Híbrido escrita por Musa, Moon and Stars


Capítulo 73
Twins Game


Notas iniciais do capítulo

EU SEI, EU SEI. DOIS MESES. Não precisam me apedrejar porque eu já sei. Olha, a culpa não é totalmente minha, ok? Eu já tinha começado a editar o capítulo dois meses atrás, mas não estava completo e a Musa ficou cheia de problemas lá, demorou quase um mês pra concluir, daí vieram os meus problemas e depois o carnaval. E sinceramente, esse capítulo está GIGANTE. Imaginem só escrever quase 10.000 palavras. Agora vocês não vão ter do que reclamar (embora eu dê toda a razão para vocês). Enfim, só pra deixar claro, nós NÃO ABANDONAMOS a fic!! Embora, eu tenha uma notícia ruim para vocês. Mas vou deixar isso pras notas finais. Boa leitura.



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Tudo a minha volta girava e perdia o foco conforme a escuridão se aproximava. Jared havia se multiplicado e seu rosto me encarava e eu ouvia sua voz ao longe, praguejando como sempre. Um sorriso surgiu em meus lábios e eu não sabia muito bem porque, mas só aquele sorriso foi um esforço enorme para mim. Jared. Eu não sabia se eu havia apenas pensado ou dito seu nome em voz alta, mas o que quer que tenha acontecido, ele entendeu e seu olhar se tornou meio perdido. Ele passou as mãos pelo cabelo de um jeito nervoso e se abaixou ao meu lado.

“Owen!” ouvi-o gritar, mas as palavras já não faziam sentido pra mim. Ele segurou meu rosto, forçando-me a encará-lo. Minhas pálpebras pesavam. “Katherine. Kate, olha pra mim.”

Uma segunda figura apareceu no meu campo de visão. Tinha o rosto de Jared, então achei que fosse mais um truque de meus olhos falhos, mas o cabelo era escuro e o de Jared era tão claro... Eu devia reconhecer aquele segundo rosto.

“Cure-a logo, seu idiota! O que está esperando?” Jared gritava de forma que as veias em seu rosto e pescoço saltassem. Ele parecia tão nervoso. Por que estava nervoso?

Quando ele se afastou de mim, eu quis pedir para que ele ficasse, mas ele já estava longe. Em seu lugar, o segundo rapaz apareceu e falava comigo, mas eu não compreendia. Sua voz não passava de um ruído sem nexo pra mim. Senti uma brisa tocar meu rosto e inundar meu corpo. Mas eu estava cansada de mais. Eu só queria descansar um pouco. Só um pouco. Deixei que meus olhos se fechassem e me entreguei à escuridão.

***

Quando abri os olhos, senti minha cabeça doer. Fechei os olhos rapidamente para amenizar a dor e tentei abri-los outra vez. Eu ainda sentia dor, mas não era tão ruim assim. Minha visão começou a se estabilizar aos poucos reparei que nós já não estávamos mais na casa dos Jaguares. Owen estava adormecido no chão, a uns dois metros de onde eu estava. Ele estava sujo e parecia muito cansado. Procurei por Jared e vi que ele estava sentado, mais afastado de mim. Ele apoiava os cotovelos sobre os nós dos joelhos dobrados e tinha o rosto enterrado nas mãos. Ele parecia seriamente perturbado. Silencioso, porém inquieto.

“Jared.” Pronunciei seu nome e minha voz soou estranha e rouca em minha garganta seca. Ele olhou para mim imediatamente, com os olhos arregalados.

Ele foi até mim em passos rápidos, quase correndo e desabou ao meu lado, tocando-me nos braços, no rosto, examinando-me rapidamente. Seus dedos hesitaram na região do meu pescoço, mas quando ele me tocou ali, silvei de dor e ele recolheu a mão, engolindo em seco. Nós nos encaramos durante um tempo, em silêncio. Eu ainda estava confusa e ele parecia incomodado com alguma coisa. Ele baixou os olhos por um momento, encarando meus lábios e começou a aproximar o rosto do meu. Mesmo com o cérebro lento, pus a mão em seu peito com um gesto rápido.

“Não.” Eu disse com a voz ainda embargada. Ele franziu o cenho sem entender por que eu o estava rejeitando. “Sua boca está um nojo.”

Quando eu disse isso, ele sorriu com humor e relaxou os ombros, sentando-se ao meu lado e deu um longo suspiro. A mochila de Owen estava ali perto, Jared a pegou e tirou a garrafa d’água de dentro dela, oferecendo-me. Aceitei prontamente, eu estava morrendo de sede. Dei longos goles, mas tentei economizar. Entreguei a garrafa de volta a Jared e ele de uma boa golada, bochechando a água e engolindo em seguida. Eu ri e ele ergueu uma sobrancelha.

“Já pode me beijar agora.” Eu disse sorrindo. Ele não retribuiu o sorriso, mas lutou para escondê-lo.

“Agora eu não quero mais.” Disse ele desviando o olhar de mim e encarou o nada, como se estivesse desinteressado.

“Tudo bem então,” falei e ameacei ficar de pé, mesmo sem forças. “Vou ver se o Owen topa.”

No instante em que tentei me levantar, cambaleei e Jared segurou meu braço, puxando-me para seu colo, onde caí sentada. Ele umedeceu os lábios com a língua e me encarou nos olhos antes de avançar em minha boca. Seu beijo não foi delicado, nem cuidadoso. Fiquei feliz por isso. Foi um beijo firme, voraz e muito quente, como todos os beijos que já recebi que Jared. O tipo de beijo que me roubava o fôlego. Era disso que eu precisava agora, pois ajudou a acelerar meus batimentos cardíacos.

Jared me pressionou contra ele enquanto fazia sua dança com a língua nervosa, segurando-me pela cintura. Seus lábios deixaram os meus e mordiscaram meu queixo. Ergui a cabeça, dando passagem para ele. Senti um repuxão de dor no pescoço, mas ignorei a dor e deixei que ele me beijasse. Ele beijava e mordiscava meu maxilar, voltou para o queixo e desceu pela pele da garganta. Seus beijos começaram a se direcionar para o lado do meu pescoço onde estava ferido. Estremeci. Antes de prosseguir, ele me encarou daquele jeito faminto e eu jurava que vi nele aquele mesmo olhar animalesco de quando ele me atacou. Mas desta vez, não senti medo. Como que confirmando meus pensamentos, Jared voltou a beijar a pele do meu pescoço e me surpreendeu com uma longa e preguiçosa lambida, provocando-me arrepios.

Olhei para ele e entrelacei meus dedos em seus cabelos. Ele me olhou de volta, com a expressão séria, que eu não soube interpretar. Por que ele havia feito aquilo? Teria sido o jeito que ele encontrou de pedir desculpas por ter me atacado? Eu sabia que ele não queria me machucar. Aquele não era ele. Segurei seu rosto e ele evitou sustentar meu olhar. Para não feri-lo com sentimentalismos, resolvi voltar a beija-lo. Pelo menos ele sabia lidar comigo quando éramos simplesmente carnais. Não sei ao certo quanto tempo se passou enquanto nos envolvíamos em nossos beijos, mas um barulho me despertou a curiosidade e me fez parar para conferir o que era.

Olhei para trás e fiquei aterrorizada com o que vi. Um dos jaguares infernais me encarava, suas presas negras contrastavam com sua penugem metálica e letal. Dei um grito extremamente alto e me debati contra Jared, tentando me afastar, fugir de alguma forma.

“Kate! Kate!” Jared me segurava enquanto eu me debatia e fazia sons para me acalmar. “Katherine para! Calma!”

“Calma?” olhei para ele, incrédula. “Aquele... Aquilo...” eu estava exasperada e as palavras saíram rápidas e aos tropeços no meio de minhas respirações entrecortadas.

Aquilo é meu!” disse ele seriamente para mim. Só então eu parei de me mexer e fiz questão de encará-lo com assombro. “É isso mesmo.” Ele sorriu. “Eu adotei.”

