História de Um Grande Amor escrita por Acyd-chan


Capítulo 4
Capítulo 4




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Não se demore.

Isso era coisa que se dissesse? Furiosa, Serena não podia esquecer o desaforo enquanto arrancava suas roupas do armário. Não haviam combinado nada, e Darien nem mesmo pedira permissão para acompanhá-la. Dera as ordens brus­camente e não se preocupara em esperar por uma resposta. Por que ele estaria tão ansioso para se livrar dela? Oh, Deus. Não sabia se chorava ou se ria.

-# Já está de partida? - Hotaru entrou no quarto.

-# Preciso voltar para casa. — Serena escolheu aquele momento para enfiar um vestido pela cabeça, não queria que a amiga visse seu rosto. - Seu traje de montaria está em cima da cama - acrescentou, e as palavras foram abafadas pelo farfalhar da musselina.

-# E por que a pressa? Seu pai está trabalhando e não sentirá a sua ausência.

Que falta de sensibilidade!, Serena refletiu. Virou-se para Hotaru abotoar as costas do vestido.

-# Não quero me tornar inconveniente.

-# O quê? Não seja tola. Eu garanto que minha mãe adoraria se você pudesse morar conosco para sempre. O que acontecerá de fato quando formos para Londres.

-# Não estamos em Londres, Hotaru.

-# E daí? Não é tudo a mesma coisa? Não era. Serena cerrou os dentes.

-# Por acaso discutiu com Seiya?

Quem poderia discutir com Seiya, exceto Hotaru?

-# Claro que não.

-# Então explique o que houve.

-# Não aconteceu nada, Hotaru. - Serena pegou as luvas e esforçou-se para demonstrar calma. - Seu irmão quer falar com meu pai a respeito de um manuscrito com iluminuras.

-# Seiya? - Hotaru não se preocupou em disfarçar a descrença.

-# Darien.

-# Não acredito. - O espanto foi ainda maior. Por que tantas perguntas?

-# Sim. Como ele planeja ir embora logo, precisa me levar agora.

Serena considerou que a frase fora bem imaginada, da­das as circunstâncias. Talvez Darien resolvesse voltar para a sua casa na Nortúmbria, e o mundo voltaria a ser o que era antes, pendendo feliz em torno de seu eixo e girando em volta do Sol.

Hotaru encostou-se no batente da porta e disse:

-# Então, por que está tão mal-humorada? Afinal, sei que sempre gostou de Darien, não é mesmo?

Serena por pouco não riu. E por muito menos não chorou.

Como Darien ousava dar-lhe ordens como se ela fosse uma qualquer?

E ainda se atrevia a fazê-la tão infeliz em Haverbreaks, que havia sido um lar para ela nesses últimos anos, muito mais do que para ele.

Virou-se para que Hotaru não visse seu rosto.

-# Serena? — a amiga chamou-a com suavidade. - Está se sentindo bem?

-# Melhor impossível - ela respondeu, passando pela amiga, rumo ao corredor.

-# Pois não é o que está parecendo.

-# Estou triste por causa de Rey - Não era exatamente uma mentira. Qualquer pessoa que tivesse feito Darien in­feliz merecia ser lamentada.

Porém Hotaru não se deixava enganar facilmente e foi no encalço de Serena, que descia correndo a escadaria.

-# Como? - perguntou. - Na certa está brincando comigo. Serena chegou ao piso inferior e segurou-se no corrimão para não cair.

-# Aquela mulher foi uma miserável feiticeira - Hotaru continuou. - Ela destruiu a vida do meu irmão.

Exatamente.

-# Bom dia - Darien cumprimentou a irmã com um gesto cortês de cabeça.

-# Serena disse que está lamentando a morte de sua esposa. Isso não é insuportável?

-# Hotaru! — Serena engasgou.

Darien podia ter detestado a falecida esposa, o suficiente para afirmar isso no funeral, mas havia coisas que ultrapas­savam os limites da decência.

Ele ergueu uma sobrancelha e fitou Serena com olhar zombeteiro.

-# E daí? Todos nós sabemos que ele a odiava! — Hotaru continuou.

-# Sutil como sempre, irmãzinha querida.

-# Quem sempre diz não gostar de hipocrisia? — ela re­trucou.

-# Tem razão. — E Darien fitou Serena. — Vamos?

-# Vai levá-la para casa? — Hotaru perguntou apesar da explicação anterior da amiga.

-# Preciso falar com sir Kenji.

-# Seiya não poderia levá-la?

-# Você está sendo indiscreta demais! - Serena não saberia dizer o que a envergonhava mais. Se eram os arran­jos para um namoro entre Seiya e ela ou se era o fato de tudo aquilo estar sendo dito na frente de Darien.

-# Seiya não precisa falar com ninguém - ele declarou em voz baixa.

-# E por isso ele não pode ir junto?

-# Não no meu cabriolé. Hotaru não disfarçou a inveja.

-# Vai levá-la na sua carruagem nova? - Ela morria de vontade de dirigir aquele veículo alto, ligeiro e leve.

Darien sorriu.

-# Talvez eu a deixe dirigir - falou, com o propósito ex­plícito de torturar a irmã.

E o ardil funcionou. Hotaru engasgou de maneira estranha, como se o desgosto houvesse entalado em sua garganta.

-# Até logo, irmã querida - ele disse com um sorriso pre­tensioso. Passou o braço no de Serena e levou-a até a porta. - Eu a verei mais tarde... ou talvez você me verá... quando eu chegar.

Serena esforçou-se para não rir.

-# Não se faz isso com uma irmã. Ele deu de ombros.

-# Hotaru merece uma provocação.

-# Não concordo. - Ela sentiu-se no dever de defender a amiga, mesmo considerando o episódio muito engraçado.

-# Não?

-# Bem... sim, mas admito que foi uma crueldade.

-# A intenção era essa - Darien concordou. Serena permitiu que ele a ajudasse a subir no veículo e imaginou como tudo aquilo acontecera.

Rodaram sem falar nos primeiros minutos. O veículo era veloz e ela não pôde evitar a sensação de elegância e de estar na moda enquanto apreciavam a paisagem do alto.

-# A senhorita fez uma conquista esta tarde - Darien interrompeu o silêncio. — Seiya me pareceu muito inte­ressado.

Serena ficou tensa e não respondeu. Nada havia para dizer que deixasse sua dignidade intacta. Poderia negar a afirmativa e parecer coquete, ou concordar e dar a impressão de orgulhosa. Ou provocativa. Ah, que Deus a perdoasse, como se pretendesse deixá-lo enciumado.

-# Suponho que terei de dar-lhes minhas bênçãos - ele declarou.

Chocada, ela virou-se para fitá-lo, mas Darien continuou a olhar para a frente.

