Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Algumas explicações para vários pontos escuros.
Milena em busca de um novo plano.



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Que me chamem de paranoica se o comportamento de Murilo não é de deixar um encucado. Mas antes fosse só isso para ficar encucada. Passo uns dias off com Vinícius e... como assim ele veio de carona com o pai? Até onde eu sei, ele nem queria saber de Filipe tão cedo.

Se Flávia não conseguisse um bom trabalho na área administrativa – que com certeza ela logo vai arranjar com tanta determinação que essa menina tem – ela poderia muito bem investir em investigações ou algo do tipo. Ela é tipo minha detetive particular agora, anda desvendando tudo pra mim. Ainda preciso compensá-la de alguma forma.

– Pois é, Gui não sabe bem dessa parte do pai dele, os dois só pegaram carona com o tal. Disse que na noite de fim de Natal, Vinícius tinha ligado pra ele para saber de alguma orientação sobre como chegar aqui, pois precisava das informações naquela hora e o sinal de telefonia não estava completando ligações para cá. Vini sabia que Gui devia ter conhecimento de algo porque uma vez você mencionou a ele que enquanto fazia uns planejamentos comigo, Gui estava por perto. Acontece que Gui lembrava umas coisas. E também de última hora pediu uma carona, aproveitou a empreitada. No dia seguinte, pegaram estrada, chegaram de noite. Foram deixados na rodoviária, onde Murilo foi buscar. Por isso ele sumiu naquela hora perto da apresentação, foi a hora que soube que os dois tinham chegado.

– Me parece surreal ainda. Me passa o suco.

Estamos eu e Flávia à mesa almoçando. Ficamos por último, o que era bom, porque podíamos conversar mais a vontade enquanto ela me contava o relatório do que havia descoberto. Murilo estava no meu quarto de papo com Vinícius para me deixar almoçar com tranquilidade. Depois iria voltar para loja e levar minha amiga, ela estava desenvolvendo umas ideias com vovô, que está esperando por isso.

– Depois de pegá-los na rodoviária, Murilo foi bater lá na casa da Leila para pedir hospedagem para os dois. Não seria legal aceitar só Vini aqui, né? Além do mais, ele pensou que fosse melhor enquanto vocês estivessem em lugares diferentes, para todo o caso de o reencontro não dar certo. E não deu... Parece que seu irmão ficou um bom tempo segurando Vinícius lá na boate, estava atrás de ti. Quando estávamos lá na praia, eles nos ligaram umas três vezes... uma pra Gui, duas pra mim, queriam saber a profundidade do estrago. Já nessa manhã...

Seguro firmes meus talheres em ansiedade ao relato. Melhor levar as garfadas calmamente e com tempo entre as mastigadas. Qualquer informação poderia me fazer engasgar. Penso nisso com esse suspense que Flávia faz por prolongar um vácuo e hesitar de falar o que sabe. Cuidadoso sim, mas que piora a ânsia de desvendar tudo, querer saber tudo de uma vez. Aí entendo que não exatamente estava hesitante, estava apenas terminando de engolir o tinha levado na garfada anterior. Inferi o que eu sabia para dar o tempo suficiente.

– Murilo me confessou lá no hospital que ele tinha algo a ver com a história de Vini aparecer aqui. Eu estava sentindo que ele tinha dedo nisso.

– Bom, Gui me disse que eles acabaram levantando meio cedo. Dividindo o mesmo quarto, ele perguntou a Vinícius o que tinha acontecido lá dentro da boate com vocês. Falou que uma crise de ciúmes lhe acometeu de forma que perdeu o controle do que estava dizendo, disse coisas que não deveriam ter sido mencionadas. O que ele disse, hein, Mi?

Tomo um gole do suco, pauso para respirar. Trazer a memória do que foi a noite passada era cansativo demais, no entanto, tinha de fazê-lo se quisesse entender o que estava acontecendo.

