Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 30
Capítulo 29


Notas iniciais do capítulo

Uns dedos de conversa, uma vontade de bater na Milena e um pouco de amor sobre o casal Flávia e Gui ♥



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Juro que pensei em todas as possibilidades.

Pensei até mesmo em comprar uma passagem e voltar com Flávia e Gui para a capital. Era seu último dia, viajariam logo que o sol se fosse. Se eu viajasse, talvez não me sentisse tão sufocada. Teria como me virar, procuraria Dani ou Bruno, me misturaria à família deles, sei lá, ano novo está perto. Ou com Flávia. Ela me receberia de braços abertos, assim como seus pais. Mas isso seria demais. Quer dizer, minha amiga me daria aquela dura. Ela mesma não concordava com o que eu andava fazendo. Eu tinha de enfrentar de qualquer maneira, tinha começado um novo plano. Também desagradável.

Estava com ela ajudando a arrumar suas coisas. O almoço foi num clima que nem saberia descrever senão desconfortável. Pelo menos para mim. O que tirou a atenção da minha família do que estava acontecendo foi o fato de Flávia, Gui, Leila e Lucas tomarem a voz numa conversa animada. Eu que não estava nos melhores humores...

Puxo o zíper de sua mala com força. O troço tinha travado faz uns cinco minutos. Putz, nem o zíper me dava uma folga. Conversava com Flá sobre os progressos de vovô, ao mesmo tempo em que ria ainda da relação dele com Gui. Eu também não disse a ela que passou pela minha cabeça viajar de volta porque era isso que eu ia dar a eles, tempo. Tempo sozinhos. Quando estiver preparada, ela vai falar. Por isso não pergunto.

– Impressão minha ou você tá num clima pior com seu irmão?

– É que você não viu o que teve de madrugada.

De joelhos no chão, puxo mais uma vez o zíper emperrado em nada. A mala está sobre a cama dela, de forma que fico cara-a-cara com ela – se é que posso dizer que mala tem cara. Se tem, tá rindo de mim. Flávia perambula pelo quarto, ajeita umas fiações, desenrola-os. Nem preciso olhar para seu rosto pra dizer que ela não gostou de saber disso.

– Ai não, vocês brigaram de novo? Mi, isso tem que parar. Tô falando sério. Eu não quero deixar vocês nesse estado.

Respiro fundo. A madrugada foi dose. Não sei como consegui levantar cedo... Acho que meu sono havia se esvaído mesmo. Paro um pouco de puxar o zíper pra verificar o que está travando. Nada, num vejo nada!

– Como eu te disse, meu celular descarregou por ter esquecido o mp3 ligado de tarde. Deixei para carregar pela madrugada. Só que estava com dificuldade para dormir, ou não sabia se estava dormindo e sonhava que tinha a dificuldade... Só sei que levantei. Inventei de pegar água no filtro da cozinha. Lá estava bem escuro. Não quis ligar a luz para não acordar Vini, que estava no cômodo ao lado, e estava sem celular porque ele estava carregando. Então fui tateando as coisas, quase num modo ninja. Mas... sabe quando você sente uma presença? Assim, quer dizer... você ouve uma respiração? E, de tão acostumada ao escuro, você meio que se adapta ao breu e consegue distinguir umas coisas? Pois é, eu senti isso. Gelei e tudo. Aí acho que ele percebeu, e se identificou numa voz baixa.

– Ele? Ele quem? VINÍCIUS?

– Pior. Murilo.

Minha respiração se alterou totalmente pelo medo de quem poderia ser na cozinha comigo. Pensei no ladrão que dessa vez teria entrado em casa. Pensei horrores. Em como me defender. Porém, quando Murilo disse “sou eu”, não tive alívio, tive raiva. Ele mexeu no celular dele para iluminar o ambiente e o vi quase do meu lado com um copo d’água. Aproveitei para ver melhor as coisas, coloquei logo minha água. Ele bufou, talvez esperasse que eu dissesse algo. Aí, impaciente, eu falei mesmo:

– Você devia parar de fazer isso.

– O que?

– Ficar impondo sua presença.

– Não imaginei que estaria aqui.

Não disse mais nada, me retirei. Nem beber água em paz eu podia.

O zíper também não contribuía. Até marcou meu dedo indicador e polegar. Só não feriu porque estava sendo cuidadosa; se dependesse de força, meus dedos cairiam e nada do troço sair do lugar.

