Ao Despertar escrita por httpsdiamandis


Capítulo 3
Estranho Conhecido




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Capítulo 3 - Estranho Conhecido

Nunca pensei que demoraria tanto para me acostumar á minha própria casa. Na verdade eu ainda esperava pelo momento em que acordaria perdida no meio da floresta, presa em meu próprio inferno.

Meu apetite crescia com a mesma rapidez que minha sede por sangue de verdade, e não aquele das bolsas. Eu ansiava por sangue fresco, e aquilo estava me matando a cada dia. Tia Juliet parecia um pouco assustada quando eu repetia a refeição seis ou sete vezes, ou quando eu olhava ameaçadoramente para sua amiga Maggie(que tinha um cheiro irresistível), mas não comentava. Ela tentou me obrigar á ir ao psicólogo, mas obviamente neguei. A última coisa da qual eu precisava era contar várias e várias vezes minha grande farsa do homem da caminhonete, que nunca existira. Descobri que a tal "hipnose" perdia o efeito conforme a intensidade da vontade de certo humano, já que tivera que hipnotizar minha tia várias e várias vezes sobre essa besteira de ir ao psicólogo.

Uma semana e meia depois, eu finalmente estava pronta para a escola. A verdadeira motivação que havia me feito levantar aquela manhã eram as caras de surpresa dos amigos de Stacy ao me verem. Quero dizer, eles já sabiam que eu sobrevivera(graças ao maldito jornal da cidade) mas eu queria ver as reações ao vivo.

Obviamente eu preparara uma entrada triunfante como em um daqueles filmes idiotas de colegial. Com direito a jaqueta e botas de couro, camisa branca e jeans, além de óculos escuros(acessório do qual era indispensável toda vez que eu saia de casa durante o dia). Sim, sou muito teatral ás vezes.

Eu secretamente odiava aquele visual e queria meu tênis de volta, então prometi á mim mesma que aquela era a primeira e ultima vez que eu saia por ai fantasiada de vampira vadia psicótica .

Cheguei na escola, com uma Tessa boquiaberta no passageiro. O estacionamento estava lotado como sempre. Quando saimos do carro, foi como se letreiros de neon imaginários apontassem setas para mim e Tessa e dissessem "olhem para nós, olhem para nós!". Respirei fundo, reprimindo o impulso de abaixar a cabeça, voltar para o carro e trocar a jaqueta e bota de couro por meu moletom cinza e converse.

–Sarah tá tipo, todo mundo olhando – Tessa disse baixinho, parecendo satisfeita com todos aqueles olhares.

Dei de ombros, tentando imitar sua expressão de felicidade.

–Acho que já passou da época de nos escondermos pela escola – menti, me surpreendendo ao perceber o quão fútil a frase soou.

–Hã? A Sarah Colleman de verdade nunca diria isso. Pera ai, já sei! Você foi abduzida? Ou... Levada para um laboratório do tipo Frankeistein? Ahhh, ou transformada em vampira – Tessa fingiu se assustar e então riu, revirando os olhos.

Claro fiquei em choque assim que ela pronunciou aquela palavrinha que começa com “v”.

–Ei, qual é?Foi só uma brincadeirinha Sarah, credo – ela ergueu uma sobrancelha, balançando a cabeça.

–Tá, tudo bem, admito. Estou odiando isso tudo – sussurrei, ao chegarmos no fim do estacionamento, ainda tendo nossos passos vigiados por todos.

–Ah, agora se parece com minha velha amiga Sarah – Tessa riu, subindo os cinco degraus que levavam até a entrada de Richlands High School, lar dos Dráculas azuis.

Abri as portas da escolas e fui intimidada pelo “corredor da vergonha”. Não sabe oque é o “corredor da vergonha”? Bem...Em minha escola, no corredor principal é onde todos os rumores e fofocas surgem e são espalhados. Tipo o facebook, só que de um jeito mais rápido(se é que isso é possível...) de modo que a noticia de minha volta se espalharia como fogo em uma floresta. Jordan Erikson, fofoqueira principal da escola me analisou por completo enquanto mascava seu chiclete de um jeito nojento. Bem, se Jordan havia me visto, isso diminuía o tempo de demora para espalhar a noticia de dez minutos para três.

Após finalmente passarmos pelo corredor da vergonha, Tessa e eu quase corremos para nossos armários. Aproveitando o ambiente fechado, tirei meus óculos e imitei a expressão de megera popular e desprezível que sempre via estampada na cara de Elizabeth, escondendo toda minha timidez e vontade de sair dali correndo e me enfiar debaixo de minha cama.