-# Certamente será um enlace vantajoso para a senhorita, e meu irmão não poderia desejar nada melhor. É verdade que lhe falta um bom dote, sempre necessário ao filho caçula de uma casa, mas a senhorita certamente preencherá a la­cuna com bom senso e sensibilidade.

-# Ah... Eu...

Ela piscou, sem a menor idéia do que dizer. Tratava-se de um cumprimento, e dessa vez não irônico, mas assim mes­mo sentia-se desenxabida. Não gostava que ninguém se desmanchasse em elogios sobre suas qualidades intrínsecas, co­mo se isso fosse a única razão que a comparasse a Seiya.

Também não queria ser sensata. Naquele momento, pre­feria ser linda, exótica ou cativante.

Deus do céu! Sensata era uma designação infeliz. Pelo breve silêncio, percebeu que o final da frase era aguardado.

-# Obrigada - ela murmurou.

-# Não desejo que meu irmão cometa os mesmos erros que eu.

Serena fitou-o de revés e percebeu-o tenso e com os olhos grudados na estrada.

-# Erros? - repetiu ela em voz baixa.

-# Na verdade um erro – Darien disse com voz cortante. - No singular.

-# Rey. — Arrependeu-se de imediato pela ousadia da intromissão na intimidade alheia.

O veículo diminuiu a marcha, parou, e ele finalmente a encarou.

-# Isso mesmo.

-# O que foi que ela lhe fez? - Por mais uma vez, não pôde evitar a pergunta pessoal, inadequada, dita num fio de voz. Percebeu o erro de ter perguntado pela reação dele, que se virou de novo para a frente.

-# Nada que possa ser dito aos ouvidos de uma dama.

-# Oh...

Darien se voltou com brusquidão e fitou-a com o olhar faiscante.

-# Por acaso sabe como ela morreu? Serena fez um sinal afirmativo com a cabeça.

-# Caiu e quebrou o pescoço.

-# Rey foi atirada ao solo por um cavalo em desabalada carreira...

-# Eu sei.

-# Aposto que não sabia que ela ia ao encontro do amante. E ela estava grávida. Deus Misericordioso!

-# Ah, Darien, eu sin...

-# Não diga isso - ele a interrompeu. - Eu não sinto nada. O filho não era meu.

Em vez de responder, Serena cobriu a boca com a mão. O que poderia dizer? Certamente nada.

-# O primeiro também não era meu. - Darien estreitou os olhos, e as narinas se alargaram. Torceu os lábios como se estivesse à espera da inevitável pergunta. - Ela estava grávida quando nós nos casamos. Aliás, foi por isso que o enlace aconteceu, como deve saber. - Ele riu com amargura. - O que é uma fábula, considerando-se que eu não sabia de nada.

O sofrimento naquela voz grave cortava o coração, mas não tanto como a aversão a si mesmo. Depois de descobrir por que ele se modificara tanto, Serena entendeu que ja­mais poderia odiá-lo.

-# Sinto muito. - Foi a única coisa que encontrou para dizer. Qualquer outra palavra seria excessiva.

-# Não foi sua... — Houve uma pausa forçada e a frase ficou sem término. - Obrigado.

-# Pretende ir para a Nortúmbria? Ou para Londres? Será que ele tinha intenções de se casar novamente?

-# O que farei... - Darien cismou. - Qualquer coisa que me agrade, imagino.

Serena deu uma tossidela.

-# Sua mãe acalenta esperanças de contar com a sua pre­sença em Londres durante a temporada de Hotaru.

-# Minha irmã não precisa da minha ajuda.

-# É verdade. - Ela engoliu em seco, antes de completar: - Mas eu sim.

Darien virou-se e fitou-a com as sobrancelhas erguidas.

-# A senhorita? Pensei que estivesse interessada em meu irmão.

-# Não estou. Quero dizer, não sei. Ele é muito jovem, não acha?

-# Mais velho do que a senhorita.

-# Apenas três meses, e ainda está na universidade. Não vai querer casar-se tão cedo.

-# O que não a agrada, não é mesmo? - Darien fitou-a com olhar penetrante.

Se pudesse, ela teria saltado da carruagem. Aquela, cer­tamente, não era uma conversa apropriada para uma dama.

-# Bem, pretendo me casar algum dia - afirmou com altivez, evitando uma resposta direta.

Eles se entreolharam durante algum tempo que pareceu prolongar-se em demasia, e foi Darien quem quebrou o silêncio:

-# Está certo, levarei o assunto em consideração. Bem, eu lhe devo...

-# Deve o quê?

-# Uma desculpa, para começar. O que aconteceu ontem à noite foi... imperdoável. Por isso insisti em levá-la para casa. - Darien desviou o olhar por alguns segundos. - Eu devo um pedido de perdão e achei que seria melhor fazer isso em particular.

Serena fixou-se na estrada em frente.

-# Uma declaração pública faria minha família inteirar-se do fato, e tenho certeza de que a senhorita não gostaria disso.

-# E o senhor também preferiria que eles ignorassem o assunto.

-# Não posso afirmar que me orgulho do meu comporta­mento e, sem dúvida, prefiro que a minha família não saiba. Mas eu também pensei na senhorita - ele ponderou, pas­sando a mão pelos cabelos fartos.

-# Aceito o pedido de desculpas - Serena falou com delicadeza.

-# Não sei por que fiz aquilo. Nem ao menos se tratou de desejo. Não posso imaginar o que aconteceu, mas certamente não foi sua culpa.

Não foi preciso resposta alguma, estava visível no rosto delicado que a observação fora totalmente inapropriada.

-# Droga... - Ele suspirou com irritação e desviou o olhar. Atitude brilhante, a sua. Beijar uma moça e depois afirmar que não o fez por desejá-la. - Sinto muito. Preciso aprender a pensar antes de falar, assim poupo os ouvidos dos outros de minhas bobagens. Não sei o que anda acontecendo comigo.

-# Talvez fosse aconselhável escrever um livro - ela disse com amargura. - Cem Maneiras de Insultar uma Jovem. Pelos meus cálculos, o senhor deve estar por volta da quinquagésima.

Darien tornou a inspirar. Não estava acostumado a des­culpar-se.

-# Não quis dizer com isso que a senhorita não seja atraente.

Ela fitou-o com descrença. Sentada e sem poder fazer na­da, era obrigada a escutá-lo pronunciar palavras que deixa­vam os dois constrangidos.

Pelo silêncio, Darien entendeu que não deveria continuar a dar explicações inúteis, mas notou pesar nos olhos expres­sivos, despertando uma nesga de compaixão em seu coração empedernido. E sobreveio uma estranha compulsão de agir com correção.

