Híbrido escrita por Musa, Moon and Stars


Capítulo 72
Beast


Notas iniciais do capítulo

Oi, galera. Desculpem pela demora, mas acidentes acontecem, sabe? Perdi esse capítulo duas vezes, tive que refazer tudo de novo e de novo e bom, inspiração não dá em árvore, infelizmente. Mas saiu. Está aqui pra vocês. E quem for fã do Jaredemônio (como eu) vai gostar bastante.



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Sob meus comandos, os meninos fizeram tudo o que eu mandei. Precisei ser rigorosa, porque se eu não falasse nada, ninguém fazia nada. Se eu os deixasse três segundos por conta própria, eles começavam uma discussão e aquilo me irritava muito. Jared foi o primeiro a descer, seguido por mim e depois por Owen. De acordo com Jared, aquela fenda tinha quase dez metros. Comecei a me perguntar se aquelas cordas bastariam, mas Owen disse que o cumprimento era suficiente. Uma preocupação a menos.

Mesmo daquela altura, eu já sentia um frio de bater os dentes. Seu já sentia o frio contra minha pele, furando-me como milhares de agulhas e começou a ficar difícil respirar. Os meninos não pareciam tão afetados quanto eu e por isso forcei-me a não mostrar o quanto eu estava tremendo. Porém, quanto mais fundo descíamos, mais difícil ficava para disfarçar. Finalmente chegamos ao fim, e eu já não sentia meus dedos, metade dos meus braços, meus lábios e meu nariz. O ar que eu respirava era rarefeito e muito incômodo. Eu estava resfriando por dentro, meus músculos estavam rígidos. Por quanto tempo eu iria aguentar? Permaneci em silêncio.

Conseguimos avistar o portal, mas nada, além disso. Estava incrivelmente escuro, como na primeira Casa em que passamos. O grande arco de pedra à nossa frente era como o portal para um buraco negro. Como se não bastasse o frio, a ideia de cair em um buraco negro me arrepiou. Senti algo no meu ombro e me assustei. Era Owen.

“Kate, você está bem?” perguntou ele com um olhar alarmado e preocupado. Fiz que sim com a cabeça, mas ele viu que não e por isso me abraçou.

Seu corpo era quente no meu e me deu certo conforto, mas não muito. Ainda estava muito frio. Eu já havia vestido meu casaco, mas este também não deu conta. Owen então me ofereceu o dele, mas eu neguei, pensando que ele poderia sentir frio também. Ele foi insistente e por fim eu aceitei. Jared teve a ideia de queimar sua própria mochila e me fazer uma fogueira. A princípio, tive medo que ele usasse o fogo demoníaco, mas aquilo não me incomodou, para a minha surpresa. Pelo menos, pude me aproximar da mochila em chamas e aproveitar o calor, mesmo que por pouco tempo, pois a mochila logo se desfez em cinzas.

Jared estava ao meu lado e mesmo que eu não o estivesse olhando, eu sabia que ele me observava em silêncio. Senti sua boca se aproximar da minha orelha, seu hálito quente tocando minha orelha fria.

"Dizem que eu sou um cara quente. Eu posso te ajudar, se você quiser." Ele sussurrou pra mim e um arrepio intenso percorreu meu corpo. Confesso que senti uma pequena chama se acender dentro de mim.

Olhei para ele, sem saber como responder. Ele tinha a pele pálida, as bochechas e a ponta do nariz corado por causa do frio. Sua boca entreaberta soltava uma pequena bruma quando ele expirava. Aproximei meu corpo do dele e me aninhei contra seu peito. O corpo dele ficou rígido e ele pareceu surpreso com meu gesto, pois ele provavelmente esperava ouvir uma resposta. Olhando para ele, vi seu cenho se franzir, mas ele cedeu e colocou os braços em volta de mim. Quando ele fez isso, retorci-me contra ele ainda mais, como um gato preguiçoso na frente da lareira. O corpo dele estava quente, talvez pelo uso do fogo demoníaco, mas foi extremamente aconchegante.

"Você não se importa com o Owen?" perguntou ele, baixinho, apoiando o queixo contra o topo da minha cabeça.

Não entendi a pergunta de Jared. Olhei para Owen, um pouco afastado de nós. Ele se mantinha entretido e silencioso, remexendo em algumas coisas em sua mochila. Tinha uma expressão séria, porém negra. Era estranho ver Owen tão tenso e com os músculos tão retesados.

"O que quer dizer?" perguntei com a voz trêmula e entrecortada.

"Se eu for te esquentar como eu estou querendo, o Owen pode não querer ficar de fora." Ele disse. Seu peito subiu e desceu em uma breve risada e eu o soquei ali, mas sem muita força.

Senti seus braços se apertarem contra mim, embalando-me e aos poucos comecei a me sentir menos congelada. Estranhei que Jared estivesse fazendo isso e então reparei que ele soltava grunhidos de vez em quando e parecia incômodo apesar de não dizer nada.

"Precisamos definir os turnos." Disse Owen, aproximando-se de nós e quebrando nosso silêncio. Ele olhou diretamente para o irmão, ignorando minha presença, e manteve a expressão fria como gelo.

"Eu estou meio ocupado agora." Respondeu Jared com aspereza na voz. Senti a tensão que se estendeu entre os dois, mas me recusei a entrar no meio disso, então fiquei em silêncio.

"Tudo bem." Disse Owen, cedendo sem esforço. Ele lançou um rápido olhar na minha direção, ainda sério, mas desviei o olhar, enterrando o rosto no pescoço de Jared. "Eu fico com o primeiro turno. Durma bem, Katherine."

