Os Poderes Perdidos escrita por Erick Griffin


Capítulo 11
Capítulo 11: Vejo um amigo morrer




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EU ESTAVA ASSUSTADO. Ultimamente eu andava vendo coisas bem estranhas, mas ver um amigo ser possuído e escrever em uma profecia em uma prateleira de madeira semipodre era novo para mim.

         Enfaixamos a mão queimada de Pedro, depois que ele “voltou ao normal” ele sentiu o ferimento que Omega causara.

         – O que eu... – ele franziu a testa – O que eu fiz?

         – Você escreveu na mesa. – eu disse inutilmente – Você escreveu uma profecia na mesa. Você se lembra de alguma coisa? Porque parecia que não era você.

         – Eu lembro que... eu lembro de ver vocês dois de mãos dadas com medo – ele disse meio sem graça

         – Você veio nos esfaquear, estava com medo, queria ajuda – Selina se adiantou dizendo rapidamente. Provavelmente eu estava corado, mas diante da situação acho que tínhamos problemas maiores.

         – É, você ia nos matar – eu concordei

         – Ok – Pedro disse –, mas por que eu ia esfaquear vocês?

         – Não sei – eu disse –, você meio que se possuiu ou coisa do tipo. Pegou uma faca para nós.

          – Pedro – Selina disse – você foi possuído por um espírito do oráculo. Isso acontece as vezes com os... com os filhos de Apolo.

         – É, eu... – ele olhou para o chão – eu acho que já sabia. Mas porque esse espírito me possuiu?

         – Apolo é o deus das profecias, certo? – eu disse – Deve ser por isso.

         – Mas para isso ter acontecido ele tem que já ter sido assumido, – Selina disse – para que os poderes dele tenham sido liberados, para que ele possa ter sido usado pelo oráculo.

         – O oráculo? – Pedro perguntou – Oráculo não é aquele negocio que os caras consultavam para saber o futuro?

         – Mais ou menos, geralmente o espírito habitava o corpo de uma jovem moça, mas ele deve estar solto, ele foi enviado para nos dar o recado, ele veio nos dar a profecia através de você.

         – As quatro relíquias – eu disse – são os cristais não são?

         – Eu acho que sim – Selina respondeu –, mas os quatro únicos, você deve saber que um deles é o traidor não é?

         – Sei. E o prazo da morte?

         Aron invadiu a sala, Selina sentou na prateleira discretamente em cima da profecia para esconde-la. Eu tentei agir normalmente, mas não sou muito bom ator.

         – Estamos chegando – ele disse friamente e só aí fui notar um corte perto do olho, ou o corte não estava lá ontem – Preparem-se, vai ser difícil, principalmente para vocês dois – ele apontou para mim e para Selina.

         Ajeitamos as armaduras de bronze. Braceletes pesados, couraças um tanto ilustradas com desenhos de espadas, botas de couro com um espaço para guardar uma faca e sua sola tinha um tipo de dentes para caminhar na lama (imaginei se alguém pisasse no meu pé com aquilo, não seria nem um pouco bom), o cinto com a bainha de couro para carregar a espada e o elmo com a viseira em forma T (os olhos, nariz e boca). Nosso elmo tinha uma pena vermelha no topo, para identificar quem é de nossa equipe se estivéssemos vendo de cima.

         Transformei Alfa. Pensei se ele seria útil contra serpentes, mas aí lembrei do arranhão que ele levou do Cérbero e em seguida se recuperou, talvez ele fosse indestrutível, rezei para que fosse. Pensei no que aconteceria se ele caísse na água em uma luta, ele voltou no dia que fui capturado, ou não retiraram ele de mim, então não tinha certeza se ele voltaria magicamente para mim ou se perderia nas profundezas do oceano.

         Reparei no meu escudo com mais atenção, e havia um desenho alem do Alfa grande e circulado no centro. Era uma imagem pequena nas linhas da ponta.  O desenho retratava um menino, um menino enfiando uma espada no peito de um monstro, o Minotauro. As imagens de suas aventuras ficarão gravadas nele, Marte disse uma vez e era real, literalmente, as imagens iam se formando conforme eu ia passando pelas coisas. Imaginei quantas imagens ficariam gravadas no escudo, quantas aventuras eu ia conseguir sobreviver.

         – Aí, – Pedro disse se aproximando de mim. Ele estava com a armadura completa exceto pelo elmo que carregava nas mãos. – aquela coisa de... ser assumido, você sabe exatamente o que aquilo quer dizer?

         – Não – admiti –, não exatamente, acho que pode ser uma marca, alguma marca tipo sol, arco e flecha. Recebeu alguma coisa assim?