– Aqui, deixa que eu puxo isso. Guarda meu notebook.

Iço-me com cuidado por ter passado um tempo de um mesmo jeito. Articulo a mão direita dolorida, estralo uns dedos e sigo para a cômoda, onde descansava a capa do notebook dela.

– Não acredito que você já vai. A gente nem aproveitou o dia direito.

– Ah, Lena, ainda temos um tempinho. Vamos terminar logo aqui que eu quero me despedir de todos. Prometi para seu pai uma partididinha. Hoje eu ganho!

Sorrio de sua animação. Talvez seja meu primeiro sorriso do dia. Ela me abraça. Na realidade, me ataca, caímos na sua cama aos risos. Mais um pouco para o lado e eu teria quebrado minha coluna sobre a mala.

– Vai ficar tudo bem, Mi. Apesar dessa sua cabecinha teimosa, essa sua ideia foi melhor que a última. Só não procure se machucar mais, tá? Nem a ele. Senão eu volto só pra te puxar a orelha. Qualquer coisa, você sabe que pode me ligar.

– Prometo que darei meu melhor. Mas sabe que ele não gostou.

– É, eu vi a cara dele no almoço...

O fato é que eu conversei com Vinícius. Não exatamente terminamos, mas também não recomeçamos. Havia uma lacuna na nossa relação que precisávamos preencher se quiséssemos seguir em frente com nosso relacionamento. Foi isso que eu lhe disse de manhã.

Ficamos no sofá-cama já arrumado, um do lado do outro, de frente para a mesinha da sala, ele na expectativa de falar todo o discurso que devia ter em mente desde a última briga, um mais elaborado do que o que tinha planejado antes do incidente. Ele tentou falar na ocasião... Eu que estava tão assustada com o que tinha feito que nem dei oportunidade de começar algo, parecia fazer esforço. Mas sabia que ele tinha o discurso porque eu também passei tempos planejando um. Só que o dele deveria estar bem melhor que o meu.

Entretanto, eu não queria explicações, não no momento. Precisávamos de calma. Chega de brigas.

– Vini, eu andei pensando... e acho melhor a gente... bom...

– Só me deixa explicar. Fui um idiota, eu se...

– Eu sei. Quer dizer, não sei o porquê de muita coisa. Mas Vini, se quisermos salvar o que vale a pena ser salvo, é melhor ter algumas... mudanças.

– Como assim? O que você quer dizer?

– Não quero que nos magoemos mais.

Saiu num fiapo de voz, mas saiu.

Ele se virou para mim, sentido, a testa franzida, a boca um pouco aberta. Boca que eu poderia fechar gentilmente. Quando acha as palavras, ele as dispara:

– Está terminando comigo? É isso?

– Não.

Assegurei-lhe. A testa continuava franzida. Eu poderia desfazer. Ele meneiou a cabeça e apertou os olhos numa aparente pequena dor do pescoço, que, de imediato, faz com que leve a mão à região.

– Não? Então...?

– Um tempo. Não como eu disse dias atrás, não um tempo separados. Mas um tempo em que a gente... hã... em que a gente poderia, sabe, reaver umas coisas. Você sabe que seu avô estava certo. Aceleramos algo que deveria ter seguido um curso com calma, porque tem coisas que... que a gente não conhece um do outro. Pensa um pouco... as brigas que tivemos, o porquê delas, como a gente espera algo do outro...

– Desculpa, ainda não entendi. A gente não mais namora, tampouco termina?

– Er... algo assim. Como entre amizade e namoro, talvez.

Ele não gostou nadinha. E eu mal podia encará-lo depois dessa.

– Amizade?

– Sim. Quer dizer, não exatamente. A gente precisa se conhecer melhor.

– Ok, a gente se conhece, mas amizade, Milena? Não sei como te dizer... isso não tá entrando na cabeça, não. Eu te quero, entende? Não conseguirei te ver como amiga, nem ser considerado amigo.

– Mas não é bem amizade, Vini. É como que... como posso explicar? Hã... seria como reiniciar, eu acho. Como aquele programa que Murilo fez no departamento dele, de promover o respeito, a ordem...

– Eu te respeito. Nunca fui maluco de te forçar a algo. Ofendi algumas vezes, confesso... e com você eu me descobri ciumento, desculpe. Nem eu sei como começou, só sei o quanto você repudia isso. Só que nem sempre me controlo...

