Dias Imprevisíveis escrita por Gil Haruno


Capítulo 6
Capítulo 6 -Senhora Scott


Notas iniciais do capítulo

Capítulo postado!Provavelmente o cap. sete sairá semana que vem.Beijos!



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Eu queria sorrir mesmo me sentindo triste e cantar mesmo sem lembrar a letra de uma música feliz. Eu apenas queria sentir-me viva e desfrutar disso, sem ter que ser cobrada depois.

Levantei a cabeça depois de levar o garfo à boca e notei que todos estavam satisfeito com o simples jantar. Não estava nos meus planos improvisar a salada e a sobremesa, mas decidi fazer pelo fato da refeição ser muito simples, além do que, eu adorava encher a mesa de comidas variadas.

–Isso aqui está muito bom!

–Não fale de boca cheia, seu mal educado!

Megan repreendeu Nicholas quase aos berros, o que não ajudou muito a discipliná-lo.

–Deixe-me adivinhar. Você aprendeu a cozinhar com sua mãe, certo?

–Um pouco, mas eu aprendi mesmo com meu pai.

A resposta foi inesperada para eles, que não esconderam a surpresa nos seus rostos. Aquela reação deixou-me encabulada, pois me fez pensar se era tão fora de moda assim, revelar que aprendera a cozinhar com o pai.

–Poxa! – Megan sorriu, olhando-me ligeiramente. –Meu pai nunca me levou à escola e nem em sonhos eu poderia vê-lo me ensinando a cozinhar.

Pensativa, Megan parecia ter se esquecido de comer, e passou a cutucar a comida com o garfo. Ao olhar Ethan, de frente para mim, notei que ele também estava pensativo e um pouco distante. Então refleti sobre como poderia ter sido a infância deles e se eles ainda mantinham contato com o pai.

–Que tal irmos para a sobremesa? – perguntou Nicholas, chamando nossa atenção. –Nada melhor que um mousse de chocolate para adoçar nossas vidas.

Megan recolheu os pratos e colocou os copos de sobremesa no lugar.

–Ethan adora quase todo tipo de mousse. – disse Megan nos servindo. –Mas o que ele mais gosta é o de chocolate. – Ethan olhou-a sério, incomodado com a revelação de Megan. –É uma pena que até hoje ele não achou um mousse parecido com os da vovó.

Nicholas ignorou a cara incomodada de Ethan e riu abertamente. Eu fiz de tudo para não rir com ele, até trinquei os dentes, mas meus esforços foram em vão. Quando caímos em si, nos pegamos rindo da situação.
Ethan era outra pessoa quando sorria, ele ficava até mesmo mais bonito, e eu não pude ignorar aquele fato. Lá estava eu encarando-o novamente enquanto ele sorria e falava com a irmã e o primo, distraído. Seu silêncio... Sua falta de humor... Eram características muito comuns em qualquer pessoa, mas ele era diferente. Por quê? O que o fazia ser especial aos meus olhos?

–Oh! Temos que parabenizar nossa querida, Claire! – Megan deixou a sobremesa de lado e me aplaudiu. –Você nos surpreendeu essa noite e, eu até arrisco dizer, que você superou o mousse da vovó.

Sorri desconcertada.

–Nota máxima para a menina de Houston! – gritou Nicholas, arrancando risos de Megan. –Ora, Ethan! Que rufla os tambores e exponha sua nota!

Todos aguardaram a avaliação dele, menos eu que, sentindo-me corada, baixei a cabeça para não ouvir seu comentário crítico.

–Nove e meio.

Levantei a cabeça para vê-lo e o peguei focado nas minhas ações.

–Nove e meio? Estava perfeito! – justificou Nicholas.

–Eu não posso deixar a vovó com ciúmes.

Ethan se levantou e, de pé, enfiou as mãos nos bolsos, dirigindo-se ao quarto.

–Eu considero isso como sendo um dez.

–E eu onze. - Megan e Nicholas finalmente tinha algo que concordarem. –Alguém vai comer o que sobrou?

–Pode comer, Nicholas. – respondeu Megan. –Eu engordo só de vê seu apetite.

&&&&*&&&&

Acordada, fiquei observando o teto. Fazia algum tempo que havíamos deitado, mas eu, apesar do cansaço, não tinha conseguido tirar um cochilo sequer. Eu sempre fui péssima em me habituar a lugares novos, principalmente em uma nova cidade, e com novas pessoas. Talvez demorasse mais que o normal até eu dormir ou, provavelmente, passaria a noite em claro.

–Claire?

–Estou acordada. – respondi também sussurrando. –Eu tenho dificuldades em me adaptar a lugares novos. Mas não compreendo sua insônia.

–Chocolate me deixa hiperativa.

–Uh. – murmurei achando graça da sua confissão.

–Fazia um bom tempo que essa casa não era tão alegre. – ela suspirou alto. –O tempo passou e deixamos de fazer tantas coisas boas, como sorrir e jogar conversa fora. Por que as pessoas se tornam tão sérias com o tempo?

–Acho que elas não percebem que estão deixando de sorrir ou simplesmente passam a vê as coisas de outro modo.

–É. Você tem razão.

Depois de pouco tempo em silêncio, resolvi me pronunciar, embora pensasse que Megan poderia está dormindo.

–Megan?

–Uh? – murmurou ela.

–Quando vou conhecer sua mãe?

–Não sei ainda. – respondeu sonolenta. –Os médicos disseram que ela está se comportando bem e que logo ela receberá alta. – bocejou. –Quer ir comigo no hospital amanhã?

