Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 36
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Lembram da garotinha que flagrou o casal? Bom, dessa vez ela não fez nenhum flagra, mas acabou com a moral de certa pessoa... E levantou a moral de outra. Que poder!

Tem mais jogatina pro capítulo. Aprendi com os Lins que Uno salva - ou é o Lucas matraqueando de novo?
Enjoy.



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– O modem de algum de vocês está pegando? O meu tá péssimo o sinal.

Vini chega para o café da manhã com o notebook em mãos. Desde a virada do ano eu, ele e Murilo temos ido ajudar na loja de meu pai que teve um problema de última com umas distribuidoras. Só não vamos tão cedo para lá como meus familiares, logo voltaremos para casa e lá sim teremos que levantar cedo para nossos afazeres. Papai negou ajuda, queria que aproveitássemos o restinho de férias que tínhamos, apesar de Murilo só começar expediente mesmo quase em fevereiro. Injusto, minhas aulas começarão em duas semanas.

Ocupada com um sanduíche, Murilo respondeu.

– O meu também. Talvez o wireless da loja esteja melhor. Início de temporada de chuva geralmente é assim, os eletrônicos são os primeiros a falhar.

Quando chegamos na livraria, uma chuva estava para despencar. Antes de entrar, olhei céu indignada por ser uma temporada da qual não gostava, e que estava apenas em seu início. Fomos direto para o escritório e logo ajudava vovô com uns pedidos que iriam atrasar. Novamente, era culpa da chuva. Chuva que inundou uma estrada e enquanto não adaptassem uma passagem alternativa, os caminhões não passariam. Um desses papai esperava com material, alta demanda das escolas que logo iniciariam ano letivo. Que não me perguntem por que odeio chuva, tenho tantas razões que nem sei por onde começar.

– Então, bons e-mails? O sinal está melhor?

Pergunto pra Vini, abraçando seu pescoço ao chegar por trás de sua cadeira no escritório. Ele se aconchega em meus braços e faz carinho neles. Ninguém estava por ali, o que era raro de acontecer. Mamãe estava numa reunião para desenvolvimento de seu projeto, Murilo e vovô estavam no atendimento e papai organizava o caixa. Era para eu estar no estoque verificando umas check-lists, e Vini atualizando os dados dos pedidos que seriam atendidos naquela semana... Mas um break não faria mal.

– Aham. Boas novas e nem tão boas novas.

– Por quê?

Na tela de seu notebook estampava seu e-mail aberto com um conteúdo aberto. Era de seu amigo Anderson, que algumas vezes Vini havia comentado comigo. Acho que depois de muito tempo vou poder conhecer a figura.

– Boa porque vou retomar a faculdade. Perdi o semestre passado todo, lembra? Anderson também. É legal porque aí não retomamos sozinhos. Sinto saudades das aulas, mas dá uma coragem voltar a assistir uma... Semana que vem já tem rematrícula.

– Na minha também. As suas aulas começam logo na seguinte?

Ele suspira com uma carinha tão fofa que lhe dou um beijo no rosto.

– Aham. As férias estão acabando... Vou te ver menos.

– Ah, ainda temos um tempinho para aproveitar.

Nisso ele me puxa para si, todo sorridente. Amava essa expressão nele. Como não havia ninguém à vista, acabei sentando-me em seu colo para melhor aproveitar de seu beijo. O pescoço dele estava bem melhor já, o que era bom porque eu gostava de rodeá-lo quando o agarrava.

– Opa, opa. Sorte de vocês que não sou seu Otávio ou dona Helena.

– Lucas!

Lucas coloca uma mão sobre os olhos e finge não nos olhar. Ele brinca com os dedos, separando-os e observando-nos com um olho só através dessa abertura. Quase tive um treco. Num átimo levantei do colo de Vinícius que também tentava disfarçar nossa ceninha. Não era nada demais, eu sei, só que... dava aquela adrenalina, sabe?

