que ele. Antes que se desse conta, chorava.

— Oh, meu amor... — Tina disse, abraçando-o forte. Ela tentou não chorar. — O seu irmão agora é uma estrela cadente.

— Eu não queria que ele fosse uma estrela cadente. — Cassiel argumentou. — Eu queria que ele se tornasse um velhinho numa cadeira de balanço...

Os dois ficaram ali, de mãos dadas e em silêncio, por vários minutos.

x-x-x-x-x

Apesar de ser mais de duas da madrugada, Patricia dormia. Crystal estava sentada no sofá da sala com uma xícara de chá na mão esquerda. Com a direita segurava o diário de Esther. Começara a leitura assim que chegara em casa, e estava próxima do fim. A cada página ficava mais fascinada.

Esther era uma mulher formidável. De origem pobre, parteira e, segundo informações não confirmadas, de pele escura. Além disso, ousara ter uma religião diferente numa época em que não ser católica significava ir contra tudo o que a sociedade pregava. Fora, afinal, uma mulher muito a frente de seu tempo.

Crystal leu:

Sou levada a acreditar que qualquer que seja a força que esteja nos levando em direção a morte, ela tem regras. Não existe nada por acaso. Ela segue um padrão rígido. Eu não posso morrer agora. Simplesmente não é a minha hora. As coincidências que culminarão na minha morte já estão em andamento, tenho plena certeza, mas elas só serão colocadas em ação depois que os deuses já tiverem levado todos os outros. Eu estou na fila. Eu estou, irrevogavelmente, na lista.

A garota se arrepiava com cada página lida. Parecia incrível que, séculos atrás, alguém tivesse vivido a mesma história que eles. Crystal se indagou sobre aquele fenômeno. Eles não eram os únicos então. Mais pessoas haviam escapado de acidentes e encontrado a morte em seguida. Mas então, por quê? Era algo sobrenatural, claro, mas não era exclusivo. Mesmo que eles e Esther tivessem sido as duas únicas vezes em que algo do gênero aconteceu, já era inacreditável. Parecia uma mitologia própria, a qual Crystal estava desvendando pouco a pouco. Aprendera sobre a ordem. Precisava, agora, aprender como deter a lista.

Esther estava lhe dando o que pensar. A mulher dizia claramente que ela não poderia morrer naquele momento. Havia alguém para ir antes dela. Mas e se por algum motivo ela acabasse morrendo? Os acidentes pareciam estar fora de questão, mas quem sabe o suicídio? O que aconteceria se Esther tivesse resolvido se matar quando a morte (ou como ela dizia, os deuses) esperava levar outra pessoa? Aquilo definitivamente iria contra qualquer padrão pré-estabelecido.

Isso poderia quebrar a lista, Crystal teorizou. Era um tiro no escuro, mas era a única possibilidade na qual ela conseguia pensar. Jamal aparentemente estava salvo, o que significava que se alguém fosse salvo de algum acidente, essa pessoa era tirada da lista. Mas as chances de todos eles conseguirem se salvar era ínfima, de modo que a outra solução era triste, mas mais realista.

Sentiu um frio percorrer sua espinha ao pensar em outra possibilidade.

Assassinato.


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Notas finais do capítulo

Bom, vamos lá :DSim, eu sei que esse capítulo foi mais lento e contemplativo, mas achei que era necessário depois do banho de sangue do último. Além disso, aqui eu estabeleço as problemáticas a serem resolvidas nos três últimos capítulos, aonde a ação vai começar a ocorrer freneticamente. Estamos chegando na reta final, amiguinhos! E sim, a Crystal e os sobreviventes não sabem que o Jamal não foi tirado da lista e foi só pro fim, por isso os pensamentos dela na parte final. E ah! Não vou fazer segredo: uma fic 8 está em planejamento, e ela tratará da história de Esther. Então as partes desse capítulo em que a menciono foram um gancho pra próxima fanfiction :D



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