– Primeiro ele insinuou que eu estava com Lucas, depois se revoltou porque achou que eu estava bebendo com ele, enquanto que era na verdade Vinícius que estava tomando cerveja. O fato é que Lucas finge que bebe, porque seu chefe acha que tudo é algum tipo de propaganda... enfim, entrei na brincadeira. Lucas ficou na água, eu no suco, só que com embalagens de cerveja, o que eu estava bem disposta a explicar, se não fosse o surto de Vini de citar um tal de beijo que ele “sabia” que eu tinha dado.

Tive que largar meus talheres ao prato pra gesticular aspas. A expressão perdida de Flávia define bem o que foi minha reação na outra noite sem eu ter que explicar. Pra se ver como aquilo foi irracional.

– Pera, que “beijo” foi esse?

– Pois é, nenhum. Nenhum que eu saiba. Quando eu perguntei de onde ele tinha tirado isso, ele me respondeu mal, usando um apelido que uma vez eu tinha citado por cima... Me chamou de “cariño”, que era como Eric inventou de me chamar quando estávamos namorando no primeiro ano. Mas eu nunca tinha dito isso antes para Vinícius. Isso não faz sentido... não era o meu Vini falando. E foi tão ofensivo o jeito que ele me tratou que eu saí em disparada... Ao bater o olho em Murilo que minha raiva edificou. Porque só ele poderia ter falado coisas de mim, só ele!

– Teu irmão é um caso sério, viu. Cada minuto que passa as coisas mais se enrolam. Tá pior que fio de fone do celular dentro de bolsa, difícil de desatar, difícil de achar as pontas. Mas aí, outra coisa pra também não fazer sentido: Gui me afirmou que Vinícius cumprimentou Lucas de boa hoje. Se ele foi a razão de parte da briga de vocês, como ele estaria tão calmo pela manhã?

– Aham. Lucas me disse quando voltávamos do hospital, que tinha conhecido Vini. Na hora nem me toquei do que tinha dito, confesso. Minha cabeça tá que tá de confusão toda hora. Mas então, como Murilo tá envolvido no caso de hoje?

– Pelo que Vinícius me contou, seu irmão ligou falando de um suposto plano de reconciliação. Uma oportunidade para desculpas, sabe. Quando viu que você não iria para a loja, ele foi avisar que você ficaria sozinha.

– Essas coisas parecem com ele ao mesmo tempo em que não. Quer dizer, plano furado é cara dele, mas ficar incitando um cara a ficar comigo sozinha...

– É, teu irmão anda com uma sanidade suspeita, mais do que já era. Ou algo tem mudado naquele coração dele, vai saber. Vocês também têm que ver isso aí. Logo, espero. Quanto ao que Vini me contou durante seu almoço, ele disse que quando teve coragem de vir, ele ia tocar a campainha. Só que ele ouviu que tinha alguém na cozinha, então decidiu bater na porta da cozinha que fica na varanda. E aí...

– E aí...?

– Ele bateu e te chamou. Chamou por “Lena”. Acontece que quem estava lá era tua mãe, Helena, que também é chamada às vezes por “Lena”. Ela me disse que achou que era algum vizinho pedindo ajuda, aí Vini entrou e a gritaria começou. Porque eles não se conheciam. Não adiantava o quanto ele dizia que não era ladrão, ela queria dar com a vassoura nele. Mais um pouco e você deu com o vaso na cabeça dele.

– Poxa, Flá, não ri, caramba! Isso foi sério!

Eu falo, ela ri mais ainda. Nego com a cabeça sua atitude para pelo menos ela se controlar. Nada, o máximo que faz é cobrir a boca com as mãos para rir baixinho. Depois respira, achando eu que seria na intenção de parar a coisa toda, aí ela começa a descrever o que passava na sua cabeça. Sei que passava porque seu rosto se expressa de uma forma que dá a entender que parecia ver a cena ao vivo.

– Desculpa, Mi, só que... imaginar tua mãe querendo atacar o Vinícius com uma vassoura.. Olha, se não tivesse terminado em desastre, você também estaria rindo.

– Ai, ai, Flávia. Só você para querer rir agora. Nem sei dizer qual parte é a mais triste. São muitos indicados para o prêmio.