“E por que merda você fez isso?” perguntei e olhei novamente para o animal. Era como uma onça esguia, mas sem as pintas e com um par de dentes de sabre em tom grafite. A fera olhou para mim, mas focou seu olhar em Jared logo em seguida. Estava sentada, imóvel, apenas observando.

“Não seja chata. Vai ser legal ter um desses.” Ele disse, ainda sorrindo. Balancei a cabeça em plena descrença e Jared fez um biquinho dramático. “Deixa eu ficar com ele.” Pediu ele exageradamente dócil. Eu sabia que ele estava curtindo com a minha cara, então dei-lhe um soco no peito.

Quando fiz isso, a criatura rosnou para mim, assustando-me. O jaguar estava de pé, bem posicionado e mostrava os dentes. Encolhi-me, assustada, e Jared riu. Ele fez um gesto simples e a criatura se calou e voltou a se sentar de maneira hesitante. Fiquei perplexa, mas confesso que também fiquei impressionada. Olhei para Jared, ele sorriu torto e deu de ombros.

“Por que você não escolhe um nome pra ele?” perguntou Jared. “Talvez ele te aceite melhor se você escolher um nome legal.”

Olhei para o jaguar, que me ignorava deliberadamente. O animal se sacudiu um pouco e espalhou várias agulhas pelo chão à sua volta. Uma palavra me veio à mente imediatamente.

“Needle.” Eu disse, pensando alto. Olhei para Jared e ele me encarava com os olhos estreitos e ergueu uma sobrancelha. “Neddle.” Confirmei com mais firmeza.

“Eu gosto desse nome.” Disse Owen, aproximando-se de nós. Eu não o tinha visto chegar. Sorri para ele, mas ele não fez nada para responder além de um breve aceno de cabeça. Meu sorriso esmaeceu imediatamente e senti minhas bochechas corarem.

Jared se levantou e estendeu a mão para me ajudar a ficar de pé. Estranhei, mas não contestei. Assim que eu estava firme em meus pés, ele soltou minha mão, bateu a poeira para fora da roupa e não fez qualquer gesto para segurar minha mão outra vez. Sorri com isso. Ainda era o Jared. Ele me olhou com estranheza quando percebeu que eu o encarava e sorria.

“Está pronta?” perguntou ele. “Acha que consegue seguir em frente?”

“Então vamos.” Disse Owen friamente e seguiu à frente. Jared o seguiu e logo atrás foi Needle, o novo bichinho de Jared.

Mantive certa distância. Eu ainda não confiava naquele bicho. Owen parou de andar e olhou para trás, percebendo que eu estava um pouco longe. Jared logo passou à frente acompanhado do jaguar. Eu e Owen nos encaramos por um momento e quando eu estava suficientemente perto, ele voltou a andar, dando as costas para mim. Aquilo me incomodou profundamente. Respirei fundo e apressei o passo para alcança-lo. Caminhamos lado a lado e Owen continuou a me ignorar. Segurei seu braço com força e o fiz parar de andar. Ele franziu o cenho para mim e pareceu terrivelmente com Jared. A semelhança me arrepiou na nuca.

“Owen. O que está acontecendo?” perguntei seriamente.

Ele me encarou em silêncio, como se absorvesse minhas palavras.

“O que quer dizer?” perguntou ele depois de um tempo.

“Você tem agido estranho comigo.” Eu disse com um dar de ombros. “Tem me evitado. Por quê?”

Ele olhou para baixo, para os próprios pés e balançou a cabeça.

“Me desculpe.” Ele disse olhando nos meus olhos novamente. “Eu sei que me meu comportamento tem sido de extrema infantilidade, mas eu...” ele engoliu em seco e balançou a cabeça outra vez.

Esperei que ele prosseguisse, mas ele não continuou. Toquei seu rosto com a ponta dos meus dedos e o fiz olhar para mim.

“Você pode falar pra mim.” Pedi suavemente. Ele mordeu o próprio lábio e fez sinal para que continuássemos caminhando, mesmo que lentamente. Assenti e o acompanhei.

“Eu não vou mentir para você, Katherine. Eu não gosto do jeito como Jared se comporta.” Ele disse. Sorri. “Imagino que isso não seja nenhuma novidade, mas eu não entendo. Como suporta tudo isso? Por que suporta? Tudo isso nem mesmo te envolve.”

Pensei por um momento. Ele estava sendo muito franco. Senti-me mal por ter falado coisas vergonhosas sobre ele com Jared. O mínimo que eu poderia fazer era responder suas perguntas com franqueza.

“Eu não sei.” Comecei a dizer. Pensei em contar a ele sobre minha infância com Jared e nossa ligação, mas isso eu não podia contar. “Acho que estou acostumada com o jeito dele e eu meio que entendo isso. Por mais que não pareça, ele tem feito coisas por mim também. Ele tenta. Mas eu preciso entender que ele é assim e não há nada que eu possa fazer pra mudar isso.”

“Mesmo assim.” Prosseguiu Owen. “Por favor, não pense que essa conversa tem algo a ver com meus sentimentos por você.” Ele disse e meu coração acelerou de nervosismo por causa do assunto. “Pelo menos, não totalmente.” Ele sorriu timidamente. “Mas digo isso por preocupação com você. Jared é perigoso. Você não devia ter vindo. Esse lugar mexe com ele.”

Engoli em seco e neguei com a cabeça, me recusando a ouvir aquelas palavras.

“Eu confio nele. Ele é forte, vai conseguir passar por isso.” Afirmei. “Além disso, é por isso que estou aqui. Pra ajuda-lo a passar por toda essa influência.”

Owen balançou a cabeça lentamente.

“Você não tem noção de em que está se envolvendo.” Disse ele, com firmeza. Seu olhar e o tom de sua voz me provocaram um frio na barriga. Baixei os olhos.

“Eu vou ficar bem, Owen.” Eu disse em voz baixa e tornei a erguer os olhos para ele, de soslaio. “Nós vamos ficar bem.”

Eu queria dar aquele assunto por encerrado. Forcei um sorriso de canto e comecei a andar mais rápido. Owen me segurou pelo pulso e me fez olhar para ele. Engoli em seco.

“Tome cuidado. Ele está planejando alguma coisa.” Disse ele em um sussurro grave.

Minha pulsação estava acelerada e eu podia ouvir os ecos das batidas do meu coração. Soltei meu braço delicadamente e ele não me impediu. Olhei para ele por mais alguns segundos e então voltamos a andar, em meio a um silêncio tenso. Caminhamos durante um bom tempo, sem qualquer conversa. Não havia assunto. Paramos apenas para descansar um pouco e comer. Ainda tínhamos algumas barrinhas sobrando. Devorei as minhas rapidamente e quando Jared roubou minha última, Owen me cedeu a dele sabendo que eu precisaria muito mais do que qualquer um deles. Enquanto descansávamos, tentei me aproximar de Needle, que não saía de perto de Jared. O animal ficava imóvel, em seu posto, totalmente impassível. Quando tentei me aproximar, ele esturrou para mim. Hesitei. Tentei outra vez e ele fez um movimento arisco com a pata, como que para me arranhar.

“Seu bichinho não parece gostar de carinho.” Eu disse para Jared, sentando-me a seu lado, certificando-me de manter certa distância, já que a criatura me observava.

“Sério, Kate?” perguntou ele, ironicamente. “O que você espera de um demônio?”

Olhei novamente para Needle.

“Realmente, você não poderia escolher um bichinho melhor.” Comentei. “Ele é a sua cara.”

“Um gato.” Ele disse sorrindo. Mostrei a língua para ele.

“Uma aberração.” Corrigi-o. Jared fez uma careta e chegou mais perto de mim para me roubar um beijo. Mordi sua boca e ele chupou minha língua, sorrindo em seguida.

“Vamos continuar andando.” Disse ele ficando sério novamente. “Quero acabar logo com isso.”

“Qual é o próximo destino? A Casa Quente?” perguntei, temerosa.

“Não.” Respondeu ele. “Casa das Navalhas.”

Merda. Essas Casas não acabavam nunca? Pensei comigo mesma. Jared encolheu os ombros.

“Nós já chegamos até aqui.” Continuou Jared. “Podemos passar por mais essa. Além disso, quando mais cedo prosseguirmos, mais cedo vocês saem desse Inferno.”

