Ao Despertar escrita por httpsdiamandis


Capítulo 2
Nova Realidade




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Então era isso.

Eu havia virado um monstro. E ao ver as evidências, uma vampira.

Então essas coisas realmente eram existiam. Se Tessa estivesse aqui ela iria dizer “maneiro”. Mais aquilo não era “maneiro”. Era repugnante, e o pior, é que eu havia gostado de beber sangue humano, gostado muito. Eu não podia voltar para casa, eu era um risco, para tia Juliet, e Tessa, e Connor e... David. Só que eu não iria ficar parada, Stacy e seus 'amigos' haviam feito aquilo. Haviam colocado fim em minha vida. Me silenciado. Quantas pessoas eles haviam matado sem que ninguém ao menos suspeitasse? Eu não iria deixar isso passar. Eu iria me vingar. E proteger os que eu amo daqueles monstros.

Eu vaguei pela floresta por dias e mais dias, até provavelmente sair do estado ou sei lá. Eu estava sedenta de sangue e de comida.

Dormia na floresta, roubava a comida de familias em trailers, cometia alguns suicidios quando já estava quase morrendo de sede e ficava sofrendo pelas pessoas mortas depois. Minha meta era voltar para casa só quando estivesse controlada o bastante para não matar ninguém em Richlands.

Descobri que podia morder humanos sem matá-los ou transformá-los em vampiros também. Eu não tinha noção de tempo, mas provavelmente continuei assim por semanas ou meses. Foi ai que comecei a odiar aquilo, odiava aquela forma de viver. Eu queria ir para casa.Eu precisava ir para casa.

Roubei um mapa de um viajante bebado e fui para minha cidade, de volta para minha antiga vida.

Demorou um certo tempo, provavelmente horas, o céu escurecia diante dos meus olhos, e a estrada não parecia ter fim.Claro que eu não estava cansada. Na verdade, desde que acordara no lago e matara o policial, eu nunca mais havia ficado cansada, ou machucada. Pelo contrário, eu nunca me senti tão bem. Bem fisicamente, eu quero dizer, pois minha cabeça era um amontoado de pensamentos e remoroso.

Por fim, comecei a reconhecer o lugar. Dois policiais sairam por entre as árvores.

–Sarah! - um deles exclamou, parecendo alividado. O outro cobriu meus ombros com um cobertor.

Tentei forçar um sorriso e parecer feliz por estar de volta, mas vê-los me fez lembrar de meu primeiro assassinato. O assassinato de um policial que procurava por mim, exatamente como esses dois.

Nós andamos por cerca de cinco minutos, um deles falava por um desses rádios de comunicação que faz um barulho ensurdecedor. O outro me perguntava sempre se eu estava com dor, ou se eu tinha quebrado alguma coisa, e eu sempre lhe assegurava estar 100% bem.

Tentei ignorar a pulsação no pescoço deles. Mas é claro que minha boca estava salivando, meu corpo implorava por uma gota de sangue.

Finalmente chegamos na entrada da cidade, onde quase metade da população(que aparentemente não tinha coisa melhor para fazer do que procurar por uma adolescente magricela perdida no mato), junto de policiais, bombeiros e médicos estavam reunidos. A luz das sirenes fazia meus olhos doer mesmo á noite.

Primeiro as pessoas me encararam em dúvida, depois o policial do rádio gritou que havia me achado, e então as pessoas começaram a me cercar. Ah, inferno, eu odiava ser o centro das atenções.

–Sarah! – Tia Juliet gritou aliviada e me abraçou. Eu a abracei por ímpeto prendi a respiração, ignorando o cheiro de seu sangue. – Você está bem? Você está diferente, cadê seus óculos, e..., e...- Tia Julliet sussurrou – Você está...Diferente....Seu... Rosto!

Ela me olhou como se eu tivesse parindo elefantes azuis.

– Não sei do que você está falando, eu estou normal, não mudei nada - minha voz ficou mais intensa, á medida que eu desejava loucamente que ela acreditasse em mim, e então tia Julliet piscou algumas vezes como se saísse de um transe, e disse:

– Claro, eu estou ficando louca – ela balançou a cabeça, sorrindo.

Eu tinha hipnotizado minha tia? Pelo amor de Deus!