Tá, ela para de graça. Incrível como ela muda o tom de brincadeira pra sério. Limpa a boca com um guardanapo antes de me colocar na parede. Estava demorando.

– O negócio é que, Milena, independente de tudo isso, independente de você saber isso agora ou não ter conhecimento antes, o que você fez no hospital, de não falar com ele... pra mim continua errado. E nem vem com esse olhar... Vocês só precisam dar uma chance de fala ao outro, explicações Milena, não brigas. Chega, né?

– Poxa, você sabe que eu tento! Mas se mexem com minha honestidade, sabe como eu fico. Além do mais, são eles que estão se forçando, só justificam suas ações quantas vezes forem necessárias até que eu as aceite, que os perdoem. O buraco é mais embaixo, Flá, você sabe. Eu pedi um tempo, eles não me deram, ficaram me rondando esse tempo todo. Tenho muita coisa para sentir sem ter espaço para colocar no meu coração, ou na minha mente. Isso me sufoca. Por outro lado... meu Deus, eu sinto saudades demais deles. Eu não quero abrigar todo esse sentimento ruim, não mais, entende? Como eu faço parar?

– Sinceramente, gostaria de ter essa resposta, Mi. No fim, você tem que decidir.

Isso me leva a proferir algo que me passou pela cabeça depois dos últimos acontecimentos. Não esperava dar voz a isso tão cedo se não deixava de ser algo muito em princípio. Pelo visto, teria que tratar de dar um desenvolvimento a isso em breve, para meu desgosto.

– Estava pensando numa coisa... acho que Vinícius não vai gostar muito. É para nosso bem, é o que mais me fez sentido. No entanto, dói. Dói de pensar na possibilidade, de chegar a mencionar isso a ele...

Ainda bem que tenho Flávia ao meu lado, mesmo que não concorde com parte de minhas atitudes. Sinto que estaria mais perdida se estivesse que lidar com tudo isso sozinha. Dois contra um é maldade. Principalmente se esses dois se tratam dos ex-dois homens de sua vida.

– Se é o que você acha que seja bom para vocês agora, tente ao menos... E quanto a Murilo, alguma coisa? Ideias?

– O mesmo, a indiferença. É um dos poucos modos de atingi-lo. Isso é bem diferente do que ele já fez no passado... Estou começando a achar errado o modo como tenho lidado – comemore se quiser. Não da forma que você tem dito nos últimos dias, mas... não sei se dá para achar um equilíbrio novamente como eu fiz da vez passada. Não do mesmo jeito, sabe? Talvez não se aplique para esse caso. E se não se aplica, me resta a considerar o que deve então. Aí fico sem plano de novo.

– Pense em ficar sem planos dessa vez então. Deixe-se levar um pouco. Dê ouvidos ao seu coração... a razão não é a única que pode ter “razão”. Os dois machucam, nós sabemos. Temos de tentar, de qualquer forma.

– Você fala de Gui agora, não? Eu aqui com meus dramas, e você sem me contar os seus.

Flávia suspira levemente. Sim, falava parcialmente de mim e dela ao mesmo tempo. Por terminar de comer, deixa os talheres sobre o prato e o afasta para pousar os braços à mesa. Deita ali sua cabeça com calma, balança-a devagar como se estivesse assentindo. Ela não parece muito alegre.

– Estamos nos resolvendo. Dando tempo ao tempo. Não quero que ele se apresse em nada por causa da família dele. Assumirmo-nos perante eles pode acarretar uma guerra mundial quem sabe. Aquele chega pra lá que me deram... bom, é difícil de lidar sem parecer que estamos nos forçando a algo.

– Gostaria de fazer alguma coisa por vocês. Gostaria de ter captado isso antes. Acredita que Vinícius sentiu a vibe de vocês naquele dia na praia? Ele disse por alto sem entrar em detalhes. Me pergunto até agora em que mundo eu estava...

Divago um pouco, ela se manifesta. Levanta o rosto num átimo que mostra sua tensão. É, sei como ela se sente.