Do outro lado do corredor, Jessica arregalou os olhos e cutucou Stacy, que bebia água. Ela se engasgou. Christopher deixou o livro cair. Mais duas garotas que estavam junto de Stacy pareciam prestes á me tacar alho ou água benta em mim(ironia e tanto).Fiquei realmente tentada á mostrar minhas presas para eles, mas infelizmente haviam testemunhas demais, então eu apenas sorri, peguei meu livro, fechei meu armário e fui em direção á minha primeira aula. As expressões de choque vindas da "realeza adolescente" de Richlands compensavam o terror de ser o centro das atenções. Tessa, pelo contrário, parecia como uma criança na manhã de natal, acenando e sorrindo para todo mundo.

Na sala de aula, por mais que eu tentasse me esconder no fundo, os professores mandavam os alunos me aplaudirem ou me darem atenção especial, algo que para mim foi mil vezes mais embaraçoso do que sair da delegacia com um cobertor como se fosse virgem Maria, há quinze dias atrás.

O primeiro dia com certeza foi o pior. Mas, quando eu voltei ao meu vestuário normal, feliz por ter causado o choque que queria em Stacy e seus amigos, as pessoas pararam de encarar, por volta do quarto dia. As coisas haviam mudado muito. Meu desaparecimento junto á matéria que havia escrito há um mês atrás haviam feito com que as pessoas parassem de ridicularizar á mim e Tessa.Nós conseguimos passar de duas esquisitas e excluídas para duas pessoas normais, ou quase normais... Algumas pessoas especulavam como eu havia sobrevivido,e aquilo era bem irritante. Jordan espalhara boatos de que eu era uma bruxa, mas eu acabei com os boatos após hipnotizá-la no vestuário das garotas. Eu ainda era alvo dos olhares dos alunos, mas nada tão impressionante como fora no primeiro dia.

No tempo em que eu ficara longe, Tessa fizera vários amigos. No almoço, agora sentavam conosco Hilary, que era namorada de Tom, e Riley, que...Bem, namorava com todo mundo. Os três eram amigos de infância de David e Connor. Eu gostara deles logo de cara, pois não pareciam assustados com minha presença, como todos na escola aparentavam. Eles eram pessoas muito legais, e pelo o que eu soube, ajudaram Tessa, David e Connor a distribuir cartazes meus de desaparecida em outras cidades. Riley até fizera piadas sobre meu desaparecimento, das quais eu ri, acrescentando mais humor negro. Claro que pessoas de mesas ao lado pareciam assustadas ao ver que eu não estava traumatizada com tudo oque acontecera. Riley era quase tão divertido quanto David. E também tira um cheiro quase tão bom quando o de David. Por falar nisso, eu andava resistindo ao impulso louco de matar os alunos e beber o sangue. Algo difícil de se fazer, já que eles estavam sempre amontoados em salas abafadas de aula.

Era quinta-feira, e estávamos na última aula, nos alongando no campo de futebol, enquanto o time treinava em um canto separado(porém visível) do campo. Tentei ignorar o olhar dos jogadores, que pareciam achar interessante o “Richlands” impresso de azul na parte de trás de meus shows brancos de ginástica. E também o “Dráculas” em branco na frente da blusa azul. Na verdade, desde segunda, os garotos pareciam ter desenvolvido um interesse repentino em mim, irônico vindo dos mesmo que já haviam me jogado na lixeira(literalmente, no 8º ano, mas não gosto de falar sobre isso). Stacy parecia estar odiando aquela atenção extra antes reservada apenas á ela e suas amigas. Se alongando em poses pra lá de sugestivas, ela se insinuava de um jeito bem nojento para os garotos do time que finalmente me deixaram em paz (oque me fez, pela primeira vez na vida, agradecer internamente por Stacy estar por ai com a perna no pescoço e outras poses não muito adequadas).

–Tudo bem garotas, hoje vamos jogar dodgeball – Professora Audrey girou uma bola azul na mão, chamando nossa atenção(já que metade das garotas prestava atenção no “treino” do time de futebol).

Claro que não pude prestar atenção nas regras de dodgeball. Pois David também estava treinando. Quero dizer, ele não era bom, pelo menos não em futebol(já em basquete...). Só entrara para o time para ter algo no currículo, mas ele era reserva e quase o garoto que serve água. David estava brigando com os caras do time(que haviam voltada a atenção para mim), que reviraram os olhos ao perceber que David sorria para mim. Sorri de volta e acenei para ele, ignorando as risadas do time.