Podia realmente ser meu pai ou minha mãe... Ou outra pessoa. A única desculpa que eu teria era de que papai censurou algumas coisas dentro de casa, contudo, não mencionara em nada na loja ou em qualquer outro lugar. Era o tipo de desculpa furada que a gente joga pra ver se cola de qualquer jeito.

– Já posso olhar? Já estão decentes?

Rondo a mesa, puxo a mão do rosto dele e, mesmo desconcertada, faço pose para reclamar. Meu coração ainda batia forte – apesar de que a razão disso era uns porcentos por causa dos efeitos de Vinícius em mim.

– Como se nunca tivesse nos visto nos beijando... Tu me assustou.

– Se se assustou, é porque sabia do perigo.

– Lucas!

Ele queria me deixar sem-graça, eu sabia. E tava conseguindo, o desgraçado. Engulo meu embaraço, cruzo os braços e espero que ele me diga a razão de tal aparição ali.

– Que você veio fazer aqui?

– Ok, senhorita-eu-quero-te-matar-agora... Sossega que eu não vou contar que vocês estavam no maior love aí não. Encontrei sua mãe ainda agora, me passou uns documentos para deixar aqui, porque era caminho.

Ele abre a mochila, puxa uma pasta e, ao me entregar, mantém sua expressão sacana. Vinícius era outro que ria. Lucas queria mesmo me sacanear:

– E eu que pensei que fosse ele quem iria ficar zangado comigo.

– Vocês estão me deixando sem-graça.

Vini intercedeu:

– Que é isso, Lena. Ele só entrou. A gente não fazia nada demais mesmo.

– Eu sei. Mas naquele dia da praia quem ficou sem-graça foi você e nem por isso, com toda minha vontade de rir, eu o fiz.

Ah, doce, linda, inversão. Funciona 90% dos casos. Virada para Vini ainda na cadeira fiz todo meu charme de presunçosa trabalhar. Quem ri por último, ri melhor. Lucas fica interessado em saber, logo que Vini me olhou por soslaio em um facepalm. Sentado na cadeira a frente de meu namorado, ele esperava ansioso por uma resposta, só pra perturbar mesmo. Enquanto isso, minha mente trabalhava naquela ceninha de Vinícius todo sem resposta para a menina.

– Ui. O que teve esse dia na praia?

– Uma menininha nos pegou aos beijos e perguntou o que ele estava fazendo comigo. Coisa simples.

Um Vinícius sem-jeito resmungou:

– Ah, o que eu ia dizer? E depois se os pais dela quisessem tirar satisfações comigo? Não sei o que andam dizendo para as crianças ultimamente...

Lucas olhou pra Vini, olhou pra mim, alternou mais uma vez e outra para então poder rir à vontade. Fechou sua mochila e se ajeitou na cadeira.

– Gostei dessa garota.

– E ainda teve o depois.

Vini geme com brincadeira, fechando seu notebook. Aquele miniprojeto de gente tinha realmente bagunçado com ele. Lucas estava doido pra saber, me incitava para contar.

– Aw, ela vai contar.

– Conta, conta.

Por outro lado, eu só quis chamar atenção, e como tinha chamado, já era o bastante. Balanço a cabeça.

– Segredo de Estado.

– Ah, poxa... De qualquer jeito, eu tenho que ir. Num era nem pra ter sentado... Vê se segura esse love todo de vocês. E, Vini?

– O quê?

– Isso é uma boneca no seu pescoço?

Lucas pergunta com uma sobrancelha levantada ainda colocando-se de pé para sair do escritório. Aponta para o pingente que apareceu pendurado ao pescoço de Vini, o que eu dei de Natal antes da viagem, uma bonequinha de vestido, como ele me conhecera. Depois de todo esse tempo só agora que Lucas percebeu? Porque Vinícius não tira o cordão nunca.

Às vezes quando está distraído ou muito concentrado em algo, ele pega e fica brincando com o pingente, puxando-o, tomando-o em suas mãos. Gosto quando faz isso. Aí lembro que esqueci de novo de sua pulseira. Ele sempre faz um comentário quando não a vê... Vou tentar lembrar mais vezes, porque se eu gosto dele com meu cordão, ele deve gostar de mim com a pulseira.