Com dezenove anos, a experiência de Serena com ho­mens resumia-se a Seiya e a ele mesmo, que, até então, representavam imagens fraternas. A garota devia estar con­fusa ao extremo. Seiya decidira de repente encará-la como uma mescla de Vênus, rainha Elizabeth e Virgem Maria. Turner, por sua vez, usara de violência para beijá-la. Não tinha sido exatamente um dia típico na vida de uma moça do interior.

Mesmo assim, continuava empertigada e de queixo ergui­do. Embora devesse odiá-lo, não demonstrava nenhum sen­timento parecido com aversão.

-# Preste atenção, a senhorita é muito atraente. - Fitou-a atentamente, pela primeira vez em muitos anos, cobrindo a mão miúda com a sua. O que viu não foi um rosto de beleza clássica, mas aqueles olhos castanhos e grandes o cativaram desde que a vira pela primeira vez. A pela clara era impe­cável, criando um contraste luminescente com os cabelos es­curos, ligeiramente ondulados.

Se os tocara na noite anterior, por que não se lembrava como eram? Deveria ter notado a textura.

-# Darien...

Por que ele a encarava com aquela expressão desconhe­cida?

O olhar curioso estudou sua boca detalhadamente ao ouvir seu nome. Lábios carnudos, sensuais, que pediam beijos.

-# Darien? - chamou-o novamente, procurando tirá-lo do devaneio.

-# Muito... - ele falou como se acabasse de entender o inacreditável.

-# Muito o quê?

-# A senhorita... você é muito sedutora. - Darien sacudiu a cabeça, procurando afastar-se do encanto que, de alguma forma o atingira.

Serena suspirou.

-# Por favor, não minta para poupar meus sentimentos. Isso é um insulto à minha inteligência, além de representar uma ofensa muito maior do que qualquer coisa que possa ser dita sobre a minha aparência.

-# Não estou mentindo. - enfatizou ele, parecendo sur­preso.

-# Bem, então... obrigada - ela observou, sem graça, mor­dendo o lábio inferior.

-# Em geral meus elogios são aceitos como sinceros.

-# Tenho certeza disso.

-# Então, por que de repente tive a impressão de ser acu­sado de falsidade?

Serena abriu muito os olhos e duvidou que houvesse falado com tanta frieza.

-# Não sei do que está falando. - Por um momento, teve a impressão de que Darien continuaria a questioná-la, mas, em seguida, ele se arrependeu, segurou as rédeas e sorriu.

-# Vamos?

Continuaram o trajeto por alguns minutos e, sempre que possível, Serena o fitava de relance, e encontrava uma ex­pressão tranqüila e indecifrável. O que não deixava de ser irritante, uma vez que suas idéias se encontravam num ver­dadeiro redemoinho. Se Darien não a desejava, por que a tinha beijado? Qual fora o objetivo? Então...

-# Por que me beijou, Darien?

Ele engasgou, surpreso com o tom intempestuoso da per­gunta. Os cavalos diminuíram a marcha, sentindo a falta de atenção do condutor. Pela aflição demonstrada, Serenaconcluiu que ele não encontraria nenhuma maneira benévola de responder.

-# Esqueça o que eu perguntei. Não importa - ela disse, embora não tivesse se arrependido da pergunta.

Afinal, não tinha nada a perder. Por certo, ele não zom­baria nem espalharia boatos a seu respeito. Ficou apenas constrangida pelo momento que não poderia ser comparado com o da noite anterior, portanto...

-# A culpa foi toda minha - Darien afirmou. - E você teve a infelicidade de estar a meu lado.

Serena notou a desolação nos olhos azuis e apoiou a mão no braço musculoso.

-# Ter raiva de sua esposa não é nenhum absurdo. Darien não se deu o trabalho de fingir que ignorava do que Serena estava falando.

-# Rey está morta.

-# Isso não apaga a verdade de ela ter sido uma pessoa terrível enquanto viva.

Ele a fitou com curiosidade e desatou a rir.

-# Ah, admiro-me com a sua capacidade de dizer coisas abomináveis como se fossem normais.

-# Agora eu realmente tomarei a afirmativa como um cumprimento. - Serena sorriu.

-# Terei de me lembrar de jamais permitir que ocupe o posto de professora na escola dominical.

-# Pois não terá de se preocupar com isso. As virtudes cristãs não estão muito arraigadas no meu coração.

-# E mesmo? - Darien divertiu-se.

-# Ainda guardo ressentimento contra Moly Bennet.

-# Quem é ela?

-# A menina desagradável que me chamou de feia no dé­cimo primeiro aniversário de Hotaru e Seiya.

-# Deus do céu! Há quantos anos foi isso? Também não posso esquecer de nunca a contrariar.

Miranda arqueou uma sobrancelha.

-# É bom mesmo que não o faça.

-# Devo confessar, minha querida, que notei uma grande lacuna em relação à sua natureza caritativa.

Ela deu de ombros, admirada pela facilidade com que Darien conseguia deixá-la despreocupada e feliz em tão pouco tempo.

-# Não diga nada à sua mãe. Ela me acha uma santa.

-# Comparada com Hotaru, tenho certeza de que é.

-# Por favor, nada diga contra minha amiga querida. Sou inteiramente devotada a ela.

-# Fiel como um cão, se me permite uma comparação nada agradável.

-# Não faz mal, adoro cães.

E o assunto não pôde ser concluído, uma vez que a viagem havia terminado. E o pior foi que a última frase dita poderia direcioná-lo a lembrar dela toda vez em que pensasse em cachorros. Darien ajudou-a a descer e espiou o céu, que co­meçava a escurecer.

-# Se não se incomodar, não a acompanharei até a entrada - ele murmurou.

Uma das grandes qualidades de Serena era ser muito prática. Seria uma tolice exigir companhia sob a garoa, uma vez que podia perfeitamente caminhar até a porta de sua própria casa.

-# Claro que não.

-# Boa sorte - ele desejou, subindo no cabriolé.

-# Com quê?

-# Com Londres, com a vida... — Darien deu de ombros. - Com qualquer coisa que deseje.

Serena sorriu com tristeza. Se ele ao menos soubesse...

Darien havia planejado passar a primavera e o verão na Nortúmbria, onde desfrutaria de certa privacidade para não ter de guardar luto pela esposa. Mas sua mãe usara a mais letal de todas as táticas para convencê-lo: a culpa. Afinal, Hotaru precisava do irmão mais velho para acompanhá-la em seu début nos eventos londrinos.

O primeiro argumento usado não o convenceu. Não tinha cedido quando a mãe afirmara que um líder da sociedade como ele no baile de Hotaru asseguraria o afluxo dos jovens cavalheiros mais bem situados.