“Espera. O que?” perguntei de repente, quase o interrompendo. Franzi o cenho para ele. “Como assim vocês? E quanto ao nós, Jared? Por que não se incluiu na frase?”

‘Ele está planejando alguma coisa.’ A lembrança da voz de Owen me surgiu à mente de imediato. Meus sentimentos eram uma mistura de descrença, raiva e temor.

“Erro de semântica.” Disse ele friamente, dando de ombros. Continuei encarando-o e ele estreitou os olhos para mim, avaliando-me.

Aproximei meu rosto do seu, olhando-o no fundo de seus olhos verdes.

“Jared, se você estiver aprontando alguma...” comecei a dizer, mas ele me interrompeu.

“Eu estou sempre aprontando alguma.” Disse ele com um sorriso presunçoso.

“Falo sério.” Eu disse mantendo o tom de seriedade. O sorriso de Jared permaneceu.

“E você acha que estou brincando?” ele ergueu uma sobrancelha. Franzi o cenho, sem entender. De repente meus olhos se arregalaram.

“Você não... Você não está pensando em...” as palavras se perderam em minha garganta e eu comecei a ser inundada por um turbilhão de emoções ao mesmo tempo. Jared revirou os olhos. “Eu mato você.” Rosnei para ele, mais séria do que nunca.

O sorriso dele se desfez e ele ficou inteiramente rígido. Sua mão tocou a pele do meu braço com uma leveza que me surpreendeu. Ele deslizou os dedos através do meu braço, subindo, acariciando a pele do meu ombro, até chegar na ferida do meu pescoço.

“Você pode tentar.” Disse ele, sussurrando friamente. “Mas matar você, seria extremamente fácil pra mim.” O jeito como ele disse aquilo foi quase um devaneio. “Retalhar...” ele sorriu.

Sua mão se fechou ao redor do meu pescoço, um gesto indolor a princípio, mas ele começou a apertar, pondo pressão em seu polegar que estava em um ponto da minha garganta que cortou meu ar. Encarei-o com pavor, enquanto ele me encarava. Eu vi os finos vasos sanguíneos de seus olhos ficarem escuras até que aquilo preenchesse todo seu globo ocular, fazendo seus olhos parecerem o fim de um poço sem fundo.

De repente senti seus dedos relaxarem, assim como o resto de seu corpo. Seus olhos voltaram à cor normal, ele soltou meu pescoço e eu consegui respirar, puxando o ar para meus pulmões com ardor. Sem perceber, levei minhas mãos ao meu pescoço e o encarei. Ele estava de pé à minha frente e me encarava de cima com seriedade e altivez. Então me deu as costas sem dizer uma palavra. Eu estava perplexa. Não acreditava no que havia acabado de acontecer. Mais do que nunca, temi o que me aguardava no fim dessa jornada.

Jared manteve sua postura arrogante, mas eu não ia deixar aquilo passar. Eu estava com raiva, mas eu não havia me esquecido do que ele havia me alertado antes de virmos para cá. Ele me pediu para não me esquecer do meu objetivo. Constantemente eu me forçava a lembrar de suas palavras, de forma que elas ficaram bem gravadas na minha mente. Quando estivermos lá em baixo, você precisa se lembrar do que você é e do que você faz comigo. Não importa o que eu disser, ou o que qualquer um disser. Foi exatamente nisso que eu pensei. Não importava o que ele dizia, nem o que Owen dizia, eu não ia deixar Jared perder a razão dessa forma.

Corri até ele, alcançando-o rapidamente e o empurrei para a parede. Sua expressão era de irritação, mas não me importei. Como fui bruta, ele estava pronto para revidar com igual ou pior brutalidade, mas antes que ele fizesse qualquer coisa, eu segurei seu rosto com as duas mãos e o beijei. Não foi um beijo quente ou ardente, foi carinhoso e cheio de sentimento. Senti Jared estremecer e relutar em aceitar meu beijo, mas quando ele cedeu me recebeu calorosamente. Não posso dizer que ele me beijou de forma carinhosa ou sentimental, mas havia sido um começo. Suas mãos apertaram minha cintura, e me puxaram para perto, para colar meu corpo ao seu. Não deixei. Mantive-me afastada, para ir contra a natureza dele, isolando o lado sexual do nosso contato. Pausei o beijo para olhá-lo nos olhos e me atrevi a acariciar seu rosto.

“O que está fazendo?” perguntou ele, segurando meu pulso e fazendo uma careta. Sorri para ele e rocei meu nariz no dele.

“Te deixando louco.” Sussurrei. Ele estreitou os olhos e me beijou outra vez.

Foi difícil, mas consegui manter o ritmo lento e ele se aquietou. Quando ele pareceu suficientemente normal, seguimos caminho. Reparei que Owen continuava incomodado e silencioso, mas não me ignorava mais. Ainda assim, deixei-o quieto. Owen fazia o possível para deixar claro que ele sentia algo por mim, mas eu não conseguia corresponder. Eu mal sentia atração por ele. Por mais que ele tivesse o rosto de Jared, e de fato fosse atraente, eu não sentia absolutamente nada. Até então ele não me pressionava, era apenas agradável e gentil e eu fiquei grata que fosse dessa forma.

Depois de um bom tempo de caminhada, conseguimos encontrar o próximo portal. Needle foi bastante útil. Ele nos guiava e conhecia cada canto do lugar. O problema era que o animal era hostil com qualquer pessoa que não fosse Jared. Estávamos de frente para o portal da Casa da Navalha. O portal nos levou a um corredor com uma curva que começou a se iluminar conforme avançávamos. Parecia ser uma Casa muito luminosa. Precisei semicerrar os olhos para me acostumar com a luz e quase pude sentir minhas pupilas se contraindo. Fomos guiados até um salão de cristais que me deixou totalmente boquiaberta.

O salão era todo feito por cristais escuros e dentro deles havia uma chama acesa, como lâmpadas afiadas e brutas. Os cristais brotavam das rochas em diversos tamanhos. Alguns eram tão grandes quando uma casa. Outros eram minúsculos, mas estavam em grande quantidade. A chama bruxuleava e dançava dentro dos cristais e eu fiquei fascinada. Aproximei-me, sentindo-me atraída. Era lindo. Quando cheguei muito perto, comecei a me sentir sufocada e meu corpo alertou a presença do fogo demoníaco. Assustada com o perigo, recuei. Logo mais à frente, avistei algo interessante. Fui até lá. Era plano e escuro, não tinha o fogo. Parei em frente e vi meu reflexo refletido, como um enorme espelho.

No reflexo, eu parecia saudável. Vi com clareza o formato do meu rosto, minha pele impecável, meu cabelo penteado, brilhante e sedoso. Meus olhos estavam vívidos, meus lábios carnudos e minhas bochechas rosadas. Não havia qualquer arranhão, qualquer indício de sujeira. Na verdade, eu parecia ainda melhor do que quando saímos de casa. Fiquei maravilhada. Toquei meu rosto e meu reflexo seguiu o movimento. Abaixei a mão e continuei a me encarar. Então meu reflexo sorriu. Mas eu não estava sorrindo. Era um sorriso macabro e cheio de dentes brancos e brilhantes. Meu rosto, refletido no espelho, começou a se modificar. Minha pele escureceu e envelheceu, como se estivesse se decompondo. De repente o reflexo deu um grito, mostrando dentes podres ou a ausência de dentes. O reflexo deu um passo à frente, ameaçando sair do espelho e gritando estridentemente, deixando-me num extremo horror. Recuei, amedrontada. Um par de mãos me segurou por trás e quando olhei, vi aquela mesma pele putrefata, unhas grandes e afiadas feito lâminas ou navalhas. Dei um grito. Aquelas mãos me empurraram para frente, na direção do meu primeiro reflexo e quando percebi, eu estava cercada de espelhos. Todos eles com um reflexo meu. As figuras berravam, um som agudo e arranhado. Cobri meus ouvidos, sentindo uma vontade absurda de chorar. Aquilo era perturbador.