– Ah. É a versão ciumenta da Milena.

Ele puxa todo orgulhoso e pisca pra mim, sacana. Que era verdade, de certa forma era. Quando o presenteei, disse-lhe que era por causa da sua reclamação de nunca me ver com crise de ciúme, então aquela bonequinha simbolizaria o status de posse que eu tinha dele. Era meu e só meu. No dia da atendente descarada na loja de roupas, ele me disse que tinha a dispensado com o próprio cordão – e que sim, ele notou quão descarada ela tava sendo. Mesmo assim, repreendo sua resposta para Lucas. Eu não era tão ciumenta assim... Ou tão possessiva assim...

– Vini!

– Ai, bobos apaixonados. Vou embora antes que inventem de me contagiar.

– Há, espera que a Megan logo logo...

– Nam, eu tenho meu orgulho.

Defendeu-se Lucas achando que não seria “acometido” por esse bicho, por esse feeling que era gostar de alguém e demonstrar o sentimento como algo concreto. Ele é o tipo do cara muito cavalheiro, bom partido, e que tem uns pequenos defeitos de opinião quando fica duvidoso de se entregar, como vemos muito por aí mundo afora. Vini alcança o pingente com as mãos e nos dá uma resposta digna, tão calmo e descontraído como se estivesse falando de uma coisa simples. Dá até de ombros:

– Não se trata de orgulho, é o que você sente. Que não dá pra mensurar. A gente acaba se apegando a essas pequenas coisas. Significados.

– Ok, essa é minha deixa, enamorados. Tchau.

Ficou claro que o break tinha acabado, então tivemos que retomar nossos afazeres. Vinícius continuou a digitar os dados e eu peguei minha prancheta de volta na mesa. Ele não viu, mas fiquei uns minutinhos observando-o por suas costas enquanto era sereno em seu trabalho, pensamento e comportamento.

Gostei muito do que falou para Lucas, a questão dos significados, de como isso é tão importante para ele. Repreendo-me por ter esquecido sua pulseira, senti um vago tão grande no meu braço depois do que disse que eu seria capaz de ir em casa só para buscar se pudesse sair dali no momento. Eu queria que ele visse que tinha significado sim para mim, que tinha um grande valor.

Depois de tempo ainda na porta para o depósito, ele absorto no que fazia nem me viu ali, nem viu quando cheguei perto novamente. Deixei um beijo no seu rosto, estava merecendo-o.

– Hum. O que foi isso?

– Um beijo. Pelo que você falou a Lucas.

– Sou bom com as palavras, lembra?

– Presunçoso nada. Ma joli garçon.

– Pera, garçom? Eu fui de segurança particular a garçom?

– Na verdade, de chofer a segurança e segurança a garçom. Joli garçon quer dizer “garoto bonito” em francês. Me lembrei de um comentário que Lucas e Flávia fizeram um dia aí, jogando Uno.

Vou saindo para o depósito, Vinícius vira-se com a cadeira móvel de rodinhas. Ele queria prolongar a conversa. Mentira, queria era outra coisa. Apontou para sua bochecha e foi traçando um caminho para sua boca, brincalhão.

– Agora melhorou. E pode melhorar mais... Que tal mais um? E que tal mais para a esquerda... tipo aqui?

– Exigente você. Já está de bom tamanho. Volta pra planilha.

Gostava de provocá-lo e gostava também de manter meu coração com pulos sutis, não saindo pela boca se alguém me pegasse de novo com ele no meio do trabalho. Além do mais, sou prudente demais com o serviço para ficar abusando... E foi bom, porque logo depois foi Murilo quem entrou e não ficamos mais sozinhos.

~;~

Eu nunca ouvi falar de que Uno tinha efeito terapêutico.

