Lágrimas Do Tridente escrita por Icaro Pratti


Capítulo 4
Capítulo 4 - Revelações


Notas iniciais do capítulo

Ai gente, muito obrigado... são DEZ leitores, estou muito feliz com todos vocês acompanhando minha história, não esperava isso :'D. Isso é sério! OBRIGADO MESMO. Esse capítulo vou desejar para todos meus leitores, sendo fantasminhas ou não.. importa que vocês estejam acompanhando! Espero que gostem... tinha que criar uma perspectiva dos jogos logo nesse capítulo. Boa leitura!



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Volto meu olhar para ela, consigo me esforçar e mantê-lo ali, fixo apesar de toda dificuldade que percorre minha pele. Confiança, desejo e acima de tudo obrigação, são os sentimentos que martelam em meus pensamentos a cada segundo. Estou com os pés firmes no chão, estou pronto para lutar mais essa vez e mais quantas vezes forem necessárias para salvá-la. Nesta edição sou um tributo amordaçado do lado de fora da arena. Estão usando-a como bestante, os brinquedos terríveis da capital, a missão dela, no entanto, é atingir apenas um tributo. O objetivo deles foi conseguido, mas não deixarei que tudo acabe dessa maneira, vou mostrar que sou forte. Vou lutar.


Maggs continua a contar sua vida, como faz todos os anos. Contar aos outros como foram seus jogos é algo que ela não repreende mais apesar de ter guardado muitos anos para si. Houve um momento em que passar aos novos tributos foi essencial. Eles sentiam em sua pele as emoções da fala dela, e lembrar-me disso causa um arrepio que chega a incomodar enquanto estou sentado com os olhos fixos no chão.

“Tudo estava escuro, 24 horas de escuridão, foram assim os meus jogos. As plataformas ajustadas em forma de círculo, a cornucópia do meio de todos e uma arena completamente escura. Era uma escolha, fugir e ficar sem enxergar completamente nada, ou simplesmente buscar na bancada que havia destaque, uns óculos para cada tributo. Correr e arriscar sua vida na floresta densa ou optar pelo banho de sangue. As ordens dos meus mentores eram claras: corra do banho de sangue. Eu era fraca, minha única expectativa é que houvesse um lago e trepadeiras, trabalhei com rede toda a minha vida. Antes mesmo do tempo de sessenta segundos transcorrerem, um tributo caiu de sua plataforma e a explosão foi intensa, dois tiros de canhões puderam ser ouvidos.”

Ela interrompe sua fala até então, uma lágrima escorre pelo seu rosto e posso vê-la fragilizada. Seu melhor amigo, ao qual também estava na arena foi um dos que morreu com o erro de um tributo de outro distrito. Minhas mãos prendem a poltrona com força, não percebo que estou fazendo isso até meus dedos começarem a doer. Lembranças dos meus jogos, o menino fragilizado que se salvou pelo maior patrocínio de toda a história dos jogos, um tridente. Uma arma lhe foi entregue em mãos e não teve dó alguma de matar, carreiristas, espertos, ele tinha que sair dali para encontrar sua vida. Esse era eu, um menino de catorze anos pronto para o abate da capital. Volto meus olhos para Maggs, ela leva a mão até a lágrima, enxuga-a com as costas da mão e continua a contar.

“Fui lançada fora da minha plataforma, era longe o suficiente para minha mina não explodir. Sentia dor, uma enorme pontada na minha costela. Havia caído de lado no chão. Corri para o banho de sangue, peguei meu par de óculos e uma bolsa na extremidade. Corri bastante. Eu era pequena, mas não invisível. Corri para a floresta e me mantive escondida boa parte dos jogos. Redes foram essenciais para a minha vitória. Fui uma das únicas vencedoras que não matei ninguém para vencer os jogos, simplesmente não conseguiria fazer isso, ia além de qualquer moral que havia aprendido. Deixava os tributos nas redes, outros matariam. Fui esperta, não sujei minhas mãos, mas a dor que passou pelo meu corpo vendo aquelas famílias desoladas me assombra até os dias de hoje. Podia ter sido corajosa, não fui. Fui esperta, não me honro pelo que fiz e não queiram que sintam o mesmo. Quero que sejam fortes, lutem, façam o que puder para sobreviver. Aprendam a lutar, eles não terão dó de vocês e vocês não podem temê-los. Dei sorte, os bestantes da capital estavam ao meu favor. Isso não é uma causa eventual todos os anos.”

