Sam cambaleou. Depois correu para ascender a luz. Ao olhar novamente em direção ao rapaz, viu Castiel nitidamente, apesar do aspecto meio transparente que ele tinha. Fechou os olhos com força esperando que a assombração fosse embora. Mas quando tomou coragem e os abriu novamente, ele ainda estava lá. Castiel olhava para ele sério. O menino deu um passinho para trás.

– Está com medo de mim? – perguntou a assombração displicente.

Sam engoliu em seco. Tentou dizer alguma coisa mas sua voz falhou. Por mas que Castiel fosse seu amigo, estava diante de um fantasma, e isso por si só era assustador.

Castiel aproximou-se do amigo e sorriu.

– Deixa de ser bobo, Sam... Vai ficar com medo de mim só porque desencarnei? Sou o seu amigo de sempre...

Sam olhou para ele tentando se acalmar. Talvez o fantasma tivesse razão. O que Castiel poderia fazer de mal a ele afinal?

– Eu estou aqui para conversar com você... Senta na sua cama, e ouve o que eu tenho para te dizer. Tenho certeza que daqui a pouco você já vai estar se sentindo mais a vontade comigo.

O garoto obedeceu. Sentou-se e olhou atentamente para o espírito, ainda sem dizer palavra.

– Sam, olha... Eu estou aqui para ajudar você. Você e o Dean... Os espíritos desencarnados as vezes conseguem influenciar os encarnados, soprando palavras em seus ouvidos. Era isso que eu pretendia fazer quando vim aqui para o Castelo. Mas então percebi com alegria que você podia me ver, Sam... Não sempre, mas em circunstâncias especiais.

O moreno arregalou-se e Castiel prosseguiu seu discurso.

– Quando você me viu pela primeira vez, se assustou bastante. Confesso que me assustei também ao perceber seu olhar apavorado. Estivemos juntos muitas outras vezes antes, mas só nesse dia você conseguiu me enxergar...

– E.. Eu te vi antes? – Sam então se atreveu a perguntar. Não se lembrava de ter visto Castiel fora de seus sonhos.

– Viu, mas não me reconheceu... Eu tinha a aparência de um velhinho. Eu morri velho, Sam, nem faz tanto tempo assim...

– Ahhh, você era aquele velho da biblioteca?! – Sam perguntou surpreso.

– Sim, era eu. Naquele dia eu nem tentei me aproximar de você... Também fiquei surpreso de ter sido visto. Depois tentei outro dia, mas você se apavorou... Não deixou eu falar nada...

– Desculpa...

– Tudo bem, Sam. Eu percebi que seria melhor eu me apresentar a você de uma forma mais familiar: o menino que eu fui um dia, e com quem você conviveu no passado.

Sam sorriu. Preferia ver Castiel assim novinho, e bem menos assustador.

– E como é possível eu te ver, Castiel? Se você é... um...

– Um fantasma? – Castiel riu. – Bem, sim. E você é um médium poderoso, Sam... Acho que está com a sensibilidade aflorada depois que se reaproximou de seu grande amor. Agora não só consegue me ver, mas também conversa comigo. Saiba que isso me deixa muito feliz porque facilita a minha vida!

– Facilita a sua vida?

– Claro! Eu fui designado pelos meus superiores a ajudar você e Dean a seguirem seus caminhos. E juntos... Convenhamos que é bem mais fácil fazer isso falando com você de homem para homem. Ou de fantasma para homem, se você assim preferir... Bem mais fácil que sugerir algo no ouvido de vocês e esperar que isso influencie seus atos.

Agora, mais calmo, Sam percebia a benção que era estar podendo conversar com Castiel. Todas as dúvidas que ele tinha, que não eram poucas, poderia tirar com ele. Ou pelo menos poderia tentar... Além das curiosidade habituais de qualquer ser humano sobre a vida após a morte, queria saber de sua vida passada e entender detalhes que ainda não faziam sentido.

– Castiel, eu... Estou muito feliz de poder falar com você também. Eu tenho tantas perguntas... – o menino finalmente desabafou, emocionado.

– Eu sei... Mas vamos com calma. Você teve um sonho, não foi? Eu pude perceber pelas suas atitudes, e perguntas que fez a Dean e Stephen, que você sonhou com detalhes importantes da sua incarnação passada. Por isso imaginei que iria me reconhecer...

– Sim, eu sonhei com você, Oliver, Clark, Dean... Todo mundo. Eu me lembro de tudo que aconteceu com detalhes. Mas tem algumas coisas que ainda não fazem muito sentido para mim...

– Tipo?

– Tipo... Eu me chamava Sam na outra encarnação também? E Dean e Clark também tinham o mesmo nome...? E a mesma aparência...? O Seu Romero disse que isso não faz sentido...

Castiel riu.

– E não faz mesmo. Você teve um sonho, Sam. Um sonho... Não foi real. Mas no seu sonho se lembrou de situações da sua vida passada, e com uma riqueza enorme de detalhes, como pude perceber. Na verdade você misturou muita coisa dessa vida com a de sua vida passada.

– Misturei!?

– Misturou... É assim que acontece. Imagino que assim que você viu Dean, algo dentro de você despertou, e você teve esse sonho logo em seguida. Você já tinha visto Clark também, e seu espírito foi capaz de reconhecê-lo. Por isso sonhou com Dean e Clark do jeito que os conhece hoje.

– Espera, Castiel... Eu mal conhecia eles... Acho que nem sabia o nome deles nessa vida...

– Claro que sabia! Você não teria como adivinhá-los, Sam... Provavelmente a professora fez a chamada e seu subconsciente gravou os nomes...