Por falar nisso, David ultimamente vem se mostrando atencioso demais. Provavelmente culpado por meu desaparecimento. Quero dizer, se ele não tivesse me chamado para sair, Christopher não teria passado de carro naquela noite, e nada teria acontecido. Enfim, David andava por ai se comportando como meu empregado, sorrindo como um bobo, e fazendo tudo(ou quase) que eu já sonhara um dia. Eu apenas sorria quando ele abria a porta das salas para mim, ou carregava minha bandeja de comida no almoço.Ou quando insistia em dirigir para mim. Mas parte de mim sabia que aquilo era só culpa. Quero dizer, ele nunca se mostrara interessado, até o desaparecimento. Era só meu melhor amigo. Meu melhor amigo achando sentir alguma coisa quando na verdade aquilo tudo era só culpa. Nunca seria amor. Claro que eu estava adorando tudo aquilo, mas não era real. E estava pensando em como falaria aquilo para ele. É, se apaixonar pelo melhor amigo é uma droga.

Me lembrei, enquanto Professora Audrey ainda falava sem parar sobre regras de dodgeball, meu diálogo com David mais cedo, em que ele me chamara para ir no fliperama da cidade(Richlands tem fliperama mas não tem cinema, surpreendente, eu sei...). Eu insistira em levar nossos outros amigos, e David parecia meio irritado com isso, mas concordara. Era bem irônico que, quando eu finalmente tinha seus sentimentos correspondidos, o estava desprezando...

Voltei á realidade, percebendo que perdera a explicação inteira, e que David ainda estava olhando para mim(assim como todos os outros garotos do time).

–...Vocês só precisam se lembrar dessas regras, agora se dividam em dois times – ela escolheu duas das garotas que faziam parte do time de vôlei para montar times.

Eu fui a última a ser escolhida, como sempre, e estava no time adversário de Stacy Sanders. A oportunidade perfeita. Então o apito azul e irritante soou.

Quatro bolas voaram em minha direção. Por um reflexo sobrenatural me desviei de todas. Ri, surpresa, pegando uma das bolas e mirando na 1ª garota que tentou me acertar, uma japonesa baixinha. A bola foi direto em seu estomago. Ela deu uma gritinho de dor e se queixou, praguejando. Uau, não joguei assim tão forte. Não resisti e olhei para trás. Os garotos(que não interessam) e David haviam parado para ver a partida. Em circunstâncias normais eu teria tropeçado ou vomitado, coisas que sempre fazia quando estava nervosa. Mas apenas respirei fundo e ignorei os olhares, me concentrando no jogo.

As garotas do time adversário me deixaram em paz, com medo de acabarem com uma bolada no estomago assim como a miss Tóquio. Meu time era péssimo e, em poucos minutos, foi totalmente dizimado, restando apenas a mim. Os ataques vinham de todos os lados. Me desviei de cada uma, me sentindo como em um filme. Professora Audrey observava o jogo atentamente, os olhos brilhando. Não precisava ser nenhum vidente(ou vampiro) para perceber que ela obviamente me colocaria no time feminino, que não ganhava o tornei há décadas. Inventei desculpas para negar o convite enquanto desviava dos ataques. Era incrível como minha mente funcionava tão rápido. Provavelmente pela primeira vez fiquei feliz com o fato de ser uma vampira.

Peguei três bolas e acertei três garotas do time, restando apenas Stacy e Claire, uma garota enorme que me bateu na 7ª série(Tessa tem medo dela até hoje, sério, a garota é mais forte que um jogador de futebol).

Claire grunhiu e jogou a bola com toda a força em direção á minha cabeça. Então por um reflexo praticamente incontrolável(tá, admito que foi para impressionar Stacy e deixá-la morta de medo), dei uma mortal para trás e atirei a bola de volta em Claire, enquanto ainda estava no ar. Stacy deu cinco passos para trás e, com as duas bolas que ela tinha na mão, tentou me acertar, fracassando totalmente. Na verdade, ela só ficara tanto tempo no time porque se escondia atrás de Claire.

Sorri e acertei com força seu peito. Stacy arfou e caiu no chão com falta de ar. Era horrível de ver como ela se debatia na grama. Todos a cercaram, e ouvi vozes gritando para que alguém fosse atrás da enfermeira. Os caras do time a cercaram também. Fiquei paralisada, em choque. Parte de mim saboreava a agonia dela, outra parte estava em pânico e mandando a parte do mal calar a boca e deixar de ser desprezível.