Ela interrompe sua fala e volta os olhos à Annie e ao outro garoto. Annie está com os olhos cheios de lágrimas e o menino analisa um copo de vidro que pegou ao lado da mesa que fica no canto da janela. Não havia percebido seus movimentos e ele faz uma cara estranha tentando processar as palavras de Maggs.

– Sabia que não prestava para nada sua velha. Pensei que tinha mais atitude, pensei que fosse alguém – diz ele olhando nos olhos de Maggs.

Perco os sentidos, voo com meu braço machucado e o outro e prendo seu pescoço em meio aos meus dedos, um pescoço tão pequeno que dá para torcer com facilidade. Meus olhos afundados em ódio encontram os seus e vejo que ele não estava com qualquer que sejam as chamadas de boas intenções. Estou com raiva e não irei soltá-lo. Ele começa a socar meu braço forçando para que o solte, mas a sensação que passa pelo meu corpo é mais forte e meus dedos não se soltam. Annie começa a me puxar. Sinto seu cheiro, suas mãos.

– Finnick, pare! – ela grita.

Solto as mãos do pescoço do garoto e me afasto assustado, Annie me empurra e começa a bater no meu peito com os olhos ainda cheios de lágrimas. Maggs foi até o menino ver se eu havia lhe causado qualquer ferimento. Lanço meus olhos a ele e posso ver as marcas vermelhas dos meus dedos, todos eles, marcados no menino que tem uma cor tão pálida na face e procurando qualquer vestígio de ar para entrar em seus pulmões.

– Ele errou, mas não faça mais isso – diz Annie.

Sei que errei, desde que saí da arena Maggs tornou-se uma mãe para mim, não suporto qualquer tipo de afronta que tentem causar a ela e este menino passou dos limites. Ele não estava em meus planos, ele é uma ameaça para Annie e tenho que ver uma forma de tirá-lo do caminho dela. Se aqui, com dois, já temos um problema, ainda faltam vinte e dois tributos para analisar. Não será um ano fácil, já é possível prever. Qualquer pensamento dos jogos ou arena é deixado em uma parte remota da minha cabeça quando Annie me abraça forte, encostando seu ouvido em meu peito. Fica ali, durante muito tempo. Envolvo-a entre meus braços, ficamos paralisados por um tempo. Cada vez que acaricio seu cabelo, um cheiro doce e inconfundível invade meus olhos e faz minha cabeça girar. Realmente não tem como afastar-me dela.

Maggs senta-se na mesa com o menino ao seu lado de costas para o vidro que vai do chão até o teto do trem. Sento-me ao lado de Annie, de frente para a mesa. Este ano a cabine e boa parte do trem foram reformadas, uma cor azul permanece por boa parte das paredes internas, têm muito mais janelas de vidro e pode-se ver muito mais lá de fora. Quando estivermos chegando próximo à capital, logo cedo, temos que estar prontos, pois cada janela é uma forma das câmeras de Panem nos encontrar, temos que estar preparados. Começamos a comer vários tipos de pães e geleias. Percebo Annie degustar uma fruta, nunca liguei muito para frutas já que não é uma coisa constante que podemos ter acesso no Distrito 4. É uma fruta vermelha, bonita e pequena.

Ela leva uma até a boca e morde. Um líquido vermelho escorre pelo canto da sua boca e seus olhos encontram com os meus. Sinto meu sangue pulsar e minhas bochechas ficarem vermelhas. Aqui não, jamais. Ela ri enquanto tira a fruta de perto dos lábios e limpa com a parte de trás da mão onde estava sujo. Volto minha atenção para o pão com geleia e tento tirar Annie da minha cabeça, sem sucesso. O primeiro momento agradável entre nós quatro é quando começamos a conversar na mesa. O menino identificou-se como Declan, filho dos importantes donos das peixarias da cidade. O nome me era comum, por um momento encontro seus olhos, sua mão e depois a cicatriz que está em seu queixo.

“Olhem gente, o menino que fede a peixe”, várias risadas ecoavam ao som da piada do garoto gordo que falara. A peixaria estava entreaberta, segurei o balde com a pescaria do dia e pedi licença para poder passar e vender o que tinha adquirido. Uma barriga me empurrara para trás e o peixe caíra no chão sobre a terra e a parte de cimento que ficava na entrada. Eles zombavam, riam da minha cara, da minha situação. Era mais velho que o garoto, mas seu tamanho era duas vezes maior que o meu. Suas banhas sobressaltavam seus braços, sua barriga, seu queixo. Sem sol, sem amigos, era um dia comum a não ser pela presença do menino ali. O inconveniente de sempre. Ele avança sobre mim empurrando com a barriga e falando apelidos para me desmoralizar. Dessa vez não vou deixar baixo. Avanço sobre suas costas e um murro acerta meu rosto, tento descontar, mas sou muito mais fraco. Ele me joga no chão e levanto o mais rápido que posso. Quando vem correndo em minha direção, dou um empurrão e ele cai com tudo no chão, derrapando seu queixo no cimento em frente à loja de seu pai.

