Não demorou muito para os cinco jovens já se encontrarem sentados em uma mesa da cantina tomando suco. Danieli parecia contente, aliás, muito contente. Miguel observava carinhosamente a alegria da garota em meio a todos. Ao que parecia, eles haviam se tornado bons amigos, embora Miguel ainda não se considerasse completamente um amigo dela. Por outro lado, o rapaz estava feliz de estar mais próximo dela do que...uma semana atrás? Realmente, em uma semana muita coisa aconteceu. Muita coisa mesmo.
            - Então, Dani...conta mais...você disse que também vai atuar numa peça , né? - pergunta Camila tomando o suco no canudinho.
            - Sim. Daqui a uns dois meses. Espero que vocês possam assistir
            - Hmm..legal. Estaremos lá, né Miguel? - diz Camila, se dirigindo ao desligado primo
            - Hã? Sim, sim. Com certeza - diz ele, meio sem-jeito - Era uma peça sobre...uma órfã, não é?
            - É sim. Uma garota que perde os pais de repente. Não é nada muito, muito, elaborado, mas está ficando muito legal - responde a ruivinha
            - Você já participou de outras peças, Dani? - pergunta Leandro
            - Já participei de umas três peças...todas da minha escola antiga
            - Hmm..então também tinha aulas de teatro na sua outra escola? - comenta Camila - Mas se você gosta tanto de atuar podia ter continuado lá...a nossa escola não tem nem sombra disso
            - É que minha família mudou de casa e a outra escola ficaria muito longe. Não compensaria. Mas a Brilho da Estrela também é uma escola muito boa.
            - É sim. E você não ia conhecer a gente se ficasse por lá - diz Sandra, abraçando a amiga
            - Hahaha. É verdade
            - Entendo - comenta Camila - Mudar de casa é difícil mesmo...eu sei bem disso
            - É, né? Você teve mudou de cidade e depois voltou pra cá de novo. Você não para quieta mesmo! - comenta Sandra sorrindo
            - Hahaha. É verdade...mas...foi melhor eu ter voltado pra cá mesmo - diz a loirinha em um tom levemente depressivo, tomando mais um gole de suco.
            Miguel percebe a mudança rápida de expressão da prima. De fato, toda essa história de Camila vir morar com ele ainda não estava bem explicada. Por que ela veio assim, tão de repente? Só porque o pai dela mudou de emprego e não queria deixar a filha sozinha? Eles podiam simplesmente ter contratado outra empregada, afinal, a situação financeira da família de Camila não era nada ruim. Devia ter alguma coisa a mais nisso...que Camila não estava querendo contar. Miguel até cogitaria conversar isso com ela, mas ele não acreditava que poderia arrancar qualquer coisa dela.
            Outra preocupação era o Toni: realmente ele estava gostando de Camila. Só o fato de ter se sujeitado a continuar nessas aulas de teatro são uma prova de que o sentimento dele era especial. Mesmo entendendo isso, Miguel ainda não conseguia sequer imaginar o fato de ver Toni como namorado de Camila. Não era fácil esquecer que o jeito machão de Toni era do tipo que Miguel mais odiava. E mesmo assim...mesmo assim...Miguel ainda deu corda para Toni investir na prima. De certa forma ele sabia que se os sentimentos daquele monte de músculo pela sua linda priminha eram sinceros, então era a mesma coisa que ele estava passando por causa de Danieli. Apesar disso, o lado egoísta de Miguel o culpava por não ter feito nada para impedir a aproximação de Toni. "Mas...o que eu podia fazer para impedir? Tsc!", pensava o rapaz, "Não importa o que eu dissesse...se ele quer mesmo ficar com ela, vai tentar até conseguir...essa é a diferença entre nós dois...ele pode...eu não posso..."
             O garoto pensava nessas coisas enquanto a turma continuava a conversar dos mais diversos assuntos. Uma hora depois, eles se despedem.
             - Bem, vamos indo, né primo? A gente falou pra tia Marta que voltava pra almoçar - diz Camila, se levantando e se espreguiçando.
             - Ah, sim...é verdade. Estamos indo.
             - Uhun - diz Dani, terminando de tomar um segundo suco de melancia (seu preferido) - Eu também tenho que ir. Tá saindo também, Sandra?
             - Sim. Vamos nessa
             - Pena que a gente não viu o Toni, né? - comenta Dani - Queria saber o que ele achou da aula
             Miguel não gosta muito do comentário, mas, como de costume, fica em silêncio.
             O grupo todo se levanta. Danieli é a primeira a se separar. Depois disso, após os outros quatro andam mais alguns quarteirões, Sandra e Leandro vão para outro caminho. Novamente, só Camila e Miguel estavam caminhando juntos.
             - E aí? - pergunta Camila
             - E aí o que? - responde Miguel
             - O que você realmente achou dessa primeira aula?