Eles levaram Stacy carregada até a enfermaria e, como eu já disse, uma boa fofoca em Richlands High School é como fogo. Em sete minutos, quando eu estava parada em frente á enfermaria(assim como as outras garotas), ouvi o garoto no bebedouro murmurar para outro que eu havia tentado matar Stacy jogando uma bola em seu peito, e duas em seu estômago. Deus, como eles exageram...

No fim, Stacy saiu da enfermaria saudável e com uma impressão que me mataria(outra vez) se deixassem. Professora Audrey não me deu advertência, contando que eu participasse de uma audição para o time feminino de dodgeball(assim como eu previra).

Durante a volta para casa, tentei ignorar oque acontecera naquela tarde, mas o olhar de Stacy parecera tão cruel, que me dera medo. Quero dizer, pode até parecer ridículo, já que posso acabar com ela em um estalar de dedos, mas ainda sim...Quando foi que Stacy Sanders, antes minha amiga, se tornara assim? Tá, eu tive culpa por deixá-la tendo um ataque no campo, mas ainda sim...

Suspirei e sai do carro, pegando a chave da porta. A moto de tia Juliet já estava estacionada em frente á casa. Ela estava de licença da escola primária para “poder ficar de olho em mim”. Juro que, antes de destrancar a porta, pude sentir que estava sendo vigiada, outra vez.

***********************

–Sarah, eu quero você em casa ás 22:30 tá ouvindo? – Tia Juliet grunhiu, parecendo estressada.

–Claro, tia! – gritei do quarto.

Fora a maior dureza para convencê-la a me deixar sair, mas, a hipnose(sim, foi errado e sim, estou me sentindo culpada por isso) e argumentos e mais argumentos de que eu precisava sair e que David e Connor me buscariam na porta, acabaram convencendo-a.

Tessa deveria estar em casa já que aquilo era um encontro entre amigos, e não um encontro do tipo romântico. Como se fosse a deixa, Tessa me ligou, dizendo que ela e Riley não viriaa porque tinham uma festa para ir. Então eu fico um mês fora e Tessa se transforma no tipo de pessoa que frequenta festas? Não que eu esteja brava, quero dizer, Connor, Tom e Hilary ainda viriam, certo?

Meu estômago revirou. Eu não poderia ficar sozinha com David. Claro que não.

Cai no chão procurando por uma roupa, acabando com meu vestido azul claro e agora curto(maldito crescimento vampiresco), meu tênis e meu celular no bolso do vestido. Me olhei no espelho, bem, pelo menos eu parecia arrumada. Na verdade, desde que esse lance de vampira começara, eu parecia arrumada até mesmo vestindo os trapos do dia em que me acharam. A campainha tocou.

–Não fique nervosa. Isso não é um encontro – murmurei para mim mesma, passando a mão pelos cabelos e descendo as escadas.

–Sarah! David está aqui – Tia Juliet chamou a sala.

Desci as escadas, notando o fato que ela dissera apenas David, e não David e Connor. Semicerrei os olhos ao ver David sozinho na soleira da porta.

Merda, aquilo era um encontro.

–Ah, está tão linda querida...David, pelo amor de Deus, não tire os olhos dela. E 22:30 eu qu-...

–Você me quer em casa, entendi. Não se preocupe, não é como se eu fosse sumir outra vez – comecei a rir, parando ao notar que os dois me olhavam preocupados,não achando graça.

–Okay, nada de entrar na floresta e....Ah, Deus, oque eu estou dizendo, claro que você não vai! Desculpe, boa noite, não esqueça, ás 22:30. E juízo, me escutou?Eu não quero ninguém grávida. – ela subiu o primeiro degrau da escada, tomando sua xícara de café encostada no corrimão, inocentemente.

Eu provavelmente estava vermelha feito um pimentão.Tia Juliet subiu as escadas depois de fazer um gesto de "estou de olho de você".

Revirei os olhos.

–Oi – acenei timidamente para David, que havia me medido de cima á baixo desde que tia Juliet fora para o quarto.

–Oi Sarah, hm...O Connor, ele tá doente – David mordeu os lábios.

–Ah, sim...E o que ele tem, Dave? – perguntei, fechando a porta de casa e atravessando o gramado para ir até o carro do pai do David(policial Adams amava esse carro tanto quanto amava os filhos, e consegui-lo emprestado provavelmente tinha custado muito para David).