Sim, fazia sentido. Sam concordou em silêncio.

– Bem, posso ter misturado tudo... Mas lembro exatamente o quanto sofri... – comentou o garoto pensativo.

– Bem, na verdade nem isso. Você sofreu bem mais do que imagina... Ronny infernizou a sua vida e a de Dean, não os deixou em paz depois que descobriu que estavam juntos. Acho que não se lembrou das constantes surras que levou. Lembrou?

– Não... Não sonhei com isso... Por que será? E quem é Ronny?

– Ah, desculpa... Ronny é o espírito que hoje é conhecido por Clark. É provável que seu subconsciente tenha amenizado essa parte para que pudesse perdoá-lo mais facilmente. Afinal é para isso que estão vivendo momentos de amizade nessa vida. Para que seus espíritos façam as pazes...

– Hmmm, entendi... E qual era o meu nome na vida passada?

– Tristan.

– Ahhh.. – Sam sorriu, lembrando-se do coração envolvendo seu nome e o de Ross na gruta. – Então Dean era Ross?!

– Sim, era...

– Que lindo, Castiel! E os nossos nomes estão escritos na gruta até hoje! – Sam suspirou. Uma lembrança forte de Ross morrendo em seus braços invadiu seus pensamentos, enchendo-o de um sentimento melancólico.

– Castiel, o Ross morreu de que? Eu não entendi até hoje... Eu fiquei tão triste...

– Ele teve um problema pulmonar, assim como sua mãe e irmão. Era genético. Uma doença muito simples de se tratar no dias hoje, mas que na época, matava. Não tinham antibióticos... Tinham tratamentos muito antiquados, como o uso de sanguessugas para drenar o sangue dos pacientes... Mas não adiantava para muita coisa.

Sam se espantou. Fazia todo o sentido do mundo. Então Dean não era louco quando falava de sanguessugas em seu sonho. Também tinha razão quando afirmava que sua doença era fatal, mesmo aparentando ser pouco mais que uma gripe.

– Mas Castiel... Se o tratamento com sanguessugas era comum... Por que eu achava tão esquisito? Por que eu me revoltei e briguei com o Dean por causa disso? Ele não merecia... E por que duvidei de que ele estivesse de fato morrendo?

– Você achou tudo esquisito no sonho porque já tinha conhecimento sobre tratamentos mais modernos... Na realidade, na sua vida passada mesmo, não achava estranho não... Sabia que o Ross estava morrendo. Mas brigou com o ele sim, porque se recusava a fazer o tratamento da época, que poderia ter prolongado sua vida por mais um tempo.

– Então essa parte era verdade...

– Era... Ele não quis se tratar. Desistiu de viver, e isso é um ato grave. Dean teve que pagar por isso em sua vida atual.

– Teve? – Sam espantou-se – Teve que pagar como?

– Ele esteve gravemente doente quando criança. Leucemia...

– Foi mesmo!? Ele não me disse nada!

– Bem, acho que ele não gosta de falar no assunto. Não vai dizer para ele que te contei... – Castiel soltou mais uma de suas rizadinhas, fazendo Sam sorrir também.

– Mas ele ficou totalmente curado, né? – Sam então perguntou alarmado.

– Ficou. Não se preocupe, ele está bem. Curou esse karma. Apesar da pouca idade e do enorme sofrimento, ele lutou ferozmente e se agarrou a vida como se deve fazer.

– Meu Dean... - Sam suspirou orgulhoso. – E aquele pai de merda que ele tem?! Me explica isso, Castiel, por favor! Nós sempre nascemos dos espíritos dos mesmos pais?

– Não, Sam... Claro que não! Você tem pais diferentes dos que tinha na vida passada...

– Tenho!?

– Sim, claro. Novamente você deve ter misturado tudo no seu sonho. Sonhou com os seus pais dessa vida, não foi?

– Foi... E a minha irmã também era a mesma no sonho...

– Bem, você tinha outros pais sim, na vida passada. E tinha vários irmãos...

– E o Dean?

– Ele tinha outra mãe, mas o mesmo pai.

– Por que?! – Sam ficou revoltado. Se podiam mudar de pais e mães, porque Dean tivera o azar de nascer filho daquele traste de novo? – Isso é injusto! Castiel, ninguém merece ser filho daquele desgraçado, ainda mais duas vezes!!!

Castiel viu o estado de revolta de Sam, e tentou acalmá-lo.

– Sam, fique calmo... Nada é injusto... Nada acontece por acaso. Estamos todos juntos nessa jornada, lutando juntos. O que não podemos aprender em uma vida, deixamos para a próxima... O que estragamos em um vida, consertamos na outra. Veja o Seu Romero, por exemplo. Foi Seu Vicente, na encarnação passada... Sujeito ganancioso. Atrapalhou o romance entre dois meninos sem hesitar. Fazia tudo por dinheiro... Nasceu Romero, em família pobre. Aprendeu a ser humilde e a dar mais valor às pessoas. Se espiritualizou, e hoje ajuda aqueles que atrapalhou no passado... É tudo um quebra-cabeça, perfeitamente planejado para a evolução conjunta de todos os seres desse planeta.

Sam prestava atenção. O espirito prosseguiu.

– Temos também outro exemplo... O Clark... Pagando pelos pecados cometidos por Ronny e aprendendo com o sofrimento. O que parece injusto, na verdade não é...

O menino engoliu em seco. Queria muito saber a verdade por trás do pai de Dean... Por que seu pobre namorado precisou voltar novamente como filho daquele sujeito cruel?

(continua...)