As mãos me tocavam de todos os lados, me lanhavam e gritavam comigo. Meu coração batia acelerado, eu não conseguia pensar em nada além daqueles gritos. Tentei escapar, mas eu estava cercava. Não importava para qual direção eu corresse, as mãos me encontrariam e não paravam de berrar. Comecei a ficar mais aflita. Corri e tentei passar, ganhando vários arranhões e cortes. Tive tempo apenas de proteger meu rosto. Fui parar um corredor escuro e silencioso. Não era totalmente escuro, pois ainda havia um pouco da chama demoníaca, mas era uma iluminação mais fraca. Ainda assim não me tranquilizei, pois eu ainda estava cercada por espelhos. Olhei para um deles, temerosa, e fiquei ainda mais espantada com o que vi.

Era Jared, como se estivesse preso em uma vitrine. Ele sorria para mim com bom humor. Estava vestido em um traje elegante e quando eu o observei, seu sorriso se alargou e ele deu uma volta para se exibir para mim, totalmente galanteador. Ele fez um gesto de cabeça para que eu me aproximasse. Quando não fiz menção de me aproximar, ele franziu o cenho sem entender e voltou a sorrir, sua expressão se suavizando. Ele estava tão lindo. Engoli em seco quando ele estendeu a mão para mim. Novamente, não avancei. Eu sabia que era um truque e não ia cair nessa, embora eu estivesse envolvida em um tipo de atração antinatural. Meu primeiro impulso seria correr para ele, para aquela imagem dele, mas eu estava tentando ser forte, eu resistiria àquilo. Recuei alguns passos e algo me segurou pelos braços com muita força. De repente eu senti dores agudas e senti meu sangue escorrer e quando me dei conta, eu estava sendo agarrada por dedos longos e afiados, como facas. Gritei e me soltei, recebendo cortes ainda mais profundos.

Quando olhei novamente para o reflexo de Jared ele havia se tornado uma criatura horrenda e disforme que berrava e mostrava os dentes para mim. Seus dedos eram como os que haviam me cortado. Aquela imagem me apertou o peito, pois era como Jared devia parecer por dentro. O pensamento me tomou e eu não quis acreditar nisso. Lutei contra um choro que se prendeu em minha garganta e corri às cegas, para longe daquelas coisas. Elas gritavam na minha cabeça. Às vezes com vozes demoníacas, às vezes com vozes familiares para mim. Eu não queria olhar, eu não queria ouvir. Comecei a chorar em desespero. Com os olhos cheios de lágrimas, avistei o portal de saída, mas eu não conseguia ver Jared, nem Owen, nem mesmo Needle. Mesmo assim, aquele lugar estava me consumindo, eu tinha que sair, ainda mais sabendo que eu estava sozinha. Corri novamente e fui encurralada por outro espelho que estava ali o tempo todo. Eu estava correndo para a direção errada, na direção do reflexo da saída. O reflexo tomou outra forma feito uma névoa e se tornou a imagem da minha mãe. Minha mente foi inundada por lembranças de quando ela me segurava em seu colo e me aninhava. Eu queria aquilo de novo, por que a saudade tinha que doer tanto? Chorei ainda mais forte e dei um grito que fez minha garganta arranhar e arder. Com um surto, eu dei um forte chute contra o espelho e o quebrei em mil pedaços antes que a criatura dentro dele tivesse a chance de me alcançar.

Eu me sentia esgotada. Respirei fundo, mas não adiantava. Caí em meus joelhos, enterrei meu rosto nas mãos, perturbada por tudo aquilo. Aquele lugar estava me enlouquecendo, eu não conseguia suportar. Eu estava sozinha, eu estava perdida e cercada pelos meus piores pesadelos. Eu gritei de novo em meio ao choro, sentindo minha sanidade deixar minha mente. Algo me envolveu, algo quente, e mesmo sem olhar eu me debati, temendo o perigo, porém sem forças. Fui imobilizada e ouvi um sibilo contra minha orelha. Ao longe a voz dele sussurrando pra mim com urgência.

“Kate, temos que sair daqui!” ele gritou, mas eu não entendi. “AGORA!”

Ele me puxou para cima e corremos juntos. Eu já não me importava se ele era real ou não. Eu estava me movendo e qualquer coisa era melhor do que ficar ali. Conforme minha mente foi desanuviando e as coisas voltaram a seus eixos, percebi que a saída estava diante de mim e eu ainda corria. Jared estava à minha frente, puxando-me pela mão e Owen nos esperava do outro lado com a expressão de pura ansiedade. As criaturas nos espelhos continuavam a berrar atrás de nós, como se estivessem em liberdade e atrás de nós. Não tive coragem de olhar para trás e apenas corri. Com um salto, atravessamos o portal e caí sobre Jared, exausta. Nós respirávamos com força e irregularmente. Eu estava sobre o peito dele, mas não por muito tempo. Jared me rolou para o lado e ficou de pé. Owen me ajudou a me sentar.

“Mas que porra foi aquela de cair aos prantos ao invés de lutar?” ele gritou comigo. “Qual é a porra do seu problema? Acha que isso aqui é brincadeira?”

Eu o encarei confusa e com raiva, mas eu não tinha forças pra gritar de volta. Ainda estava tonta e com as emoções vibrantes no meu peito. Arfei e engoli meu pranto, sabendo que chorar ali só pioraria tudo. A próxima casa era a Casa Quente. Abracei meu próprio corpo, pois eu estava muito assustada.

“Não grita comigo...” sussurrei sem conseguir olhar para ele. Com os olhos baixos, eu só conseguia ver seus pés que caminhavam de um lado para o outro.

Owen se sentou ao meu lado e passou um braço em volta de mim. Deixei-o me abraçar, já que eu de fato precisava me sentir confortada. Eu estava me sentindo à ponto de explodir. Jared veio até nós, desenlaçou meus braços e me puxou para cima com brutalidade pelo colarinho da minha blusa. Logo Owen estava de pé e o afastou de mim, empurrando o irmão pelo peito.

“O que pensa que está fazendo?” gritou Jared, encarando o irmão há míseros centímetros de distância.

“Não ouse tocar nela agora.” Rosnou Owen.

“O que vai fazer, boneca?” Jared esboçou um sorriso maníaco e debochado e eu vi seus olhos se tornarem negros e as veias de seu rosto ficarem escuras e saltadas. Temi que ele atacasse Owen.

“Jared, para!” gritei e ele olhou pra mim, com aquele jeito feroz. Imediatamente seus olhos voltaram à sua cor verde. Ainda assim, sua expressão não se suavizou.

Ele empurrou Owen para o lado e correu em minha direção. Senti um aperto no peito, um súbito medo e não tive tempo de correr. Ele estava prestes a me atacar e assim ele o fez. Atacou minha boca com uma urgência desesperada e me segurou em seus braços. Todo o peso do meu corpo se desfez e eu me derreti naquele beijo, mesmo sem saber ao certo porquê eu o estava beijando.

“Não me assuste assim.” Eu disse a ele entre o beijo.

“Cala a boca.” Ele disse arfante e voltou a me beijar. Eu o afastei um pouco, com as mãos sobre seus ombros suados enquanto ele me segurava pela cintura com um aperto firme.

“Jared, acho que estou em pânico.” Confessei. Ele balançou a cabeça.

“Não pode.” Ele disse. “Você não pode desistir agora. Estamos quase lá.”

“Eu acho que não vou conseguir.” Choraminguei e colei nossas testas. Jared grunhiu e roçou a ponta do nariz no meu.

“É claro que vai. Enquanto eu precisar de você, Kate, você será capaz de fazer qualquer coisa.” Ele disse. “Veja só até onde chegamos.”

Olhei-o nos olhos, absorvendo suas palavras. Seu rosto estava coberto de sujeira, sangue e suor. Passei a mão pelo seu rosto, mesmo sabendo que ele não gostava, mas ele não me impediu. Segurando sua face com as duas mãos, beijei-o ferozmente.

***

“Eu...Eu acho que não estou pronta ainda.” Gaguejei. “Acho que seria uma boa se vocês descansassem um pouco mais já que vão precisar de bastante energia.”