–O Connor? Acho que é gripe – ele abriu a porta do carona para que eu entrasse. O carro prata do policial Adams cheirava a café e roupas lavadas, exatamente o mesmo cheiro da delegacia.

–Então...Qual foi o preço que conseguiu em troca do carro do policial Adams? – perguntei, rindo ao perceber que David parecia ter medo de por as mãos no volante.

David riu nervosamente, dando partida no carro.

–Hã, nada, claro que não precisei fazer nada – ele bufou, como se aquela ideia fosse ridícula.

–Dave...-insisti, erguendo uma sobrancelha.

–Tá legal. Lavar a viatura todos os fins de semana e cortar a grama da vizinhança inteira – David admitiu.

–Sabe, não deveria ter se preocupado tanto com isso, quero dizer, o fliperama é na avenida principal, a gente poderia ir a pé – falei, após uns cinco minutos rindo da cada de David.

Ele deu de ombros e seguimos os próximos cinco minutos que levava até o fliperama em silêncio. Eu me sentia lisonjeada por tê-lo feito pegar o carro do policial Adams para apenas cinco minutos de trajeto.

No final, aquilo acabou virando um encontro. A tal festa na qual Tessa e Riley estava também havia roubado Hilary e Tom de nós e eu suspeitava que Connor também. Ela deveria ser bem grande á ponto de o fliperama, único lugar de “diversão” em Richlands estar vazio em uma sexta á noite. Mas era melhor daquele jeito, sem filas e nem alunos que poderiam fofocar sobre nós dois depois.

Claro que foi divertido ganhar de David em todos os jogos naquele fliperama minúsculo, mas eu me sentia estranha por vê-lo me olhando daquele jeito. Droga ,porque eu não podia flertar como uma pessoa normal com o cara que gostava desde os 13 anos de idade?

Após perder pela décima vez, David comprou comida e fomos comer sentados no capô do carro do pai de David. Ri ao ver como ele equilibrava a comida na perna, tentando não derramar nada na pintura prata a reluzente. Nós observamos o céu e contamos o numero de carros azuis que passavam na rodovia. Chato? Sim, pode até parecer, mas nada é entediante quando se tem o melhor amigo ao seu lado. Mexia e meu cabelo ou ajudava David a equilibrar a comida, fazia de tudo para que minha mão não acabasse parada no capô do carro, pois sabia oque viria depois. Eu odiava relutar tanto, mas preferia continuar apenas com meu amigo, do que com um namorado que sentia remorso e achava que aquilo era amor.Claro que David percebera minha relutância.

–Porque não me deixa segurar sua mão? – ele perguntou, quando finalmente o jogo de contar os carros azuis ficou entediante.

–O quê? – minha voz ficou fina quando tentei me fazer de desentendida.

–Não finja que não percebeu– ele insistiu. Eu estava olhando para o céu estrelado, mas podia sentir seus olhos castanhos em mim.

Os próximos cinco segundos passaram como se fossem horas, até que, triste por estragar aquele momento perfeito, resolvi abrir o jogo.

–Bem... Você tem sido legal comigo, segurado meus livros, dirigido meu carro e armado esse encontro... mas isso é uma farsa, Dave – soltei as palavras rapidamente, querendo pular aquela conversa e voltar á olhar as estrelas.

–Farsa? Mas do que você está falando? -ele perguntou, franzindo o cenho.

–Você sabe... Nós – indiquei com o dedo, evitando olhar em seus olhos.

David continuou com um olhar de quem não estava entendendo nada. Respirei fundo, odiando ter que falar aquilo em voz alta.

–Você flertando comigo... David, você não gosta de mim de verdade. Isso só é remorso por causa do desaparecimento – disse, tomando um gole de coca, um pretexto para não ver seu semblante.

–Você acha que isso é pena? Sarah, eu gosto de você, e isso é velho, bem antes dessa coisa de desaparecimento e tudo mais, será que nunca notou? – ele perguntou, me fazendo pela primeira vez encará-lo.

–Não minta Dave, por favor – falei, balançando a cabeça.

Ele bufou e fechou os olhos, então os abriu de repente e me encarou decididamente. Sua mão se fechou em minha nuca. Eu queria afastá-lo,mas fatores atenuantes (1- Eu esperava por aquele beijo há anos, e apesar de ser um beijo de remorso, não podia negá-lo; 2-David realmente ficava uma gracinha quando estava bravo; 3-O sangue dele parecia gritar por meus dentes, principal motivo pelo qual eu não conseguia pensar em nada a não ser em David) me fizeram ficar paralisada, fechar os olhos... E esperar pelo beijo que não veio, pois meu telefone tocou ensurdecedoramente. Me afastei, como se acordasse de um sonho, e atendi o telefone, querendo enforcar Tessa por me ligar justo naquele momento.

