— Finalmente o feriado do império está chegando - Cantarolou Ava animada entrando no centro de treinamento. - Oi professor, vou roubar essa rebelde aqui tá bem? - Disse ela me puxando. Will sorriu simpaticamente sem falar nada, apenas me dispensando com a mão. Ele estava meio que me ignorando. Ava estava tão animada com nossa saída hoje que nem mesmo aguentou que eu chegasse da detenção e veio me buscar. -  A festa de hoje na C.A.V.E vai ser épica! Foi a notícia de capa do jornal dessa semana! - Ela estava quase gritando de felicidade. Nunca pensei que eu ir na C.A.V.E com ela poderia faze-la tão feliz.

— Nossa porque eu fui prometer de ir. - Resmunguei contrariada fechando a porta do CT atrás de mim. Essa época do ano era especialmente difícil para mim. Eu sentia que estava sem forças até mesmo pra reclamar. Era como se tudo aquilo me custasse muito e eu só quisesse dormir o tempo inteiro. Ao chegar no nosso quarto foi difícil resistir ao impulso de deitar na cama e dormir só um pouquinho. Ava, claro, não deixou e me obrigou a começar a me maquiar.

As coisas estavam difíceis pra mim. Não conseguia dormir bem, me sentia triste o tempo inteiro e querendo fugir da realidade para ficar com Yuri nos meus sonhos. Gostaria que as coisas fossem mais fáceis, que esses pensamentos obsessivos me dessem um tempo. Já era difícil ter que lidar com um segredo tão grande sem ter que lidar com a falta de Yuri e pensar nele tantas vezes. Nem com cadman eu me senti assim.

Cadman era um dos  garotos mais populares ali, então imaginem a minha surpresa quando ele se interessou por mim. O famoso bad boy que nenhuma garota podia domar queria a mim. Parecia que eu tinha deixado de ser invisível pra variar, que combinamos em não nos encaixar no que as pessoas queriam para nós. É claro que a minha felicidade não durou muito. O que parecia normal no começo foi evoluindo para algo que não podia ser ignorado. E fui percebendo que algo não estava certo. Sempre nos encontrávamos escondidos, longe de todos, quando ninguém estava olhando.

Chegou a ser interessante e excitante por um tempo. Quando a ficha caiu foi ficando difícil ignorar. Tentei de tudo para consertar o que havia entre nós, tentei jogar pelas suas regras. Tentei todos os joguinhos que eu podia imaginar.  Nunca foi o suficiente. Mesmo assim ele dizia pra mim que estávamos juntos, fazia juras de amor e explicava que não estava preparado ainda. Como eu fui inocente.

Era tão diferente dos meus sentimentos por Yuri que quase parecia uma outra vida. Talvez os elfos se sintam assim depois de um tempo, com tanta mudança em tão pouco tempo, fiquei imaginando como seria ter 300 anos e como tudo isso de agora pareceria tão distante e desbotado. Não queria perder essas memórias preciosas com Yuri. 

Foi um alívio chegar na detenção e ver Will morrendo de ressaca e sem lembrar do que tinha acontecido. Ele pediu desculpas pelo exagero sem dar mais detalhes do que ele estava fugindo naquele dia. Eu achei ótimo poder fingir que nada daquilo tinha acontecido. Minha mente já não conseguia lidar com todas essas coisas que estavam acontecendo. Era até engraçado pensar em todas as vezes que eu desejei ter a vida agitada e badalada como as garotas populares. Definitivamente eu não fui feita para esse tipo de vida. Não tinha a elegância e a malandragem necessária. Só queria um jeito de sair de toda essa bagunça.

— Alô? Terra pra Luna! - Gritou Ava abanando as mãos na minha frente. Ela parecia meio frustrada e preocupada. Odiava ter que esconder tudo isso dela. - Olha eu realmente estou preocupada com você - Disse sentando na minha frente. - Tá tudo bem mesmo? Você tem estado… Estranha. - Olhei para baixo sem saber ao certo como responder.

— Não tenho estado muito bem. - Confessei. Não adiantava esconder aquilo dela, já estava bem óbvio para qualquer um ver.

— O que está acontecendo? - Já isso eu não podia explicar. Fiquei em silêncio tentando encontrar as palavras ou alguma desculpa. - Você pode confiar em mim. - Eu queria, queria muito confiar, queria muito falar sobre aquilo com alguém. Aquele segredo estava me consumindo por dentro. Queria conseguir contar. As palavras simplesmente não saiam da minha boca. 

— Só estou triste. Queria que a minha vida fosse diferente. - Senti lágrimas escaparem contra a minha vontade. Pelo menos só estávamos nós duas ali. Ava tocou meu ombro gentilmente.

— O luto faz coisas estranhas com a gente. - Comentou ela com um olhar distante. 

Claro, ela achava que era tudo por causa de Hans. Não ajudava minha situação que eu tivesse perdido alguém importante. Me sentia culpada por não conseguir lidar, nem mesmo pensar na sua morte. Era como se eu tivesse guardado aquilo numa caixinha bem lá no fundo para quando eu estivesse pronta pra abrir. Era demais pra mim. Hans foi o único que me enxergou durante os meus anos ali, o único que realmente me via, me incentivava. Além de Ava, é claro.