         – É, mais ou menos – ele esticou o braço e havia uma marca no pulso. Um arco e flecha e um rato desenhados em preto levemente – Recebi isso ontem a noite. Antes de dormir, uma imagem apareceu para mim. Um homem, disse que estava não hora, que... – ele se interrompeu, pareceu triste.

         Não quis força-lo, seu pai havia falado com ele apenas ontem a noite. Ele passou quatorze anos sem se manifestar e de repente aparece em uma visão não falando muita coisa. Apenas assenti relutante, coloquei o elmo e saí para o convés do navio sujo.

         Não havíamos passado muito tempo no navio, uma hora, duas talvez, mas o sol estava se pondo. Não sabia em que lugar eu estava, mas devia ser em algum lugar que devia ser umas seis horas da tarde. O vento estava ainda mais frio e agressivo jogando gotículas de água em meus braços desprotegidos, a água passava como navalha em minha pele.

         Comecei a olhar para o mar, ondas violentas pareciam ter piorado por causa da tempestade, ondas de três metros de altura levantavam a nossa frente. Em uma das ondas pude ver um rosto, o rosto de um homem.

         – Você é meu, garoto – uma voz profunda e grave disse – Você ousa entrar em meus domínios e ainda quer sair vivo? – depois dessa frase percebi que era só eu que estava ouvindo. A “pessoa” gargalhou maleficamente – Você está abusando da sorte, mestiço!

         A onda quebrou e o rosto se desfez. Empalideci. Poseidon estava presente, e mais do que nunca queria minha morte. Um rugido muito forte surgiu de baixo d’água, tão forte que fez o barco tremer. Me aproximei da ponta do convés e vi uma sombra preta gigante passando por baixo do navio. Umas dez pessoas se aproximaram da ponta do navio para olhar, quando viram a sombra se afastaram rapidamente.

         – Fiquem longe das bordas! – Aron gritou – Não cheguem na beira do barco!

         Corri para o meio do navio, mas era tarde demais. Alguma coisa bateu com tanta força por baixo na parte esquerda que ela levantou, fazendo o navio inteiro tombar quase que completamente. Enquanto caía consegui me agarrar com uma das mãos a uma placa de metal que calçava um dos mastros do convés. Pessoas iam caindo ao meu lado, a maioria conseguia se segurar em placas de ferro, pedaços de madeira, nas bordas do navio, mas um garoto passou por mim e se segurou em uma rede fina presa a um pedaço de madeira do chão do navio que estava levantado.

         Era um azul. Ele estava completamente apavorado e desesperado, chorando e com as mãos presas firmemente na redinha que começava a se rasgar.

         – Segura na minha mão – gritei para ele sobre o barulho da chuva e do mar

         O garoto esticou a mão tremula e seus dedos quase encostaram nos meus. Estava a uns cinco centímetros de conseguir segurá-lo quando o barco tombou mais ainda para o lado. A rede do menino rasgou e ele começou a cair gritando na água, mas aí o mais chocante do dia aconteceu: pouco antes de atingir a água, uma serpente enorme subiu engolindo o garoto inteiramente enquanto ele caía.

         Eu não sabia o que fazer. Consegui ouvir uma risada vindo dos mares como se aquilo divertisse Poseidon, como se ele estivesse adorando aquele massacre. O sangue ferveu nas minhas veias. Quanto custou a vida daquele garoto? Uma risada maligna e o divertimento de um velho sanguinário? Não, isso não ia ficar assim, eu ia fazer Poseidon pagar... Ei, a parte que ainda tinha consciência do meu cérebro disse, ele é um deus. Mesmo assim, pelo menos a morte daquela serpente, a vingança, eu fazia questão de realizar.

         O monstro endireitou o barco o empurrando para a esquerda, me levantei e pude observar melhor a fera. A parte que estava visível acima do mar devia ter uns cinco metros, era da altura dos mastros podres do navio. O corpo todo escamado em um verde azulado escuro e espinhos em suas costas, sua cabeça era do mesmo jeito com dois enormes olhos cinzentos um de cada lado da cabeça. Tinha pequenas narinas (que deviam ser quase do meu tamanho, mas em relação ao monstro eram pequenas), uma enorme boca com uns cento e poucos dentes brilhantes e uma língua de um metro e meio para fora. A parte da frente da fera era branca e na lateral havia umas vinte guelras abrindo e fechando de cinco em cinco segundos.

         Todos correram para a parte de baixo do navio, Aron na frente. Ele entrou correndo e fechou a porta, não deixou ninguém entrar para fugir. Muito corajoso da parte dele se trancar em um lugar mais ou menos seguro. Estávamos sem saída, água cercava todo o perimeto, tínhamos apenas espadas e escudos que contra aquelas feras gigantes não eram muita coisa... sim, feras gigantes, apareceram mais duas nos cantos do barco.