– Chega de espetáculo...venha Sarah – um dos policiais me puxou gentilmente para dentro da delegacia, que ficava na entrada de Richlands. Soltei o ar. Todos aqueles humanos...Não! Trinquei os dentes e tentei me controlar ao máximo.

Os policiais perguntaram o que tinha acontecido, e eu menti, inventei uma história tão horrivel. Nela, um homem dirigindo uma caminhonete azul-clara havia me agredido em uma tentativa de estupro. Contei á eles que fugira e perdera a memória e ao acordar, fui achada por um caminhoneiro que me levou até o restaurante de beira de estrada a mulher, há horas de distância. Todos na delegacia pararam para ouvir, chocados. Terminei a história contando que havia recuperado a memória e trazida até a entrada da cidade pelo caminhoneiro que me ajudou. Eles não perguntaram o porque o tal caminhoneiro não me levara até a delegacia. Na verdade os policiais só se preocupavam com o tal dono da caminhonete azul-clara, que na verdade nunca existira.

Simon Handler veio fazer o retrato falado. Ele parecia feliz por finalmente poder participar de algo, pois não haviam criminosos na cidade, oque deixava sua profissão totalmente inútil. Eu dei muitos detalhes, tentando deixá-lo feliz. Por fim, o criminoso imaginário "ganhou vida". Um velho gordo com um boné verde dos Eagles, de bigodes grisalhos que combinavam com seu cabelo calvo. Me arrepiei ao descrever olhos negros e brilhantes, detalhe que fez com que os policiais realmente acreditassem em mim me fez ganhar um copo de café da maquina da delegacia. Depois vieram médicos me examinar e eu os hipnotizei também para que não tocassem em mim. Achei que seria melhor não ser examinada, assim os médicos não saberiam que meu batimento cardiaco era exatamente igual ao de uma pessoa á beira da morte. Pelo menos fora o que eu achara, ao ver meu pulso disfarçadamente, enquanto os policiais conversaram com tia Juliet.

Observei enquanto ela caia em prantos, aterrorizada, ao saber da história do quase estupro. Me senti muito culpada ao ver todos aqueles olhares de pena, por uma história que eu havia inventado.

Quando sai da delegacia(cercada por médicos e policiais), Tessa, David e Connor estavam lá, atrás de uma fita amarela e preta que afastava as pessoas não autorizadas de perto da delegacia(e de mim).

– Sarah!!! – Tessa gritou, tentando atravessar a fita mas dois policiais á seguraram.

Quase corri em sua direção(só não o fiz porque ainda precisava fingir estar cansada de ficar por ai perdida e sem memória), a afastando dos guardas e lhe dando um abraço.

–Ah meu Deus! Não acredito que é mesmo você!Cadê seus óculos e quando foi que você cresceu quase dez centímetros...?E seu cabelo cresceu. Deus, como você está branca! E suas unhas estão tão compridas! Ah, deixe pra lá, desculpa. Estou tão feliz - Tessa deu alguns pulinhos de animação e sorriu para tia Juliet, que estava ao meu lado(ainda chocada com a história que os policiais á contaram).

Quando ela se afastou, David e Connor tiveram permissão para atravessar a fita de isolamento.

– Não acredito que é você... –David disse enquanto andava em minha direção, então me abraçou forte(pelo canto do olho vi Tessa e minha tia trocarem um olhar cumplice, as ignorei) . – Sua louca... você poderia ter morrido sabia? – David sussurrou em meu ouvido.

–Mas eu estou aqui agora, não estou? - eu sorri, dando de ombros.

–Me desculpe - ele disse, me abraçando mais forte.

–Pelo o que? - perguntei, confusa.

–Eu deveria ter chegado mais cedo naquele dia. Você desapareceu por minha culpa - ele desviou o olhar, constrangido.

–Então foi realmente você que deixou o bilhete em meu armário? - perguntei, tomando o cuidado de falar baixo enquanto tia Juliet estava ocupada falando com os dois policiais que me acharam.

–Claro, quem mais seria? - ele franziu a testa, e em seguida o reconhecimento passou por seu rosto. - Tinha mais alguém com você naquela noite?

–Não! É que eu...Bem...Pensei que fosse alguma brincadeira - admiti, me sentindo desconfortável.