O jeito como ele disse meu nome fez meu coração dar um salto. Quando virei o jeito para encará-lo, ele não estava mais lá. Jared me afastou um pouco, para nos ajeitar contra uma parede. Ali, continuamos aquecendo um ao outro num abraço que envolvia outros tipos de carícias e comentários ousados da parte dele que me fizeram rir e esquecer um pouco de onde estávamos. Assim, adormeci.

***

"Por que é tão frio aqui?" perguntei enquanto tentávamos descobrir qual era o perigo que nos aguardava na Casa Fria.

"Eu não sei." Respondeu Jared. "Aqui parece ser mais simples. Talvez ela seja fria o bastante para matar um mortal qualquer por hipotermia, mas nós temos fogo." Ele deu de ombros.

"Eu não tenho." Grunhi.

"Nós vamos mantê-la aquecida, não se preocupe." Disse Owen brevemente com seu humor glacial.

"Vamos tentar passar rápido." Disse Jared. "Deve ser como um freezer gigante lá dentro."

Owen bufou. Encarei o portal mais uma vez e estreitei os olhos sem conter minha desconfiança.

"Depois da Casa Escura, nada parece ser tão simples pra mim." Murmurei. "Jared, ilumine um pouco, por favor."

Jared estendeu a mão e tentou o ofuscamento, mas sua mão mal lampejou antes que ele gritasse. Olhei para ele, alarmada.

"Não consigo." Esbravejou ele, irritado e com dor. "Ainda estou fraco demais pra fazer isso. Estou esgotado pela Casa dos Morcegos."

"O que aconteceu lá dentro?" perguntei.

"Ele usou o ofuscamento total." Foi Owen quem falou e Jared não negou.

"Não posso usar esse tipo de poder aqui. É doloroso de mais." Resmungou ele abrindo e fechando a mão, testando a mobilidade de cada dedo.

"Use o fogo, então." Eu sugeri sem rodeios. Ele me encarou com o cenho franzido, como se perguntasse se eu estava brincando, mas sustentei seu olhar com seriedade, dizendo-o para fazer o que eu pedi.

Jared deu de ombros, tirou o casaco e o entregou pra mim, para que eu segurasse para ele, mas eu o vesti ficando com três casacos. Ele soltou um risinho e eu pude deduzir o que ele estava pensando, sem precisar da conexão que tínhamos: Eu nunca achei que fosse vê-la com tantas roupas.

Ele estendeu a mão esquerda à frente do corpo e esta foi criando uma cor avermelhada, como um ferro aquecido pelo fogo. A coloração fluorescente foi subindo até seu cotovelo, acendendo suas veias, seus tendões e preenchendo as linhas dos seus músculos. Subitamente, seu antebraço inteiro se inflamou em labaredas. Senti o ar ser drenado dos meus pulmões, mas isso aconteceu pela mera visão da cena. Eu não me senti minimamente sufocada ou incomodada. Senti o calor irradiar de Jared e avancei dois passos na direção dele sem perceber, sendo atraída pelo calor. Ele olhou para mim, curioso e eu parei de andar. Ele sorriu torto pra mim e foi até o portal, parando bem em frente. Esticou um pouco o braço, mas a luz não passou da linha do arco. Jared franziu o cenho, sem entender e se esticou um pouco mais. Naquele instante, dei um berro alto que ecoou em todas as direções. Jared foi sugado pelo portal, por inteiro.

"JARED!" berrei, sentindo um súbito pânico.

Não ouve resposta e tudo o que eu via e sentia era escuridão e frio. Arfei quando tive uma sensação sufocante, ligando todos os meus sinais de alerta. Olhei para o lado e vi que a mão de Owen estava em chamas. Recuei um passo, assustada, e ele pareceu seriamente ofendido.

"Kate," ele disse calmamente, mostrando-me que não iria me machucar. "Nós vamos ter que entrar."

Respirei fundo, tentando me concentrar e me esquecer de sua mão em chamas. Assenti. Decidi ir na frente, esperando que Jared estivesse do outro lado e sabendo que Owen viria logo em seguida. Assim que eu estava perto o bastante, senti uma brisa fria soprar contra meu rosto e foi como ser puxada por um tufão de ar. Fui sugada para a Casa Fria. Tudo estava muito escuro e muito frio, eu não via qualquer luz. Mas mesmo assim, senti a presença de Jared e isso me trouxe certo alívio. Eu não conseguia vê-lo, nem ouvi-lo, mas eu sabia que ele estava próximo, eu podia sentir.

Não sabia dizer se aquele lugar realmente estava mais frio ou se era a sensação piorava por eu estar vendo Owen nem Jared. Fechei os olhos, mesmo não precisando, e tentei focar no meu instinto e na minha conexão com Jared. Eu sabia que ele estava ali em algum lugar. Chamei-o em minha mente e ele respondeu dizendo meu nome. O som de sua voz me confortou e estiquei a mão para o vazio e encontrei a sua, puxando-me para seus braços. Eu o abracei forte, mas ele não deixou o abraço durar muito.

De repente, um clarão. Owen havia chegado, sua mão ainda em chamas iluminou castamente o lugar. Era uma sala ampla coberta por gelo negro. O teto era formado por blocos pontiagudos. O chão era liso e igualmente escuro. Eu teria facilmente confundido aquilo com mármore se não fosse tão frio. Parecia simples, mas eu não confiava naquilo. Comecei a ouvir pequenos ecos, o som de gotejamento. Olhei na direção de Owen e vi que os blocos de gelo acima de sua cabeça estavam pingando, derretendo sobre ele. A situação ainda não estava crítica, mas ficamos alarmados.