Jared revirou os olhos para mim.

“Pode acreditar, energia é o que não me falta.” Garantiu ele.

“Katherine, eu sei que está com medo, mas nós temos que fazer isso.” Disse Owen suavemente, tentando me tranquilizar. Ele se ajoelhou diante de mim e me olhou nos olhos. “Vai dar tudo certo.” Assegurou.

Engoli em seco e assenti. Ele tinha razão. Não tinha mais volta. Owen se pôs de pé, segurou-me pela mão e me puxou para cima. Inutilmente tirei a poeira da roupa. Owen segurou meu queixo entre dois dedos e ergueu minha cabeça fazendo-me olhar para ele. Fiquei um pouco confusa com o gesto e então ele sorriu gentilmente para mim. De alguma forma aquilo acalmou um pouco meus nervos e sem saber muito por que pulei em seus braços e dei-lhe um abraço apertado. Ele pareceu surpreso, mas retribuiu meu abraço calorosamente e afagou meu cabelo.

“Ugh.” Ouvi Jared resmungar em algum canto e revirei os olhos, ignorando-o.

Afastei-me um pouco de Owen, mantendo as mãos em seus ombros e suspirei para me acalmar.

“Então... Como isso vai funcionar mesmo?” perguntei.

Owen estreitou os lábios e me lançou um olhar ressentido.

“Katherine, vai ser difícil para você. É suportável para Jared e eu, mas será inevitável você se queimar.” Ele disse com sinceridade e desconforto por ter que me dizer aquelas coisas. Suas palavras me arrepiaram.

“Eu farei a absorção,” Jared disse apontando para si com o dedão e em seguida apontou para o irmão “E o Owen cuidará da parte da cura.”

Assenti em compreensão. Tentei parecer calma, tanto para eles quanto para mim, mas não adiantou. Eu estava apavorada. Encarei meus pés e respirei fundo várias vezes, como se isso fosse ajudar. Levantei os olhos para olhar para Jared e ele me olhava de volta. Não consegui decifrar sua expressão, mas ele parecia sério e me observava com uma firmeza fria. Por um momento, sustentando aquele olhar, parei de respirar. Soltei o ar olhei brevemente para baixo e vi sua mão estendida para mim. Segurei sua mão e ele esperou pela minha confirmação.

Por favor, me tira daqui. Eu disse em sua mente. Sua mandíbula se enrijeceu, seus lábios formando uma linha fina e por fim ele assentiu uma vez.

Owen se aproximou trazendo algo nas mãos. Jared fez menção de soltar minha mão, mas eu não deixei, apertando-o com força. Owen me envolveu com um tipo de tecido grosso, como uma capa bem pesada. Ele ajeitou o capuz em minha cabeça de forma com que eu ficasse quase totalmente coberta, deixando apenas um pequeno espaço para que eu respirasse e enxergasse. Sinalizei dizendo que eu estava pronta, mesmo que todos, inclusive eu, soubessem que eu não estava. Jared começou a andar e eu o acompanhei, relutante e apavorada. Ele me instruiu a ficar atrás dele enquanto Owen seguia logo atrás de mim. Havia um lance de degraus irregulares que Jared me ajudou a descer, já que era um pouco difícil ver onde eu estava pisando. Conforme descíamos, comecei a tossir descontroladamente. A fumaça que eu respirava parecia me intoxicar, me queimava por dentro e eu quis gritar, mas não consegui, pois não parei de tossir.

Ergui brevemente meus olhos marejados e encarei o grande portal de pedra. Uma luz avermelhada praticamente me cegava e mesmo antes de atravessar o portal, meu corpo já suava e o calor me consumia. Eu estava tremendo de medo e aquele calor me enfraqueceu imediatamente. Por um instante, achei que eu fosse desabar. Jared me segurou firmemente pela cintura e aproximou o rosto do meu. Abriu um pouco o capuz para que eu o olhasse bem e prestasse atenção.

“Nós vamos entrar agora.” Ele disse para mim e respirou fundo. Tossi algumas vezes e ele esperou a crise passar. Segurou meu rosto, fazendo-me encara-lo nos olhos. “Vamos conseguir.” Assegurou-me ele. Seus lábios pressionaram contra os meus com força e rapidez.

Logo eu estava totalmente coberta outra vez e sem tirar a mão da minha cintura, Jared me guiou para dentro. Desta vez, nem toda tosse do mundo seria capaz de conter meu berro. Eu senti minha pele queimar, como plástico numa fogueira. Uma leve e distante sensação de frescor era a única coisa que me mantinha viva e eu sabia que era trabalho do Owen. Ainda assim foi insuportável. Jared também estava agindo, absorvendo o fogo à nossa frente para que eu não tivesse contato direto, mas mesmo assim era uma tortura. Andávamos rapidamente por aquela caverna feita inteiramente de rocha e chamas. Brasas vivas incendiavam os veios das rochas e o calor parecia pulsar. Estando naquele lugar, percebi que o que senti quando Jared me queimou da primeira vez não era nem um terço do real fogo demoníaco. Nem mesmo as chamas de Alastor se comparavam àquilo. Meu coração batia acelerado, o que não ajudava, já que aquecia meu sangue, eu estava sucumbindo. Minha visão foi ficando fraca, assim como meu corpo e eu já não conseguia mais dar nem mais um passo.

Kate, não se desespere. Precisamos seguir em frente. A voz de Jared ecoou com urgência na minha mente.

Abri ligeiramente os olhos e encontrei seu rosto corado. Sua pele suada, seus olhos vívidos e bem acesos. Abri a boca, mas estava seca, minha voz saiu mais como um chiado, então desisti de tentar falar.

Eu não consigo. É quente demais. Eu disse a ele mentalmente.

Katherine. Eu estou com você. Disse ele. Aquelas foram as últimas palavras que fui capaz de ouvir antes de perder totalmente a consciência.

***

Remexi-me de um lado para o outro, sentindo-me incomodada por causa do calor. Meu cabelo estava grudado em minha pele suada e eu senti algo sedoso colar na superfície da minha pele também. Abri os olhos de vagar. Minha cabeça latejava e meu corpo inteiro doía. Uma brisa aquecida me cercava, mas dava para suportar. Pelo menos eu conseguia respirar. Concentrei-me nisso por um tempo, apenas respirar. Quando me vi suficientemente consciente, abri os olhos de vez para descobrir onde eu estava. Eu parecia estar deitada num conjunto de almofadas vermelhas e sedosas. Eu estava numa espécie de caverna rochosa e no topo, uma enorme bolha de lava fluida. Era um lugar exótico e que me assustava muito.

Ouvi um barulho que alertou meus sentidos. Encolhi-me nas almofadas rapidamente e percebi que eu estava seminua, vestida em uma fina camisola de um material que parecia seda grafite. Procurei pela origem do barulho e vi Jared se aproximando. Seu peitoral branco, rijo e delineado estava completamente exposto e por um instante a visão de suas entradinhas me inebriou. Fechei os olhos para me concentrar. Ele vestia uma calça escura feita do mesmo material que minha camisola. Quando meus olhos subiram, varrendo seu corpo, até chegar em seu rosto, vi que ele tinha um meio sorriso nos lábios e uma sobrancelha arqueada arrogantemente.

“A gente sai do inferno e você me traz a um motel?” Perguntei. Minha voz soou rouca, fraca e arrastada.

“Pelo menos esse tem meu estilo.” Respondeu ele, agora com um sorriso aberto. Caminhou vagarosamente em minha direção e parou diante de mim, olhando-me de cima para baixo.

“Onde estamos?” perguntei, encarando-o.

“Ainda estamos no inferno.” Ele disse. “Passamos pela Casa Quente e no momento somos hóspedes do senhor das doenças e da morte.”

“O que?” Perguntei, incrédula, talvez um pouco alto demais. Jared rolou os olhos com displicência.

“Você entendeu.” Disse ele e se agachou à minha frente tornando a sorrir. “Sabe, você fica bem de seda. Já consegui te trazer pro inferno, agora só falta aprontar o resto das diabruras com você.”

Ergui as sobrancelhas e deixei meu queixo cair.