–O que é que você quer, Tess? – grunhi, ouvindo o barulho alto de música do outro lado da linha.

–Sarah, você precisa vir nessa festa, juro, está demais! E adivinha quem acabou de vomitar e passar vergonha? Elizabeth!- Tessa gritou do outro lado da linha, competindo com a música.

–Ah, que droga de festa afinal de contas é essa, mais importante do que mim e David? Vocês todos estão ai, não é? – perguntei, brava.

David desceu do capô do carro e foi jogar o lixo das embalagens de coca-cola e de lanche. Notei que ele parecia nervoso outra vez, como uma criança prestes á ser pega.

–O quê? Sarah, o Dave insistiu para que eu, Hilary, Tom, Connor e Riley viéssemos a festa para que ele pudesse ficar sozinho com você –ela começou a rir.

–A, ele fez isso, foi? – olhei para David, que estava com a maior cara de culpado.

–Sim...Então, já se beijaram? – ela gritou tão alto que até mesmo David conseguiu ouvir.

Revirei os olhos, envergonhada.

–Ah...É a Sarah?Mande e Daivd ela virem pra cá! Connor está se drogando pela primeira vez, isso não é o máximo?! – Riley gritou do outro lado da linha.

David arregalou os olhos e fez sinal para que entrássemos no carro.

–Alô, Tessa? Como foi que deixou isso acontecer? – gritei, lutando com o som alto vindo da festa. David acelerou, parecendo saber o caminho exato.

–Sarah? Não estou te ouvindo. Ah, meu Deus! Tenho que desligar, tchau! E venha logo – o telefone ficou mudo.

David corria como um louco.

–Ei, calma, não é assim tão ruim ,é? – tentei tranquilizá-lo. Ele me olhou como se eu estivesse louca.

–Connor, Sarah? Você o conhece, sabe oque só um simples gole de cerveja faz com meu irmão. E...Tessa disse oque era? Maconha, cocaína, sei lá? – ele gritou, as veias de seu pescoço prestes á saltar.

Me encolhi no banco, assustada.

–Desculpe por isso. É que... Ele é meu irmãozinho, sabe? – suas mãos no volante relaxaram.

–Irmãozinho? Dave, ele não nasceu três minutos depois que você? – comecei a rir, feliz por ele estar mais calmo.

–Bem, mas eu pareço mais velho, não é? Enfim, ele continua sendo meu irmão, e não posso deixá-lo sozinho na festa. Quero dizer, quem é que vai tirar fotos desse momento épico? Ele tentou fazer piada, mas ainda parecia tenso.

Chegamos na festa. Era na maldita mansão de Stacy e Christopher Sandres, uma das únicas na cidade. Deus, o gramado da casa estava uma bagunça. Papel higiênico e copos vermelhos estavam por todo lado, além de Gerald Helders correndo semi nu atrás dos outros amigos arruaceiros que haviam roubado suas roupas.

David praticamente pulou do carro, e, me puxando pela mão, entrou em disparada pela casa. Ao entrarmos pela porta, o cheiro de álcool e sangue humano me atingiu em cheio. Trinquei os dentes a atravessei a multidão segurando a mão de David(detalhe que fez as pessoas olharem com interesse. “A garota desaparecida arranjou um namorado”, eu já conseguia ouvir os boatos que surgiriam segunda, na escola. A casa de Stacy era ainda maior do que eu me lembrava, e todo mundo parecia estar lá enchendo a cara.

Achamos Tessa e os outros no lado de fora, perto da piscina(sério, de onde aquela casa surgiu, do MTV teen Cribs? Meu Deus). David quase pulou no pescoço de Riley, procurando por Connor. Ele estava do outro lado da piscina, perto do jardim da mãe de Stacy, sentado no chão e rindo como um idiota, dividindo um cigarro(hmmm) com outras duas garotas que reconheci como as gêmeas asiáticas lideres de torcida que me infernizavam tanto quanto Stacy. Observei de longe David ir até lá e brigar com o Connor, que revirou os olhos e tentou(só tentou) se levantar, abraçado com as gêmeas e caindo no chão outra vez. David revirou os olhos e, pegou o baseado das mãos de Connor correndo até onde eu e os outros estávamos.