"Apaga essa merda agora!" gritou Jared, trincando os dentes. O aperto de sua mão em meu braço se apertou e eu reprimi um gemido de dor.

Tudo ficou escuro novamente e Owen silvou de frio.

"Owen, vou devolver seu casaco." Eu disse e comecei a retirar os casacos, inclusive o de Jared.

"Não." Ele disse com firmeza e me impediu, pondo seu casaco de volta em meus ombros. "Nós não congelamos tão rápido quanto você. Fique com os casacos. Eu e o Owen vamos manter o calor dentro de nós, sem exteriorizar. Entendeu, Owen?"

"Eu não sou nenhum idiota, Jared." Rosnou Owen. Jared bufou ironicamente.

"Com certeza não é." Comentou Jared com sarcasmo na voz.

"Vamos embora daqui." Eu disse, tremendo e Jared me apertou contra seu corpo.

"O chão é muito delicado." Ele disse tanto pra mim quanto para Owen. "Eu já verifiquei."

"E o que temos que fazer então?" perguntei, preocupada. Quando Jared não respondeu de imediato, fiquei ainda mais alarmada.

"Temos que dividir o peso." Respondeu Owen, roubando as palavras de Jared, que estava tenso ao meu lado.

"Eu testei o peso ainda há pouco. Não podemos andar juntos, é instável demais." Ele disse com um suspiro.

"Tudo bem." Eu disse, com medo. "Nós temos que fazer isso." Afastei-me de Jared. Ele hesitou em me deixar ir, mas por fim me soltou.

Logo assim que me separei dele, senti o frio me atingir com toda a força e logo me arrependi de não ter ficado em seus braços. Abracei meu próprio corpo e tentamos manter distância um do outro, mas sempre nos comunicando para termos noção de onde o outro estava. Owen estava preocupado, temeroso de que eu não suportasse o frio, mas eu teria que aguentar. A cada passo sobre aquela camada de gelo incrivelmente fina era uma aflição, pois eu sentia as pequenas rachaduras sob meus pés e ouvia o leve som do crack em meus ouvidos. Era um ruído aterrorizantemente suave.

Eu sentia Jared se distanciando, à minha esquerda, mas ele ainda estava ali. Dei um passo e ouvi os estalidos do chão mais uma vez, só que mais alto. Eu parei de súbito e engoli em seco, tentando estabilizar meu peso. Meu corpo estava muito frio outra vez. Eu não sentia minha pele, era como se eu estivesse petrificando.

Jared, eu o chamei mentalmente, sentindo o desespero me invadir.

Katherine, o que houve? Aconteceu alguma coisa?

Por favor, me mantenha distraída. Supliquei.

Você quer um strip-tease agora? Não é hora nem lugar pra isso, Katherine.

Soltei um risinho nervoso que ecoou por toda a extensão da Casa Fria. Houve mais um estalido no chão.

Você está muito tensa, relaxa. Ele me aconselhou.

Eu estou com frio, não consigo relaxar assim. Eu queria te agarrar agora. Confessei, imaginando a sensação do calor de seu corpo.

Não faz isso, merda. Se você me excitar, eu vou sentir mais frio, porra.

Ah, é? Provoquei-o. Eu queria te morder, te arranhar...

Filha da puta.

Eu ri, ainda nervosa, mas um pouco mais relaxada.

Jared?

Hm?

Eu estava me perguntando... Por que será que o Owen é virgem?

Mesmo à distância, pude ouvir sua risada rouca ecoando até mim.

Estava pensando nisso? Indagou ele. Quais são suas teorias?

Eu acho que ele é Drag de dia e Queen à noite. Eu disse timidamente, sentindo-me extremamente culpada por estar dizendo aquelas coisas sobre Owen. E mesmo conversando mentalmente com Jared, temi que ele me ouvisse.

Ouvi a gargalhada de Jared e lutei contra a ânsia de rir também, sabendo que se eu risse muito, o gelo poderia ceder.

Kate, eu acabei de chegar em um paredão. Onde você está? Perguntou ele.

Merda. Tentei apressar o passo, mas não deu certo. O chão vacilou e eu senti um arrepio na espinha. Se não estivesse tão frio aqui, eu estaria suando de nervosismo e aflição.

Katherine, cadê você? Owen acabou de chegar aqui.

Meus batimentos cardíacos aceleraram. Comecei a ficar preocupada. Eu não sabia onde eu estava. Eu sentia Jared, ele ainda estava longe. Ah, Luna! A ansiedade e a agonia estavam me dominando.

Jared, eu não sei onde eu estou. Eu não vou conseguir. Não te sinto bem, você está longe.

Você não pode cair aqui, temos muita coisa pela frente. Se concentre em mim.

Comecei a seguir seu conselho e me concentrei em nossa conexão. Ele continuou a falar comigo, para que eu mantivesse o foco durante a travessia. Eu ainda estava aflita, mas eu tinha algo para me segurar. A lembrança das palavras dele estava clara na minha mente. Ele precisava de mim, era por isso que eu estava ali. Senti-me mais corajosa e ousei andar mais rápido. Foi um erro enorme. Parei de repente, sentindo Jared mais perto, mas as rachaduras fizeram um som forte e concreto. Era agora. Corri. Corri muito, forçando minhas pernas semicongeladas. A adrenalina me impediu de perder todo o meu calor corporal.