Resistira também quando ouviu que não deveria cultivar a dor sozinho no campo e que seria ótimo sair e distrair-se com os amigos.

E finalmente, rendeu-se quando ela surgiu na porta de seu quarto, dizendo sem ao menos cumprimentá-lo:

-# Ela é sua irmã.

Por isso Darien estava na Rudland House de Londres, rodeado por quinhentos dos mais pomposos membros da nobreza.

O objetivo principal era encontrar dois noivos. Um para Hotaru e outro para Serena. E com certeza ele haveria de impedir que as duas fizessem um casamento tão desastroso como fora o dele.

Londres estava coalhada de homens da mesma espécie de Rey e que não faziam jus a seus títulos. E com certeza lady Rudland não tinha conhecimento dos boatos que circu­lavam a respeito desses sujeitos na sociedade.

Darien não teria de comparecer a muitos eventos. Viera ao baile das debutantes para escoltá-las. Depois, talvez fosse ao teatro, se houvesse uma peça que o interessasse, e acom­panharia o progresso das jovens sem alarde e sem ser visto. No fim do verão, terminaria com todas aquelas bobagens e voltaria para...

Bem, para qualquer coisa que planejasse fazer. Na Nortúmbria, estudaria a rotação das culturas ou retomaria a prática do arco-e-flecha. Visitaria a taberna local. Gostava da cerveja. E ninguém lhe faria perguntas sobre a falecida Rey.

-# Querido, que surpresa em vê-lo! — Lady Rudland che­gou, linda num vestido púrpura.

-# Eu disse que viria a tempo - Darien retrucou e ter­minou de beber o champanhe. - Ninguém a avisou da minha chegada?

-# Não. Tenho corrido como uma louca, ocupada com os detalhes de última hora. Creio que os criados não desejavam me importunar, e as coisas acabaram se acumulando.

-# Ou então não conseguiram encontrá-la - Darien co­mentou, perscrutando a multidão.

O sucesso do baile poderia ser medido pelo tamanho da aglomeração. Como tinha permanecido nas sombras desde que chegara, havia vinte minutos, ainda não tinha visto os convidados de honra.

-# Dei permissão para as duas dançarem a valsa - lady Rudland afirmou. - Agora, por favor, cumpra seu dever para com elas.

-# Como negar uma ordem direta? - Darien murmurou.

-# Principalmente com Serena.

-# O que quer dizer com isso, mamãe?

-# Ela é uma menina notável e eu a amo muito, mas nós dois sabemos que seu tipo físico não é o que mais agrada à sociedade.

-# Pode ser, mas não podemos ignorar que a sociedade em geral não sabe julgar o caráter das pessoas corretamente. Se está lembrada, Rey era um grande sucesso.

-# E é o que está acontecendo com Hotaru, se esta noite servir como indicação — lady Rudland comentou, séria. - A sociedade é caprichosa e recompensa tanto os bons como os maus. Mas nunca os calados e serenos.

Darien olhou para a outra extremidade e viu a irmã e a amiga perto da porta.

A duas pareciam pertencer a dois mundos à parte.

Serena sorria, cortês, para os jovens que a convidavam para dançar. Mas não fazia parte da multidão que rodeava Hotaru, uma jóia brilhante em seu elemento. Os olhos da irmã cintilavam e, quando ria, a música dançava no ar. Não havia como negar seu esplendor.

Já Serena era diferente. Embora sorrisse, tinha-se a im­pressão de que estava empenhada em fazer anotações men­tais sobre as pessoas que conhecia.

-# Vá dançar com ela - lady Rudland pediu.

-# Serena? - perguntou, surpreso. Imaginou que a mãe pediria para que dançasse primeiro com Hotaru.

-# Para ela, será um belo impulso. Há quanto tempo não dança, meu filho? Creio que deve ser bem antes da morte de Rey - incentivou lady Rudland.

Darien não chegou a responder, porque de repente a mãe assumiu uma expressão de espanto pela blasfêmia, que não chegou a ser enunciada.

-# O que houve, mamãe?

-# Onde está a sua faixa preta de braço? - ela sussurrou.

-# E para que eu a usaria? - Ele não conteve a ironia.

-# Por causa de Rey - lady Rudland explicou, como se o filho não soubesse.

-# Eu disse que decidi não usar luto por ela.

-# Mas estamos em Londres, e na estréia social de sua irmã.

-# Meu casaco é preto.

-# Seus paletós são sempre pretos.

-# Talvez eu use este como luto perpétuo pela morte da minha confiança.

-# Esse ato tolo de rebeldia vai virar escândalo - lady Rudland sibilou.

-#Não. Rey era quem criava escândalos. Estou sim­plesmente me recusando a reverenciar uma esposa que pra­ticava atos vergonhosos.

-# Está pretendendo arruinar sua irmã?

-# Meus atos nem de longe terão reflexo na felicidade de Hotaru, como teria sido se Rey ainda estivesse viva.

-# Não importa. O fato é que sua esposa morreu e...

-# Eu vi o corpo - ele retrucou, acabando com a argu­mentação.

-# Não precisa ser tão vulgar - reclamou ela, recuando.

-# Desculpe-me. - A cabeça de Darien começava a latejar.

-# Espero que reconsidere seus atos.

-# Eu não gostaria de aborrecê-la. - Ele suspirou. - Mas não mudarei de opinião. Ou ficarei em Londres sem a faixa preta no braço, ou irei para a Nortúmbria... também sem a faixa. - Fez uma pausa. - A decisão é sua.

Lady Rudland não respondeu e ele deu de ombros.

-# Então vou falar com Serena. E foi o que fez.

A permanência de Serena em Londres havia duas se­manas não poderia ser considerada um sucesso, mas tam­bém não um fracasso. Era como ela imaginava que seria, exatamente um meio termo. As linhas do cartão de danças não chegavam a ser preenchidas totalmente e seu diário es­tava lotado de incontáveis observações insanas e vazias. E as ocasionalmente dolorosas como a de lorde Chiselworth, que havia tropeçado na escada no baile de Mottram e torcido o tornozelo.

No conjunto, considerou-se satisfeita para quem fora abençoada com seus atributos particulares. Assim estava escrito no diário:

Eu gostaria de aperfeiçoar meu traquejo social, mas como Hotaru sempre diz, conversas tolas nunca foram meu ponto forte. Contudo, procurei caprichar nos sor­risos gentis e vagos, que parecem surtir efeito. Recebi três convites para jantar!

O fato de ser a melhor amiga de Hotaru ajudou bastante. A amiga tomara a sociedade de assalto, como todos haviam previsto, e Serena beneficiou-se com a associação. Muitos cavalheiros se atrasaram para assegurar uma dança, e ou­tros ficavam aterrorizados diante da perspectiva de apenas conversar com uma moça tão bela. Nessas ocasiões, Serena sempre surgia como a escolha mais viável e próxima.