Jared! Como pode pensar numa coisa dessas agora?” questionei, surpresa por alguma razão. Será que ele não se cansa nunca de bancar o pegador?

Ele deu de ombros.

“Só estou dizendo que eu poderia me acostumar com isso.” Declarou.

“Nós temos que sair daqui, Jared. Temos que pegar Harahel e sair logo daqui.” Eu disse. Ele suspirou.

“Relaxa, Katherine. Você ainda está muito cansada e precisa descansar.” Disse ele voltando a ficar sério.

“Onde está o Owen?” perguntei e tossi um pouco. Jared torceu um pouco a boca.

“Descansando também. Ficamos um pouco esgotados depois do jogo.” Esclareceu, porém eu não entendi o que ele quis dizer. Pela minha expressão, ele deduziu que eu não havia compreendido, então prosseguiu antes que eu fizesse qualquer pergunta. “Você ficou desacordada por muito tempo. Chegamos a pensar que estava morta, mas Vacub disse que não estava.”

“Quem é...”

“Vai conhecê-lo em breve.” Ele disse interrompendo-me.

Com minha visão panorâmica, percebi que outra pessoa havia entrado no quarto. Quando olhei, vi que não se tratava de uma pessoa, mas de Needle exibindo seus pelos-de-agulha brancos e brilhantes. Needle roçou a pata na perna de Jared, emitiu um ruído que pareceu um choramingo grave e se retirou em seguida. Jared se virou para segui-lo.

“Jared, espera.” Chamei, sem saber ao certo porquê. Ele se virou parcialmente para me encarar e esperou.

Sem saber o que dizer, estiquei a mão para ele. Ele encarou minha mão estendida, franziu o cenho e se aproximou novamente. Segurou minha mão para me puxar para cima, mas eu o puxei para baixo. Ele não caiu, é claro, eu estava muito fraca para fazer qualquer força, mas ele entendeu o que eu queria e se sentou ao meu lado. Seu rosto era como uma folha de papel em branco e tudo o que ele fez naquele instante de silêncio foi me observar. Fiz o mesmo. Baixei os olhos para o seu peito que subia e descia devagar e comecei a pensar sobre como seria bom deitar ali. Jared, pegou uma de minhas mãos, surpreendendo-me, e pousou sobre seu peito.

Você pode me tocar, se quiser. Ele disse em minha mente.

Olhei para ele rapidamente e ele me encarava por debaixo dos cílios e tinha um sorriso entretido nos lábios. Ugh, tão sexy. O sorriso dele se alargou.

Eu sei.

Com a mão pousada em seu peito, empurrei-o, mas ele segurou meu pulso e me puxou para ele roubando-me um beijo ardente que me tomou o fôlego. Eu quis dar continuidade aos beijos, mas ele nos interrompeu afastando meu rosto.

“Eu também quero foder aqui, mas você tem que descansar, Katherine. Falo sério.” Ele disse, cortando totalmente meu barato.

Suspirei, sabendo no fundo que ele estava certo, e me aconcheguei em seu peito. Ele ficou rígido e pausou a própria respiração por um instante. Percebi que ele estava levando para o lado emocional então, acariciei sensualmente sua barriga, descendo a ponta dos dedos e senti seu corpo estremecer. O braço dele passou em volta de mim e me deitou juntamente com ele, minha cabeça sobre seu peito. Sua mão pousou em minha coxa e começou a subir minha camisola, depois desceu novamente, uma carícia. Sorri discretamente.

“Feche os olhos e durma.” Ele disse em um tom de comando. Remexi-me.

“Não consigo.” Eu disse baixinho.

“Preciso que relaxe. Quero te mostrar o que aconteceu.” Insistiu. Desta vez, tentei obedecer.

A princípio, com os olhos fechados, tudo o que vi foi escuridão. Então ouvi uma voz.

“Não sinto a pulsação dela. Não está respirando.Reconheci a voz de Owen ecoando na minha cabeça. Ele estava debruçado sobre meu corpo imóvel, queimado em diversos pontos.

Jared começara a andar de um lado a para o outro, tenso e preocupado, mas sem o desespero que Owen estava lutando para controlar. Ele olhou para o próprio dedo, o anelar e encarou a cicatriz que eu também tinha no meu dedo. Ele sentia que eu não estava morta, pois nossa conexão não havia sido rompida. Olhou novamente para o meu corpo caído no chão. Havia sangue aqui e ali, muitas bolhas de queimadura e algumas partes em carne viva. Owen olhou para Jared.

“Continue com o processo de cura.” Disse ele com uma autoridade irritadiça e venenosa. “Ela não está morta.”

Aproximou-se de mim e se abaixou ao meu lado, atento a qualquer sinal de reanimação. Uma voz os surpreendeu.

“Oras... O que temos aqui, irmão?” disse a voz grave e sinistra. “São gêmeos?”

Uma segunda voz, igualmente sinistra, pouco diferente da primeira, emitiu uma risada.

“Sim, irmão.” Disse a segunda voz. “Um par de gêmeos que veio a nós para morrer.”

Jared se levantou, praticamente urrando de raiva. Ele não conseguia ver a fonte das vozes, pois o lugar estava extremamente escuro. Nem ele com sua visão aguçada foi capaz de ver além daquela escuridão.

“Apareçam! Venham e me enfrentem, seus otários!” gritou Jared para as vozes desconhecidas.

“Acha mesmo que seria capaz de nos enfrentar, pequeno Híbrido?” perguntou uma das vozes.

Jared não gostou ao ser chamado de pequeno, mas guardou o desgosto para si.

“Então vocês sabem quem nós somos.” Ele disse.

“É claro que sabemos.” Disse a outra voz. “Sabemos também que o destino de vocês trará mortes um tanto interessantes. Será divertido assistir.”

“Mal posso esperar.” Concluiu o outro rindo outra vez.

“Querem, por favor, parar com a conversar e fazer alguma coisa?” berrou Owen de onde estava sem sair do meu lado por um instante sequer. “A Kate está-“

“Não, não está.” Rosnou Jared por cima do ombro para o irmão. Alguém riu novamente.

“Vejo que trouxeram uma filha de Hunah com vocês.” Disse uma voz. “Nunca vimos uma pessoalmente, não é mesmo irmão?”

“É verdade, irmão.” Respondeu o outro bem humorado. “Não recebemos muitas visitas. Especialmente das filhas de Hunah. O que acha que devemos fazer?”

“Matá-la, é claro.” Disse o primeiro.

“SAIAM DA PORRA DAS SOMBRAS E PASSEM POR CIMA DE MIM!” Jared berrou enfurecidamente.

Houve um coro de risos e por um momento pareceu haver mais de duas vozes, mas deve ter sido um truque do eco.

“Gosto desse aí, Vucub.” Disse um enquanto surgia das sombras, revelando-se.

Um deles tinha o corpo magro, firme e trazia na mão uma toca que se acendeu de repente com uma chama forte que iluminou o lugar mais intensamente. Seu corpo era coberto por tatuagens brancas que contrastavam com a pele bronze-dourada. Uma alça de couro com ossos e outras coisas que não me atrevi a tentar descobrir o que eram cruzavam seu peito e em sua mão esquerda ele segurava uma espécie de cajado entortado com algumas pontas angulares e na extremidade um osso lascado. Em seu corpo, apenas um farrapo de tanga o cobria, e na cabeça algo parecido com um cocar. As penas se espalhavam para todos os lados e no centro, logo acima da testa, uma caveira. Seu rosto também tinha as tatuagens brancas e marcavam a curvatura facial. Seus olhos eram fundos e escuros.

“Prontos para morrer pelas mãos de Hun Came, guardião das portas de Xibalbá e senhor das doenças, Híbrido?” perguntou ele divertidamente. “Você será o primeiro.”

“Acho que não.” Respondeu Jared espelhando a diversão do outro em seu tom de voz. “Mas topo um desafio. Está pronto para enfrentar a fúria de Jared, o Híbrido Tomás mais gostoso e afrodisíaco que esse mundo já conheceu?”

Hun Came estreitou os olhos sem perder a expressão divertida. Jared sorriu em resposta ao silêncio momentâneo.