–Mas o que importa agora é que você está aqui. Na verdade, razoavelmente bem para alguém que se perdeu na floresta. E quando foi que você cresceu tanto? Agora vou ter que achar outra pessoa para contar minha piadas sobre anãs - David riu, batendo em minha cabeça.

Eu ri também, me esquecendo das pessoas que nos observavam. Desviei os olhos dele e olhei para a multidão. E, por um segundo, pensei ter visto olhos negros, como os que eu descrevera aos policiais, como os do garoto que me achou e...

Balancei a cabeça, tentando afastar o pensamento, e fui abraçada por David outra vez, ignorando os corações que Tessa e Connor faziam pelas costas de Dave.

David beijou minha testa após me soltar e olhou para meus lábios. Nem precisei ficar na ponta dos pés, pois agora tinhamos a mesma altura. Nossos lábios estavam quase se encontrando quando...O pai de David, o policial Adams, nos interrompeu. Reprimi ao impulso de gritar com o policial Adams e mandá-lo voltar mais tarde.

–Então nossa garota sobreviveu! Ah, estou tão feliz, Sarah! Ainda não acredito - o pai de David me abraçou, enquanto o filho brigava com Tessa e Connor, que estavam cantando "Sarah e David, sentados na árvore...B-E-I-J-A-N-D-O" á plenos pulmões.

A cena se repetiu mais uma vez enquanto outras pessoas da escola que eu nem sabia existir me abraçavam e diziam estarem felizes por eu ter aparecido. Eu estava tentando me livrar de tantos abraços... Todos ali pareciam observar cada movimento meu. Ah, Deus, como eu queria ir pra casa, me deitar no sofá e passar a noite assistindo reprises de Friends com tia Juliet, uma espécie de tradição nossa de domingos. Segundo os policiais, eu havia ficado desaparecida por cerca de um mês, o que foi um tremendo choque.

Arfei. Não parecia que havia sido há tanto tempo assim. Os policiais proximos interpretaram aquela ação como quase desmaio(sério! aquelas pessoas exageravam demais...) e insistiram em escoltar tia Juliet e eu de volta para casa, com suas viaturas.

–Até mais, crianças - tia Juliet acenou para todos meus amigos, colocando o braço em meu ombro e me guiando até a viatura.

–A gente sê vê – David disse balançando os braços ao redor do corpo, como sempre fazia quando ficava sem graça ou estava nervoso. Não, eu não poderia estar causando esse efeito nele, quer dizer, ele me enxergava como uma irmã mais nova...ou... Afastei o pensamento, armando um plano para tentar passar pela multidão que cercava o carro.

As pessoas me olhavam meio surpresas, como se eu fosse... sei lá, a Virgem Maria(sim, faltava só aquela gente se ajoelhar diante de mim, pela cara que faziam enquanto eu passava vestindo trapos e um cobertor xadrez pela multidão). Reconheci algumas pessoas naquela mar de rostos, como três amigos de David, que falavam comigo ás vezes. Também reconheci alguém que me pareceu ser a tia de Jessica, que era enfermeira.

Quase me joguei no banco de meu impala preto, odiando chamar tanta atenção. O pai de David insistiu para tia Juliet que queria dirigir, então ela se juntou á mim no banco de trás, sorrindo e me abraçando o tempo todo. Policial Adams perguntava se eu estava bem uma vez á cada dois minutos. Duas viaturas nos seguindo, escoltando-nos para casa.

Por fim me vi caminhando até a porta de casa, meus pés fazendo barulho no chão de cascalho. Como é bom estar de volta.

Os policiais acenaram da viatura, dizendo á minha tia para ligar na delegacia se alguma coisa acontecesse. Ela assentiu e então entramos em casa.

Suspirei alto e me joguei no sofá.

Tia Juliet se sentou ao meu lado e me olhou por alguns segundos, em um silêncio constrangedor.

–Ah, querida, eu sinto tanto, tanto! Eu deveria ter sido mais cuidadosa, não ter deixado você air naquela noite... Deve ter sido tão apavorante... Segundo os policiais me contaram, foi no mesmo lugar de onde jogaram aquela sua amiga, Alyssia, não é? Ah meu Deus - ela me abraçou e começou a chorar. Seu pescoço estava perto de meus lábios, o que me fez salivar e me sentir culpada, logo em seguida.

