–O que foi? –Entrei no casebre olhando ao redor.

As grandes paredes de madeira eram cobertas de pinturas e algumas lâmpadas de luz amarelada iluminavam o cômodo. Uma lareira ao longe soltava vários estalos enquanto a lenha era consumida e o chão era totalmente coberto por um tapete de veludo vermelho. Nos cantos, grandes e elegantes sofás eram apoiados contra as paredes e havia uma mesinha de centro feita de vidro carregando alguns controles remotos da gigante T.V de tela plana pendurada na parede. Não pude impedir que minha boca se abrisse enquanto pendurava o cardigan no cabide e ficava apenas com o suéter de Cam sobre minha blusa de algodão. Senti o cheiro de canela dele invadir minhas narinas e cambaleei um pouco antes de me sentar no sofá e Sam me passar uma caneca cheia de chocolate quente.

–Ahn... Estão acontecendo alguns problemas entre o Trono e Lúcifer. –Cam começou enquanto eu levava a caneca aos lábios.

O observei com cautela. Ele mexia a perna freneticamente, aliviando o estresse. Estava nervoso. Senti a palma da mão suar enquanto sentia a bebida quente descer por minha garganta.

–E...? –Ergui uma sobrancelha.

Cam engoliu em seco, como se estivesse prestes a falar a pior parte.

–E precisamos de um anjo. –Ele murmurou.

A caneca em minha mão desequilibrou e o som da cerâmica quebrando quase foi projetado em minha mente, mas Sam a segurou antes que chocasse contra o chão.

–O... O quê? –Sussurrei sentindo o rosto corando de raiva. –Quer dizer que você me arrastou aqui, tentou me seduzir e fez de tudo para eu ficar feliz e com algum afeto por você apenas para que eu traísse o Trono falando estratégias para Lúcifer?... –Minha voz aumentou de tom gradativamente, ecoando pelas paredes do casebre. Vi Sam se encolher ao meu lado enquanto pousava a caneca na mesinha de centro.

–Givens... –Cam me interrompeu, a voz indecifrável. –Fica calma. Eu não terminei...

Eu já estava de pé, lutando contra as lágrimas estúpidas que se formavam nos cantos de meus olhos. Como eu havia sido tão idiota ao ponto de pensar que Cam realmente sentia algo por mim? Digo, por qualquer pessoa que não fosse por ele próprio!

–Calma o caralho! –Gritei, não conseguia me conter entre soluços.

–Gabbe. –Senti suas mãos em meus ombros enquanto eu cambaleava para a porta.

–Não encosta em mim! –Vociferei fazendo com que Cam me soltasse rapidamente.

Quando me virei para os dois jovens, ergui o dedo indicador para o céu enquanto os encarava, tentando formar um clima de ameaça.

–E, se colocar um dedo que seja em mim novamente, o meu pé vai flutuar magicamente até a sua bunda ou as suas... –Engoli em seco, mas a fúria me moveu a continuar. –Genitálias e as espancar até que você nunca mais possa reproduzir outro ser da sua raça miserável neste planeta!

Ouvi a risada disfarçada e baixa de Sam antes de fechar a porta atrás de mim.

Voei o mais rápido que pude, sem ligar para onde estava indo, sem ter nada em mente enquanto corria as palmas das mãos em minha face sentindo as lágrimas mornas escorrerem. Olhei para o Céu, procurando algum consolo em Trono.

P. O. V. Cam

Gabbe chorava enquanto pronunciava aquelas palavras tão ridículas ou fora apenas impressão minha? Sam se sacudia em risos frenéticos ao lado do sofá de veludo, assistindo o fogo estalar.

–O que foi, pária? –Perguntei olhando por sobre o ombro.

–Ah, Cam, pare com isso. Você sabe que foi engraçado. E não me chame assim! –Ele fez um tom ameaçador na última frase.

–Eu te chamo do que quiser, criatura do sétimo inferno.

Sam se calou, percebendo a fúria iminente em minha voz.

–Mas... –Ele falou após alguns minutos. –Vem cá, você tentou mesmo seduzir a Ga-Alguma-Coisa? Achava mesmo que tinha alguma chance com alguém como ela? –Ele riu alto.

Me virei para Sam, quem se encolheu no canto das paredes. A cada passo que eu dava em sua direção, ele tremia como se o som ecoasse pelas paredes.