         Todos entraram em pânico, começaram a correr e gritar por todo o navio. Minha vontade era de fazer o mesmo, mas dentro de mim eu sabia que era matar ou morrer. Corri para trás de uma das placas de ferro, achei que tinha tido a ideia brilhante mas já tinha três pessoas lá. Selina, Pedro e Bruno estavam encolhidos embaixo das armaduras apertando as armas e conversando rapidamente.

         – Escuta, – Bruno disse – temos que ir rápido, atacar no corpo. Estudei em uma escola na Europa, estudei sobre isso, não isso exatamente, mas sobre cobras.

         – Bruno, não é a mesma coisa. – Selina dizia exasperada – As escolas podem te ensinar coisas, mas isso aqui é real, r-e-a-l, as escamas não são tão fáceis de acertar.

         – Eu só sei que não temos tempo para testar – eu disse, e só aí que eles me viram – Acho que temos que atingir na cabeça, tipo, na cabeça é sempre certo de que machuque, não é?

         – Sim – Selina respondeu virando para mim – é isto que estou tentando dizer.

         – Mas como vamos acertar a cabeça dessa coisa? – Pedro indagou – Não temos tempo para...

         Uma sombra se formou acima de nós, olhamos juntos para o alto e a serpente maior, a que havia engolido o menino minutos antes, ela estava pronta para dar o bote e só tivemos tempo para saltar para o lado antes que ela abocanhasse onde estávamos em poucos segundos.

         Como eu já esperava, a cobra me perseguiu. Ela tentou abocanhar onde eu estava mas pulei para o lado e levantei a tempo de golpea-la no pescoço o que pareceu não surtir efeito. Meu golpe sequer fez um arranhão nas duras escamas da serpente. Corri para o mastro da ponta do convés, de lá podia enxergar a devastação. As três serpentes causavam o caos, jovens gritando e correndo, alguns usavam escudos na intenção de se defender de algumas mordidas, outros estavam escondidos atrás das placas enormes de metal que sustentavam os mastros.

         Enquanto as serpentes estavam ocupadas com meus amigos eu tive uma ideia. No alto do mastro, para segurar a bandeira, havia uma ponta grande de metal onde a bandeira estava amarrada para não correr o risco de a madeira apodrecer e tudo cair por completo. A ideia era louca e arriscada, mas era a única que eu tinha, e eu precisava de meus amigos para isso. Conto com a ajuda de Poseidon para derrota-lo, dissera o traidor em meu sonho, era um deles com certeza, mas no momento eu tinha problemas maiores.

         Saltei do mastro e saí correndo em direção a eles gritando as ordens.

         – Quando eu der o sinal, eu quero que empurrem as placas de metal.

         Eu demorei demais para falar, a serpente me achou. Ela tentou me abocanhar algumas vezes mas eu consegui desviar até ela me dar uma cabeçada. Levantei com dificuldade, a fera me fitou com seus olhos acinzentados e depois sibilou com sua língua de um metro e meio e esse foi o seu erro, mais rápido do que ela desferi um golpe com Omega em sua língua e arranquei uma boa parte dela fora.

         Aquilo foi sem duvida muito nojento e só serviu para deixar o monstro mais zangado. Sei que não estava em condições de ficar fazendo piadinhas, mas era mais forte que eu.

         – Está vendo tio? – eu disse mentalmente – O senhor fala demais para o meu gosto.

         O mar começou a se agitar com mais força e cambalear o barco de um lado para o outro sem parar. Ele devia estar se esforçando para isso, afinal ele ainda havia seus poderes, mas era pouco, porque a maioria ainda estava preso no cristal. Então por mais que eu corresse perigo com o mar, não era tanto quanto se ele tivesse os poderes completos.

         A cobra sibilou (o que foi estranho já que ela estava sem mais da metade da língua), seus olhos expressavam a raiva que sentia. Ela abocanhou as madeiras próximas a mim e coloquei meu plano em ação.

         Corri o mais rápido que pude em direção ao mastro do convés e comecei a escala-lo. Sei que devia ter ficado com medo, a madeira estava em condições precárias, mas a altura me revigorava, me deixava melhor e mais forte. Estava quase no topo do mastro quando a sibilante me achou. Ela veio na minha direção me perseguindo, mas eu já sabia e já esperava e contava com isso para o plano dar certo.