Eu a abracei, ignorando o apelo de sangue. Droga, eu deveria ter contado uma história menos bizarra. Doia vê-la chorando daquele jeito, chorando por algo que não acontecera.

–Pare de chorar tia, está tudo bem agora. Eu estou bem - tentei soar o mais persuasiva possível e rapidamente ela parou de chorar.

Tia Juliet desviou os olhos, claramente com algum tipo de tontura. Após meio segundo ela olhou para mim outra vez, sorriu, me abraçou e se levantou, indo até a cozinha. Tentei não parecer culpada por manipulá-la de tal maneira.

– Vou fazer algo para você comer, ah, estou tão feliz por você estar bem! - ela sorriu para mim, com rugas aparecendo no canto de seus olhos; detalhe que a deixava ainda mais bonita.

Eu sorri de volta e me levantei, subindo as escadas.

Tudo em meu quarto parecia intocável. Acho que o ponto alto do ano foi tomar um banho decente pela primeira vez em quase um mês. Não sei quanto tempo fiquei lá, só sei que aproveitei a sensação da água quente em minha pele ao máximo. Sai de debaixo do chuveiro enrolada na toalha, e eu estava na porta do banheiro, quando dei cinco passos para trás, e me olhei no espelho pela primeira vez.

Me surpreendi com o que vi.

A garota no espelho não parecia comigo, ela era atlética e bonita, ao contrário de mim, ou do que eu era, antes de morrer. Meu corpo costumava ser esguio e de aparência doentia, mas agora eu parecia com uma dessas atrizes de cinema. Também havia minha pele. Quer dizer, eu sempre fora meio pálida(pálida do jeito doente),porém eu estava ainda mais branca, se é que isso é possivel. Talvez fosse o fato de eu ter morrido, ou sei lá.

Ignorei esse pensamento mórbido e continuei me analisando. Também havia meus olhos azuis que pareciam brilhar, como grandes safiras. Meu cabelo estava muito comprido, quase na cintura, o que me surpreendeu. Minhas unhas também estavam incrivelmente compridas,como Tess mencionara. Não era possível que aquela garota linda era eu, quer dizer, eu estava sempre acostumada a ser aquela garota baixa e magra, que ficava no canto da sala, á nunca ser convidada para o baile(á não ser por David, mas isso não vem ao caso), e era completamente o oposto da sta. Perfeição, Stacy Sanders. Agora eu parecia uma delas, e isso me fez balançar a cabeça em negação.

Como se isso não bastasse, uma tatuagem gigantesca e misteriosa parecia clamar por atenção. Ela começava no canto inferior da minha testa e descia, como se fossem tentáculos pelo meu queixo, do lado esquerdo do meu rosto(com alguns outros dois tentáculos muito pequenos descencendo perto do meu ouvido direito) e no meu braço esquerdo, mas quando chegava na barriga, a tatuagem expandia seus tentáculos negros pelas laterais minhas duas pernas até chegar ao pé. Como eu iria esconder aquilo? E porque ninguém havia comentado sobre elas? Como tudo podia mudar assim tão rápido?

Suspirei, de repente ficando muito irritada, senti como se minha cabeça fosse explodir, então... quando me olhei outra vez no espelho, eu tinha adquirido presas, presa de vampiro, e então minha íris passara do azul intenso para o vermelho brilhante. Tentei me recompor, o que levou vários minutos. A única prova de que tudo aquilo não era minha imaginação, haviam sido as semanas que passei na floresta, sozinha. Não havia como imaginar aquilo. Era aterrorizante. A linda garota no espelho era aterrorizante. Um monstro. Eu era um monstro.

Quando sai do banho tentei vestir algo que coubesse em mim. A única peça de roupa ( além dos meus casacos de inverno e blusa gigantes que eu usava para dormir) que cabia era uma blusa branca enorme escrito ‘Dráculas de Richlands’, nome do mascote e do time de futebol da escola( bem irônico não é?). Minhas calças não serviam mais. Droga. Quando foi que meu traseiro cresceu tanto? Ah, então essa doideira de vampira também vinha com um super silicone incluso.Bem, então tem lá suas vantagens...