–Problema resolvido – ele disse, jogando a bituca em um vaso de planta.

–Me sinto meio culpada por rir dele – Hilary disse, observando Connor tentar se levantar para se vingar de David pelo baseado perdido.

Tá, tudo bem, a festa foi mais divertida com nossos amigos e sem aquela tensão que eu sabia que viria assim que eu e David ficássemos sozinhos outra vez. E não queria voltar para todo aquele melodrama do remorso e blá blá blá, então finalmente aceitei um gole do líquido suspeito do copo vermelho de Tessa. O gosto de álcool explodiu em minha boca e aqueceu meu corpo todo, a mesma sensação que eu tinha quando bebia sangue humano. Eu devo ter virado três ou quatros copos até tudo começar a girar.

Minha cabeça estava uma bagunça, mas eu precisava daquela sensação, era quase tão boa quanto a de realmente beber sangue. Dentro da casa, a musica fazia eu me sentir ainda mais confusa e... humana. Sem super-sentidos, sem vontade de querer matar todos ali, apenas eu. Uma Sarah alegre a bêbada. Tessa e os outros pareciam estar se divertindo tanto quanto eu. E até mesmo David, que estava vigiando o irmão chapado.

Tudo estava bem. Bem até demais.

–Olha só quem está aqui – a inconfundível voz de Stacy Sanders me vez virar para trás. Ela estava encostada na porta que levava para a piscina, de braços cruzados, junto de Jessica e uma outra bajuladora qualquer.

–O que você quer, Stacy? – perguntei, rindo. O efeito da bebida me fazia com certeza parecer dissimulada.

Ela apenas meneou com a cabeça em direção á parte de fora. Revirei os olhos e, após virar o resto da bebida de uma vez, a segui(claro que acompanhada por meus amigos).Connor continuava rindo no gramado junto das gêmeas.

–E então? – voltei á perguntar para Stacy, que me olhava com um tom de desprezo.

–Você não foi convidada, foi? – ela sorriu, subindo a voz três oitavas, o que fez todos do lado de fora pararem oque estavam fazendo(até mesmo Connor).

Engoli em seco.

–Bem, mas você me convidou não é? E ao Riley, Hilary, Connor e Tom também – David interrompeu, comendo batatinhas inocentemente.

–Mas elas não – Stacy cruzou os braços e olhou para mim e Tessa.

–Bem, se elas não são bem-vindas, então nós também não – Hilary disse, erguendo a sobrancelha.

Stacy balançou a cabeça e então olhou em volta, para a plateia que ouvia atentamente.

–Olhem só quem está socializando agora, o casal de lésbicas! Ah ,que gracinha – ela começou a andar de um lado para o outro, próxima á beira da piscina. – Mas esse não é lugar de vocês. Porque decidiram sair da concha? O que foi, Sarah?

Revirei os olhos e continuei tomando minha bebida, ignorando os olhares.

–Todos já se esqueceram de como ela ferrou os atletas e as lideres de torcida? – Stacy olhou diretamente para dois dos garotos do time de basquete. –E aposto que esse “desparecimento” foi forjado, pois ela não queria encarar a todos depois de ter feito uma merda de matéria que tirou mais da metade do time de basquete das quadras. Pois eu ainda me lembro, querida. E você não tem o direito de tomar a bebida que eu comprei, e não tem o direito de pisar no chão da minha casa, escutou?

É, toda a confiança recém adquirida pelos alunos havia ido por água abaixo, pois eu já podia ouvir o risinho abafado dos garotos, e o olhar de desprezo das garotas. A sensação de frio na barriga, de humilhação, que eu conhecia tão bem, voltou.

–Fique com essa bebida idiota, com essa casa idiota, eu não preciso disso – reuni coragem para falar, pegando Tessa pelo braço e indo em direção á porta que levava para dentro de casa e consequentemente, á saída.

–Isso mesmo, volte para onde é seu lugar. E vocês que agora andam com essas esquisitonas, acho que a rua também é o lugar de vocês – eu estava de costas, mas sabia que Stacy estava falando com David e com os outros.

–Vadia, sabe porque todos estão aqui? Não é por causa da sua “simpatia”, nem por sua beleza. É por causa do seu dinheiro. Aposto que se você falisse nem suas melhores amigas ficariam ao seu lado.Ei Sarah, espere por mim – Ouvi a voz de Hilary. Ainda de costas, sorri no beiral da porta.