Eu não olhei para trás, mas eu podia ouvir e sentir o chão desabar atrás de mim, e se eu não corresse mais, eu iria cair. Jared estava perto, eu podia sentir. Eu precisava chegar até ele. Eu dei um salto no escuro, sentindo o gelo desabar atrás de mim. Fui sugada pelo portal no mesmo instante em que a Casa Fria perdeu o chão.

Bati em algo, caindo no chão. Ouvi Owen grunhir, embaixo de mim. Eu gritei, seu corpo quente me queimando a pele, mesmo por cima de todos aqueles casacos. Afastei-me dele rapidamente, arrastando-me para longe e arfando em extremo terror. Eu ainda estava cega pelo desespero da adrenalina e pela influência do fogo demoníaco. Em movimentos nervosos e insanos, comecei a arrancar todos os casacos, jogando-os para longe. Minha garganta estava seca, meus lábios ressecados, eu estava suada e trêmula. Comecei a respirar rápida e ruidosamente.

"O que está acontecendo comigo?" perguntei, tropeçando pelas palavras. Eu estava me mexendo muito, quase me debatendo.

Jared correu em minha direção, segurando-me pelos ombros para me manter parada. Ele me encarava com firmeza, sustentando meu olhar no dele. Comecei a respirar mais devagar, mas com força. Encarei-o e deixei que ele me tranquilizasse no silêncio.

"Estamos nos aproximando mais do Inferno, Kate. Por isso você está reagindo assim. É perturbador, eu sei, mas vai ficar tudo bem." Ele disse com seriedade.

Engoli em seco, ainda respirando intensamente. Eu me sentia tonta e enjoada.

"Como você sabe?" perguntei, fraquejando. Jared fez uma pausa.

"Eu sinto que estamos perto." Respondeu ele. Havia algo a mais no seu olhar, uma fúria acesa.

Owen me trouxe uma garrafa d’água e a colocou na minha boca. Senti-me patética com isso e tentei pegar a garrafa, mas só então percebi o quanto meus dedos tremiam. A garrafa tremia e a água vazava de minha boca. Owen tirou a garrafa da minha mão, me deu mais um gole e guardou a garrafa para depois. Eu estava me sentindo tão estranha. Estava ficando nervosa e irritada. Grunhi sentindo uma raiva súbita. Prendi meu cabelo num coque bagunçado, fazendo movimentos nervosos.

"Eu ouvi vocês dois rindo lá dentro." Comentou Owen distraidamente após certo tempo. "Qual era o motivo de tanta graça?"

Jared e eu trocamos olhares cúmplices e então caímos na gargalhada. Owen continuou sem entender e nenhum de nós tentou explicar. Quando Jared e eu ficamos à sós por um momento, decidi perguntar, enquanto eu recuperava as forças. Ele estava sentado, com as pernas longas meio cruzadas, e ele fazia desenhos com a ponta do dedo distraidamente na terra que cobria a grossa camada de rocha em nossos pés.

"Jared," chamei-o. Ele olhou para mim, dando-me atenção. "Por que está sendo gentil?" perguntei deixando a cabeça tombar um pouco para o lado.

"O que quer dizer?" Jared franziu o cenho com um olhar confuso. "Eu não tenho sido gentil com você." Ele baixou o olhar com o cenho ainda franzido, os lábios formando uma linha fina, e voltou a brincar com a terra, como uma criança contrariada. "Eu não sou gentil. Nunca."

Suspirei. Parte de mim sabia que ele negaria ou tentaria fugir do assunto, mas eu tinha esperança de que ele me dissesse algo. Eu não sabia se devia acreditar que ele estava mudando comigo, ainda mais no caminho para o inferno. Perguntei-me se haveria alguma razão a mais para isso, por isso resolvi insistir.

"Você me abraçou lá atrás. Você se preocupou e se importou comigo. E demonstrou isso." Expliquei. "Por que fez isso?"

Ele ficou em silêncio por um momento e eu vi que ele respirava com mais intensidade. Seu olhar se escureceu enquanto ele fitava seus dedos que se moviam nervosamente.

"Esse lugar me instiga." Disse ele com a voz baixa e o olhar distante. "Você não faz ideia do quanto eu fiquei perturbado nesse ambiente. Tudo aqui é tão... familiar. É como se eu pertencesse a esse lugar. Eu me sinto completo e cheio de energia."

Seus olhos encontraram os meus e seus lábios formaram um sorriso quase maníaco. Ele soltou um riso baixo que fez meu estômago se remexer. Seu riso parou tão rápido quanto apareceu e ele ficou sério. Jared fechou os olhos com força, seu rosto se contorcendo em dor. Fiz um gesto na direção dele, mas ele me afastou com um gesto dizendo que estava bem.

"Precisamos ir." Disse ele se levantando. "Ainda temos a Casa dos Jaguares pela frente."

A decida até a próxima Casa não foi realmente difícil. Tivemos alguns contratempos, como uma rampa irregular e cheia de cascalhos que apareceu do nada e me rendeu alguns cortes e arranhões a mais para minha coleção. Chegamos a um extenso e estreito corredor. Dali de onde estávamos podíamos ouvir os rugidos ferozes das criaturas que os Maias carinhosamente apelidaram de 'Jaguares'. Eu mal podia esperar para conhece-los. A ideia me fez estremecer.

"Kate, traga as armas." disse Jared em tom de comando.