Era essa história que Vinícius e Lucas estavam tentando me vender. Lucas porque estava enfadado dentro de casa e Vini porque estava preocupado com minha relação com Murilo. Ele via que faltava comunicação entre a gente, assim propôs umas partidas para a tarde, pois, ao seu ver, era o único momento em que eu poderia ficar frente a frente com meu irmão e aos poucos conversar com ele. Quando ele estava com problemas com Djane, fui eu quem mediou um contato dos dois, agora Vini fazia o mesmo. Talvez os dois conversaram sobre o Natal, que rolou um jogo de Uno... Eles só não sabiam que fora uma trégua que me comprometi em fazer.

Como pudemos resolver e adiantar muita coisa no trabalho da loja pela manhã, papai nos dispensou para aproveitar a tarde. O tempo todo ele ficava nos lembrando do fim das férias, que era pra reinar a preguiça e não ficarmos enfurnados naquele escritório. Não era nenhum incômodo para nós, que ficávamos insistindo, mas dessa vez Vini me fez aceitar.

– Ele está tentando, Lena, e você... Não vejo fazer o mesmo.

O que ele queria que eu fizesse? Não dava pra simplesmente passar a mão na cabeça de meu irmão, sorrir como se nada tivesse acontecido, desse um abraço nele e seguisse a vida. Ainda havia muita revolta dentro de mim, e se eu conseguia controlar tudo isso estava de bom tamanho.

Estávamos – eu e Vini – arrumando as coisas do escritório para poder ir para casa. Algumas vezes entre nossas conversas, ele puxava o assunto. Murilo tentava sim, mas se arrepender ele não se arrependia de ter feito o que fez. Essa era minha mágoa maior. É como se não houvesse perspectiva de discernimento... Ele agrediu o Eric! E o prejudicou. Mesmo que tivesse razão para tanto, eu não aprovaria uma atitude dessas.

Tão bem ele sabia como tentou esconder de mim. Vinícius devia me entender mais que ninguém, sabia o que era raiva, indignação, mágoa. Nossas histórias não são nada parecidas, entretanto, envolvem quase um mesmo sentimento de proteção dos outros sobre nós. Pelo menos isso ele devia ter em mente quando falava do amigo.

Machuquei meu irmão pra revidar essa raiva que me tomou, não nego. Mas assumo que disso eu me arrependo, algo que está longe para acontecer com ele. Eu só não sabia bem o que fazer para me redimir se a mágoa ainda me cegava. Não tinha previsões de perdoá-lo. Nesse entremeio, a gente se perdeu.

– É que você não percebe.

– Umas olhadelas, conversas monossilábicas, ignorá-lo... Tem certeza?

– Eu sei o que tô fazendo.

– Sabe mesmo?

Não, eu não sabia. O que tinha em mente era parar de machucar Murilo, de passar a faca com palavras ferinas, de empurrá-lo à parede. E parei. Já não estava tão indiferente a ele. Era pouco, porém, pelas circunstâncias era muito. Eu sentia que era muito. Que ele nem merecia e eu estava lá, dando uma chance de costurar desse jeito mesmo. Se ninguém via era outra história.

Depois do almoço enviei uma mensagem para Lucas, convidando-o para a “jogatina”. Ele se animou porque nem “sessão da tarde” estava salvando aquela tarde chuvosa. Além do mais, era uma boa para o desafio que nos fez no outro dia. A real razão é que eu não queria sentir todo aquele peso da situação... Lucas sempre tão comunicativo puxava a atenção fácil, conversava bastante e deixava o clima bem mais confortável.

Enquanto esperávamos pelo convidado ilustre, conversava com Vinícius na cabana do quintal, arrumando a mesa com umas guloseimas para a partida. Era melhor ali porque a mesa que tinha era menor. Gostava bastante dali, era meu local favorito de ficar com vovó quando fazia os intensivos do tratamento dela. O sofá-cama que Vini usou quando chegou estava de volta ao seu lugar e para evitar um silêncio além da chuva que caía, deixei a Tv num canal de música, pra manter o clima mais ameno.