             - Hmm....legal
             - Legal, é? Hmmm
             - Por quê?
             - Não, nada...só achei que...Miguel, você não precisa continuar na aula se não estiver gostando
             - Mas eu não disse que gostei?
             - Dizer disse...mas se você não se sente à vontade para fazer esse tipo de coisa, não precisa fazer. Foi só uma sugestão de atividade que eu te dei, só isso. Não precisa continuar se não quiser
             - Que é isso? É claro que eu vou continuar!
             - Sei...é por ela?
             - Por...ela?
             - Pela Dani. Você quer continuar na aula só para agradar a Dani?
             - Não, não é isso. Eu...acho que seria legal atuar na peça...afinal, o professor já está até pensando numa peça com todo mundo, não é?
             - É, é sim
             Realmente, Miguel não estava nessa apenas para agradar a Danieli. No fundo, ele sentia uma certa responsabilidade de ser parte de um grupo. Mesmo Miguel não era um insensível completo. Além disso, sair da peça agora seria ainda mais vergonhoso. Sim, ele iria continuar.
             - Talvez...esses exercícios ajudem mesmo a me soltar - diz o garoto - Quem sabe
             - Sim, sim. Por enquanto acho que vamos focar mais nesses tipos de exercício mesmo, né?
             - É
             Os dois andam mais um pouco. Camila parecia estar mais quieta do que de costume. Estaria ela pensando em alguma coisa? Quem sabe...
             - O que foi, Camila? Hoje é você que está pensativa...
             - É? Não...estava pensando numa coisinha aqui
             - O que?
             - O Toni ter aparecido naquela aula...é muito esquisito. Não tem muito a ver com ele
             Miguel engole seco. Eles iam mesmo falar do Toni?
             - Bem, até aí...não tem muito a ver comigo também...- argumenta Miguel
             - Ah, você e o Leandro foram porque a gente chamou...mas o Toni...resolver aparecer assim do nada...estranho, né?
             - Você acha?
             - Acho. Apesar de...apesar de que eu já suspeito o porque disso...
             - É? - pergunta Miguel com uma certe tensão
             Camila dirige seus lindos olhos azuis para Miguel e diz de forma bastante natural.
             - O Toni...está gostando de mim
             Miguel não fala nada. Então ela sabia. Ou melhor, Miguel já tinha comentado com ela sobre o Toni querer alguma coisa com ela, mas Camila falou em um tom diferente, mais doce e terno do que de costume.
             - O-O que disse? - pergunta Miguel, com um olhar bem cabreiro.
             - Isso...tenho certeza que ele é a fim de mim. Pelo jeito que ele está me olhando ultimamente...só pode
             - Mas...você disse que não rolava nada entre vocês até outro dia, não disse? Como você vem com essa conversa agora?
             - E realmente, não rola nada
             - Mas..se você já sabe, pode dar uma resposta para ele, não pode?
             Camila põe as mãos para trás e suspira. Ela segue andando na frente de Miguel, enquanto continua falando.   
                     - Até poderia...mas não acho que seria legal para ele
             - Como assim?
             - Suponha (eu disse suponha) que a Danieli descubra de alguma forma que você gosta dela, mas ela não sente a mesma coisa. Você gostaria que ela viesse do nada em você e te desse um fora?
              - Claro que não   
                      - É a mesma coisa...se ele vier falar comigo sobre isso eu dou um jeito
              - Quer dizer que você não gosta dele?
              - Gostar eu gosto, como amigo. Sei lá...é um cara que acabei de conhecer...e não estou a fim de me envolver emocionalmente com ninguém ultimamente.
              - Emocionalmente..
              - Emocionalmente. Pelo olhar do Toni, ele não quer só ficar. Não mesmo.
              Miguel fica calado por uns instantes. Então realmente ela percebeu as intenções de Toni assim, de cara. Será que ela tinha um sexto sentido tão forte assim? Será que todas as mulheres são assim? Então...será que a Danieli também sabia o que ele estava sentindo? Será?
              - O que foi? Agora é você que ficou calado
              - É que...achei incrível como você conseguiu entender isso rápido...você pega bem as características da pessoa...ou será que é só sexto sentido mesmo?
              - Hahaha. Sexto sentido é ótimo. Não. Eu só percebi pelo olhar dele...eu não descobri que você gostava da Dani só pelo jeito que olhava pra ela?
              Miguel fica corado. Ele lembrava disso bem.
              - Então...será que a Dani já suspeita que eu gosto dela
              - Duvido - diz Camila enquanto andava - Ela pode ser boa atriz e tal...mas como a Sandra disse, ela é bem distraída. E pelo que eu percebi, o jeito dela, como ela fala e como ela sorri...é tão inocente. Se me perguntar, eu diria que ela nunca namorou ninguém
              - Você acha mesmo? Com certeza ela já deve ter tido algum pretendente
              - Se teve talvez tenha dado um fora
              Miguel levanta as sobrancelhas
              - Ops. Calma. Não quis te assustar. Ela parece ser do tipo que espera a pessoa certa
              - Com certeza essa pessoa não sou eu... - balbucia o rapaz
              - Ai..esse papo de novo. Vou te largar aí sozinho!
