Dilema Platônico escrita por Metal_Will


Capítulo 44
Capítulo 44 - Egoísmo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/35573/chapter/44


    Durante a semana, Miguel e Danieli tiveram mais dois dias de ensaio. Por alguma razão, o rapaz estava conseguindo se desligar do mundo exterior e se concentrar apenas no personagem. Tudo bem, enquanto estava ali, apenas duas pessoas ensaiando, poderia ser tranquilo. Mas e depois? Mesmo nas aulas ele teria que se apresentar para mais pessoas, o que seria bem mais complicado. Será que ele estava pronto para isso?
    - Muito bem! - elogia Dani, no último dia de ensaio daquela semana - Agora você já está bem mais destravado. Se fizer isso no dia da peça vai se sair muito bem mesmo
    - Valeu - diz ele, meio encabulado - Decorar as falas ajudou, mas...ensaiar com você ajudou ainda mais! - continua o rapaz, mostrando já uma maior liberdade em conversar com a mocinha.
    - Imagina - ela diz com um sorriso - Quando você aceitou o personagem principal, imaginei que teria dificuldade...você parece ser bem tímido. Mas, pelo que eu tô vendo, você conseguiu superar bem isso
    - Então...sobre isso...
    - Hmm?
    - Eu acho que me acostumei a ensaiar aqui e por isso saiu mais natural. Mas, sei lá...e nos ensaios das aulas? Quando todo o pessoal já estiver com os papeis prontos? Será que eu vou conseguir fazer do mesmo jeito?
    Ela sorri e responde
    - É claro que vai. Você só precisa fazer a mesma coisa que fez até agora
    - Mas não vai ser igual, vai...
    - Sempre é igual, Miguel. Só muda a quantidade de pessoas que estão te assistindo. Se você consegue fazer para uma pessoa, consegue fazer para várias, não consegue?
    - Difícil.
    - Lembra do que eu disse sobre se esquecer de você mesmo? Aqui vale a mesma coisa. Esqueça quem está te assistindo. Não é como uma palestra ou um seminário onde as pessoas podem te perguntar. Você é um personagem totalmente alheio ao universo exterior, alguém que não tem nenhuma consciência de que está sendo observado. Por isso, vale a pena tentar se esquecer de tudo lá fora enquanto estiver atuando.
    - Hmm...vou tentar..normalmente eu estou sempre viajando nas minhas próprias ideias...esquecer do mundo exterior não deve ser difícil.
    - Concentração. Essa é a palavra, Miguel - diz ela, dando um tapinha no ombro dele e se dirigindo ao banco onde havia deixado sua bolsa - Bem, sábado tem a aula de teatro de novo. Espero te ver lá.
    - Tudo bem. Até
    - Tchau
    Ela vai embora, deixando Miguel ali, com as mãos no bolso e pensando no que vai acontecer dali pra frente. A cada dia que passava junto de Danieli, se encantava cada vez mais com o jeito doce e gnetil dela. O que, psicologicamente, acarretava em uma devoção e insegurança cada vez maior. Como alguém como ela poderia gostar dele? Era fato que o sentimento platônico e idealizado do rapaz, somado a sua baixíssima auto-estima, não estava fazendo muito bem para ele. O que fazer em uma situação como essa? Bem, de uma forma ou de outra ele não poderia ficar ali parado para sempre (mesmo porque já havia algumas nuvens de chuva se formando). Enquanto voltava para casa, o rapaz avista, de longe, seu bom amigo Leandro e, estranho, ele estava sozinho hoje?
    - Leandro?
    - Fala, Miguelito. Tava ensaiando?
    - É. Tava
    - Só ensaiando?
    - Sim. Só ensaiando. E você? O que está fazendo aqui sozinho? Cadê a Sandra?
    - Ela tinha que fazer uma coisa na casa da tia dela hoje e depois passar no dentista
    - E você não quis ir junto?
    - Ela combinou de cuidar do priminho de dois anos dela...e, depois daquilo, ainda ter que entra num consultório de dentista..aff..ninguém merece!
    - Entendi.
    - Além disso, é bom dar uma volta para esparecer. Namoro grudento também não é lá muito bom
    - Achei que você gostasse
    - A gente tava parecendo um casal grudento?
    - Talvez um pouquinho...
    - Pô, cara, desculpa se eu não tenho falado muito com você ou com a Camila ultimamente, mas acho que começo de namoro é assim mesmo. A gente acaba passando mais tempo com a namorada mesmo...
    - Imagina. A gente ainda se fala bastante. E vocês estão sempre online também
    - Ela tá melhorando naquele jogo, não tá?
    - É. A Sandra leva jeito
    - Mas fala de você? Não aproveitou nada desses ensaios com a Dani?