–É Gabbe. –Pousei minhas mãos ao redor do pescoço do ruivo, quem engoliu em seco, tentando me afastar em vão. –E você, verme, deveria temer por sua vida.

–Sim, Sr. Briel.

O soltei. Já estava na hora de ir atrás de Givens. Sai do casebre fechando a porta com um chute e sentindo a brisa gelada em meus músculos expostos. Eu não iria voltar para buscar o casaco de maneira alguma. Deslizei pelo gelo desenrolando as asas e voando em seguida, perseguindo a aura de Gabbe, um dom que me fora dado especialmente para isso.

Ela havia entendido muito rápido. Talvez eu não devesse ter brincado com os sentimentos do anjo, beijando suas asas e sussurrando em sua orelha. Mas não havia outra maneira de convencer Gabbe. Ela jamais trairia o Trono. Eu não havia entendido ainda porque ela fora a escolhida de Lúcifer para o trabalho, mas não iria questioná-lo, por enquanto.

Enquanto voava, os flashes de Gabbe chorando me artomentaram ao ponto de me fazer acelerar, ansioso de certa maneira para segurar o anjo entre meus braços e o abraçar sussurrando que tudo ficaria bem. Eu queria consolá-la desesperadamente.

Ouvi o bater de asas a cerca de cem metros e os soluços constantes de Gabbe. Hesitei antes de me aproximar, fazendo com que ela virasse o rosto.

–Seu idiota... –Ela sibilou, o cabelo grudado nas lágrimas que escorriam pelo rosto, este último adquirindo uma coloração esverdeada de náusea. Os olhos azuis eram adornados pelos traços vermelhos de quem havia chorado e ela praticamente voava cambaleando.

Agi por impulso quando a segurei, abraçando seu corpo diminuto contra o meu e beijando o alto de sua cabeça. Ela permaneceu em silêncio, provavelmente chocada. Gabbe soluçou alto, agarrando por fim minha cintura.

P. O. V. Gabbe

Seu cheiro inundava o ar ao meu redor. Sua pele morna estava contra a minha e nossas asas batendo em sincronia, algo que se tornara tão fácil quanto respirar. Parei de voar por algum tempo, deixando que Cam me carregasse. Estávamos a pelo menos mil metros do chão, mas os braços fortes do demônio me colocavam em uma posição segura, me equilibrando enquanto eu colocava os pés sobre os seus.

Um beijo jamais poderia ser mais especial do que aquilo. Talvez... Talvez fosse o mais próximo da história de Daniel e Lucinda que eu pudesse sentir em toda minha eternidade. Cam me ergueu e eu coloquei o queixo em seu ombro com certa dificuldade. Sem as asas, eu me sentia minúscula em comparação a ele.

Ergui o rosto para o encarar. O rosto estava amassado e os cabelos negros se espalhavam sobre os olhos verdes e penetrantes. Os lábios normalmente rosados pareciam úmidos e mais vermelhos. Entreabri meus lábios automaticamente, tentando firmar meus pés em algo sólido quando percebi que havíamos perdido muita altitude e agora estávamos a apenas um metro e meio do chão. Quando meus pés finalmente tocaram um terreno lamacento e firme, as asas de Cam pararam por alguns segundos com o movimento inebriante. Estendi uma mão e toquei a borda de uma, acompanhando com os olhos a reação de Cam, quem tombou a cabeça sorrindo. Passeei a mão pela asa, beijando a borda como Cam fizera e segurando seus ombros. Senti os calafrios de Cam e beijei seu pescoço, traçando uma linha de beijos que parou com a proximidade de seus lábios. Quando Cam viu minha hesitação, esboçou um sorriso segurando meu rosto com uma mão e me puxando suavemente. Ao primeiro toque de seus lábios pressionados contra os meus, senti as faíscas invadirem meu corpo. Eram macios e se moldavam aos meus, se entreabrindo e me beijando com uma paixão que eu tentava ao máximo retribuir. Abri a boca sentindo seu hálito quente me invadir. Quando nossos lábios se separaram pela primeira vez, os tocamos algumas vezes mais, meus dedos pousados em seu pescoço enquanto ele me erguia pela cintura.

–Obrigada, Cam. –Murmurei por fim.

–Por...? –Cam ergueu uma sobrancelha confuso.

–Por me procurar. Por não... Desistir de mim. –Pousei os olhos no chão e o encarei ao final da frase.