         Ela veio me atacar mas eu pulei para a parte de cima do mastro ficando completamente na ponta (a ponta na verdade era um tipo de lança, mas estava na ponta da parte de madeira que dava seguimento ao outro, como uma tabua colocada pala passagem). A serpente me olhou e sem titubear veio me atacar, pulei para o lado naquela tabua de passagem e me equilibrei transformando alfa em um relógio novamente, afinal estava no alto, o que eu não precisava era de mais peso.

         A cobra mordeu parte da madeira do mastro que, para minha surpresa, não se desfez ou desmoronou. Outra fera surgiu na minha frente abocanhando a madeira em frente a minha, mas por sorte ainda estava perto do mastro do convés e consegui pular de volta. A cobra sem língua havia saído dali, mas a outra ainda me perseguia.

         Ela se afastou e se preparou para dar o bote. Arreganhou a boca com mais de cem dentes e a língua de um metro meio e ainda cuspiu em mim.

         – Agora! – gritei sobre o barulho da tempestade aos meus amigos, pulando do mastro.

         Caí e machuquei o braço na madeira molhada, mas pude ver a serpente cair. Pedro e Bruno deram encontroes fortes e precisos na placa de metal que se arrastou pela madeira molhada até a beira desestabilizando o mastro e o fazendo cair. Por sorte o plano deu certo, o mastro começou a tombar tão rápido na direção da serpente que ainda dava o bote no nada e a lança gigante cravou em sua boca de baixo para cima imobilizando o monstro completamente.

         Ela tentou se livrar da lança lançando um urro de dor mas logo depois se desmanchou em fumaça e o mastro tombou completamente na água. A ideia tinha funcionado perfeitamente, Selina me olhou impressionada com aquela cara de como não pensei nisso antes?.

         Mas ainda havia um problema. Só havia mais um mastro, porem duas serpentes e minha fase de ideias brilhantes havia passado, então procurei alguém que talvez soubesse de alguma coisa do tipo.

         – Ei, como vamos matar as duas? – perguntei a Selina que se escondia atrás de uma placa de metal

         – O único ponto fraco delas parece ser na boca ou na cabeça. Uma delas nós vamos ter que matar na mão, se é que você me entende.

         Assenti, íamos ter que matar uma delas no mano a mano, sem a ajuda das pilastras gigantes.

         – E o cristal – perguntei –, se conseguimos acha-lo, fica mais fácil de derrotar a terceira.

         – Oh céus Erick, o que deu em você hoje?!

         – O que?

         – É brilhante, temos que encontrar antes de... abaixa!

         Me abaixei bem na hora que o bicho se lançou de boca aberta na altura de nossas cabeças. Corremos cada um para um lado, não vi mais os outros, talvez tivessem arrombado a porta, ou ido ao outro lado pelas tabuas lá em cima, só sei que não estavam lá. Apenas eu, Selina, Pedro, Bruno e mais uma menina que eu não reconheci.

         Tinha um novo plano: achar o cristal que estava, provavelmente, com uma das cobras e destruir a outra com os poderes marinhos. Comecei a analisar as cobras enquanto elas abocanhavam a esmo o navio inteiro que começava a querer afundar. O rosto do deus dos mares reapareceu em uma onda, gargalhando com sua voz má em minha mente.

         – O que me diz agora, príncipe? – ele disse a ultima palavra com desdém – Vai cair em meus domínios. – ele gargalhou novamente – Como vai querer morrer? Me enfrentando? Porque seria ótimo acabar com você em uma batalha!

         – Não – disse mentalmente –, minha mãe me ensinou a não bater nos mais velhos.

         O mar embraveceu de novo, mas eu não estava nem aí, tinha problemas maiores como derrotar duas serpentes marinhas e manter o barco sobre a água. Corri ao mastro que havia sobrado e comecei a escala-lo, o que não foi fácil com a serpente sem língua me perseguindo. Algumas vezes ela largou do meu pé e foi atrás de Pedro que disparava flechas de sua aljava encostado na placa de metal, esperando o sinal. Bruno estava com ele, mas só observava as duas lutas.

         Selina estava contra a outra fera, corria, se abaixava e na maioria das vezes analisava o monstro quando tinha tempo. Voltei a atenção para minha luta, estava perto da ponta e notei que ainda havia parte da tabua de ligação (o resto havia caído com a outro mastro), mas nada me ocorreu alem do natural.

         O que acabou com o meu plano foi a serpente ser mais esperta do que eu esperava, enquanto eu me preocupava com o cristal e o procurava ela arrancou a ponta de metal do mastro e a jogou na água acabando com as minhas esperanças. Pude ouvir a risada de Poseidon nas águas novamente, mas se ele achou que eu ia desistir ou morrer, ele estava muito enganado.


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