Mesmo com o inesperado acúmulo de atenções, estava so­zinha quando escutou a voz familiar.

-# Não acredito que fui capaz de encontrá-la desacom­panhada.

Darien.

Serena sorriu. Nenhum homem poderia ser mais atraente do que ele com a roupa social preta, que evidenciava ainda mais o efeito das velas, refletindo as mechas douradas nos cabelos espessos.

-# Ora, mas que surpresa. Então você veio.

-# Achou que eu não viria?

Apesar de lady Rudland ter dito que Darien pretendia vir a Londres, ela não acreditara ser verdade. Tinha quase certeza de tê-lo ouvido dizer que não pretendia participar da vida social da cidade naquele ano, e talvez nem nos próximos.

-# Aposto que Lady Rudland deve tê-lo chantageado para que viesse ao baile - ela declarou.

-# Chantagem? - Darien fingiu-se ofendido. - Uma pa­lavra horrorosa e incorreta neste caso.

-# Ah, é?

Ele inclinou ligeiramente a cabeça, estreitando a distân­cia que os separava.

-# Foi minha culpa.

-# O que foi que você fez?

-# O mais correto seria perguntar o que não fiz. Ou me­lhor, o que não estava fazendo - contou, fazendo um gesto de pouco caso com a mão. - Disseram-me que você e Hotaru teriam sucesso se eu lhes oferecesse apoio.

-# Creio que sua irmã seria bem-sucedida, mesmo se não tivesse um centavo e fosse filha ilegítima.

-# Também com você não tenho preocupações a respeito. - Sorriu de maneira benevolente e irritante, franzindo o cenho. - E por que minha mãe pensaria em fazer chan­tagem?

Um sorriso triunfante iluminou o rosto de Serena, que gostava de deixá-lo sem graça. Na maioria das vezes ele pa­recia controlado, enquanto seu coração parecia saltar do pei­to só em olhar para aquela presença tão devastadora. Feliz­mente o passar do tempo fora responsável por certa autode­fesa. Se não o conhecesse há tantos anos, nem mesmo seria capaz de manter uma conversa se ele estivesse presente no mesmo ambiente. Além disso, Darien poderia desconfiar de algo se ela perdesse a voz toda vez que se encontrassem.

-# Não sei. - Serena fingiu refletir. - Histórias da in­fância, talvez.

-# Veja como fala - Darien brincou. -Eu era um perfeito anjo.

-# Você deve me considerar muito ingênua - declarou ela, arqueando uma das sobrancelhas.

-# Não. Apenas polida demais para me contradizer. Serena revirou os olhos e voltou-se para as pessoas que se apinhavam no recinto. Hotaru era cortejada no meio do salão, rodeada pelo costumeiro grupo de jovens.

-# Hotaru parece ter nascido para isso, não é mesmo?

-# Onde estão os seus admiradores, srta. Tsukino? Acho difícil acreditar que não tenha nenhum.

-# Um ou dois, talvez. Quando Hotaru está por perto, pareço fazer parte dos móveis e utensílios. - Ela enrubesceu com o elogio.

-# Não acredito no que está me dizendo. Deixe-me ver seu cartão de dança.

Relutante, Serena estendeu o cartão. Darien examinou-o e logo o devolveu.

-# Eu tinha razão. Está quase cheio.

-# É ilusório. A maioria dos cavalheiros se aproximou de mim por eu estar perto de sua irmã.

-# Não diga tolices. Nem se preocupe com isso. Serena surpreendeu-se com a suposição.

-# Não estou preocupada. Eu dei a impressão de estar? Ele recuou e avaliou-a.

-# Não, não está. Que estranho...

-# Por que diz isso?

-# Jamais conheci uma dama que não desejasse uma tur­ba de candidatos à sua volta num baile.

-# Pois agora está conhecendo. -# Ela irritou-se com os ares superiores e empinou o nariz, assumindo uma postura ainda mais arrogante.

-# Minha querida menina. -# Darien riu. - E com essa atitude acha que encontrará um marido? Não me olhe como se eu dissesse absurdos. Foi você quem afirmou sua preten­são de encontrar um marido nesta temporada.

Serena cerrou ainda mais os dentes. O pior era que ele estava certo, o que a deixou sem resposta.

-# Por favor, não me chame de "querida menina".

-# Serena, será engano meu ou está com raiva?

-# Sempre me irrito com facilidade.

-# É o que estou percebendo.

Aquele sorriso encantador perturbou-a ainda mais.

-# Pensei que fosse encontrá-lo macambúzio e meditativo.

-# Você consegue extrair o melhor de mim.

Serena fitou-o com olhar contundente. Ele esquecera da noite do funeral de Rey?

-# O melhor? - Ela arrastou as palavras. - Será mesmo? Pelo menos Darien teve a delicadeza de parecer enver­gonhado.

-# Ocasionalmente o pior, mas não esta noite. - Ele er­gueu as sobrancelhas. - Estou aqui para cumprir meu dever para com você.

Dever. Palavra dura e ferina.

-#Por favor, deixe-me ver novamente seu cartão de dança.

Serena entregou o gracioso cartão enfeitado com arabescos e com um pequeno lápis-borracha amarrado na ponta. Darien examinou-o e estreitou os olhos.

-# Por que deixou todas as valsas livres? Minha mãe as­segurou ter permitido a vocês dançarem a valsa.

-# Não foi por isso. - Ela cerrou os dentes ao sentir que começava a enrubescer. - É que, bem, se quer saber...

-# Fale logo, srta. Tsukino.

-# Por que me chama de srta. Tsukino quando está ca­çoando de mim?

-# Bobagem. Eu também a chamo da mesma forma quan­do a repreendo.

Ora, mas isso era um progresso.

-# Enfim, Serena, por quê?

-# Não é nada - ela murmurou. Darien não desistia facilmente.

-# Isso não é verdade. Diga logo do que se trata.

-# Está bem. Eu esperava que você dançasse uma valsa comigo.

Ele recuou, surpreso.

-# Ou então Seiya — Serena tratou de acrescentar por ser mais seguro ou, pelo menos, assim haveria menos chances de se envergonhar.

-# Ah, então ele e eu somos intercambiáveis?

-# Claro que não. Como não sei muito bem dançar a valsa, ficarei mais à vontade se estiver acompanhada por uma pes­soa que conheço.

-# Alguém que não se ofendesse mortalmente se fosse pi­sado nos dedos?

Como é que fora se meter em mais uma enrascada? Ou Darien pensava que estava apaixonada por ele, ou que era uma tola com receio de dançar uma simples valsa.

-# Admito que seja mais ou menos isso.