"Nós temos munição suficiente?" perguntou Owen. Jared ficou em silêncio por um momento, o que atraiu nossa atenção. Nós o encaramos com expectativa.

"Não." Respondeu ele enquanto carregava sua pistola sem nos olhar de volta. "Não temos muita munição sobrando, mas o que temos vai ter que bastar."

Carreguei minhas duas pistolas e respirei fundo enquanto Owen também se preparava. Em um gesto inconsciente, olhei para cima e tudo o que vi foi uma imensidão escura, absurdamente alta e rochosa. Eu estava muito longe da superfície, longe de Luna. Eu me sentia exausta, mas de alguma forma, lembrar de Luna e do meu objetivo ali me mantinha de pé. Fechei os olhos por um momento, desejando que Luna me ouvisse, me protegesse e me sustentasse com seu poder. Eu tinha que concluir essa missão. De pouco a pouco senti o poder, ainda que limitado e fraco, correr em minhas veias, fortalecendo cada célula do meu corpo. A ponta dos meus dedos começou a formigar de um jeito engraçado e precisei reprimir a vontade de rir.

Quando reabri os olhos, minha visão estava estranhamente límpida. Os meninos me encaravam com uma expressão curiosa e depois surpresa e até maravilhada. Eu sabia o motivo. Meus olhos deviam estar acesos como estrelas. Sorri para Jared e ele ergueu uma sobrancelha antes de retribuir com um meio sorriso. Meu corpo se resfriou por dentro por um instante e logo me senti revigorada o bastante para seguir em frente. Eu podia encarar mais essa. Com ou sem armas. Pensei em Luna e no meu propósito ali para me manter firme e concentrada na missão. O portal estava bem diante de nós e era estranhamente estreito. Havia espaço o bastante para passarmos, mas não lado a lado. Precisaríamos passar em fila indiana. Eu cheguei perto e de onde eu estava, pude ouvir sons. Esturros e rosnados como feras selvagens. Engoli em seco e recuei.

"Talvez, se seguirmos em linha reta, consigamos chegar logo ao portal de saída." Disse Owen parando em frente ao portal estreito, onde eu estava anteriormente.

"É um bom plano." Disse Jared dando de ombros e guardou uma de suas pistolas no cós da calça mantendo a outra em mãos.

"Tudo bem." Disse Owen em tom firme e olhou para mim, depois para Jared. "Vamos em frente."

Antes que qualquer um de nós pudesse dizer qualquer coisa, Owen já estava adentrando na próxima Casa, avançando pelo longo e estreito corredor. Eu e Jared trocamos breves olhares e então seguimos adiante. O corredor não tinha muitas curvas e também não era muito sinuoso. Os sons que eu havia ouvido antes haviam se intensificado e eu mantive meus ouvidos em alerta, o que foi quase inútil, pois o som se propagava pelos veios das rochas e frustrava drasticamente nosso senso de direção, deixando-nos sem qualquer noção da origem dos ruídos. Em determinado ponto da nossa caminhada, o corredor começou a alargar até que estivéssemos em um grande salão de pedras brutas. Diversas toras se acenderam, uma após a outra, iluminando o extenso largo em que estávamos. A chama demoníaca despertou meu alerta de perigo imediatamente, mas aquilo não foi tudo. Só quando as ‘luzes’ se acenderam, eu pude ver que não estávamos sozinhos.

Os animais nos cercavam de todas as direções. E haviam milhares deles. Seus corpos eram esguios e musculosos, de fato como os de jaguares, mas eles não tinham pelos escuros, nem manchados, mas eram albinos. Seus olhos eram negros e suas pupilas brancas, como se fossem cegos, mas eu tinha quase certeza de que não era o caso. Ainda assim, não foi isso o que realmente chamou minha atenção, mas sim suas presas. Seus caninos eram longos e afiados feito dentes de sabre, perfeitos para dilacerarem meu corpo com uma só mordida. Eles nos encaravam com ferocidade, suas costas arqueadas, as patas em posição de ataque. Permaneci imóvel, sabendo que enquanto eu não fizesse movimentos bruscos, eles não atacariam. Pelo menos eu esperava. Eu sabia que seria inevitável ter que enfrenta-los, mas eu podia ao menos ganhar algum tempo para pensar em alguma defesa extra. Nada me veio à mente.

Vi Owen esticar a mão à frente do corpo, apontando sua arma para uma das criaturas. Houve um silêncio quase mortal e então ele atirou. O que veio a seguir foi uma confusão na minha mente. Tudo aconteceu em um borrão, uma mistura de imagens e sons, rosnados e tiros. A todo momento, Owen nos estimulou a seguir seu plano inicial e fazer caminho em linha reta para não perdermos tempo, mas era quase impossível se concentrar em qualquer coisa que não fosse matar aquelas coisas. Eles vinham de todo lugar! Usei as duas armas que eu dispunha para atirar em duas feras que me cercavam pelas laterais e por puro instinto consegui matar uma que saltou em minha direção por trás. Matei a criatura, mas não antes que me acertasse no rosto com uma patada cheia de garras e que me lançou longe. Meu grito se misturou com o som agudos dos silvos das criaturas que eram mortas pelos gêmeos e eu não sabia se eu havia sido ouvida. Ninguém viria em meu socorro. As tochas que nos cercavam, diminuíam minha força, mas eu ainda estava revestida do poder de Luna e por isso consegui ficar de pé, sentindo uma ardência torturante no rosto, onde a criatura havia me arranhado.