    - Sim. Já estou me adaptando com as falas da peça
    - Legal, mas..não era bem disso que eu tava falando
    - Estava falando de?
    - Você sabe...você..a Dani...não conseguiu evoluir nada ainda?
    - Bem, acho que estou conseguindo conversar melhor com ela
    - Conversando?
    - É. Ela deu várias dicas sobre teatro
    - Miguel, Miguel...você sabe que aquilo que você quer não tem nada a ver com teatro!
    - É. Eu sei, mas...não consigo ver nenhuma brecha para dizer o que sinto..
    - Certeza? Sempre tem uma brecha! Claro que se o resultado vai ser ruim ou não, aí ninguém pode garantir e...
    - Aí é que está...eu...eu sei que o resultado vai ser negativo!
    - Por que? Ela te contou que está gostando de alguém?
    - Não
    - Então você ainda tem chance, não tem? Quer dizer, eu acho...bem, é que você sabe, o meu caso foi bem diferente do seu
    - No seu caso era ela que etava gostando de você, não é?
    - Pois é. Se ela que estivesse gostando de você seria bem mais fácil, né? É difícil mesmo, cara. E, pelo pouco que eu conversei com a Sandra sobre isso, a Dani realmente é muito desligada para esse tipo de coisa.
    - Provavelmente ela nem suspeita que eu sinta alguma coisa por ela
    - Talvez...mas, sei lá. Mulher tem uma intuição desgraçada...é bem capaz de ela já suspeitar de alguma coisa. Melhor. Ela pode ter te convidado para ensaiar justamente por estar querendo te dar uma oportunidade.
    - Não acho que seja isso. Ela parece realmente estar fazendo isso apenas por amizade
    - Amizade, é?
    - Aí é que tá. No momento, eu sou um amigo dela. Acabei criando um vínculo de amizade sem perceber. Falar o que eu sinto pode estragar tudo
    - Mas se você não falar nada vai mudar
    - Tudo bem - diz Miguel, meio que sem pensar
    - Como assim "tudo bem"? Você não quer ficar com ela?
    - Então...sobre isso...tem uma coisa me incomodando
    - O que?
    Ele morde um pouco os lábios, mas resolve se abrir com o amigo
    - Eu...eu acho que, no fundo, não quero me envolver assim com ela
    - Como assim? Você não gosta mais dela?
    - Não. Eu gosto
    - Ai, caramba...não tô entendendo mais droga nenhuma! Ou você gosta, ou você não gosta dela! Escolhe uma
    - Eu gosto dela, mas...não do jeito que você tá pensando
    - Como assim? Não tô entendendo mais nada mesmo...cê tá bem, Miguel?
    - Eu estou bem, quer dizer, eu não sei se estou ficando louco...já devo estar ficando louco...ou já devo ter ficado louco...mas, eu queria ficar perto dela sem me envolver diretamente, sacou? Pra mim...tendo ela por perto já é suficiente
    Leandro faz uma cara de estranhamento. Ele, realmente, não estava entendendo nada do que estava acontecendo
    - Espera aí, espera aí. Isso que você tá me falando não é nada normal
    - Claro que não! Mas...é o que eu tô sentindo...eu não me vejo namorando a Danieli, mas, ao mesmo tempo, quero ela perto de mim. É isso
    - Já sei o que está acontecendo...
    - Sabe?
    - Essa história de teatro já está te deixando meio doidinho. Você já tá confundindo a vida com a peça...vai pra casa, descansa, não lê mais nada dessa porcaria de peça até sábado. Você já não tá falando coisa com coisa
    - Heim? Não, mas é sério isso...
    - Pô, Miguel! Pega até mal pra você falar uma coisa dessas! Como assim...querer ficar perto, mas não querer se envolver. Postura, rapaz! Que história é essa?
    - Aaaahh! - diz o pobre e enamorado rapaz, colocando a mão no rosto - Não consigo explicar isso, cara! Nem eu entendo e...
    - Já falei. Vai pra casa e descansa. Tira essas ideias da cabeça. Sei lá, uma boa partida de video-game costuma ajudar!
    - É. O jogo semrpe ajuda e...não, espera! O que eu tô sentindo é sério mesmo, eu
    - Descansa, Miguelito. Tô indo nessa. Abraço
    - Falou
    Mas o que fazer? Era como tinha suspeitado. Mesmo que contasse o que estava sentindo, dificilmente alguém aceitaria a ideia tão facilmente. Bem, pelo menos Leandro não era uma das pessoas mais especializadas no assunto...e se falasse com a...?