-# Eu ficaria muito honrado se dançarmos. - Ele escreveu o próprio nome no cartão. - Pronto. A senhorita acabou de me prometer a primeira.

Que Deus que o abençoasse.

-# Obrigada. Aguardarei ansiosa.

-# Ótimo. Eu também. Posso acrescentar meu nome para mais uma valsa? Não sei de ninguém mais com quem gos­taria de conversar durante o tempo em que durar a música.

-# Eu não imaginava que a tarefa pudesse ser tão árdua.

-# Com qualquer outra, sim, mas não com você. Pronto. Já me inscrevi para a última valsa também. Terá de encon­trar outras pessoas para as restantes. Não poderei dançar com você mais de duas vezes.

Qualquer um pensaria que Darien não se envergonhava em dançar com ela, mas Serena sabia muito bem que ele esperava uma boa parceira.

-# Não, claro que não.

-# Então, muito bem — ele concluiu, da maneira como os homens costumavam finalizar uma conversa, sem se inco­modar com o resto. — Hardy vem vindo para a próxima dan­ça. Vou beber alguma coisa. Eu a verei logo mais.

Assim dizendo, afastou-se e deixou-a a um canto, murmu­rando os agradecimentos ao sr. Hardy, que acabava de se aproximar. Serena fez uma mesura para o parceiro, segu­rou-lhe a mão enluvada e seguiu-o até a pista, onde os pares se preparavam para a quadrilha. E nem se surpreendeu quando o sr. Hardy perguntou sobre Hotaru após um comen­tário casual a respeito do tempo e do seu vestido.

Ela respondeu com cortesia, procurando não encorajá-lo demais. A julgar pela corte que rodeava Hotaru, as chances do sr. Hardy eram mínimas.

A música terminou e Serena voltou para perto da amiga.

-# Aí está você! - Hotaru exclamou. - Onde esteve, minha querida? Eu estava comentando a seu respeito com os nossos amigos.

-# Mentira. - Serena ergueu as sobrancelhas, sem acre­ditar.

-# Estava, sim. Não é verdade? - Hotaru cutucou um cavalheiro a seu lado e ele imediatamente concordou. - Acha que eu a enganaria? Serena segurou o riso.

-# Se isso servisse aos seus propósitos.

-# Ah, que maldade! Pare com isso. Onde é que esteve até agora?

-#Eu precisava de um pouco de ar fresco, por isso me afastei para tomar um copo de limonada. Darien me fez com­panhia.

-# Ah, então meu irmão chegou? Eu deixei uma vaga pa­ra ele.

-# Não acredito que tenha sobrado uma música para seu irmão.

-# Será que não? - Serena consultou o cartão. - Oh, céus! Terei de cortar um dos candidatos.

-# Não faça isso.

-# E por que não? Escute, preciso lhe dizer... — Hotaru parou de falar, lembrando-se da presença dos inúmeros ad­miradores. Virou-se e sorriu, radiante, para eles. E não se surpreenderia se todos sucumbissem à emoção de vê-la sor­rir. — Algum dos cavalheiros se incomodaria de trazer um pouco de limonada? - perguntou com doçura. - Estou mor­rendo de sede.

A agitação foi geral. Todos se movimentaram e afasta­ram-se ao mesmo tempo.

-# Parecem um bando de ovelhas obedientes - Serena comentou.

-# Exceto os que se assemelham a bodes - Hotaru caçoou. - Tive uma idéia brilhante, não é mesmo? Livrei-me de todos de uma só vez. Estou me saindo muito bem.

Serena concordou, sem se preocupar em responder. De nada adiantaria.

-# O que eu quis dizer - Hotaru continuou -, é que a maioria deles é muito enfadonha.

Serena não resistiu e deu um empurrão na amiga.

-# Não é essa a impressão que se tem ao observá-la de longe.

-# Bem, não quero dizer com isso que não estou me diver­tindo. - Hotaru fitou-a com olhar irônico. - Mas também não vou me prejudicar só para agradar a minha mãe.

-# Essa frase não me é estranha.

-# Olhe quem vem ali...

-# Quem?

-# Meu irmão.

-# Onde? - Serena espantou-se.

Hotaru esticou o pescoço e espiou por sobre o ombro da amiga.

-# Ele vem para cá a passos largos. Serena consultou o próprio cartão.

-# Deve estar na hora da nossa valsa. Hotaru inclinou a cabeça de lado e sorriu.

-# Ele é mesmo muito atraente.

Serena procurou não suspirar. Darien era um homem deveras sedutor. E, com a viuvez, todas as moças solteiras e suas mães caíam sobre ele como um enxame de abelhas.

-# Acha que meu irmão se casará de novo? - Hotaru per­guntou.

-# Não sei. - Serena sentiu um nó na garganta. - Mas creio que acabará escolhendo outra esposa.

-# Bem, ainda poderemos contar com Seiya para brin­dar a família com um herdeiro.

Darien aproximou-se e fez uma mesura.

-# Fico feliz em vê-lo, meu irmão - Hotaru saudou-o com um largo sorriso. - Eu já havia desistido de esperá-lo.

-# Imagine se eu não viria. Mamãe teria me emparedado. - Ele estreitou os olhos de maneira imperceptível. - Por que Serena lhe deu uma cotovelada agora há pouco?

-# Não fiz isso! - ela protestou, mas mudou de tom ao ver a dúvida na expressão de Darien. — Foi apenas uma brincadeira entre amigas.

-# Não importa. Pelo gesto brusco em demasia, qualquer um, até o mais idiota de todos, de longe poderia perceber que a senhorita não estava de acordo com minha irmã.

-# Ora, pare com isso! - Hotaru protestou. Ele fez um gesto de pouco caso.

-# Srta. Tsukino, acha que ela protestou contra a minha linguagem ou porque julgo todos os rapazes presentes uns idiotas?

-# Creio que foi pela sua linguagem. Hotaru acabou de dizer que a maioria era idiota.

-# Não foi bem isso. Eu falei que eles eram enfadonhos.

-# Ovelhas — Serena completou.

-# Bodes. - Hotaru deu de ombros. Darien espantou-se.

-# Sobre o que as duas estavam falando?

-# Nada de importante — Serena apressou-se a res­ponder.

-# Não é verdade — Hotaru a contradisse.

-# Então, por que a cotovelada? — Darien olhou de uma para a outra, divertido.

-# Era sobre Seiya — Hotaru respondeu, impaciente.

-# Ah, Seiya. — Ele olhou ao redor e tirou o cartão das mãos de Serena. — Ele está aqui, não está? Por que não escreveu o nome na lista para solicitar uma ou duas danças? Os dois não estão planejando casamento?

Serena cerrou os lábios, sem responder. O que foi uma decisão sensata, pois a amiga não perderia a oportunidade de falar por ela.