–Claro. – também bocejei.

–Ótimo. Boa noite.

–Boa noite.

Encolhi-me na cama, abraçada às pernas. Entregue aos devaneios, sob o silêncio do quarto, senti uma profunda tristeza enraizar meu peito. Era como se o efeito de uma droga estivesse acabando e eu logo voltaria à realidade. Rendida à melancolia, chorei para que eu pudesse me livrar daquele peso.
Dificilmente eu procurava alguém para desabafar, por que eu sempre achei que, somente eu, poderia entender minha complexidade. E eu sempre me sentia melhor quando chorava; era minha terapia naqueles dias em que tudo parecia está fora do lugar.

&&&&*&&&&

Não passava das nove da manhã quando chegamos ao hospital. Megan tentou convencer Ethan a nos acompanhar, mas ele disse que já tinha um compromisso, e que não poderia faltar. A ausência do irmão deixou Megan furiosa e obrigou-a a questionar se a saúde da mãe era menos importante que os compromissos de Ethan. Ouvi a discursão, mas não me envolvi nela, embora eu sentisse muita vontade de revelar os planos de Ethan à Megan. Eu sabia que ele estava indo a um encontro e que a garota se chamava Sarah.

–Aquele babaca! – Megan se conteve para não gritar. –Só falta ele ter ido a um encontro.

–Como você sabe?

Indaguei surpresa, quase me denunciando.

–Eu imagino que ele está com... – surpresa, Megan olhou-me com um sorrisinho estampado. –Você sabe aonde ele foi, não é?

–Não.

–Você não sabe mentir, Claire.

Sem ter como driblar sua suspeita, resolvi abri o jogo com ela.

–Ontem, quando você e o Jason entraram no apartamento, eu fiquei do lado de fora, e sem querer escutei Ethan falando ao telefone. Ele marcou o encontro as nove e o nome da garota é Sarah.

–Sarah Williams? – indagou incrédula. –Eu não acredito que ele continua saindo com aquela garota!

–Eu sabia que não era certo falar sobre isso!

Amaldiçoei-me por ter soprado aquilo à Megan. Eu tinha quase certeza que aquela história ia contornar para o meu lado.

–Não se preocupe. Eu vou manter sigilo sobre você ter escutado parte da conversa.

As palavras de Megan não me causaram conforto, apenas deixou-me mais intrigada.

–Megan Scott?

Uma enfermeira apareceu na sala de visitas e assim que Megan a viu se levantou para cumprimentá-la.

–Como vai, Carmen?

–Bem, obrigada. Trouxe uma amiga hoje?

–Oh! Essa Claire Lewis. Ela está hospedada em minha casa. Claire, essa é a melhor enfermeira do mundo, Carmen Rodriguez!

–Ela é muito bajuladora. – sorriu apertando minha mão. –Muito prazer, querida.

–Igualmente.

Carmen era uma mulher calma, de beleza latina, e devia ter uns trinta e cinco anos.

–O David está aqui?

–Ainda não veio hoje. – respondeu Carmen, pensativa. –Eu acho que ele faz muito mal para a saúde da sua mãe. Desculpe a intromissão, mas ele gosta de persuadi-la.

–Eu sei, Carmen. – Megan suspirou alto. –Podemos vê-la?

–Claro. Ela se arrumou assim que soube que você viria.

Megan foi a primeira a entrar no quarto e, atrás dela, entrei sem querer chamar atenção. Fechei a porta do quarto devagar, mesmo percebendo que a senhora Scott estava acordada. De pé, afastada da cama, fiquei observando o abraço de mãe e filha.
A senhora Scott tinha traços bonitos, quase joviais se não fosse pelo cansaço exposto. Seu cabelo era bem loiro e fino. A pele tinha várias pintinhas de sardas, que eram mais visíveis nas bochechas. O nariz era tão afinado quanto o de Megan. O queixo era largo, os lábios finos, e seus olhos eram azuis.

–Você engordou um pouco? – perguntou deixando Megan constrangida.

–Ah, mãe! – Megan suspirou e se sentou na ponta da cama. –Andei muito depressiva ultimamente e você sabe que anticoncepcionais me deixam inchada.

–Eu já lhe disse para ter cuidado com certas pílulas.

Não sei por que me senti constrangida ao ouvir mãe e filha debatendo um assunto tão íntimo, e absolutamente normal. Talvez por que minha mãe nunca tivesse falado de sexo comigo, apenas o básico que se enquadrava a escolher bem um namorado.

–Que garota bonita. Quem é sua amiga?

Megan arrastou-me para mais perto de sua mãe.

–Essa é Claire, mãe. E ela está morando com a gente.

Nada disse a senhora Scott. Ela parecia não acreditar na filha, por isso olhou-a cheia de dúvidas.

–Na nossa casa?

–É uma longa história. – respondeu Megan.

–Você está namorando o Ethan?

Corei ao ouvi-la e, tentando disfarçar, Megan riu baixinho.

–Não, senhora Scott. – respondi como se aquilo fosse um depoimento. –Megan falou muito sobre a senhora e eu fiquei muito ansiosa para conhecê-la. – estendi a mão para ela.

–Você é muito simpática e bonita. – sorridente, ela apertou minha mão. –Combina muito com o Ethan.

Eu não soube o que dizer, por que tais palavras deixaram-me embaraçada, ainda mais quando aqueles grandes olhos azuis observavam-me minuciosamente, como se quisessem enxergar um único defeito.


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