              - Desculpa. Mas realmente não consigo ter um pingo de esperança.
              - Mas também não quer arriscar levar um fora, não é?
              - O fora seria ainda pior! Não, não, nem pensar...
              - Eu já perdi a conta de quantas vezes conversei isso com você...e é sempre a mesma coisa. Já estou ficando enjoada!
               Miguel percebe que estava colocando o foco nele mesmo outra vez. Não queria chatear a prima, então prefere parar as lamentações por ali
              - Desculpa, tá? Chega de falar de mim então. Mas você disse que não namoraria o Toni porque não quer se envolver emocionalmente com ninguém? É isso?
              Camila demora um pouco, mas responde
              - É. Não estou a fim de me envolver com ninguém agora
              - Sério? Isso é estranho...não tem nada que te impeça, tem? Quer dizer...você é bem popular e tal. Namorar deve ser a coisa mais fácil pra você!
              Camila faz uma expressão mais séria
              - Namorar é fácil? Acho que você está confundindo as coisas...beijar na boca, abraçar, dar uns amassos...isso é fácil. O problema é que namoro não é só isso...não mesmo...
               Miguel se lembra da primeira conversa que teve com Paula. Ela havia dito algumas palavras parecidas com aquelas. Além disso, o rapaz também percebe o tom cada vez mais sério na fala de Camila. Sem dúvida ela tinha passado por alguma coisa. O que poderia ser?
               - Camila...me diz uma coisa... - diz Miguel, tentando ser o mais delicado possível - Você já teve algum problema com um namorado, não teve?
               Ela muda o olhar de tristeza para admiração. No fundo, Miguel também conseguia reparar bem os sentimentos das pessoas. Mas logo sua face volta a ter um semblante mais triste
                - É...eu vivi uns bons anos no litoral. Já tive alguns namorados por lá, sim.
                - O que exatamente aconteceu? Pode falar...
                - Não, não. Não vale a pena falar disso, não. Ah! Chega de falar de mim! Se você quer fofocar, devia reparar mais no que nosso amigo Leandro anda fazendo..
           - O Leandro? Como assim? Ah...
                 - Não é? Acho que essa história da Sandra não é só amizade...nem ferrando!
                 É verdade. Miguel já tinha reparado que aqueles dois tinham se dado bem até demais.
                 - Olha só. Hehe. Quem sabe ele não desencalha de vez? O Leandro não tem muito problema para falar com mulher. Hehe
                 - Ele pode até falar...o problema é como ele fala, né?
                 - É. É verdade
                 - Mas relaxa. No caso daqueles dois a coisa vai acontecendo sozinha. A química é bem forte!
                 - Química, né? Você é mesmo boa nessas coisas
                 - Vou ser futura psicóloga, lembra?
                 Os dois continuam andando e conversando de outras banalidades. Miguel ouvia atentamente a prima e, ao mesmo tempo, pensava no que ela havia lhe dito há pouco. O que poderia ter acontecido com o namoro dela? Por que ela não queria falar disso com ele? Eles não eram amigos. Ou será que ela ainda o via como uma criança, um garotinho que não sabe nada da vida. Tudo bem. Quanto a relacionamentos, ele não podia saber muita coisa. Mas ela poderia perfeitamente desabafar com ele, não poderia? Por outro lado, ele estava aliviado. Se dependesse de Camila, ela nunca namoraria com Toni. Ela não queria se relacionar emocionalmente com ninguém ultimamente. Isso era bom. Bom? Por que era tão bom? Por que estava tão feliz? De certa forma, Miguel se sentia bem tendo uma garota tão atraente e tão perto dele. Era sua prima, mas era tão linda, tão...tão perfeita. Enquanto ela caminhava a sua frente, o rapaz não podia evitar de olhar o belo corpo da loira. "Não, não, não posso pensar assim. Se continuar a pensar nessas coisas ela vai acabar percebendo".
                  - Que foi, Miguel? Tá viajando de novo, né?
                  - Eu? Opa...desculpa. Mas eu tava prestando atenção...
                  - Sei..então, sobre aquele filme...
                  Camila conversava, mas estava distraída. Foi o suficiente para tropeçar na calçada e quase cair, se não fosse a rápida ação de Miguel. O rapaz consegue evitar o tombo segurando a mocinha pelo braço e pela cintura. Segurou-a de um jeito desajeitado, mas conseguia sentir perfeitamente sua mão na cinturinha da moça. "Ela é mesmo...perfeita", pensa ele com uma expressão tensa.