– Justamente. Vamos trabalhar isso. Vamos conversar mais. Você mesmo não disse que queria que resolvêssemos as coisas juntos? Pois então.

– É, só que... não achei que... que seria desse jeito. Então... a que status isso nos leva?

Busquei sua mão, que me aceitou fácil e fez carinho de volta, ele estava bem atento ao que eu dizia.

– Somos namorados, Vini. Não quer dizer que deixamos de sentir algo forte. Só estamos cuidando melhor desses sentimentos. Também não precisamos espalhar isso para os quatro cantos. O que acontece conosco diz respeito só a nós dois e ponto.

– Isso quer dizer que você me perdoa?

– Se você se arrepender, e for de verdade... Se entender meus limites. Se souber do que você bem está se arrependendo.

– Muita coisa.

– Então me mostra. Devagar.

– Mas ainda não gostei disso.

Frisou. E eu ri sem vontade.

– Acredite, eu também não.

Levanto-me da cama, bato na perna de Flávia. Estamos perdendo nossos últimos momentos fazendo nada. Ela logo entende, voltamos à arrumação. As coisas estavam lá melhorando – com grandes aspas de destaque – era o jeito.

~;~

– Te deixei ganhar.

– Mentira.

– Ok, minto.

Essa sou eu abraçada à minha melhor amiga numa “não-querida” despedida na rodoviária. Jogamos uma partida bem completa. Nada de regras extras – senão nunca sairia um vencedor –, só muita gente jogando: eu, Flá, Gui, Vinícius, Murilo, Lucas, papai, vovô e vovó. Os dois homens da casa deviam estar na loja, contudo, houve um problema com os fios de um poste perto do local, teve um apagão na área. Assim, Flávia poderia pagar sua promessa para meu pai de uma última partida. Na falta de luz o melhor que se tem a fazer é reunir a família.

Foi muito bom, tenho que considerar. Papai se mostrou um belo estrategista, só não tão bom quanto vovó Marília, que deu um jeito de derrubá-lo. Lucas como sempre puxou conversa, mais ria que jogava. Gui era outro que tentava me passar a rasteira. Caiu logo com um golpe de Vini. Vovô fez de tudo para acabar com meu namorado, protegido de meu irmão. Já eu não defendia ninguém e nem queria ser! Ser justa ao menos... quem ganhou no fim das contas foi a garota que fez a previsão: Flávia. Se fosse considerar um segundo lugar, definitivamente era de vovó, e eu em terceiro. Comemoramos juntas de qualquer forma. Até mamãe, que só nos observava para aprender a jogar, se juntou. Cantarolou a música do Billy Joel do outro dia e tudo.

– Te vejo ano que vem, Milena.

Rio por saber que o ano que vem está quase aqui conosco. Ainda assim, aperto meus braços ao seu redor por toda saudade que ia sentir dessa minha pentelha. Digo, de pentelhar essa garota. Logo estaremos fazendo a rematrícula na faculdade, animadas por mais um período de estudos até começarem os trabalhos e os resmungos... logo. Tão próximo e tão longe.

Quando a solto, vovô está logo atrás esperando sua vez. É, ela conquistou de vez esse velhinho. Diria que são velhos parceiros pela forma que ele a trata, falando de negócios e da vida. Orgulho-me dela, quase uma irmã pra mim. Deixo-a se despedir dos demais familiares e caminho para perto dos meninos, estavam numa roda conversando. Em breve o ônibus chegaria e, antes disso, eu queria trocar umas palavras com Gui. Em meio a umas risadas de Lucas, Vini e Murilo, peço licença para falar com ele.

– Obrigada, Gui. Por tudo. Você é um grande amigo mesmo.

Ele ajeita a mochila nas costas, aponta para si, depois para mim.

– De nada. Vocês fazem por mim, faço por vocês.

– E pela Flávia?

Seguro um sorriso. Pelo menos uma resposta dele eu queria.

Seu sorriso aberto, porém discreto e embaraçado, é um começo.

– Principalmente por ela.

– Gosta dela de verdade?

– Se não gostasse, acha que eu entraria de penetra numa viagem? Gosto mesmo.