-# Ainda não é nada oficial — Hotaru declarou —, mas todos concordam que seria um enlace esplêndido.

-# Todos? - Turner fitou Serena.

-#E quem não aprovaria?—Hotaru mostrou-se ainda mais impaciente.

Os músicos da orquestra afinaram os instrumentos, e os primeiros acordes de uma valsa não tardaram a flutuar no ambiente.

-# Creio que esta é a minha vez. - Darien fixou o olhar em Serena, fazendo-a tremer. - Vamos? - murmurou, estendendo o braço.

Serena anuiu, sem conseguir falar. A proximidade com ele causava-lhe reações estranhas, eram tremores que a dei­xavam arfante. Se a olhava, não da maneira habitual, mas com intensidade que escurecia os olhos azuis, ela se sentia despida e com a alma exposta.

E, certamente, Darien nada via, a não ser aqueles olhos castanhos tão expressivos! A garota continuava sendo a me­lhor amiga de sua irmã. E, ao que tudo indicava, assim seria para sempre.

-# Vai me deixar aqui? - Hotaru, sem petulância, deu um suspiro discreto.

-# Não se preocupe - Serena declarou —, não ficará sozinha por muito tempo. Vejo que o rebanho está voltando com a limonada.

-# Já percebeu, Darien, que Serena tem, indiscutivel­mente, um grande senso de humor? — Hotaru perguntou, fazendo uma careta.

-# Não sei por quê, mas o comentário não me parece exa­tamente um elogio - Serena retrucou.

-# Vão logo. Andem, podem ir embora, Aproveite a valsa, querida.

Darien segurou-a pelo braço, conduzindo-a até a pista.

-# A senhorita é bastante espirituosa - ele murmurou.

-# Não diga.

-# E o que mais aprecio a seu respeito. Por favor, não mude esse seu senso de humor.

De repente, ela sentiu o corpo inteiro vibrar com o simples elogio.

-# Procurarei não fazer isso, milorde. Darien estremeceu ao abraçá-la para dançar.

-# Milorde? Por que isso agora? Desde quando se tornou tão formal?

-# Foi durante esse período em Londres. Sua mãe tem insistido nas regras de etiqueta. - Serena sorriu com can­dura, sem deixar de provocá-lo: - Endimion, então.

Ele franziu a testa.

-# Creio que prefiro milorde.

-# E eu, Darien.

Ele apertou a cintura fina.

-# Ótimo. Continuemos assim.

Serena suspirou e ambos ficaram em silêncio enquanto rodopiavam pelo salão. Não houve giros excessivos que a deixassem tonta ou sem ar. E assim, ela teve oportunidade de saborear o momento, além de sentir o toque daquelas mãos grandes em sua cintura. Acima de tudo, estava em­briagada pelo perfume almiscarado, que misturado ao calor do corpo másculo faziam-na sentir como se estivesse levitando. E mesmo dentro de sua pouca experiência, tinha certeza de que nada poderia ser mais agradável do que ser conduzida por braços fortes.

Tudo era perfeito, ou melhor, perfeitamente correto. Ousava inclusive imaginar que seria praticamente impossível aceitar que Darien não experimentasse o mesmo.

Entretanto, não lhe proporcionaria o gosto de ouvir co­mentário semelhante, pois sabia que poderia refletir uma insegurança sua, que ele não deixaria passar sem alguma ironia. Por outro lado, se não houvesse resposta, poderia sair magoada pela indiferença.

Então, só restava observar como ele apenas perscrutava a aglomeração com o semblante sério, como se procurasse um conhecido. Não era o olhar de um homem interessado na parceira de dança, mas o de um com problemas. E foi com expressão bondosa e fraterna que ele se dirigiu a ela após algumas voltas pelo salão.

-# Está dançando muito bem a valsa. Não sei por que estava tão preocupada a respeito.

Ela sentiu um aperto no coração ao comprovar a casuali­dade do comentário, enquanto se remoía ao analisar as sen­sações devastadoras ao sentir-se conduzir graciosamente pela pista.

-# É que recentemente não tenho praticado muito - in­ventou.

-# Nem mesmo com meu irmão?

-# Seiya?

Darien divertiu-se com a pretensa falsa de memória.

-# Meu irmão mais novo, se está lembrada.

-# Eu sei. Não, eu quis dizer que não danço com Seiya há anos.

-# Verdade?

Havia um tom diferente naquela voz tão conhecida. Seria um traço de satisfação? Talvez até fosse mesmo, mas infe­lizmente não era de ciúme. Era evidente que Darien não se incomodaria se ela dançasse com Seiya. Porém teve a estranha sensação de que ele se congratulava pela astúcia de ter acertado uma predição.

Por Deus, estava pensando demais. Aliás, Hotaru sempre a acusava de ser imaginativa em excesso, e por essa vez deu razão à amiga.

-# Não encontro Seiya com freqüência — declarou, es­perançosa de que a conversa a impedisse de pensar em ques­tões sem resposta, como, por exemplo a palavra "verdade".

-# E? - Darien segurou-a com mais força e deu uma volta para a direita.

-#Seiyapassa grande parte do tempo na universidade. Mesmo agora, ele ainda não terminou o período letivo.

-# Espero que se encontrem mais durante o verão.

-# Eu também. - Serena deu uma tossidela. - Bem... por quanto tempo planeja ficar em Londres?

Darien completou uma deliciosa volta para a esquerda antes de responder:

-# Não sei, mas não muito, com certeza.

-# Entendo.

-# Eu deveria estar de luto. Mamãe está aborrecida por­que abdiquei da faixa negra no braço.

-# Eu não estou.

Ele sorriu, mas não como irmão. Não foi com paixão, po­rém foi algo novo: um olhar matreiro, conspirador, que a fez sentir-se como cúmplice.

-# Por que, srta. Tsukino, esse tom de rebeldia?

-# Nunca entendi a necessidade de prantear quem não se conhece, e certamente não vejo lógica em lastimar uma pes­soa falecida, se quando ainda viva a detestávamos.

Darien pensou e sorriu.

-# Já foi forçada a usar luto?

-# Sim, pela morte de um primo. - Serena respondeu, sorridente.

-# Já lhe disseram que é impróprio sorrir quando se está falando sobre a morte de um parente?

-# Mas eu nem o conhecia...

-# Ainda assim...

Serena sabia que estava sendo provocada, mas divertia-se com a situação.

-# Ele morou a vida inteira no Caribe - acrescentou, embora não fosse inteiramente verdade.

-# Que moça mais sem coração - Darien murmurou em tom de brincadeira, mas que vindo dali, mais parecia um cumprimento. - A senhorita será bem-vinda à família. Pre­pare-se para tolerar meu irmão mais novo por longos perío­dos de tempo.