– Ainda bem foi só ele! Aquilo foi tenso o bastante para ter mais um percebendo. Pelo menos você só tem a se preocupar com um familiar de Vinícius. Já eu... melhor não contabilizar.

– Só espero não dar com a vassoura em Djane, porque olha, já dei um soco no pai dele, o avô teve um treco numa reunião e eu tive a brilhante ideia de sumir com as chaves do carro... e agora o caso do vaso. Tenho medo de perguntar o que mais virá. Que não venha.

Tá, acho que posso brincar agora. Rir pra não chorar, diria a Dani. É o melhor jeito de sobreviver às tragédias da vida, suavizando-as. Faço o mesmo que Flá, afasto o prato ao terminar o almoço para poder me debruçar à mesa. Nada mais que suspiros nos cobrem, todas as complicações são nossos infortúnios. Lucro, pergunto onde você está. Se vai demorar pra chegar.

– É, que não venha. Ah, outra coisa. Bem, eu não entendi bem essa. Gui disse que tinha uma mulher com quem Vini falava na viagem. Murilo comentou dela, diz que não confia bem nela... Não lembro o nome agora. Íris? Algo assim?

– Iara! Iara também está envolvida. Céus!

Não sei por que ainda me espanto, sério! Um mistério nunca vem sozinho.

– Quem é Iara?

– A irmã de Vini. Meia-irmã na verdade. Eles também não se bicam muito, implicância dele por conta do pai.

– O Vini com irmã? Quem diria...

Não tem quem não levante as sobrancelhas diante dessa constatação.

– É, e você a conheceu.

– Eu?

– Lembra daquela ruiva numa moto?

– Ruiva numa moto? Oh. OH. Era ela? Caramba!

– Ela até que é legal, Murilo que ficou com um pé atrás com ela. Por causa daquela história de ficar vigiando a gente e tal. Engraçado que eles falam que costumo perdoar fácil as pessoas. Agora podem sentir na pele que não é bem assim.

– Só não precisa ser tão enfática, né? Bom, agora é melhor eu ir, senão seu avô fica colocando Gui na parede. Ao que parece, ele não gostou de nenhum desses dois desde a chegada deles. Não sei por quê. E olha que Gui é bem prestativo.

– É que aqui ciúme é de família, passado de pai para filho. Pra você ver como eu tenho simplesmente TRÊS gerações de ciumentos na minha cola. Vovô gostou muito de você.

– Você não tá ciúme, tá?

– Não. Acho bonitinho demais. Mas vai lá, quero saber tudo depois.

– Tudo o quê? O balanço da loja?

– Não, o “balanço do amor”.

Rio descarada enquanto minha amiga insinua um sorrisinho de sem-graça. Foi um belo de um trocadilho improvisado, pois já tínhamos assistido a um filme chamado “No balanço do amor”. Infelizmente seu “amor” não estava em ritmo de música... não ainda. Ou “ainda”, se dizem que se sabe quando se está apaixonado quando as músicas fazem sentido. Vi outro dia isso numa série de Tv.

Ela se levanta num timing perfeito que meu irmão aparece do corredor para sala balançado o chaveiro que contém a chave do carro. Minha amiga vai ao seu encontro para dizer que só iria escovar os dentes e pegar suas coisas para saírem. Ouço seus passos caminhando um tanto depressa, vão ecoando ao longe definindo a distância. Passos hesitantes se fazem mais próximos... Param. Desistem. Esperam. Se vão logo que Flávia reaparece dizendo “vamos”.

Eles ainda me deixam mais encucada.

De qualquer maneira, tenho mais o que fazer agora.

É, eu não paro. Esses dois não me deixam parar.

~;~

Quão forte eu bati na cabeça de Vinícius?