Logo Murilo chegou correndo, um pouco molhado, trouxe o jogo em mãos, sentou-se à mesa nos ouvindo. Ele continuava daquele seu jeito, calado em maioria, prestativo sempre. Se bem me lembro, o mais próximo que cheguei dele nos últimos dias foi na virada do ano, antes de sair para o luau. Quando deu meia-noite e todos se abraçaram uns aos outros, eu me deixei ser abraçado por ele.

Diferentemente do Natal, ele não falara nada... Um silêncio que me incomodava, porque Murilo silencioso é pior que falando. Mas eu não precisei ouvir nada se eu sabia bem o que ele queria dizer, e disse-me, pela forma como me abraçou. Com sua presença na cabana, Vinícius aborda um assunto que então me fez rir discretamente, para a surpresa dos dois:

– É impressão minha ou a mãe de vocês anda... meio estranha comigo? Quer dizer, não que ela tenha me tratado mal, só que... sei lá. Eu nem sei explicar direito. Vocês perceberam alguma coisa diferente?

É, depois daquela minha conversinha com mamãe, ela meio que tem encarado meu namorado com frieza. Nem estava mais toda cheia de chamego com ele. Sei que se segura para não ser rude, ela tem muita consideração para tratá-lo de tal forma, porém, ela realmente ficou mexida com a história de que eu e Vinícius já tínhamos tido uma relação. Fazia parecer que ele tinha me roubado alguma inocência ou algo do tipo.

Acho que uma confirmação tão concreta como as pílulas anticoncepcionais estava mudando as suas ideias sobre mim finalmente. De certa forma mamãe culpava meu irmão por isso, que nem tinha ideia do ocorrido e nem teria tão cedo, afinal, eu não ia contar minhas intimidades para ele. Isso diz respeito somente a mim e Vinícius, nada Murilo poderia dizer ou fazer.

Só não posso negar que foi engraçado como mamãe, naquela hora ao sair do quarto levada por papai, passou por Murilo que estava no sofá esparramado, quase cochilando e ela lhe deu um tapa na cabeça. Ele não entendeu e nem entenderia o motivo daquela repreensão que estava levando. Resmungou um “quê que eu fiz?” passando a mão no local onde recebera a mão de mamãe. Como ele faz tanta besteira, deve ter pensado em algo para atribuir como razão daquilo.

– Acho que ela está chateada por a gente logo ter que ir embora.

– Num sei... acho que não é isso. Fiz algo errado?

Fez. Me fez feliz e decepcionou minha mãe.

Acarinho aqueles fios que sempre me chamam antes de sentar ao seu lado. Do meu outro lado a cadeira vaga seria para Lucas, já que Murilo nem se mexeu e por onde sentou – na minha frente na mesa redonda – ele ficou.

– Não, nada errado.

Quando Lucas chegou, combinamos que fosse um jogo normal, sem regras extras. Logo ele puxou a atenção, como eu queria, e as coisas foram se desenrolando por si só, como Vinícius havia me proposto.

~;~

– Eu disse, bobos apaixonados tem uma grande tendência de serem humilhados pelas garotas. Primeiro aquela garotinha, agora sua própria namorada?

Apesar de faladeiro, um Lucas estrategista-mor se sobressaía naquela roda. Jogado de qualquer jeito na cadeira, ele fazia umas jogadas que pareciam entregar suas cartas; e era mais um plano seu. Ele deve ter uma das melhores expressões para blefe no pôquer, não duvido, mas me enganar ele não consegue fácil. Para todo caso, me mantinha impassível também. Tentei uma manha de fingir que estava indo mal no jogo, como ele fazia no começo, com jogadas aparentemente impensadas, e tive que parar, porque Vinícius quis dar um jeito de me cobrir.

Já havia dito para que não fizesse isso, eu não gostava quando tomavam partido por mim, mesmo dentro de um jogo. Era pra ser um jogo limpo, cada um por si. Com essa interrupção, tive que sacrificá-lo... Sei-lhe um golpe que todo mundo entendeu que eu estava bem desperta e sabia o que fazia. Por três vezes seguidas eu o fiz comprar cartas, plano que eu direcionava inicialmente para Lucas. Só assim para Vini acordar e começar a guerrear comigo igual para igual. Estava divertido assim.