Casar-se com Seiya não seria a maneira mais fácil de tornar-se membro da família Bevelstoke. E apesar das ma­quinações de Hotaru, ela não pretendia que o matrimônio viesse a realizar-se.

Havia muitas razões favoráveis ao enlace, mas também um grande motivo para que não acontecesse. E estava bem diante dela.

Se um dia Serena viesse a se casar com alguém que não amava, certamente não seria o irmão daquele por quem estava apaixonada. Ou, pelo menos, era o que esperava. Ten­tara convencer-se de que não amava Darien, que havia sido uma paixão de adolescente que seria facilmente superada. Mas não fora.

Podia tratar-se simplesmente de um hábito pensar que estivesse apaixonada por ele. Só podia ser...

Mas quando ele abria um simples sorriso, todo o trabalho de convencimento voava pela janela e o trabalho de persua­são tinha de ser reiniciado.

Entretanto, haveria de atingir o objetivo, por mais impos­sível que pudesse parecer. Ainda chegaria a manhã em que acordaria e daria conta de que haviam se passado dias sem sequer lembrar do nome daquele homem.

-# Serena?

Ela levantou o olhar. Darien a fitava com divertimento. Benevolente? Poderia ser, se não fossem as rugas no canto dos olhos sorridentes. Por um breve instante, ele pareceu despreocupado, mais jovem e mais feliz.

E ela continuava apaixonada e, pelo resto da noite, não haveria como se convencer do contrário. Retomaria o traba­lho exaustivo de negar tudo na manhã seguinte, mas ao me­nos durante o baile, não se preocuparia mais em tentar.

A música terminou. Darien soltou-a e recuou para fazer uma elegante reverência, a que foi correspondido. Em segui­da voltaram de braços dados até a lateral do salão.

-# Onde poderemos encontrar Hotaru? - Ele esticou o pes­coço. - Para dançar com minha irmã terei de afastar um dos admiradores.

-# Não deveria falar como se isso fosse o fim do mundo. Não somos tão terríveis.

Darien surpreendeu-se.

-# Não me referi a seu respeito. Não me importo nem um pouco em dançar com a senhorita.

Serena guardou no coração aquele cumprimento tão pouco entusiasmado. O que foi a prova que estava mais en­cantada do que imaginava.

Estava descobrindo que o amor não correspondido piorava muito quando se estava na presença do ser amado. Passara quase dez anos, sonhando dia e noite, com o momento em que dançaria pelo salão, conduzida por Darien. Quantas ho­ras havia perdido, esperando pacientemente, por notícias trazidas pelos Bevelstoke na hora do chá! Ou mesmo ten­tando esconder o júbilo quando ele visitava a família uma ou duas vezes ao ano... Isso sem contar com o terror de ter suas emoções descobertas.

Serena fitou-o de relance, mas ele sequer olhava em sua direção. Não havia nada pior do que a indiferença do amado. O mais doloroso porém, era a consciência de que não chegava nem a perturbá-lo.

-# Ali está minha irmã.

Como de hábito, Hotaru estava rodeada por um número excessivo e ridículo de cavalheiros.

-# Não me parece que algum deles esteja se comportando de maneira inconveniente, não é? - ele comentou, estrei­tando os olhos. - Foi um longo dia, e eu preferia não ter de bancar o irmão feroz esta noite.

A pista estava muito cheia, por isso Serena precisou le­vantar-se na ponta dos pés para uma inspeção adequada.

-# Creio que não há nenhum problema.

-# Ótimo. - Com a cabeça virada de lado, Darien fitou a irmã sem interesse para só então notar que Serena continuava a observá-lo com os olhos grandes azuis e curiosos.

-# Darien?

-# Sim?

-# O senhor está estranho.

Ao vê-la preocupada, ele sorriu e pensou em quanto gos­tava daquela moça e no tamanho do erro que cometera na noite do funeral de Rey, quando forçara um beijo entre eles. O que o fez ficar com vontade de ser gentil, recompensando-a. Observou Hotaru pela última vez e virou-se.

-# Se eu fosse mais novo, o que infelizmente não sou...

-# Mas ainda não fez trinta anos.

Serena demonstrou certa impaciência, o que não deixou de agradá-lo.

-# Bem, eu me sinto mais velho. - Ele deu de ombros. - Para dizer a verdade, atualmente parece que sou um ancião. - Notou a expectativa naqueles olhos azuis. - Quis dizer apenas que se eu fosse um rapaz atrás das novas de-butantes, Hotaru não atrairia a minha atenção.

Ela ergueu as sobrancelhas.

-# Bem, mas trata-se de sua irmã. Fora a ilegalidade da questão...

-# Eu estava tentando fazer um elogio - Darien inter­rompeu-a.

-# Ah. - Ela engasgou, tossiu e corou ligeiramente. - Bem, nesse caso pode prosseguir.

-# Hotaru é muito bonita - ele continuou. - Mesmo eu, que sou da família, enxergo isso. Mas há uma lacuna por trás daquele olhar.

-# Isso é uma coisa terrível de se dizer. Sabe tão bem como eu o quanto ela é inteligente, muito mais do que a maioria dos homens que a cercam.

Ele fitou-a com admiração pela lealdade àquela amizade. Não havia dúvida de que, se necessário fosse, ela pegaria em armas para defender a amiga.

Sem contar que Serena era uma ótima influência para Hotaru, e do enorme débito de gratidão que os Bevelstoke tinham para com ela, era ótimo tê-la a seu lado. Ela era, com certeza, a única pessoa que tornaria suportável sua estada em Londres. Nem queria pensar em mulheres à procura de posição social, tentando preencher o lugar de Rey. Com Serena, pelo menos poderia ter uma conversa decente, sem receio de cobranças.

-# Não discordo, Hotaru é inteligente. Permita-me explicar melhor. Pessoalmente, eu não a acharia intrigante.

Serena torceu os lábios, e sua fisionomia de preceptora estava de volta.

-# Bem, essa é uma opinião sua.

-# Pois eu lhe digo, Serena, que me inclinaria mais para o seu lado.

-# Não diga tolices.

-# É verdade - Darien assegurou. - Sou mais velho que a maioria daqueles idiotas que rodeiam Hotaru. Talvez meu gosto tenha amadurecido. Porém esse ponto é discutível, pois não sou nenhum rapazinho e não estou à procura de debutantes.

-# Nem de uma esposa. - Era uma afirmativa, não uma indagação.

-# Oh, não! Para que eu haveria de desejar uma esposa?

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Obrigada pelos comentários de vcs, gente eu demorei porque fiquei sem internet, más esse capitulo fico enorme espero que tenham gostado bjs....


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