Fico tentada a falar isso alto quando o próprio se apresenta devidamente arrumado na cozinha para o desjejum da manhã que iniciava. Quase cuspi meu café. Deveria ter cuspido, pois engoli-lo foi uma decisão errada quando senti que o líquido morno inventou de descer pelo lado errado. Era pra eu sentir no estômago, não no pulmão. Por isso minha voz saiu meio áspera e sem força, seguida de uma tossida breve de engasgo pra fazer tudo seguir seu caminho certo no organismo. Bom, se tivesse cuspido, teria pegado no meu irmão, que estava próximo o bastante. Seria um fato interessante de provocá-lo sem na verdade levar a culpa por isso. Atingi-lo por sutilezas estava sendo meu lema com ele. Por enquanto.

O “bom dia” de Vinícius foi um espanto, na verdade. Ele “chegou chegando” de mansinho para surpreender a todos. E não parou no “bom dia”, que se pode dizer ser o motivo do café ter passado pelos caminhos errados do meu sistema:

– Vou com vocês para a loja.

– Nãã-ÃÃÃO!

Baixo a xícara de imediato. Sem mais estragos com a louça, né? Já me bastava ter quebrado o preferido de vovó... Mamãe poderia se magoar ou algo assim. Todos que estavam à mesa na copa pararam o que estavam fazendo para ver a cena. Que não era das melhores, devo acrescentar.

Primeiro porque é melhor Vinícius não estar falando sério. Segundo porque sinto vovô ao meu lado na vontade de responder algo não muito legal de sua parte. E terceiro porque eu já tinha falado para mamãe que iria ficar em casa novamente, dessa vez por causa dele – e que não precisaria se preocupar, porque não faríamos nada. Tanto que eu estava de pijama.

Porém, lá estava Vini vestido informalmente, mas adequado para um serviço que nem implicava a ele contribuir. Está até sem a tala. Não sei como não percebemos seu movimento pela casa... ele dormira na sala, poxa! Ninguém o viu se aprontando. Ele parecia ter um sono pesado quando eu passei lá um tempo antes. Pensei que era efeito do remédio.

Pelo menos Murilo também se mostrou preocupado com o fato. Será que também se perguntou sobre a força que fiz para tacar aquele vaso na cabeça do outro? Porque mais uma insistência de Vini e eu usaria essa questão como argumento, ah, eu usaria.

– Cara, você não pode.

– Por que não? Me sinto bem.

– É, até você sentir alguma coisa, né?... Ouviu o que o médico disse. Nada de estripulias, nada de esforços. Você tem que descansar. Nem vem.

Ok, isso foi estranho.

Estranho do tipo “eu sou seu pai e tenho dito, fica sem sorvete”.

Então todos na mesa retomam o que faziam ao mesmo tempo em que começavam um burburinho de concordância. Mamãe foi a que mais se destacou, enfatizando bem que ela também não permitiria uma coisa daquelas... usou ainda o argumento de que ele era uma visita. No dia de me explorar – e aos outros – ela usou um totalmente contrário, praticamente, o que não vem ao caso.

Mas não é por esses dois ou por ela que levo a mão à testa num facepalm. Não. Apesar do burburinho, houve um que preferiu ser mais... cuidadoso em falar algo. É por vovô que retruca baixinho para si:

– Garoto folgado.

Na hora de todos saírem, mamãe esperou ser a última só para reforçar seu recado. Que eu prometesse mais uma vez que não faria “nada de mais” enquanto estivesse sozinho com Vinícius. Foi horrível, claro, a forma como eles se conheceram, mas, carinhosa como ela é, se vê responsável por ele.

Posso afirmar isso só pela forma como conversamos no dia anterior, antes do jantar quando vovô mais uma vez fez um comentário desnecessário que nem vale a descrição. Se esse seu comportamento continuar, eu vou ter que falar seriamente com ele. Isso porque vovó já puxou sua orelha. Não sei o que deu nele esses dias. Mas voltando a falar de mamãe...

– Não ligue para o que seu pai ou seu avô dizem.

– O que eles estão dizendo?

Eu ainda não tinha ouvido muita coisa de papai.

– Nada importante. Rum, se fosse com o Murilo, eu iria querer que cuidassem bem de meu filho. Além do mais, já tínhamos combinado tudo, não? Uma pena foi essa forma de conhecê-lo.