– Que garotinha?

Uno é o tipo de jogo que não deixa ninguém quieto, é interativo em tantos níveis que é impossível não sentir a presença de cada na rodada, bem diferente de qualquer outro jogo de cartas. Ainda que as jogadas de Murilo não interferissem diretamente em mim, já que não importavam os sentidos de ordem de jogada, por ele não estar do meu lado para isso, ciente eu estava de suas ações. Aos poucos ele estava mais solto, comentava as coisas, concentrava-se, ria, contido ainda.

Não sei dizer bem se era culpa da carta número 9, que, por regra, é aquela que força todos se esticarem ao bolo de cartas do meio e tocar com a mão, e o último que o fizer é obrigado a comprar cartas. A carta de número 9 agitava a roda – sem falar que incitava uns palavrões – mantinha tudo aquilo bem razoável. Fora essa interação, ainda contávamos com as conversas paralelas. Por elas até que eu estava me comunicando com Murilo. Só não olhava diretamente para ele. Fui eu quem o respondeu:

– Aquela que se perdeu na praia antes de chegarmos ao luau.

– Ah, a pequenina que estava com vocês.

O primeiro dia do ano tinha chegado e muitas pessoas gostam de conferir essa chegada na praia. Por alguns anos minha família passava por lá para ver a queima de fogos principal que ocorria, porém, tivemos que deixar depois que começou o tratamento da minha avó. Ela não gostava mesmo, achava tudo aquilo um exagero, não gostava de multidões, muita barulheira, vento de chuva e outras coisas mais. Passamos a combinar jantares e às vezes outras saídas para evitar o movimento praieiro.

Esse ano que resolvemos, eu e Murilo, ir ao luau que teria um pouco afastado da área da bagunça. Como era uma coisa meio que particular, Lucas quem arranjou as entradas, já que ele tocaria como dj na festa. Foi ele que me fez comprar uns acessórios, quando Flávia estava conosco, uns fru-frus de enfeite e outros objetos mais para brilhar na noite. Se é pra brincar, que nos jogássemos, não?

Então lá estávamos, chegamos na praia era quase 1h da manhã. Na orla, fiquei com Vinícius enrolando os fru-frus nele, todo charmoso, esperando que Murilo encontrasse uma vaga para estacionar. Ele conseguiu um lugar relativamente perto, demorou mais para nos acompanhar porque estava numa ligação.

A essa altura eu já tinha perturbado e recebido de meus amigos as ligações de felicitações. Tinha falado até mesmo com Filipe, Iara havia ligado para o “irmão”, o que não passou de umas poucas palavras mesmo. Mas só o fato de ter falado com aquele homem civilizadamente era algo a ser mencionado. E Vini! Ainda não conversamos sobre esse tópico delicado que é o pai dele.

Aí que tinha algumas pessoas voltando da praia, dispersando. Foi quando aquela menininha que havia nos abordado no outro dia apareceu chorando, sentou-se num banquinho perto de onde estávamos e se encolheu, olhava devagar para os lados procurando algo por todos os rostos que passavam. Uma mulher parou ao seu lado, não sei se era sua conhecida, falou com ela, chamou um dos policiais que ali passava. Aí entendi que era sério, puxei Vinícius comigo. Falei com a moça:

– Ela está perdida?

– Sim. Melhor deixá-la no posto de polícia, os pais devem checar por lá.

Foi então que a pequenina nos reconheceu. A moça e o policial ficaram me olhando, o que me fez esclarecer logo quem era. Não era tia coisa nenhuma. Isso não me tirava a vontade de ajudá-la, por isso me abaixei para falar com ela e tranquilizá-la. Era melhor ir para o posto mesmo, pois os perdidos sempre eram levados para lá.

– Tia, é você.