É, ele gosta. E deve ter bem mais tempo do que imagino. Mas não pergunto isso. Assumo minha pose de protetora. Cruzo os braços ante ao peito, a ameaça sai numa nítida voz cômica. Para maior graça, ele acena com a cabeça para Vini um pouco afastado de nós.

– Sabe que te caço se fizer algo ruim, não sabe?

– Tanto sei, como já vi. Meu amigo ali tem um curativo na cabeça pra lembrar.

– Bom saber.

– E aí, você cuida dele ou tenho que me preocupar?

– Não tem preocupação alguma. Boa viagem. Aproveite a companhia. E olha o respeito!

Gui se inclina e nos abraçamos. Das suas costas vejo o veículo de viagem chegar. Aperto-o mais um pouquinho antes de soltá-lo. Prometi matar aula com ele em breve.

~;~

Preciso dizer que essa estratégia nova com Vinícius é uma coisa bem estranha. Pelo menos por esse começo. Ou nos acostumamos mal ou... Sei lá. Sinto uma falta tremenda dele, mesmo tão perto e mais em paz com ele. Não conversamos sobre o tantão de coisa que devemos, mas é assim, tomar um curso lento e fazer uma coisa de cada vez. De certo jeito, entendo o que foram suas atitudes – concordar com elas são outras histórias. Vini estava perdido no meio do meu drama particular, o fato de afastá-lo mais seria quase um estímulo a fazer mais besteiras, por ele não saber como proceder. Além do mais, não era um bem para mim. Para nenhum, na verdade. Confesso que, apesar desse status diferente que propus, um descanso meu coração pôde considerar. Digo isso pelo nível de estresse que parece ter diminuído consideravelmente.

Só não dá para fingir que sou imune a ele. Nem ele a mim, comprovei por ego.

Enquanto Flávia e Gui esperavam sua vez de subir ao ônibus de viagem na ala de embarque, ficamos todos – minha família, Lucas e Vinícius – perto das grades do portão de desembarque chamando atenção para nossa prolongação de despedida. Éramos uma turma animada para fazer graça, contínuos “tchaus” a gente gritava, balançava os braços, desejava boa viagem, bom ano novo, ríamos, os meninos assobiavam alto. Eu não sabia se ria pela cena que fazíamos, por todo mundo do lugar nos observar ou pelo embaraço que eu via na expressão facial de Flávia ao longe.

Muito lindo foi o momento em que, ela entregando a passagem para o atendente da companhia de transporte rodoviário, o mesmo papel que minutos antes usou para esconder o rosto atrapalhado, risonho e vermelho do choro que veio, Gui a abraçou de lado, entregou seu bilhete ao moço que analisava as informações do papel, e a beijou descaradamente, assim, para surpresa de todos. Dela, principalmente. Não somente nós vibramos de onde estávamos, mas alguns dos funcionários das empresas que estavam por perto, umas pessoas que esperavam sua vez de viajar, e até os noveleiros que deixaram de prestar atenção na Tv LCD do saguão para ver um pedaço de felicidade real. Foi curto, uma pena, eles tiveram que logo entrar.

Então, nos poucos minutos que se seguiram, esperando que o ônibus saísse daquela estação e pegasse a estrada, amainamos por nós mesmos devagar, um pouco dispersos um dos outros, a agitação que tanto tomou atenção se espalhava pelo resto do ambiente com aquele sentimento de feliz pelos outros. Além daquele pensamento de “estou doida para ouvir a história dela”, eu também desejei para mim, os olhos cheios do que eu poderia alegar ser por causa da despedida dos amigos caso alguém perguntasse. Que bom que não perguntaram.

Desejei ainda mais quando a visão periférica me mostrou que aquele trecho de cena de Gui e Flá fez o mesmo para outras pessoas. Um pouco afastados de mim papai se uniu a mamãe, que deitou a cabeça no ombro dele enquanto tinham uma conversa só deles, vovô ficou de braços dados com vovó. Era difícil olhar sem não querer.

Talvez esse querer fosse tão forte que quando senti uma presença, antes um pouco à minha esquerda para seguir às minhas costas, e senti que braços nus passaram por meu dorso, de primeira eu não acreditei. De qualquer forma, somos um casal, lembrei. Os braços passaram por mim, aninharam-me, cruzaram para me segurar. Senti seu peito de encontro a minha coluna, sua respiração de altos e baixos, minha pele por todo se arrepiou, ainda mais com o acesso que tal toque me dava aos fortes batimentos cardíacos dele. Ele sabia como desregular minha respiração, digamos.