Pena é pouco, gostaria de falado. Eu a ajudava a colocar os pratos na mesa de jantar, dona Tili logo terminava de preparar. Como todos tinham acabado de chegar praticamente, estavam espalhados pela casa. Só não Flávia, que ficou na porta com Gui. Eles tinham que tirar seu tempo, eu torcia. Só que vovô foi o primeiro a entrar em casa, e viu quando Vini saiu do meu quarto. Me deixei distrair e ser “pega”. Temi que ele falasse algo com papai, então foi preocupante ouvir isso de mamãe. Mas a comparação que ela faz de Vinícius e Murilo me conforta mais. Não que eu fosse dizer a minha mãe que isso me lembrava de Djane, que aceitou meu irmãozão como dela também.

Então estremeci por dentro levemente por fazer um tempo que não pensava assim de Murilo... aceitando esse ser, irmão, como um tipo de adjetivação. Felizmente não haveria alguém para perceber isso. Aí que mamãe de repente explode, entusiasmada como ela costuma fazer:

– Ah, Lena... ele é adorável. Acho que já sei o que vocês veem nele... E depois quero conversar com você... Quero saber que história é essa de sumir no hospital.

Eu teria que pensar no que dizer. Porque não tem como explicar o que me verdadeiramente aconteceu, se, primeiro, ela não pode saber, e se, segundo, eu não saberia como explicar o que foi aquilo.

A conversa ficou para depois, um depois que ainda não ocorreu. Dei tchau e bom dia antes que ela saísse, recebi um beijo demorado e um abraço a la seu jeitinho animado que amo. Logo ao fechar a porta, volto para a copa. Ele estava lá, sentado, de costas para mim, calmo, comendo a tapioca que parecia ter descoberto agora tamanha altura de vida. Maior que minha vontade de falar era minha vontade de tocá-lo. Por isso cerrei as mãos em punho e as deixo descansadas e cruzadas à frente do corpo. Eu ia começar pela pergunta clássica do “como você se sente?”... opto, no entanto, como na tarde anterior, em perguntar se precisa de alguma coisa.

É engraçado como quando acontece uma coisa ruim a gente tem essa coisa quase padrão de perguntar “como você se sente?”, alguns sabendo o quão irritante isso pode ser. Eu sabia porque Murilo já tinha feito isso comigo várias e várias vezes, me perguntou tantas vezes depois daquele incidente da delegacia que me zanguei feio com ele. Do tipo de bater o pé e quase o mandar pra um lugar... Claro que sabia que era a preocupação dele falando, ele só NUNCA aprendeu a medir. Às vezes me acho uma tola por desejar que ele aprenda.

Ele abriu os olhos pra mim. Vinícius, não Murilo. No quarto, ele dormiu a tarde toda. Como lá tem ar-condicionado, a porta teve que ficar fechada, deixando-nos sozinhos. Depois daquele almoço com Flávia, já o encontrei dormindo, tão sereno quanto pesado – devia ser do remédio, ecoava minha mente. Estava de lado, de forma que, quando entrei no ambiente, eu poderia dizer que ele estava me recebendo bem, se não fosse o sono que tinha o desligado. A posição que se encontrava, entretanto, era reflexo da pancada. Detalhe para o fato de ele não usar travesseiros, estava de contato direto à superfície do colchão por causa do pescoço, momentaneamente sem tala, e para o fato de estar na minha cama. Parecia que tinha adivinhado, sorri quando entrei.

Cobri parcialmente seu corpo com uma manta. Até relativizei o nível do ar para mais ambiente. Devia estar sentindo frio, porque logo se mexeu de forma a puxar mais o tecido para si, inconsciente. Eu gostava de ver seu lado fora dessa realidade, tinha instintos fortes. Mas não fiquei de pronto observando-o dormir, fui ver meu notebook na cômoda que separava as duas camas, chequei e-mails e diversos sites. Procrastinava e reunia coragem para falar com Djane.

Falei com ela um tempo depois.