    - Cê tá brincando comigo, né? - diz Camila após ouvir as palavras do primo sobre seu dilema platônico    
    "Ela também não engoliu?", pensa Miguel
    - Como assim, você quer ela do lado, mas ao mesmo tempo não quer namorar? Quando eu falei que não queria namorar, tinha um motivo sério para isso!     - Mas meu motivo também é sério! - argumenta Miguel - Eu gosto dela...mas não quero necessariamente ser namorado dela. Se ela me recusar eu  vou ficar mal e ainda perder a pouca amizade que tenho com ela. Se ela aceitar, eu posso descobrir que ela não é nada do que eu realmente penso! Eu...eu não quero passar por isso e..
    - Aí é que está: VOCÊ não quer passar por isso! No começo eu achava que você só tinha vergonha de falar com ela, depois eu achava que era insegurança, agora eu tô vendo que é egoísmo mesmo.
    - Egoísmo? Mas...   
    - Você não está disposto a sofrer uma desilusão ou assumir as responsabilidades de um namoro, logo você prefere ficar na tranquilidade da ilusão
    - Ei, não é nada tranquilo...mas é um sofrimento menor...
    - Menor? Você prefere ficar na dúvida do que a desilusão?
    - S-Sim - diz ele, gaguejando - Tudo bem. Pode me chamar de covarde! Mas é o que eu estou sentindo
    - Você é mesmo muito estranho. Acho que vou fazer minha tese de mestrado sobre você
    - Eu sei que é estranho, mas
    - Mas nada. Você não tem nenhum motivo para pensar assim a não ser egoísmo. Depois de tudo o que eu fiz para tentar aproximar vocês...você vem e me fala isso? Na boa, você não gosta dela de verdade
    - O que está dizendo? Eu...eu não consigo me ver longe dela!
    - Longe dela ou da imagem que você tem dela? Sim, porque se você gostasse mesmo da Dani, iria arriscar ficar com ela. Se fosse só timidez a gente dava um jeito. Mas isso já é doença sua mesmo
    - Doença? Talvez...
    - Não foi você que percebeu que o Toni gostava de mim? Se olhar para você mesmo, vai perceber que o sente pela Dani é tudo, menos amor
    Miguel fica chocado com as palavras da prima. Como assim? Todo esse tempo ele sempre quis ter Danieli a seu lado. Como assim não era amor?
    - Eu vou começar a fazer terapia para superar meu trauma...não quer fazer também?
    - Terapia? - diz Miguel com uma cara desanimada - Precisa chegar a tanto?
    - Bom, você é quem sabe. Mas eu já te dei todos os conselhos possíveis e imagináveis. Vai fazer o que agora?
    - Vou deixar as coisas como estão...enquanto for amigo dela, vou ficar bem
    - É?
    - É
    - Tá bom. Você é quem sabe - diz ela, fechando os livros e subindo para o quarto - Você foi bom para entender o meu problema, mas não consegue entender os seus próprios problemas...você sabe que está com problemas, não sabe?
    - É um problema. Mas não é um problema tão ruim...eu disse, vou ficar bem enquanto estiver perto dela...só isso já me deixa feliz
    - Tá. Você não quer fazer terapia mesmo?
    Miguel não fala nada
    - Tá bom, Miguel. Eu não vou falar mais nada...deixa eu subir e arrumar minhas coisas que meu quarto tá uma bagunça
    "É isso. Eu já sou feliz o suficiente tendo a amizade dela. Não preciso de mais nada. Vou deixar as coisas como estão!"
    Era o que ele pensava. E, aparentemente, Miguel parecia estar bem feliz naquela situação. No sábado, o professor Platão pediu que Miguel e Danieli fizessem uma interpretação do que tinham ensaiado até agora e o rapaz até consegue se virar bem. Todos aplaudem a performance dele.
    - Mandou bem, heim? - diz Toni, que aparentemente, tinha gostado mesmo das aulas.
    - Muito bem, seu Miguel - cumprimenta o professor - Ainda precisa se soltar mais um pouco, mas a gente vai ensaiar isso bem. Principalmente, agora que já temos os papeis de todo mundo
    - Eu vou ser o soldado? E um dos camponeses... - pergunta Leandro
    - Relaxa. Eu também vou ser soldado - diz Sandra - Acho que nessa peça o destaque é mais para o príncipe pensador mesmo
    Todos olham para Miguel, que, por sua vez, fica bem encabulado.
    - Gostei de pegar o papel do rei - diz Toni - E só tenho umas cinco falas
    - Você também vai ser um dos camponeses, não vai? - pergunta Camila - Que nem eu!
    - Tudo bem, pessoal. Deem uma olhada em suas falas que vamos começar a ensaiar para a peça. Não parece, mas temos pouco tempo
    Na verdade, os outros participantes seriam vários figurantes. Apenas Miguel e Danieli tinham um papel fixo. Ele olha para a ruivinha que corresponde com um sorriso. Vendo aquele sorriso tão doce, o que mais ele precisava? Sua vida estava boa daquele jeito. Pelo menos, era o que ele acreditava...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dilema Platônico" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.