Por instinto fechei os olhos, a sensação se tornava melhor, a expectativa do que eu não sabia o que esperar a me preencher por completo, de maneira que tal dose de Vinícius era instigadora para a busca de mais. Mais, muito mais, minha saudade gritava por dentro.

Aos olhos dos outros podíamos ser só mais um casal se abraçando, enquanto que para mim o toque era algo maior que isso. Era minha pequena dose para ficar aturdida, mesmo com tão pouco. Eu não via nada além do escuro, olhos cerrados, pois a única coisa que eu queria era sentir. Sabia que não haveria beijo algum, ele era muito cuidadoso para me roubar um ante nossa condição para relacionamento. Não nego que quis, só... não era a hora. Quase sorri por isso se não fosse uma constatação frustrante. Mas como não teria mesmo, tratei de aproveitar pelo menos essa surpresa, segurei suas mãos num abraço a mim mesma, o qual lhe abarcava e ousei quase deitar-me nele, arqueando-me sem sair do lugar para encostar minha cabeça em seu ombro, ter maior acesso a ele.

Respirei seu perfume devagar, inspirando-o com o nariz tocando de leve um espetado queixo travado. Meus cabelos deviam estar lhe fazendo cócegas, imaginei também. Era a denúncia dos efeitos que eu causava nele, alegria interna minha por ter uma resposta sutil, mas imediata de seu corpo reagindo ao meu, eu retribuía devagar. Trêmula pelo pequeno prazer, algo me subia por uma leve tensão. Se ri com isso, não sei dizer, o meu deleite era delicado demais para eu ter controle do que era externo. Ele engoliu a seco, mas não disse coisa alguma. Nem quando ainda inebriada de seu perfume masculino em boa medida me incitou a tocar-lhe mais. Com uma mão firme em seu braço, a outra foi levada de encontro a seu rosto, um pouco acima de mim, paralisado sobre meu ombro esquerdo. Sob o leve toque, a maçã do rosto de Vini entregava seu sorriso largo.

Eu estava longe com ele. O fato de ouvir o diálogo da novela passando na Tv ali próximo, as conversas das pessoas que não paravam, a zoada feroz de ônibus chegando e estacionando na ala dos veículos, o movimento de embarque e desembarque da rodoviária, tornava público, à vista de todos. Entretanto, naquela nossa bolha particular só nós dois sabíamos o que de verdade se passava no momento, o resto era resto, não importante. Era algo tão nosso que ninguém poderia imaginar, só interromper. Interromperam, para meu desgosto, logo que senti que ele se mexeu e deixou um leve beijo demorado na palma que lhe segurava o rosto, beijo esse que se espalhou por mim inteira em caso de segundos. Seria o único da noite, pensei.

Foi vovô que me alertou para voltar à realidade ao proferir que o ônibus estava se mexendo, era hora de voltar para casa. Abri os olhos de imediato, ambientei-me novamente. Meu braço levantado deslizou de volta, respirei fundo, tinha que controlar meus anseios. E minha vontade de sorrir largamente.

Enquanto caminhava para o estacionamento não deixei de olhar de relance para Vinícius, num sorrisinho discreto compartilhado. Mais uma vez separados, eu deveria me sentir pelo menos saciada, tive algo dele só para mim. Ainda sim, queria mais.

Como na ida eu estive no carro de Lucas com meus amigos, me dirigi para o carro de meu irmão, que carregava uma melhor aparência do que quando trocamos um contato visual por acaso na retirada das malas dos carros para levar Gui e Flávia na chegada à rodoviária. Se ele estava considerando o começo do reconciliar meu com Vini como uma vitória para si, era bom que desistisse da ideia. Murilo não estava próximo de nada comigo. Se fosse preciso reforçar, o faria – e fiz, mais tarde. Por isso fui no banco de trás, deixei que Vini ocupasse o lugar do carona.

No jantar, eu quase tomei minha canja preferida sem torradas, porque elas estavam longe de mim, próximas de meu irmão à minha frente. Tudo que ele fazia, mesmo que fosse um simples inspirar do ar para seus pulmões, me irritava no mesmo instante. Assim, hesitei em pegar torradas quando ele as postou do meu lado. Não sei como cheguei a esse estado, odiava por ter alcançado tal ponto. Me repugnava por minha própria atitude, mas era inevitável. Eu não tinha ideia de como salvar a nós mesmos, nenhuma, para minha decepção. A raiva não tinha passado, a dor era mais embaixo.