– Finnick, está aí? – Maggs me chama.

Volto meus olhares para a sala e principalmente aos olhos do garoto. Ele sabe o rancor que guardei dele. Seus sentimentos em relação a mim devem permanecer e espero que assim seja, será muito mais fácil matá-lo desse jeito. As banhas se transformaram em músculos e a cara fechada desde que chegou aqui, ele sabe que não me terá ao seu lado e ele está certo, aqui tenho minhas prioridades.
Annie começa a contar toda a sua história. Olho para ela e faço um não com a cabeça. Espero que ela tenha entendido a dica e não se mostre vulnerável, jamais mostrar ao seu oponente suas fragilidades. Suas histórias possuem grandes lacunas que são preenchidas apenas em meus pensamentos, acredito que nos pensamentos dela também. Ela se lembra de vários detalhes, vários já haviam sido esquecidos por mim. Sua identidade com o mar a partir dos catorze anos e a família que tanto ama, sem exceção qualquer.

A conversa flui com algumas diferenças e rivalidades encontradas pelos meus olhares e cortes aplicados sobre Declan. Sou seu mentor, minha autoridade está acima de qualquer atitude que ele venha a ter sobre mim e acho bom ele respeitar essa diferença de níveis. Mesmo eu sendo tão próximo de sua idade, enfrentei maiores desafios que ele ainda mais novo. Com Maggs em minha companhia formamos uma boa dupla de mentores, suas ideias astutas de uma mulher experiente são mais esclarecidas por um menino mais jovem, com ideias e identidades próximas aos dos tributos. Os últimos anos mostraram que isso tem valido a pena: nenhum vencedor para nosso distrito, mas uma ligação forte entre nós que aumenta a cada ano.

Podemos ver que já é tarde, então todos procuram seu vagão, é hora de tomar banho e dormir. Dirijo ao meu vagão, me despeço de Annie e dou um aperto de mão em Declan. Tenho que mostrar algo de superioridade em relação a ele.

– Não me esqueci de nada – digo para que apenas ele possa ouvir.

Annie passa perto de mim, um arrepio percorre todo o meu corpo e percebo um coração acelerado pulsando em meu peito. Queria poder saber o porquê de nos ligarmos tanto a uma pessoa, elas passam a ser tão necessárias quanto respirar, passam a ser uma forma de nos manter firmes ao chão. Vejo-a dirigir-se a uma porta à direita e o rapaz na porta em frente. Viro para Maggs e ela já sabe que precisamos conversar.

Vou até meu cômodo e vejo que nada mudou, a não ser a nova cor. Antes um verde em sua maioria; agora, posso ver grande parte das coisas em um azul escuro e branco. Estava impecável, como todos os trabalhos da capital. Sento na beirada da cama e Maggs senta numa poltrona de frente para mim.

– Precisamos salvá-la, Maggs – digo praticamente com um sussurro.

Alguns momentos são capazes de fazer esquecer que ela é mais um tributo que vai se preparar para entrar na arena. Lembrar-me disso traz um sentimento ruim e pela segunda vez em um dia, a dor se esvai do meu peito e com ela não há o porquê de ter vergonha. Me desdobro sobre suas pernas em lágrimas e apenas sinto sua mão acariciando meu cabelo e minha nuca, sinto-me confortável e não quero levantar o rosto, agora não, preciso retirar toda a dor que perfura o meu peito.

– É tudo culpa minha, Maggs – digo entre soluços.

– Não diga isso Finn, você não tem culpa de nada. Se acalme – sussurra em meu ouvido ainda acariciando meu cabelo

Sua fala é doce e tem a intenção de me acalmar, e assim consegue após alguns segundos. Sei que com ela posso contar e ela vai estar junto comigo. Ela vai me ajudar a tirar Annie da arena, ela vai trazê-la de volta aos meus braços. Ela para de acariciar meus cabelos e se levanta.

– Estou tentando pensar no que vamos fazer, temos um oponente forte logo do mesmo distrito.

Amanhã vamos assistir a todas as cerimônias e tentar analisar os oponentes próximos. Quero você ao meu lado em todos os momentos, você sabe o quanto será essencial – diz saindo do quarto.