— Se você quer mesmo que sua vida seja diferente, tem que fazer coisas diferentes além de se enfurnar no Rooney’s todo final de semana. - Brigou ela maternal. Eu sei que ela tinha boas intenções. Ela sempre gostou de mim, mesmo que eu não tivesse absolutamente nada a oferecer. Sempre me levou com ela para suas aventuras esperando que eu pudesse me enturmar ou fazer amigos. Nunca tive certeza porque, se era meramente por pena, ou se eu tinha algo a oferecer. Ela não precisava de mim como eu precisava dela. É claro que eu nunca admitiria isso em voz alta. - Vem, vou retocar sua maquiagem e aí vamos dançar um pouco sim? 

 Apenas acenei com a cabeça feliz por sair daquela situação. Quando chegamos na C.A.V.E o lugar estava apinhado. Eu conseguia distinguir alguns estudantes no meio da galera. Haviam mais pessoas desconhecidas do que eu antecipava. Talvez por isso os alunos gostavam tanto daquele lugar. Era refrescante não ter que me preocupar em ser morta, em esbarrar em Yuri, em me apaixonar ou qualquer outra coisa como o que eu tinha experienciado na Follow, a boate humana. 

— Luna! Ava! Aqui! - Gritou Gil de uma mesa próxima da entrada. Ele estava bebendo com Yuri que parecia entediado. Olhei para Ava que também me olhava sorrindo. Era estranho imaginar que tínhamos feito aquela amizade inesperada. Não era necessariamente ruim.

— Hey! - Falei me aproximando. Gil parecia muito animado, em comparação a Yuri que simplesmente nos cumprimentou com a cabeça. Era engraçado observar o quanto eles eram diferentes. Quase como eu e Ava se parar pra analisar. Só que Ava tinha inúmeras amigas além de mim, não tenho certeza se sou tão especial assim para ela. 

— Vocês viram Íris por aí? 

— Ainda não tive o prazer. - Respondeu Gil malicioso. Ele era o maior cafajeste que eu conhecia. Chegava a ser engraçado, porque não dava pra levar a sério. Ele se interessava literalmente por qualquer rabo de saia. Yuri sorriu e revirou os olhos brincando com o amigo.

— Já desistiu da Stella? - Perguntei brincando.

— Ah depois que a conquistei perdeu a graça, mas obrigada pela ajuda elfinha. - Falou ele piscando pra mim. Sorri do apelido. Era engraçado ter um amigo homem, eu estava geralmente do outro lado da balança e não sabia o que se passava na mente dos caras. Era quase como uma das fofocas exclusivas de Ava. 

— Onde eu consigo uma bebida por aqui? - Yuri que estava terminando seu copo virou a bebida e se aproximou.

— Vem, eu te levo lá. Tenho que pegar outro copo mesmo. - Segui Yuri pela pista de dança. O ambiente à meia luz era tão agradável e cheirava bem melhor também. Tinha tantas pessoas dançando que seria fácil se perder ali no meio e dançar sem que ninguém prestasse atenção. Dava vontade de dançar e me mexer no ritmo da música. - Hey! Dois copos desse por favor. - Pediu ele ao garçom enquanto se apoiava na bancada do bar.

— E aí, o professor Will ainda está enchendo seu saco? - Yuri bufou irritado.

— Toda vez! Queria saber o que eu fiz pra irritá-lo.

— Ele só é um chato mesmo, agradeça que você não tenha nenhuma detenção com ele. - Ele espantou um calafrio. Será que era tão ruim assim com ele?

— Estou te falando esse cara me odeia, não é normal

— Você devia falar algo, não é justo isso. 

— Não posso me dar ao luxo, eu preciso entrar pra guarda imperial. Não posso contrariar o mago do rei. - Devia ser difícil aguentar aquilo calado. Eu sabia bem sobre isso. - Minha irmã e minha mãe dependem de eu conseguir esse emprego agora que meu pai se foi.

— Não se preocupe com isso, vamos conseguir. - Disse dando uns tapinhas no seu ombro em solidariedade.

— Você também quer entrar pra guarda imperial? - Concordei com a cabeça enquanto tomava mais um pouco da bebida.

— Bom que se a gente entrar vou poder falar mal do professor Will com alguém que me entende. - Sorri quase cuspindo a bebida. - Falando no diabo…

— Ora, ora quem eu encontro aqui…  - Disse Will se encostando no balcão ao meu lado e pedindo um copo de hidromel.

— Pensei que não vinha por essas bandas professor. - Yuri ficou tenso ao meu lado. Ele apenas encarava o copo.

— Não pude recusar o convite da professora Vairë - Disse brindando à distância para a nossa professora de cultura Feerica. Ela sorria maliciosamente para ele. Me segurei para não revirar os olhos. Era tão patética a tentativa desesperada de seduzi-lo que chegava a ser irritante. Será que todas ficam assim quando estão flertando? Será que eu fico assim? Nunca pensei que a professora fosse tão carente à esse ponto. Ela tinha se produzido bastante, dava pra ver pelo seu vestido provocante. O que não estava muito longe do esperado por uma sereiana.

— Ah que bom que você encontrou alguém da sua idade velhote. - Respondi venenosa.

— Pirralha. -Retrucou ele parecendo irritado.

— Vem Yuri, vamos dançar. - Arrastei-o pelo braço para a pista de dança. Ele estava louco para sair daquela situação então não se importou de dar o fora bem rápido.

Yuri o meio demônio