“Criança de Asmodeus, suponho que ainda não conheça a morte...” a segunda voz, mais profunda e elegante ecoou. “Então permita-me que eu me apresente.”

O segundo surgiu das sombras, acompanhando o irmão.

“É um prazer.” Disse Jared, virando-se para o outro. “Acho que agora é o momento em que você me agradece por ter mandando tantos sócios pro seu clubinho.”

Este sorriu e seu sorriso se destacava mais que a tocha de seu irmão. Ele também era mais difícil de ser visto em um local tão escuro por conta da pele brilhante e negra como carvão. Era alto, próximo ou mais dos dois metros. Assim como o irmão, sua pele era coberta de tatuagens ainda mais negras que sua própria pele, o que o camuflava perfeitamente na escuridão. Seria quase impossível vê-lo se não fosse a tocha acesa de Hun Came. Jared observou que as tatuagens eram letrinhas minúsculas de um alfabeto desconhecido, mas que ele percebeu se tratar de nomes, como nas histórias que ouvira.

“Uau.” Disse Jared. “Quantos nomes coloquei aí?”

“Menos que o suficiente, criança.” Respondeu a morte com um sorriso fatalmente charmoso.

“Tem nomes escritos na sua bunda também?” perguntou inconvenientemente. “Devem ter sido mortes de merda.”

O humor de Jared não os afetou minimamente e os irmãos encararam Jared em silêncio. Jared suspirou, bateu as mãos nas laterais das coxas e balançou o corpo impacientemente.

“O que querem?” perguntou.

“O que vocês querem?” questionou Hun Came com uma firmeza fria.

“Então, eu e o meu irmão estávamos bancando os mochileiros por aí e ouvimos que o Inferno tinha uma hospitalidade especial.” Jared explicou ironicamente e deu de ombros. “Decidimos dar uma passada para conhecer.”

“Sem gracinhas, Híbrido.” Disse Vucub.

“Jared...” Owen disse atrás dele com seriedade, apressando-o. Jared revirou os olhos.

“Olha só, passamos por todas as Casas, chegamos até aqui e não vai ser aqui que vamos parar.” Disse.

Vucub cruzou os enormes e musculosos braços negros.

“Jared, faça o acordo. Só vamos chegar ao Inferno quando passarmos pelos irmãos Came.” Disse Owen com urgência.

“Sim, sim.” Disse Jared fazendo um gesto displicente com a mão. “Eu sei, os porteiros de Xibalbá.”

“Sejam breves.” Disse Hun Came, interrompendo a conversa paralela dos outros dois. “Não podemos desperdiçar nosso tempo.”

“O que vocês têm a nos oferecer como desafio?” perguntou Owen de um jeito formal e respeitoso. Vucub riu.

“Vocês certamente não sabem o que aconteceu com os últimos que estiveram aqui, sabem?” perguntou Hun Came.

“Na verdade,” disse Jared erguendo o queixo. “Sabemos.”

“Conhecemos bem a história dos Hunahpu. Um deles engravidou a própria filha e a expulsou das portas de Xibalbá.” Owen começou a narrar. “Ela gerou um casal de gêmeos. Os dois nasceram versados em magia e com poderes e eles os desafiaram. Hunah, a mulher, morreu, mas não passava de um truque de Ixbalanqué que usou um feitiço para trazer de volta a irmã e matou vocês. Ixbalanqué se tornou o Sol e Hunah, a Lua. Parece que vocês encontraram o caminho de volta.”

“Não se pode matar a própria Morte.” Disse Vucub.

“Nem a Doença.” Sorriu Hun.

“Mas acho que temos uma chance de contornar vocês.” Disse Owen.

“Divirta-se tentando.” Disse Vucub.

“Escute,” começou Jared apontando um dedo para os irmãos Came. “Nós não estamos...”

Owen pôs um braço na frente do irmão para impedi-lo de continuar com o teatro. Jared nem havia reparado que Owen havia se levantado. Quando Jared parou, Owen se virou para os Came, ainda com a mão sobre o peito de Jared.

“Como?” perguntou Owen para os irmãos Came.

“Numa partida de pok a tok.” Disse Hun.

Jared olhou para Owen, um tanto apreensivo, e ele retribuiu o olhar com um sorriso pondo a mão no ombro do irmão num gesto consolador. Jared não gostou do gesto e se afastou, irritado.

“Não se preocupe.” Disse Owen para Jared. “Eu sei jogar.”

“É claro que sabe.” Jared revirou os olhos. “E qual vai ser o acordo?”

“Se perdermos, morremos.” Disse Owen, para todos. “Se ganharmos...”

“Vão ser meus aliados e nos levar pra onde quisermos.” Prosseguiu Jared. “Serão meus subordinados. Caso contrário, vou chutar o rabo de vocês até as profundezas mais escuras dessa porra de Inferno!”

Os irmãos Came se entreolharam e em seguida assentiram.

“Queremos mais uma coisa.” Disse Hun.

“Se perderem, concordamos que os dois morrem.” Prosseguiu Vacub. “Mas nós também queremos ficar com a filha de Hunah.”

Owen engoliu em seco e encarou Jared para ver qual seria a opinião dele. Jared ficou inexpressivo e virou parcialmente o corpo para encarar o meu, ainda fraco, vulnerável e desacordado. Ele pareceu pensar por um instante e voltou a encarar os irmãos Came. Assentiu uma única vez.

“Fechado.” Ele disse, concordando por fim. Suspirou. “Espero que sejam bons subordinados pra valer minha vida e a dela.”

Owen estreitou os olhos para ele, mas não fez nenhum comentário. Vucub sorriu e deu dois passos para trás estendendo a mão para dar passagem.

“Sendo assim, sejam bem vindos à nossa Casa.” Disse Vucub enquanto uma série de tochas se acendia em sequência em um longo túnel.

Owen foi até mim e se abaixou para me pegar, mas Jared o empurrou pelo ombro fazendo-o se desequilibrar. Por pouco não caiu. Jared me ergueu de uma só vez e me ajeitou em seu colo sem muito jeito ou gentileza, o que pareceu incomodar Owen, mas Jared o ignorou por completo e então os dois começaram a andar, adentrando o túnel, seguidos pelos irmãos Came que vinham logo atrás. O túnel era mais longo do que Jared havia suposto, pois caminharam por aproximadamente um quilômetro. Ao longe uma luz foi vista e aos poucos foram se aproximando até finalmente verem o que tinha logo à frente. Uma enorme pirâmide ao estilo Maia se estendia diante deles com toda sua glória.

“Você disse que sabia jogar pok a tok.” Comentou Jared para o irmão.

“Sim.” Respondeu Owen ao comentário.

“Espero que saiba vencer.” Concluiu.

Owen apenas revirou os olhos e passou à frente com uma confiança impressionante. Quanto mais nos aproximamos da pirâmide, mais ela parecia aumentar seu tamanho. Era maravilhosa, feita de rocha lisa e dourada. Eu teria confundido facilmente com outro, mas era óbvio que se tratava de pedra e não de metal. Descemos um extenso lance de escadas que nos levou a uma estreita ponte em forma de arco. Não parecia muito segura, mas ninguém ali pareceu se incomodar. Nem mesmo Jared que ainda me carregava no colo. Abaixo de nós, um rio de lava corria tortuosamente, cercando a pirâmide, fervente e borbulhante. Seria uma bela visão se não fosse tão perigoso.

Estávamos na base da pirâmide e fomos convidados a subir mais um lance de escadas. Desta vez, tratava-se de mais de seis metros de subida. Owen se ofereceu para me carregar, mas Jared apenas o encarou com uma careta e começou a subir degrau por degrau. No topo, fomos recebidos pelos rosnados ferozes de um par de pumas negras como as sombras. Não pareciam gostar muito de visitas e agiram com uma hostilidade especial para Needle e Jared.