A sensação incômoda provocada pelo calor das tochas, de repente ficou pior e a princípio pensei que fosse por causa do arranhão, mas não era. Reparei que não havia mais o som de tiros, apenas gemidos de batalha, rosnados e ganidos. Cheguei a ouvir um ou dois rugidos. Procurei Jared e Owen rapidamente com os olhos antes que outras criaturas voltassem a me cercar. Os meninos lutavam apenas com seus poderes. Jared se movia com uma precisão absurda, seus braços em chamas plenas, rasgando as criaturas ao meio. Seus movimentos eram tão velozes que eu mal conseguia acompanhar. Ele parou por um momento e eu reparei que seus olhos estavam negros e ele sorria. Owen, ao contrário, era menos bruto, porém igualmente veloz. Ele se manteve sério e notei que ele sangrava enquanto lutava, mas isso não pareceu desacelerá-lo.

Reparei que eu ainda tinha uma das armas em mãos e por pura sorte encontrei a outra jogada no chão, não muito longe de onde eu estava. Corri para pegá-la tentando ignorar as dores que mais se destacavam em meu corpo. Senti um hálito quente e ácido contra meu rosto. O som do rosnado retumbou em meu peito e senti minhas pernas amolecerem enquanto eu era tomada pelo medo. Trêmula, ergui os olhos lentamente, temendo o que eu encontraria e tentei ao máximo não fazer qualquer movimento brusco. A primeira coisa que vi foi uma arcada dentária reluzente, afiada e negra como carvão.

A criatura passou a língua nos dentes afiados e rosnou uma ameaça para mim. Caí sentada para trás com o susto, a criatura pareceu sentir prazer em me subjugar e sacudiu o corpo musculoso fazendo o pelo prateado reluzir. Só então me dei conta de que aquilo não era pelo, mas uma cobertura densa de agulhas letais. Arregalei os olhos e engoli em seco com a apreensão. Antes que a criatura me atacasse, eu vi que eu ainda tinha uma chance. Apontei a arma e puxei o gatilho. Meu coração de repente pareceu tão silencioso quanto o tiro não disparado. Aquela arma estava sem munição.

Eu tinha outra arma na outra mão, mas antes que eu pudesse pensar em arriscar um segundo tiro, o animal balançou os ombros, agachando-se em posição de ataque, encarando-me nos olhos. Seus pelos se eriçaram e eu soube imediatamente o que estava por vir. Gritei e por instinto cobri o rosto com as mãos quando a criatura atirou suas agulhas em minha direção. Senti a dor lancinante das agulhadas encravando no meu braço e perna direitos. Berrei de dor e senti meu sangue arder, mas ainda me incomodava mais. Eu devia ter sido atingida em todo o corpo e talvez até morrido. Tirei os braços da frente do rosto e abri os olhos a tempo de ver Jared quebrar o pescoço da criatura diante de mim. Quando o jaguar caiu morto no chão, Jared encarou as próprias mãos perfuradas pelas agulhas do animal. Ele deu um risinho baixo e começou a retirá-las com impaciência. Em momento algum ele olhou para mim.

"Jared." Chamei.

Ele se virou tão de repente que me assustou. Seu corpo estava visivelmente rígido, como se ele quisesse me atacar. Seus olhos estavam negros e ferozes, suas roupas meio rasgadas e sujas de sangue e vermelho grudando o tecido em sua pele. Reparei também que não foram apenas as mãos que haviam sido perfuradas, mas o corpo inteiro. Agulhas longas e prateadas enfeitavam a parte frontal de seus braços, pernas, tronco e até algumas em um dos lados do rosto e no pescoço. Ele sorriu para mim de um jeito débil e maligno e começou a caminhar lentamente em minha direção, encarando-me com seus olhos de breu.

"Jared?" quando pronunciei seu nome outra vez, o sorriso em seu rosto desapareceu.

Ele abaixou a cabeça, cerrou os punhos e os olhos por um momento. Tornou a olhar para mim e seus olhos haviam voltado à cor normal, mas ele tinha um olhar perdido. Eu o vi engolir em seco e só depois de alguns segundos ele se aproximou de mim. Jared se abaixou à minha frente e me olhou nos olhos com seriedade, sem dizer uma palavra. Analisou meus ferimentos e franziu o cenho para as agulhas que haviam me acertado. Ele tocou em uma delas e eu estremeci de dor, fazendo-o hesitar por um momento.

"É melhor você se acalmar." Ele disse. Sua voz soou estranha aos meus ouvidos. "Preciso fazer isso agora, senão os danos podem ser permanentes."

"Que tipo de danos?" perguntei, agora seriamente preocupada.

"Vou fazer isso rápido." Ele disse, deixando-me sem resposta. Fiquei ainda mais preocupada.

Sem qualquer aviso prévio para que eu me preparasse, Jared puxou três agulhas de uma vez, tirando-as da minha perna. A perfuração foi profunda e causou uma dor horrível quando ele as puxou. Berrei, mas ele abafou meu grito com uma de suas mãos para não chamar a atenção das outras feras, o que não demoraria a acontecer. Jared manteve a mão em minha boca da mesma forma. Quando ele terminou, me concentrei apenas em respirar.

"Não vai retirar as suas?" perguntei apontando para as agulhas que cobriam seu corpo.

Jares olhou para se como se tivesse esquecido que ele havia sido atingido também.

"Ah, sim. Disse ele sem dar muita importância. "Mas não estou preocupado. Meu corpo inibe o veneno das agulhas."