Suspirei, indo até o quarto de minha tia e pegando uma calça sua, larga e listrada de pijama.

– Sarah... – tia Juliet chamou, entrando em seu quarto atrás de mim.

–Estou aqui - gritei.

Ela entrou no quarto e nós nós sentamos em sua cama.

– Você está realmente bem? – ela me olhou com aquele olhar maternal. Eu provavelmente ouvira essa frase umas quarenta vezes em menos de três hora.s

– Sim...Tia...Ahm desculpa pedir mas...Preciso de calças- comecei a rir histericamente, olhando para baixo e vendo as calças listradas de minha tia.

–Bom, você tem aquele dinheiro guardado de seus pais, mas, hm... bem, é para a universidade...Ok, eu vou arranjar um jeito. Vejo que você realmente precisa, quer dizer, você odeia minhas roupas – ela começou a rir também.

Então eu tive uma ideia.

– Tia, você ainda tem aquelas caixas de roupa? Sabe, que nós iriamos juntas com minhas roupas velhas e dar para a caridade em novembro...

– Sim, estão no sótão e...

Antes que ela pudesse terminar eu sai em velocidade humana até o sótão que ficava no fim do corredor.

Peguei uma das caixas e abri. Havia uma foto logo de cara, se não fosse pelo familiar cabelo vermelho e enrolado eu não reconheceria tia Juliet nem o falecido tio Monroe: as roupas dos dois eram todas pretas, tia Juliet usava sombra preta carregada e estava abraçada com tio Monroe, que segurava uma garrafa de bebida. Os dois usavam um estranho colar de prata, com uma enorme letra "T" incrustada de jóias(provavelmente falsas). Atrás da foto estava escrito"Irmandade Tremaine, 1976". Tremaine? Esquisito...

– Nossa. Não sabia dessa sua época dark – eu ergui a foto e tia Juliet a pegou com um sorriso nostálgico.

– Haha, ah... Seus pais também eram, você não sabia? Bons tempos.... Bem, vou procurar um porta-retrato para essa foto, olhe as roupas, fora essa caixa tem mais umas 4 dessa época, eu era meio esquisita no colegial, nem me lembre disso...Mas acho que algumas calças devem servir em você. O que não quiser joga ali. – tia Juliet apontou para uma caixa de papelão enorme escrito 'caridade' e então desceu as escadas, indo atender o telefone(que por falar nisso não parava de tocar desde que chegamos, aparentemente a cidade toda estava querendo saber sobre mim). Notei que ela se sentiu desconfortável ao notar que eu lera oque estava escrito atrás da foto. Franzi o cenho, decidindo esquecer de vez isso.

Olhei para a caixa. Franzi a testa ao ver que haviam vários vestidos góticos( bem góticos, do tipo sinistro, mortiça Adams, essas coisas...) com mangas e quase nos joelhos. Haviam outros vestidos na caixa, a maioria deixei lá, jurando nunca, jamais, em circunstância nenhuma usar aquelas coisas(sem ofensas á quem gosta desse estilo). Peguei a caixa que estava cheia de colares, anéis, e sapatos três números maiores do que os meu antes da morte(que, graças á Deus agora serviam perfeitamente). Então notei o tal colar "T" no fundo da caixa. Era estranho como um simples colar me fazia ter calafrios. Coloquei um dos vestidos esquisitos por cima do colar, que parecia brilhar. Droga Sarah, você está ficando paranoica!

Dei de ombros e coloquei as calças jeans, sapatos e blusas em uma caixa e levei para o meu quarto. Ali estavam todas as roupas que eu julgara “normais para mim”, quer dizer, não é porque me tornara vampira que eu iria sair por ai com vestidos pretos e cruzes e outras coisas.Vampiros de verdade não chamam a atenção por ai, pelo menos é o que eu acho.

Vampiros...

Será que haviam vampiros em Richlands?

Fantasiei durante alguns minutos, imaginando que os cidadões estranhos na cidade eram na verdade vampiros. Era algo bizarro de se pensar, mas quando dei por mim, em pouco tempo minhas roupas que não serviam mais estavam nas caixas e minhas novas – novas para mim – roupas estavam no armário. A unha do meu dedo anular se enroscou na lã de um dos casacos. Olhei para minhas unhas. Estavam muito compridas, muito mesmo, então cortei-as com um pouco de dificuldade.