– Nós nos vimos no outro dia na praia, mas não cheguei a ver seus pais. Calma, vai ficar tudo bem, viu? Nós vamos achá-los. Pode dizer como eles são?

Nessa hora Murilo chegou.

– O que houve?

– Ela se perdeu dos pais. Estamos indo no posto policial.

Ela poderia ter ido com o policial, mas naqueles olhos pequeninos eu vi certo medo quando ela olhava para o moço fardado. Como a mulher não tinha se oferecido, eu me meti. Até porque ela então segurava minha mão e não estava nada tranquila. Quando o policial perguntou à menininha, reforçando que pudesse descrever os pais para o caso de passarmos por eles, ela se encolheu mais. Murilo e Vini se abaixaram ao meu lado também para poder falar com ela, que, estranho ou não, acalmava-se mais conosco ali. Murilo passou a mão no rosto dela e ajeitou seu cabelo, cuidadoso como ele sempre foi comigo:

– Hey, não chora, não. Eles devem estar por perto.

Vinícius segurou uma das mãos da garotinha, voltou a perguntar como eram os pais para que pudéssemos procurar melhor. As pessoas se movimentavam por nós numa confusão que seria difícil olhar bem, ainda assim tentaríamos. E foi aí que a menininha soltou a pérola, para o riso contido dos outros:

– Papai é-é um tantão alto que-e nem o moço a-aí, tá de camisa branca e... e é mais bonito que o senhor, tio.

Foi a segunda vez que a menininha tinha o deixado sem muito que dizer. Para disfarçar, meu irmão nos apresentou por nomes e se ofereceu para carregá-la, assim seria mais fácil de encontrar seus pais. De primeira, ela ficou meio duvidosa, aceitou com relutância. Tinha medo ainda do policial.

Não deu 20 minutos no colo do meu irmão, seus pais apareceram transloucados para pegá-la de volta. Nos agradeceram até a próxima vida. Manu, a garotinha, nos deu um abraço e deu beijinhos nos seus “tios”. Dei-lhe minha tiara brilhante, que iluminou ainda mais o rostinho dela, estava se achando uma princesa.

Tive que contar as duas histórias na mesa de Uno, porque Lucas só sabia a primeira parte e Murilo, a segunda. Eu sei que tinha dito que não iria contar, mas naquela mesa, num sei, eu acabei soltando. Além do mais, pelo modo como a conversa fluía entre todos, estava até confortável. Não diferenciava muito o meu status com Murilo, no entanto. Eu queria mesmo era perturbar Lucas.

– Você fala dos outros apaixonados como se não fosse um.

– E não sou. Gostar de uma pessoa não me faz um apaixonado.

– Te faz um bobo achando que não tá, isso sim.

Além de stalker, eu quis dizer. Só que essa informação era confidencial, ele havia acompanhado os ensaios de Megan só para poder vê-la. Confessou-me isso no dia que ela se apresentou no desafio de dança, no dia que Vini chegou de viagem. Agora que ele era o foco da conversa, eu pude cair matando nele, fazendo-o comprar mais cartas. Era prova o bastante que aquele assunto o distraía.

– Ah, eu gosto de você, nem por isso sou apaixonado por você.

Nessa hora duas cabeças concentradas em cartas levantaram-se. Se fosse um novo plano de Lucas para distrair aqueles dois, ele estava conseguindo. Não era bem uma ameaça, era só um estado de alerta. Revirei os olhos para os três – os três apaixonados sim, não podiam negar – e gritei meu Uno. Quem ganhou a partida foi Vinícius, que fez Uno logo depois de mim. Dessa vez já estava jogando limpo.

Na outra rodada, a conversa continuava. Quer dizer, ela nunca parava. A chuva se ainda caía não dava para saber, a televisão ligada tomava o pequeno ambiente por todo, isolando-nos do mundo lá fora. Um programa de seleções temáticas de músicas estava no ar como nossa trilha. Ora e outra alguém cantarolava, geralmente eu. Uma playlist praieira tinha acabado e a apresentadora anunciou uma para dançarinos de pista... onde, dentre Beyonce, Lady Gaga, Destiny’s Child e Usher, estava a Rihanna.