"Veneno?" perguntei incrédula. Comecei a examinar meu braço direito em busca de algum sinal visual da manifestação do veneno quando me dei conta de que meu braço não se movia. Tentei mover minha perna direita, mas somente a esquerda respondia aos meus comandos.

Olhei para Jared, alarmada, e pela expressão em seu rosto eu vi que ele havia percebido o que havia acontecido e estava tenso. Seu maxilar se enrijeceu e ele voltou a se abaixar diante de mim estendendo para mim uma de suas mãos. Com a mão boa, segurei a sua.

"Consegue levantar? Precisamos achar a saída." Ele disse se pondo de pé, puxando-me para cima.

Tomei impulso com a perna esquerda e quando tentei testar o apoio da perna direita, perdi toda a força e tombei. Eu teria caído se Jared não tivesse me segurado pela cintura. Ouvi-o praguejar enquanto me segurava, mantendo-me de pé. Capengamos juntos, sempre perto da parede. Encontramos uma rocha grande o suficiente para que eu pudesse ficar escondida e talvez segura por algum tempo. Jared me acomodou ao lado da pedra e se levantou. Quando percebi que ele pretendia ir embora, segurei-o pelo braço.

"Vai me deixar aqui?" perguntei, lançando lhe um olhar assustado.

"Preciso encontrar Owen." Ele disse friamente.

"Jared, eu estou sem defesa. Não vou nem conseguir fugir!" Eu estava desesperada pela ideia de ficar ali sozinha e tentei ao máximo mostrar meu pavor a ele.

"A paralisia provocada pelo veneno é passageira. Você vai ficar bem." Disse ele e tentou se afastar outra vez, mas não deixei.

"Você jurou me proteger." Rebati seriamente. Ele evitou meu olhar por um tempo e vi que seu maxilar estava rígido, sua boca formava uma linha tênue e seu cenho estava franzido.

Ele se voltou para mim mais uma vez e se abaixou ao meu lado, pondo as mãos em meus ombros e olhando-me nos olhos.

"Se alguma coisa acontecer com você, eu vou te achar." Ele disse em tom firme sem desviar os olhos dos meus. "Mas também não posso deixar Owen lutar sozinho. Ainda vamos precisar dele."

Engoli em seco e tentei controlar minha respiração. Eu estava com medo, mas Jared estava certo. Owen não podia lutar sozinho. Assenti e o soltei, deixando-o ir. Jared se levantou e me deixou sem olhar para trás. Já que eu não podia fazer nada, concentrei-me em nossa conexão, acompanhando-o mentalmente.

Na mente de Jared, senti coisas estranhas, sensações fortes e muito perturbadoras. Meu coração estava acelerado e eu não sabia muito bem o motivo. Ele não demorou a encontrar Owen. Através dos olhos de Jared vi que Owen lutava agilmente, mas parecia exausto e sangrava muito, não só pelo nariz, mas também pela boca. Uma espécie de fumaça negra saía de suas mãos e aquilo feria seriamente as criaturas que o cercavam. De repente algo esquisito começou a acontecer. Senti meu corpo se inflamar e aquela sensação de abafo me dominar. Tateei a superfície da minha pele freneticamente tentando me livrar daquilo, mas além de não poder de mexer, eu sabia que a sensação não vinha de uma fonte externa e sim de dentro do meu corpo, consumindo-me.

Tentei encontrar Jared na minha mente, mas não consegui. Se eu tentava ver com seus olhos, eu só via escuridão. Se eu tentava me comunicar com ele, era como se eu gritasse em uma sala vazia. E quanto mais eu me esforçava para manter a conexão, mais quente ficava. Contorci-me e fritei quando a dor começou a ficar insuportável. Aquilo era uma tortura. Interrompi a conexão sentindo-me exaurida e sozinha. Eu não conseguia mais senti-lo.

Fechei os olhos na tentativa de regularizar minha respiração rápida e intensa. Atentei os ouvidos. Consegui ouvir o som dos rugidos agudos e felinos dos jaguares infernais. Arrastei-me toscamente até uma das extremidades da rocha em que eu estava escondida para tentar ter uma visão melhor da situação. Reparei o que o som das feras havia diminuído significativamente. Quando finalmente consegui ver o que estava acontecendo, foi quase um choque. Jared e Owen ainda lutavam lado a lado, mas agora restava apenas uma dúzia dos jaguares, mais ou menos. O resto se estendia pelo lugar, aos montes, todos mortos e dilacerados. Sangue negro cobria o chão e um cheiro ácido pairava no ar. Precisei piscar várias vezes para clarear minha visão, pois meus olhos ardiam e lacrimejavam.

Um dos animais reparou minha presença e o olhar esbranquiçado da fera me fez congelar no lugar. Não que eu pudesse ir a algum lugar. A fera mostrou os dentes para mim e começou a caminhar na minha direção. Eu era um alvo fácil. Agarrei-me a pedra, como se aquilo pudesse me proteger, embora eu soubesse que não podia. Tentei invocar o poder de Luna, mas eu também sabia que era o bastante apenas para me revigorar, mas não para lutar, muito menos sem a ajuda de um braço e uma perna. A fera se abaixou para atacar e saltou rugindo.

O que vi depois foi um borrão de movimentos. A criatura fora lançada para longe de mim e quando me dei conta, Jared rolava por cima da criatura. Quando os dois se separaram, o jaguar sacudiu o corpo fazendo algumas agulhas caírem ao chão formando um tapete de farpas metálicas. Jared tinha várias daquelas grudadas ao corpo e sangrava em algumas áreas. Eu não era mais o alvo do jaguar. Jared mantinha a atenção da fera de alguma forma. Eles se encaravam e caminhavam lentamente, formando um círculo, sempre mantendo contato visual. A postura de Jared era feroz, rígida e ele mostrava os dentes, assim como a fera.