Após terminar, desci as escadas e desfrutei de meu primeiro jantar em familia naquele mês. Tia Juliet me contou as coisa que eu havia perdido, e eu as ouvi pacientemente. Depois do jantar nós fomos até a sala e, mantendo a tradição, assistimos á três ou quatro episódios de Friends. Era domingo, 3 de outubro. Exatamente um mês "perdida". Um mês como imortal.

Eu estava quase caindo no sono quando o telefone tocou. Por falar nisso, tia Juliet tivera que atendê-lo pelo menos sete vezes desde que chegamos. Eu me levantei e subi as escadas, me jogando na cama e desfrutando a sensação de finalmente estar em casa. Alguns minutos depois tia Juliet subiu as escadas e se deitou ao meu lado. Minha segunda mãe. Eu realmente a amava e desejava contar tudo para ela, mas não podia. Tia Juliet já sofria demais com a perda do marido, há três longos anos, e da filha Emily, há dez ou onze. A última coisa da qual ela precisava era mais problemas.

A inconsciência me levou até um lugar estranho: uma floresta escura cheia de folhas vermelhas. O som do vento parecia gritar "por aqui, Tremaine" e "siga seu destino, Tremaine". Eu seguia uma mulher que usava um vestido preto, a mesma mulher do sonho anterior. Por mais que corresse, eu nunca a alcançava. O ar faltava de meu pulmões. Cai em meio as folhas vermelhas percebendo, em choque, que eram vermelhas por causa do sangue, delicioso e atrativo, que inundava o chão.

No dia seguinte, acordei com os raios de sol invadindo o quarto, eu estava suada, por causa do pesadelo. A imortalidade deixava as coisas realmente muito mais intensas, inclusive o pânico. Respirei fundo e senti o cheiro do café da manhã, como um grande dejá vu do mês anterior, em meu primeiro dia de aula.

Coloquei um jeans antigos, agora meus, de tia Juliet(um dos únicos que não eram rasgados), uma blusa cinza e meu "novo" converse preto. Tomei café com tia Juliet, que tirara o dia de folga de seu trabalho para ficar comigo em casa.

O telefone ainda estava infernal como na noite anterior.

Eu poderia ser uma adolescente que morrera, voltara vida, tinha sido transformada em vampira... Mas primeiramente, eu ainda era uma adolescente. E como uma adolescente normal, é claro que passei o dia no computador, terminando minha interação de volta ao "mundo real".

Por curiosidade, pesquisei sobre vampiros. Nada muito promissor. Mais da metade tinha alguma relação com a saga crepúsculo. Até que seria legal sair por ai brilhando, mas só de vez em quando...

Tia Juliet também passara o dia em meu quarto, assistindo á minha minúscula tv e terminando de vistar trabalhos escolares. Aquela era nossa rotina normal, e secretamente fiquei feliz por ela estar me tratando como sempre tratara, não com uma atenção especial, embora eu a tenha pegado me admirando ás vezes.

Por volta das sete da noite, quando tia Juliet estava la embaixo atendendo ao telefone(outra vez), a campainha tocou, e vozes animadas preencheram o andar de baixo.

– Sarah!Desça até aqui, querida - minha tia chamou, animadamente. Ouvi risos e vozes ainda mais altas.

Abri a porta do quarto, e o cheiro não só do ensopado mas como de vários humanos preencheram o ar. Trinquei os dentes e desci as escadas cuidadosamente, minhas mãos apertando a barra da blusa.

–Olhe só para você!Ah, nós ficamos tão preocupados! - Marge, uma amiga de minha tia, sorriu e veio correndo me minha direção, me apertando em um abraço. A veia de seu pescoço parecia gritar comigo, clamando pela atenção de meus dentes. Sorri para Marge, mas provavelmente mais pareceu uma careta de dor.

O marido de Marge, outras duas amigas de tia Juliet, mais os pais de Tessa e seus três irmãos me abraçaram também. Prendi a respiração o máximo que pude, me desvencilhando de todos aqueles humanos o máximo que pude.