Fico com as mãos no queixo ainda olhando para o vazio da porta. Sabia desde o começo que teria a ajuda dela. Precisamos começar a pensar o que vamos fazer, devemos explorar os pontos fortes e fracos de Annie, torná-la uma campeã. Tiro minha roupa e vou até o chuveiro, tomo um banho demorado, pensativo. Meus pensamentos voam de Annie para a arena e como ela pode fugir dos que querem matá-la. Não a vejo com nenhuma arma na mão, nem conseguindo atacar qualquer pessoa que seja. Saio do banho e deslizo para de baixo do cobertor apenas com uma roupa de baixo.

Declan se posiciona de frente para mim, ele começa a gritar palavras ofensivas, gritando sobre Annie, sobre Maggs e, principalmente, falando para toda Panem que Annie é apegada ao famoso garoto do tridente do Distrito 4. Posso ouvir gritos das meninas, a plateia vibra e ao mesmo tempo algumas mulheres choram. Posso ver o ódio percorrer seus olhos, pretos e vagos, como se fossem olhos mortos, uma pessoa morta. Um objeto gelado encontra-se nela e um tridente está posicionado entre meus dedos. Ele volta a gritar sobre Annie, chamando-a de indefesa, burra e outras coisas que não consigo entender. Lanço o tridente em sua direção. Os movimentos são rápidos, ele se abaixa e o tridente acerta Annie na altura do peito, seu sangue atinge meu rosto.

Acordo num susto, minha cabeça dói e estou com suor por todo o meu corpo. “Foi só um sonho, apenas um sonho”, tento manter fixo esse pensamento em minha cabeça. Ela dói como nunca doeu antes. O sentimento de matar Annie com minhas próprias mãos, isso é o que está acontecendo agora. Passo a mão no resto de cama ao meu lado e vejo o quão está fria e vaga. Preciso dela ao meu lado, temos que valer a pena os últimos dias da minha vida, não os da dela.

Levanto e caminho até a porta, desligo todos os aparelhos do cômodo. Caminho pelo cômodo e consigo identificar a porta do quarto de Annie. Hesito antes de bater na porta, mas dou três toques na parte do meio suavemente. Levo a mão até a fechadura e abro silenciosamente, ela está quieta e faço o maior esforço para fechar a porta sem fazer qualquer barulho.

– O que pensa que está fazendo? – ela diz, interrompendo-me de fechar a porta.

– Não consigo dormir, pensei que te ver dormir me deixaria melhor – consigo dizer envergonhado.

– Não estou acostumada a ficar com outro homem em meu quarto, Finnick – ela diz olhando nos meus olhos.

– Não pode confiar no seu mentor, senhorita Annie Cresta? – pergunto, rindo.

Termino de fechar a porta e caminho até a beirada da cama, ela se senta ainda envolta do cobertor e se aproxima um pouco de mim. Ela ri e depois puxa meu pescoço e encosta seus lábios nos meus tão rápido que mal pude prever tal ação. Apenas continuo a beijá-la como sempre foi nesses últimos anos. É incrível sua capacidade de fazer meu mundo virar de ponta cabeça e de fazer voltá-lo ao normal, deixar todos os pensamentos ruins de lado. Ela começa a rir e depois se afasta.

– Boa noite, Finnick – susurra toda encolhida em baixo do cobertor virando de costas para mim no canto da cama.

Começo a rir de mim, sem mesmo perceber o que estou fazendo durante um tempo. Fico paralisado admirando seu corpo subir e descer, ouvindo o barulho de sua respiração e alguns barulhos que ela faz ao tentar pegar no sono. Seu cabelo todo jogado sobre seu rosto, seu cheiro inconfundível invadindo meu nariz e tomando conta das minhas emoções. Como amo essa garota. Deito ao seu lado fora do cobertor e sei que ali é o lugar onde devo estar. Este é o lugar vago da cama que tem que ser preenchido por mim, ou por ela.

“Te amo” – sussurro em seu ouvido enquanto vejo toda sua pele se arrepiar.

Seu corpo parece querer responder, mesmo enquanto dorme. Um sorriso doce e leve ajeita-se em seus lábios e sei que isso significa “Eu também”.


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Notas finais do capítulo

Gente, me perguntaram o porquê de usar "MaGgs" com duas letras "G", a explicação é a seguinte: eu sei que Mags é com um único G, mas eu acho tão lindo com dois que não posso suportar escrever só com um, espero que isso não influencie a leitura de vocês.. se influenciar ME AVISEM, pls.
Espero que tenham gostado... o próximo chega logo logo, não vou dar uma prévia de data pois nem comecei a escrever ainda