Não participei muito da conversa na mesa porque falavam do balanço da loja e como todos teriam que levantar cedo mais uma vez, para dar fim àquela trabalheira danada. Quando eu falava algo era mais pelo que Flávia tinha me atualizado, até mesmo do programa de controle que tinha ensinado vovô usar. Mesmo a presença de Vinícius ao meu lado não fez do jantar um jantar de apresentação oficial que minha família provavelmente esperava. Melhor que as coisas assentassem mais, a história do incidente era recente e o próprio se recuperava aos poucos pra ser bombardeado por todos com as inconveniências clássicas de uma “entrada” na família.

Mamãe quis conversar “aquela conversa que ficou para depois”. Ficou novamente para depois, ela estava cansada do dia, do trabalho, mais bocejava do que articulava algo. Despachei para que pudesse se recuperar, o dia seguinte seria puxado, tivemos a perda de Gui e Flávia como voluntários, e eu mesma não pude me oferecer para ir ajudar se Vini não poderia ir também. Ela quis que eu ficasse no quarto que tinha sido designado a ele, para que Vini pudesse se deixar o sofá-cama e mudasse para o quarto que eu tinha ficado com minha amiga. Eu ia, sem me importar de ficar num quarto do lado de meu irmão, mas, para surpresa de todos, Vini que não quis.

– Não quero abusar da hospitalidade. Deixe-me apenas comprar um abajur.

Ninguém entendeu a piada. Nem sei se entenderam que era uma, já que tal resposta foi tão afirmativa e firme que ficou difícil alguém notar o que ele quis realmente dizer. Bom, imaginei eu que se tratava daquele episódio que tivemos antes de ele deixar minha casa, coisa que me fez rir discretamente para não chamar atenção. Na verdade, o que eu quis na hora foi um merecido facepalm, mas ficaria bem na cara. Que bom que estávamos todos cansados, assim foi fácil ninguém exatamente perguntar o que ele queria dizer com aquilo. Só vovô que tornou a resmungar. Soltou um “antes não tivesse dito nada” baixo e se retirou com vovó que o levava. Ela dizia “para de implicar com ele, Luiz” enquanto estavam no corredor.

Também estava com sono. Havia acordado cedo por não ter dormido bem do embaralho que era minha cabeça, tinha minhas esperanças de dormir mais tranquila essa noite. Engando meu, percebi quando deitei a cabeça em meu travesseiro.

O caso é que, já dentro de um pijama, eu esperava Vini tomar seu banho e ser atendido por Leila, que o esperava para trocar o curativo da cabeça. Ia fazer sala para ela, porém, mamãe o preferiu. Ela estava mesmo cuidando de Vinícius como se tivesse o adotado. No meu quarto, aguardava todos se dispersarem para fosse eu a última a checá-lo. Queria um pouco mais de tranquilidade que pudesse pegar dele, mesmo que nada acontecesse. Para não ficar de bobeira, fui checar algumas coisas no meu notebook, fiquei ouvindo música e nem percebendo realmente o que tocava. A playlist era bem aleatória, assim como meus pensamentos do momento.

Se eu não tivesse levantado, talvez não tivesse percebido que alguém estava na minha porta observando. Estaquei quando vi Murilo quieto, encostado ao vão como quem não quer nada. Calado ficou, sem necessariamente me olhar, então, para não dizer que eu procurava conversa com ele, também não cheguei a falar nada. Continuei o que fazia, organizava minha caixinha de joias, teria que devolver o colar de vovó.

– Se ele diz “it’s never too late”, eu acredito.

– O quê?

– A música. Tá tocando “Never too late” do Three Days Grace.