Hun os apascentou com um simples gesto de mão e nos indicou a entrada do portal. Mais tochas se acenderam quando entramos revelando um corredor feito das mesmas pedras douradas que compunham o exterior da pirâmide. Seguimos o corredor até chegar a um grande e belo salão. Tudo naquele lugar era feito com as pedras douradas, embora eu tenha reparado em algumas bem escuras. O lugar era decorado com enormes cortinas em tom vermelho carmesim. Joias enfeitavam as paredes, assim como ouro, prata e vários outros tipos de riquezas, mas o que mais me prendeu a atenção foi o trono de puro e reluzente ouro, com desenhos e símbolos cravados na superfície do metal que não consegui identificar. O outro lado do salão era o extremo oposto. Era escuro, úmido, estranho e deteriorado. Os tecidos pareciam apodrecidos e rasgados, não tinha o brilho das joias e materiais preciosos e eu podia jurar que vi ratos, se é que tem ratos no inferno.

“Por aqui.” Chamou Vucub para o outro lado, onde havia uma grande escada em descida que levava até um amplo terreno aparentemente vazio.

Parecia um campo de jogo e tinha espaço para altas arquibancadas nas laterais largas. Um muro separava as arquibancadas do campo de terra avermelhada, um de cada lado, e em ambos os muros haviam pequenos aros de pedra no topo.

“Os aros servem para a passagem das bolas.” Explicou Owen antes que Jared perguntassem.

“Qual é o tamanho das bolas?” perguntou Jared.

“O tamanho exato da passagem nos aros.” Respondeu o outro. Jared assentiu.

“O jogo consiste basicamente em atravessar a bola pelo aro, é o que faz a marcação dos pontos.” Tornou Owen a explicar. “Só podem ser usados a cabeça, os cotovelos, quadris e joelhos. Quem tiver mais pontos até o fim do jogo vence.”

“As bolas usadas são feitas de pedra ou borracha.” Prosseguiu Vucub. Os gêmeos olharam para ele. “Coloque a fêmea aqui.” Ele sinalizou para um divã vermelho e acolchoado que parecia muito macio e confortável.

Jared me deitou ali e sacodiu os braços, que já deviam estar mais que doloridos. Não seria muito bom para o jogo.

“Não podemos perder.” Sussurrou Owen para Jared.

“Não vamos.” Jared garantiu, olhando-o com firmeza.

“Aprendi a jogar quando eu tinha seis anos.” Disse o Owen, que parecia animado por algum motivo. “Um espírito Maia me ensinou, mas nós usamos a cabeça de um demônio menor como bola.” Ele riu, meio nervoso, ou ansioso.

Jared lançou um olhar sério para ele e balançou a cabeça.

“Foda-se.” Respondeu. O sorriso do irmão se desfez imediatamente e decidiu ficar em silêncio.

“Vamos começar!” gritou Hun, parado no meio do campo.

As imagens que se seguiram, foram flashes da partida. Tudo era muito intenso, muito rápido e exaustivo, cheio de adrenalina. Em alguns momentos, Jared comemorava, em outros momentos, ele parecia estar bufando de raiva. Owen recuperava o fôlego, os outros dois praguejavam em uma língua estranha que fez Owen rir. Jared fez um lance com o quadril e passou para Owen que passou a bola pelo aro em certeiro com o cotovelo. Jared tombou, deu um soco no chão e exclamou sua pontuação. Owen sorria abertamente e Jared parecia feroz, ambos cobertos de suor e comemorando.

“Podem falar,” disse Jared parando diante dos irmãos Came. “A gente manda muito bem.”

Vucub parecia tranquilo, mas Hun não parecia satisfeito e fez uma careta, contrariado. Owen pigarreou.

“Você quis dizer que eu mando muito bem.” Owen o corrigiu, orgulhoso das próprias habilidades aplicadas no jogo. Jared dispensou o comentário com um gesto.

“Não importa.” Disse ele sorrindo. “Agora temos novos escravos!”

“Jared!” Owen o repreendeu.

“O que foi?”

“Subam. Os dois.” Disse Vucub tranquilamente.

“Woah, agora somos nós que mandamos aqui.” Disse Jared levantando o queixo e apontando o indicador. Owen lhe deu uma cotovelada que Jared por pouco não retribui com um soco.

“Descansem e cuidem da menina.” Orientou Vucub ignorando completamente a audácia de Jared.

Pisquei, sentindo-me estranhamente cansada, com a mente pesada. Senti a mão quente de Jared virar meu rosto suado para encará-lo. Eu não estava mais deitada em seu peito, mas ao seu lado.

“Depois disso eles te trouxeram pra esse quarto. Era o antigo quarto de Hunah, ou Luna, como você conhece.” Ele disse olhando-me com seus olhos verdes e vívidos. “As portas nunca haviam se aberto até você se aproximar e a cura foi instantânea. Esse lugar está cheio do poder de Luna, eu vi isso em você.”

“Como assim?” sussurrei, um pouco rouca.

“Seus olhos estão violetas agora.” Ele disse, sorrindo. “Mais do que o normal.”

Eu fiquei curiosa e quis explorar o quarto. Eu já havia notado algumas coisas, como uma cortina escura, uma espécie de escrivaninha e uma estante cheia de pergaminhos e escrituras. Talvez tivessem feitiços ali, coisas poderosas e valiosas, mas no momento, eu não queria sair dali. Eu já sentia meu corpo bem firme, revigorado, mas era tão bom relaxar ao lado de Jared. Momentos assim eram ainda mais raros do que qualquer pergaminho primitivo de Luna. Estiquei-me um pouco para alcançar sua boca com a minha, mas uma batida à porta nos interrompeu. Se é que tinha alguma porta ali. Jared grunhiu.

“Hora do jantar!” ouvi a voz de Owen gritar, mas não o vi.

Jared me ajudou a ficar de pé e me envolveu com uma espécie de túnica grafite, que combinava com a minha camisola. Ele se embolou um pouco na hora de amarrar a faixa, então eu o ajudei. Quando estávamos saindo, antes que ele alcançasse a porta, eu o enlacei pela cintura, por trás. Jared se virou imediatamente, um pouco surpreso, e me beijou. Não reparei que a porta de pedra maciça estava aberta e Owen nos encarava. Fiz o possível para recuperar a compostura, mas Jared não parecia minimamente incomodado. Ao contrário, ele até sorria enquanto passava o polegar no canto do lábio. Owen havia corado um pouco, mas foi muito discreto.

“Como se sente?” perguntou ele, pigarreando.

“Ainda um pouco fraca, mas bem melhor.” Respondi com suavidade. Ele se inclinou em minha direção e me beijou na testa. Jared passou por nós e desapareceu escadaria abaixo, deixando-nos sozinhos.

“Os irmãos Came estão nos chamando para comer.” Comunicou ele e me ofereceu o braço para que eu o acompanhasse. Aceitei.

“Espero que a hospitalidade deles seja boa.” Comentei só para puxar assunto.

“Você pode ficar surpresa com o que vai encontrar aqui.” Respondeu ele e sorriu enquanto caminhávamos pelo longo corredor.


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Notas finais do capítulo

E ENTÃO, GENTE? Estavam com saudades, né? Comentem, comentem, por favor. Nós também sentimos saudades de vocês e queremos saber a opinião de vocês com a fic. Bom, infelizmente vamos para as notícias ruins. Isso mesmo, é mais de uma.
Primeira: Híbrido está chegando ao fim. Sim, falo de poucos capítulos a mais, talvez uns seis ou sete a mais.
MAS TAMBÉM TEM NOTÍCIA BOA! A história não para por aqui, haverá uma continuação de título Venefica, e vamos falar mais sobre ela nos capítulos seguintes, não se preocupem.
A outra notícia ruim é: Eu não terei mais parceria com a Musa. Ou seja, eu não vou fazer parte de Venefica. Eu, Monique, oficialmente direi adeus ao meu filho adotivo Jared. Estou muito triste com isso, mas foi uma decisão da Musa e também minha. Vamos concluir Híbrido juntas, mas a partir de Venefica ela caminhará sozinha. Então, sei lá, ne gente. Vamos aproveitar meu tempo aqui. Novamente peço desculpas pela demora e acredito que não vamos mais demorar tanto assim, principalmente agora que estamos na reta final. Um Beijared a todas ~Monique