– Essa Rihanna me persegue, é um fato.

– Diz a pessoa que se animou na pista para dançar essa música.

Sim, passava o clipe da Rihanna, Where Have You Been. Meu resmungo foi logo quando a música começou, e Lucas deu uma dançadinha na sua cadeira para fazer uma jogada. Não sei como ele ainda não tinha enjoado a música.

Trilha citada: Rihanna – Where Have You Been

http://www.youtube.com/watch?v=HBxt_v0WF6Y

– Ah, mas na pista tem toda a animação das pessoas e naquele dia eu não estava me importando com a Rihanna. Quando ela gruda na cabeça, ela gruda mesmo. Passei mais dias com ela em mente, esse refrão que não saía nem com rock. Aí quando finalmente consigo arrancá-la, ela volta.

– Então não ande perto da Megan, é o toque de celular dela.

– Vish. Rihanna não é o tipo de música para toque, definitivamente.

– Ah, é? E tem isso agora? Vai dizer que o seu também é personalizado?

– Claro que é. Um toque pode dizer muito sobre a pessoa, senão sobre quem está ligando. Tem que ser uma música que valha a pena ficar na cabeça. Não é o caso da Rihanna.

A bendita ainda tocava na Tv. E eu cantarolava, era irresistível. Já era minha vez novamente e quando fui jogar, vi que Murilo parecia sorridente sobre o que eu tinha falado. Mal ele sabe que eu tirei o Lazy Song dele. Não demorou muito mesmo a descobrir, porque logo Vinícius comentou. Meu irmão pareceu não ter gostado do que respondi:

– Falando nisso, algum problema com o seu celular? Não ouvi mais o seu toque.

– É que desconfigurei as músicas de toque. Acho que já era hora de mudar, não estava mais condizendo comigo.

– E colocou o quê?

– Ainda estou à procura.

Dei de ombros. Era a verdade. Good Life e Lazy Song foram usadas por muito tempo, não me retratavam mais. Por mais que amasse a voz do Ryan do One Republic, além de o Bruno Mars cantar a música perfeita pra meu irmão, eu estava numa época de transição. Transição de músicas, de espírito, de vida, de perspectiva. Estava uma confusão ainda em minha cabeça. Tanto que nem me expressar por um simples toque de celular eu conseguia. Pode parecer bobo ou idiota para os outros, mas eu me frustrava cada vez que o celular tocava e via que aquele toque padrão não batia comigo.

Lucas foi quem ganhou. A partida estava rendendo muito não sei bem por que, as regras eram as usuais. A terceira partida foi Vinícius de novo. Apesar da agitação deles, me senti meio fora de órbita, pois mesmo com tudo que havia rolado pela tarde, sentia que nada tinha mudado, senão mais dúvidas na minha cabeça em relação à mesma história de antes. Eu entrei e saí da cabana praticamente do mesmo jeito, os pensamentos não mudaram em nada.

Não sei como Vini aceitou meu comportamento, não tivemos muito tempo para falar já que logo Lucas teve que sair, meus pais chegaram em casa, a chuva não estava dando muita trégua, nos molhamos para sair da cabana.

Pressenti que algo estava inacabado e não era da conversa com Vinícius.

Conforme a chuva foi avançando noite à dentro, eu temia só por uma coisa. Me fiz de forte, eu ia enfrentar esse feeling ruim que me acometia. Porém, se tratando de uma fobia, nem sempre temos forças suficientes para lutar sozinhos. Não foi bem uma boa ideia deixar meu quarto no meio da noite quando uma luz cortou o céu, luz que pude ver de camarote pelo basculante da cozinha.

Não bastava tudo o que estava acontecendo comigo? O universo tinha que vir e fechar o pacote?


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Notas finais do capítulo

Chuvas, temporais... vamos entender muita coisa no próximo capítulo sobre a aversão da Milena. Ou as teorias que sondam.



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