Saí do quarto para isso, fiquei no corredor. Apesar de dona Tili arrumar algumas coisas da casa, não me disse nada, tampouco me interrompeu. Mais decidida apertei o botão verde com o número de Djane. No terceiro toque, ouvi sua voz me saudando, feliz. Eu estava para acabar com essa felicidade...

– Minha querida Milena, como vão as coisas? Vocês já se reconciliaram? Estava aqui na torcida por vocês.

Ai meu coraçãozinho.

– Errrr... Djane, podemos conversar um pouco? Você está ocupada?

– Não, pode falar. Espera, aconteceu algo? Vocês ainda estão brigados?

Sim. Não. Mais ou menos. Sei lá.

Próxima pergunta!

– Na verdade, Djane, não é bem sobre isso que eu liguei... é que... bom, hã...

Como eu diria tudo pra ela? Por telefone?

– Milena...

– É que... eu não sei como eu começo a falar, Djane.

– Tente pelo começo.

Pelo começo, certo. Qual o começo mesmo? Roí a unha. Certo. Vou falar.

– Eu me sinto horrível... a pior pessoa do mundo, Djane.

Ok, isso definitivamente não foi o começo, foi uma confissão.

– Querida... o que foi? Por que isso?

Expliquei então, com todo o cuidado que pude conseguir àquela hora. Comecei falando do suposto ladrão, do medo que senti, da minha mãe... falei do meu surto e do vaso. Soltei a bomba final:

– O caso é que... quem tinha entrado era o Vinícius.

Aí sim foi a vez dela de entrar em pânico. Subitamente relatei que o levamos rápido para o pronto-socorro – só não cheguei a dizer que não fora eu quem o acompanhara. Não foi nada, o médico nos disse, foi só um mal-entendido, avisamos ao policial. Tive a memória viva do policial ajudando Leila a levar Vini para o carro. Era algo que me dava náuseas ainda.

Djane demorou muito a se acalmar. Pedi tanto perdão a ela que depois de um tempo parei porque ela não me respondia a isso. Infelizmente, ele estava dormindo para que ela conseguisse falar com ele. Prometi que o faria ligar, não importando o horário, e que mandasse mensagens com qualquer novidade, qualquer que fosse mesmo. Mesmo depois da ligação, eu estava mal. Tanto que demorei a voltar ao quarto.

Quando voltei, ele estava na mesma posição, a respiração calma, como se nada tivesse acontecido. Dessa vez não resisti, segui o que meu coração me dizia. Primeiro sentei na ponta de minha cama e, aos poucos, fui me deitando ao seu lado no espaço que havia, mas de forma que ficasse encostada na cabeceira. Passei um braço por ele, minha mão caminhou sozinha aos seus cabelos, cuidadosa de não passar sobre o pequeno curativo. Ele estava bem, eu me convencia.

Com o ruído do ar-condicionado, preferi deixar meu celular ligado no mp3, tocar a playlist que tinha disponível, num volume relativamente baixo. Foi isso que me acalmou, as músicas que eu não prestava atenção, mas que limpava meu espírito, e a proximidade que mantinha a ele. Acho que cheguei a sentir seu calor sob meu toque delicado. Passei então a tarde toda assim, não sei nem se cheguei a cochilar. Mas minha mente trabalhava, processava tudo o que eu sabia, tudo que Flávia tinha dito, o que eu tencionava fazer. A minha difícil decisão e a difícil forma que teria de enfrentar para levar a ideia à frente.

Então ele abriu os olhos. Na verdade, primeiro ele mexeu a cabeça quando retirei minha mão de seus cabelos para poder me ajeitar melhor. Passei muito tempo numa mesma posição, sentiria os efeitos logo depois. Vi como devagar ele me reconheceu. Como ele me faz querê-lo só de olhar em seus olhos. Queria dizer-lhe para parar de me olhar assim... sei que nunca conseguiria. Nem pedir, nem ficar sem. Por mais que se manifeste da forma que o faz, particularmente gosto. Só que agora é doloroso.

Me ajeitei, ansiosa do que falar. Ia deixar a primeira coisa que saísse de minha boca. E seria aquele exasperado “como você se sente?”. Como não queria transpassar uma coisa dessas, soltei a versão mais controlada.