–Tudo bem, eu não me importo. Ahm, Sarah, mande lembranças para sua tia viúva e patética. A para seus pais também. Ah, espere, eles estão mortos. Me desculpe. Acho que deveria visitá-los no túmulo. Ah, patético – ouvi a risada dela acompanhada pela da Jessica.

Tentei contar até dez mentalmente, mas a embriaguez não me deixava pensar. Dei meia volta e caminhei lentamente até onde ela estava, sorrindo feito uma idiota.

–Oque. Você.Disse? – murmurei entredentes, tentando me controlar ao máximo.

–Ora, esquisita, ficou surda? Eu disse que deveria fazer companhia aos seus pais no tumulo – Stacy revirou os olhos.

Não consegui mais suportar. De repente, Stacy me encarou de olhos arregalados. Eu sabia que á aquela altura meus olhos já haviam passado para o vermelho intenso. Á luz noturna do lado de fora da casa, apenas ela e as pessoas mais próximas poderiam me ver como o monstro que realmente era.

Dei um soco em sua cara, fazendo seu nariz sangrar. Suas “amigas” estavam chocadas demais para falar ou para ajudá-la. Stacy tentou puxar meu cabelo, mas eu segurei seus pulsos, girando-os até que estivessem junto ás suas costas. Ela estava paralisada agora. A pressionei até que ela ficasse de joelhos na beira da piscina. Então soltei seus pulsos e, com as mãos em seus cabelos loiros, bati sua cabeça com força na piscina. E então enfiei sua cabeça na água. Tudo isso se passo em questão de segundos.

Stacy de debatia, seus cabelos espalhados pela água, que adquirira o tom vermelho de sangue. As amigas de Stacy então resolveram ajudar e me tentar fazer soltá-la. David e Tom também tentaram, mas todas tentativas eram falhas, eu era forte demais, e estava bêbada demais para me dar conta do que estava fazendo.

Tirei sua cabeça da água. Ela ofegava, buscando por ar. Então, como se fosse abraçá-la eu pressionei minhas mãos em seu pescoço.

–Nunca mais me trate desse jeito. Eu não sou mais aquela garota que você e seus amiguinhos jogaram da ponte. Ela está morta. Mais uma gracinha dessas e é você que vai estar – sussurrei em seu ouvido, de modo que só ela ouvisse.

Minhas mãos aumentaram a pressão contra seu pescoço. E Stacy foi ficando roxa e perdendo o ar. Foi ai que alguém, mais forte do que eu, me tirou de cima de Stacy. Só outro vampiro conseguiria tal fato. Olhei para trás, para o garoto que ainda pressionava minha cintura com fora, me censurando com seus olhos negros...Era ele.

–Chega. Sarah – sua voz era baixa e abafada, exatamente como eu me lembrava naquela noite em que ele me salvara da morte. O garoto devia ser um ano mais velho que eu,no máximo, mas ainda seu semblante era de alguém com experiência e cansado. Mas ainda sim ele era lindo. Impossivelmente lindo.

Ele soltou minha cintura. Olhei em volta, e todos estavam em silêncio, encarando-o boquiabertos.

–Vamos esquecer oque acabou de acontecer. Vocês me conhecem, sou Liam Underworld. Moro na cidade há quase um ano com minha família. Nada de sobrenatural aconteceu entre Sarah e Stacy. Foi apenas uma briga tola, da qual ninguém se lembrará. Agora voltem para seus dramas de adolescentes –ele zombou. Sua voz tinha tal tom de persuasão que até mesmo eu fiquei tonta.

Stacy ainda estava no chão, molhada, com suas amigas a rodeando. Todos encaravam o vampiro com um tom de adoração. Até mesmo os garotos. Eu reconheci imediatamente aquele olhar. Ele os estava hipnotizando.

Liam se agachou, olhou nos olhos de Stacy e disse:

–Esqueça isso que acaba de presenciar, você nunca viu Sarah com olhos vermelhos e presa, isso é tolice. Não noticiará á ninguém essa briga. Com isso quero dizer seus pais. Agora por favor, vá se secar.

Como em um estalo, Stacy se levantou zonza e olhou em volta, confusa. Ela passou por mim como se estivesse em um sonho e seguiu lentamente para dentro da casa. Liam estalou os dedos. E então a música voltou a tocar, e de repente aquilo nunca tinha acontecido.

O vampiro, Liam, passou pela porta e sumiu antes que alguém notasse. Não consegui evitar, e o segui. Mas ao chegar na rua, nada indicava que ele estivera lá.


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