Trilha sonora citada: Three Days Grace – Never Too Late

http://www.youtube.com/watch?v=lL2ZwXj1tXM

Eu não tinha me tocado até ele falar. Estava no refrão final e eu sabia que dali iria pular para outro artista qualquer quando finalizasse porque o botão de aleatório estava ativado. Fechei a caixinha na prateleira da parede, me movi para a cômoda onde estava o notebook aberto, mexi no touch pad, acessei a lista de músicas e dei play numa outra, para que entendesse uma mensagem diferente de “Never too late”. O play foi em “Let it die” da mesma banda. Ele conhece bem para perceber o que eu quis dizer, nem precisava ouvir atentamente a letra conhecida que dizia coisas como “você me culpou”, “você disse que eu não tentei”, “só não quero mais ouvir isso” e “só não me importo mais com você”. Não me virei para assistir que expressão ele fez. Mas ouvi o que ele disse, palavras pesadas.

Trilha sonora citada: Three Days Grace – Let It Die

http://www.youtube.com/watch?v=w4KYPAfe11o

– Você não sabe como essas coisas que você diz me machucam.

Eu não as disse, elas que ficaram subtendidas. Porém, não foi isso que respondi:

– Sei que machucam. Por isso mesmo as digo. Porque você me magoa, vive me magoando. Nem que seja em outra moeda, eu pago de volta.

– Você não devia dizer essas coisas. Eu me preocupo de verdade com tudo que acontece com você. Pensei que tivesse superado sua fase rancorosa. Pensei que... não mais brigaríamos como antigamente.

– Bom, também pensei. Você não devia fazer as coisas que faz. Pensei que tinha parado, que estivesse aprendendo aos poucos. Para de tentar fazer o que acha certo, só para de fazer o que quer que ache que vá melhorar... porque não tá melhorando.

– Eu ainda não entendo como... como “aquilo” desencadeou tudo isso. Você é minha irmã, te amo acima de tudo e de qualquer um. Independente disso que você faz, eu não vou desistir.

Ele saiu batido.

Certo. O pesar me pegou.

Infelizmente achei ter conseguido paz para a noite.

Infelizmente percebi tarde demais o que eu estava fazendo.

Pensei estar sóbria das ideias quando na verdade estava trocando tudo como uma bêbada inconsequente. Ele, em sua quase inocência ou ignorância do que verdadeiramente aconteceu conosco, como deixou claro, era um lembrete que tinha se perdido por nossos caminhos, coisa que o pesar me trouxe de volta. Me avisa tardiamente que lido errado com isso, que Murilo, um pouco mais consciente que Vinícius, era outro perdido no meu drama particular. A real razão me volta à mente para dizer que o concerne do nosso caso não era o que ele pensava, e mesmo assim, não dava para dar-lhe a razão que achava que tinha. Ele foi errado, mas eu fui a primeira.

Murilo não tem o mínimo conhecimento sobre a ferida que costurei de Denise. Não sabe o que escondo ou o porquê, coisas que já soltei em meias verdades sem que ele pudesse juntá-las devidamente. Sou muito burra! Burra ao quadrado, ao cubo, burra, burra, burra!

Tão burra que não estava medindo minha própria mágoa, nem as facadas que estava dando. Flávia mesmo tinha me enfatizado, chega de machucados, e lá estava eu golpeando-o numa nova prestação conforme me parecia uma defesa. Revidava o que não chegava nada ser no mesmo nível. Porque sou uma idiota burra que sabe bem de intenções medidas, enquanto ele não. Devia estar consertando a bagunça, não incitando mais! Isso não é equilíbrio!

Fechei minha porta e nela praticamente me debrucei. Eu sou definitivamente a pior pessoa do mundo, decretei-me. Levemente bati a testa onde estava encostada. Perguntava-me... cega demais... Por que não vi antes? Tava tão na minha cara! Eu considerei isso para Vinícius... Depois de muita culpa, claro, de tê-lo acertado com o vaso.

Então... foi isso? Tive que dar o golpe master em Murilo para entender? Tive que chegar tão baixo para perceber uma coisa dessas? Preciso urgentemente rever meus conceitos, nada pode progredir pelo que ando fazendo. Ele não me merece tão burra, mesmo sendo a irmã dele.

Agora sou eu quem não sabe como proceder.

Com uns espasmos de choro contido, tentei me controlar para não caçar o maldito diário que estava num confim de minha mala, lembrete máximo de minhas razões. Procurei apenas deitar-me, enrolar-me nas cobertas e de alguma forma não sentir o que era o frio que se passava em meu coração. Não era do ar-condicionado, era das minhas atitudes.


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Notas finais do capítulo

Pelamor, até que enfim a ficha caiu!
Como não machucar mais o Murilo (e/ou o Vinícius), google pesquisar XD



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