– Precisa de algo?

– Você.

Rouco de quem estava acordando, rouco de quem estava grogue. Mas que sabia bem o que falava ou porque proferia. Havia determinação na forma que se expressava, não dava pra negar. Quem estava incerta era eu, novamente.

– Vini, você entendeu.

– Não, você não entendeu. Preciso que me perdoe. E-eu...

Não era uma boa hora para meus nervos me traírem. A ligação de Djane, a esperança e desespero dela estavam quentes no meu ouvido, e ele que começa a falar essas coisas... me forcei para levantar.

– Espera, Lena.

– O quê?

– Me deixa... me redimir. Eu posso explicar.

– Você não vê a dimensão, vê?

Levantei, ajeitei minha roupa amassada. Aí que vi que permanecia com o vestido ao contrário. Incrível como deixei passar batido isso o dia quase todo. Iria ajeitar logo, pelo menos.

– E-eu...

– Eu te machuquei, Vini. Essa é a dimensão. Eu te machuquei de verdade.

– Foi... isso só foi...

Da porta o vi sentado, meio desorientado. Quis ser seu suporte, quis não ter isso como risco de algo. A culpa me martelava.

– Eu... eu preciso ir lá fora. Se ainda tiver sono, pode dormir, sem problemas.

Saí sem ouvi-lo mais. Dado um tempo, voltei para deixar um lanche que dona Tili havia preparado. Um sanduíche com suco. Era um pouco tarde já, porém preferi que ele comesse algo que não fosse logo o jantar, ele teria que esperar mais. Disse-me que ia comer na mesa se eu o acompanhasse. Concordei. Ele saiu primeiro, fui logo atrás. Aí vovô apareceu passando pelo corredor. Boa cara ele não fez.

De volta à realidade da copa, fico atrás de sua cadeira. Tinha que falar com ele, logo, só que de todos os inícios que pensei, nenhum era bom o bastante.

– Precisa de alguma coisa?

– Você sabe minha resposta.

– Temos que conversar. Não agora. Não... sobre isso.

Saio de de trás da cadeira, vago ao redor da mesa. Vini afasta a cadeira para que possa se levantar. O meu coração não reage bem, sabendo onde isso poderia acabar.

– Por que não?

– Não estou preparada... Mas por que você quis ir para a loja?

Levanta-se. Havia terminado seu desjejum. Ah se eu pudesse apagar tudo só pra abraçá-lo forte, não soltá-lo tão cedo...

– Queria provar que estou bem. Não quero abusar da hospitalidade de sua família. Não foi nada demais.

Como ele pode dizer uma coisa dessas?

– Claro que foi algo. Você pode dizer o quanto for que não se importa com o que aconteceu ontem, mas eu me importo, eu sei, Vini, eu sei que isso dói. E me dói por doer em você. Mesmo que tenha sido coisa pequena. Eu sei que dói porque já dei galo a Murilo antes. Sei porque o remédio que te deram pra dor foi forte o bastante de te deixar num sono pesado. Falar com sua mãe também não foi fácil.

– Ela entendeu.

– Ela surtou. E com razão.

Ele não sabe quantas vezes ela me ligou depois. Quantas mensagens eu mandei para tranquilizá-la, informando o status que ele se encontrava. Que remédio era esse que tinham receitado. Ela quase me fez ligar para o hospital para saber quem tinha sido o médico. Percebi que se fizesse isso, estaria dando corda a doido. Ele estava “em casa”, não mais na emergência.

– Você que está levando isso pelo lado errado. Mi, não vamos discutir sobre isso, ok? Não vim de longe para isso.

Devagar ele se aproximava de mim. Então resolvi arriscar. Sofrer por antecipação não era pra mim mesmo.

– Então você quer conversar? Mesmo?

Afirma com a cabeça. Muito, muito próximo. Tanto que um passo mais e iríamos no chocar.

– Claro.


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Notas finais do capítulo

Ok, eu também ri de imaginar dona Helena querendo acabar com o ladrão usando uma vassoura XDD



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