A campainha tocou, e então o policial Adams(que era viúvo), David e Connor apareceram, segurando um pote que tinha um cheiro ótimo. Junto com eles tinha um homem de meia idade que também era amigo de minha tia. Por falar nisso, ele olhava para ela de um jeito especial. Bem, eu ficaria de olho nos dois naquela noite...

Fomos para a cozinha e nos sentamos na mesa, na verdade Tess, seus irmãos, David e Connor ficaram em pé pois não havia espaço o suficiente para todos. As amigas de minha tia me obrigaram a sentar, e então comemos juntos. Eu realmente odiei ter todas as atenções voltadas para mim, e, usando meu abracadabra de persuação, consegui fazer com que eles começassem a falar sobre esportes e esquecer toda a história de "sarah desaparecida" de "cara mau da caminhonete azul" por um momento.

Foi realmente uma noite agradável. Os adultos e os dois irmãos de Tessa ficaram na cozinha ainda discutindo sobre esportes enquanto ela, Connor ,David e eu fomos para a sala. Eles então me interaram de tudo oque eu havia perdido(Tessa com mais entusiasmo do que os garotos, pois segundo ela, eu perdera uma boooas fofocas durante esse mês).No fim da noite, mais ou menos as 23h, todos foram embora, e só Tessa ficou, para dormir em casa. Minha despedida de David foi constrangedora e eu corei como um pimentão. Mas eu estava feliz, apesar de querer matar todos naquela sala(não de propósito, claro).

Tia Juliet pediu, ou melhor, obrigou, para que eu subisse enquanto ela e Tessa arrumavam tudo. Eu tentei protestar, mas realmente estava exausta. Me joguei na cama e respirei fundo, aliviada por estar sozinha sem nenhum humano com seu sangue fresco e deliciosos. Joguei meu par de tênis em um canto e fechei os olhos.

Mas eu não consegui descansar, pois minha garganta ardia, suplicando por sangue. Eu fizera um experimento quando estava "perdida" e, por mais que tentasse, não conseguia ficar mais do que 72 horas sem sangue.

Fui até a janela, abrindo-a e deixando com que a brisa fria de outubro me acalmasse. Olhei para a escuridão lá fora, para o modo como minha tia cuidava do jardim, para as árvores em volta, para os olhos negros que brilhavam do outro lado da rua. Arregalei os olhos e, quando voltei á olhar, o estranho havia sumido. Mas não antes que eu registrasse sua aparência em minha mente. Pele branca como a minha, cabelos longos e tão escuros quanto a noite.Um vampiro, sem dúvida alguma.

O medo tomou conta de mim. Desci as escadas correndo, para me certificar de que minha tia e Tessa estavam bem. Elas estavam fazendo uma guerra com a água da pia, na cozinha, e se surpreenderam ao me ver. Elas riam, mas eu estava completamente assustada, e recuei para meu quarto, em estado de choque.

Eu estava mesmo ficando louca...

Balancei a cabeça e, após fechar a janela, notei algo. Um bilhete branco em minha cômoda, que definitivamente não estava ali antes. Olhei para a janela, mas estava tudo silenciosos e vazio como se o vampiro nunca tivesse estado ali antes. Com as mãos trêmulas desdobrei o bilhete.

Eu não estava lá quando você despertou, e isso foi um erro.

Vá até o porão, espero que o que encontrará lá seja o suficiente para que me perdoe.

Então as coisas começaram a fazer um pouco de sentido. Eu reconhecera aqueles olhos. Aquele vampiro... Havia me salvado. Bem... Para falar a verdade, ele havia me transformado em um monstro.

Desci as escadas silenciosamente, me certificando que as duas ainda estavam na cozinha. No porão, tudo estava escuro, não que isso fosse um problema, pois eu agora tinha a visão de um gato. Eu esperava encontrá-lo no porão, mas não havia ninguém. Revirei os olhos e, quando estava prestes á dar meia volta, ouvi o barulho do refrigerador. A antiga geladeira de tia Juliet, que ela nem usava mais. Eu a abri e, surpresa vi todas aquelas bolsas de sangue lotando a geladeira velha.

Um belo jeito de se desculpar... Mas afinal, por que ele não se apresentava de uma vez, sem esses joguinhos?


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