Quando o jaguar rosnou, Jared fez o mesmo e também rugiu como se mostrasse poder. Fiquei surpresa quando vi a fera recuar um passo. Os pelos do animal se eriçaram, mas Jared avançou e rosnou. Ele não parecia o mesmo. A princípio, achei que ele estivesse fazendo algum tipo de jogo, ou truque, mas não. Ele realmente estava agindo de forma animalesca e estava subjugando a fera. Conforme ele foi avançando, a fera foi recuando e se abaixando, desafiando-o com um rosnado de vez em vez. No fim daquela dança estranha, o jaguar estava deitado, feito um gato mal humorado. Quase não acreditei no que vi. Jared o domou.

Senti algo em meu ombro e saltei de susto. Olhei para o lado, com medo, e vi que era Owen. Ele segurou meu rosto, e me examinou com os olhos para ter certeza de que eu estava bem. Eu disse a ele que eu havia sido atingida pelas agulhas venenosas e ele disse que o efeito demoraria horas a passar e por isso ele faria uma sessão de cura para acelerar o processo, embora, talvez, não fosse inteiramente eficaz já que ele estava muito fraco. Tentei convencê-lo a descansar um pouco, mas ele insistiu que fizéssemos isso, pois tínhamos que passar pelo portal antes que as feras se regenerassem. Tudo o que conseguimos naquela luta foi uma vitória passageira.

Owen usou sua cura em mim e me ajudou a testar meus membros enquanto Jared se ocupava com o jaguar. Ele nem havia nos dado atenção depois de sua proeza. Owen me ajudou a ficar de pé e a recuperar o equilíbrio. Eu já podia sentir meus músculos doloridos e movimentá-los, mas ainda não tinha força nem muita firmeza. Quando fui testar o peso sobre a perna atingida, fraquejei e quase caí, mas Owen me segurou. Ele passou a mão pela minha cintura enquanto o segurei pelos ombros. Nossos rostos estavam próximos e eu pude ver seus olhos por um breve momento, antes que ele os desviasse de mim. Nesse momento, Jared empurrou o irmão bruscamente, fazendo-o cambalear para trás, despreparado. Caí para trás quando fiquei sem apoio, mas consegui me segurar na rocha atrás de mim.

"Jared! O que pensa que está fazendo?" eu o repreendi.

Jared se virou para me olhar e tudo o que vi foi o breu em seus olhos. Seus dentes estavam sujos de vermelho e estavam um pouco afiados. Foi uma cena assustadora. Ele rosnou para o irmão e depois para mim, ameaçando me morder. Aquilo não era normal, ele estava me assustando. Com sua atenção voltada para mim, ele caminhou em minha direção, parando a poucos centímetros, encurralando-me entre ele e a rocha. Suas mãos agarraram meus braços com uma força que me fez gritar. Ouvi Owen chamar o nome dele, mas ele pareceu não responder ao nome.

"Jared, o que vai fazer?" perguntei, trêmula, olhando-o no fundo daquele olhar sem fim.

Ele respondeu com um rosnado gutural que ecoou em seu peito. Engoli em seco. Tentei alcança-lo mentalmente, mas meu sucesso foi como da última vez que tentei. Parei no instante em que senti o calor demoníaco. Jared aproximou o rosto do meu, como se fosse me beijar, mas seu olhar e seu rosto me dizia algo totalmente diferente, representava perigo e eu não pude evitar sentir medo. Ele me olhava como se eu fosse uma presa. Aquele não era Jared. Apelei e sussurrei seu nome, mas ele não compreendia. Ele mostrou os dentes mais uma vez e abocanhou a curvatura do meu pescoço com os dentes, cravando suas unhas nos meus braços. Gritei alto e meu peso sucumbiu. Não tive forças nem mesmo para chorar. Owen tentava afastar o irmão, em vão.

"Jared!" chamei por ele. Gritei seu nome até onde minha garganta suportava.Debati-me, tentei tocá-lo, mas ele havia me rendido. Eu estava ficando fraca novamente.

Eu sentia minha morte se aproximando. Àquela altura do campeonato, eu já conhecia essa sensação. A morte já me visitou muitas vezes e eu já sabia reconhecer sua presença.

"Você jurou me proteger." Esse apelo foi minha última tentativa. Minha voz soou tão fraca, tão baixa, que eu duvidei que alguém além dele fosse capaz de ouvir.

Eu já estava me preparando para me entregar à morte. Não era isso que eu havia imaginado para minha morte. Não era assim que eu pretendia morrer nos braços de Jared, embora no fundo eu desconfiasse que minha morte seria através das mãos dele. Aquelas mesmas mãos que me seguravam com uma força absurda, começaram a se afrouxar. De repente ele me soltou, deixando-me cair aos seus pés. Ele recuou, como se estivesse assustado com o que via. Aquela foi minha última visão de Jared. Seu rosto confuso e enojado. Seus olhos verdes e sua boca suja de sangue. Meu sangue.


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Notas finais do capítulo

Eai, gente, o que acharam? O que será que vai rolar a partir de agora? As coisas vão ficar cada vez mais quentes, se é que me entendem. Altos climas. Isso aí, galera. Comentem, perguntem, xinguem, opinem, fiquem à vontade. A fic é pra vocês! Beijared e até o próximo cap ;*