Não eram muitos lances de escada e logo os seis chegaram ao local de aula. Diante deles estava uma porta dupla, parecendo haver um grande salão do outro lado.
        - É aqui - diz Dani abrindo a porta - Todas as aulas de teatro são nesse salão
        Miguel ainda não estava acreditando que tinha se envolvido naquele tipo de situação. O que seria um curso de teatro? Ele não acreditava muito que isso fosse resolver seu problema de timidez. No fundo, ele não via nada de muito errado com seu jeito de ser: seu único problema mesmo era com a timidez amorosa, a relação com o sexo oposto era algo complicado demais! E não era uma simples aula de teatro que iria alterar isso. Tudo bem, a garota que ele gostava, a Dani que estava bem ali na sua frente ficaria feliz de vê-lo envolvido em atividades teatrais, mas...valeria a pena ele fazer isso só para agradá-la? Sim, sua vontade era sumir dali o quanto antes! Mas o medo de desagradar a mocinha era muito maior. Miguel começava a entender que amor é algo que exige um bom sacrifício de si mesmo.
         Enquanto Miguel viajava em suas proprias ideias como sempre, o grupo adentrava no salão. Era uma sala relativamente grande, caberiam umas seis salas de aula da escola ali dentro. A parede do fundo era repleta por espelhos e haviam os mais diferenciados objetos espalhados ao redor, indo desde bambolês e pinos de boliche a cordas e equipamentos de ginástica. A maior surpresa, no entanto, era a pessoa que estava lá dentro que, aparentemente, seria o instrutor.
         - Ei, mas você é... - percebe Camila, identificando na hora a pessoa no centro da sala.
         - Opa. Sou eu mesmo. Não imaginava que ia encontrar vocês aqui - diz o professor animado.
         "Mas é o..é o novo professor de filosofia!", pensa Miguel consigo mesmo. Afinal, o que ele estava fazendo ali?
         - Professor Platão? O senhor por aqui? - pergunta Dani tão surpresa quanto os outros.
         - Você não sabia que era ele, Dani? - pergunta Sandra
         Ela faz que não com a cabeça, mas apesar de surpresa estava feliz.
         - Não sabia que o senhor também dava aulas de teatro? - pergunta a ruivinha.
         - Hahaha. Pois é. Também trabalho aqui aos fins de semana. É bom ganhar um troquinho a mais de vez em quando - diz ele animado
         - Não sabia que o senhor era ator - comenta Camila
         - Fiz curso de teatro antes mesmo de Filosofia. Já sou ator há um bom tempo - diz o professor animado
         - Há um bom tempo, é? Já deve ter participado de muita coisa então...- diz Leandro, sem fazer muito caso do professor.
         - Para falar a verdade nem tanto assim...bem, acho que o meu papel mais famoso foi o seu Tico da novela Sonho Lindo, lembram?
         Todos se entreolham, sem ao menos terem escutado o nome dessa novela
         - Nunca assistiram? Tudo bem...acho que vocês não tinham nascido ainda...passou em 1994 no canal 17
         - Acho que nem todo mundo tinha esse canal - comenta Leandro
         - Hmm...é uma pena...puxa, o seu Tico...ele era o dono da venda que o protagonista ia todo dia comprar alho
         - Alho? - pergunta Sandra - Pra que alho?
         - Ele fazia um tratamento que precisava de alho e...ah, a história é muito longa...mas eu era o seu Tico
         - Quer dizer que foi só uma ponta...nem quem assistiu a novela deve lembrar - Leandro continua, ainda sem muita confiança no pobre professor.
         - Bem, o importante é que eu participei, certo?
         Todos se entreolham sorrindo. Aparentemente o clima estava bom, afinal, todos ali eram conhecidos. E Miguel era o mais impressionado dos seis. Como tantas coisas estava acontecendo em menos de uma semana? Seria coincidência ou destino? Apenas podia esperar que, dali para frente, a tendência seria acontecer ainda mais coisas...
          - Ao que parece...só vocês seis vem hoje
          - Sério? - pergunta Dani - Tem um pessoal que sempre chega atrasado, não tem?
          - Normalmente sim. Mas pelo que perguntei na recepção, poucas pessoas se inscreveram para a aula de hoje. Foram umas oito, sendo que três delas já desistiram e cancelaram a inscrição
          - Caramba, três pessoas desistiram antes de começar? - Toni se espanta
          - Acho que ninguém gosta de acordar muito cedo no sábado, não é? Mas, que bom, pelo menos já conheço boa parte de vocês da escola. Vocês são..todos da mesma sala, não é?
          Eles fazem que sim com a cabeça. Seria mesmo uma aula só com aqueles seis?
         - Ah, sim. Na verdade eu também não estou inscrita nessa turma...só vim acompanhá-los. - explica Danieli
         - É uma pena, isso diminui ainda mais a nossa turma
         - Mas...minha peça na outra turma já está acabando. Acho que vou mudar de horário   
          Miguel não consegue disfarçar o sorriso. Que bom. Pelo menos podia continuar do lado dela. Que bom? Não, espera..isso quer dizer que ela também iria presenciar todos os micos dele. Não, não. Isso também não seria tão legal assim. Que tipo de coisas ele teria que passar?
         - Bom, já que estamos em poucas pessoas, podemos nos apresentar, não é? Meu nome é Platão, vocês já me conhecem da escola
         - Não, eu não cheguei a conhecer - diz Sandra imediatamente
         - Não?
         - Eu faltei na aula
         - Oh, sim. Então..comece por você. Qual o seu nome?
         - Sandra. Sandra Malise.
         - Ok, prazer Sandra. E você? - o professor pergunta apontando para Toni
         - Antônio Sales..mas, pode me chamar só de Toni
         - Toni. Tá ótimo. E você?
         - Leandro Campos
         O professor faz uma pausa
         - É. Vou ficar de olho em você
         - Hã? O que eu fiz de errado? - reclama o pobre garoto, mas o professor continua com as perguntas
         - Camila Pinheiros
         - E você?
         - Miguel Pinheiros
         - Os dois são Pinheiros? Vocês são parentes?
         - Primos. Eu sou Pinheiros Astrid e ele é Pinheiros Ramos - responde Camila
         - Não são nada parecidos - repara o professor - Hmm...Miguel, não é?
         - Sim - diz o rapaz meio receoso
         - Você parece ser do tipo que diz bastante coisa em poucas palavras, não é? Sua resposta do exercício que eu passei na aula foi a mais curta, mas também foi uma das mais profundas
          Miguel não lembrava muito bem do que escreveu e muito menos da pergunta. Lembrava que era algo a ver com existir um mundo perfeito e ele tinha respondido que não conseguia imaginar nada observável que fosse totalmente perfeito.
         - Ah, obrigado
         - Ó o Miguelito! Esse cara é bom! - diz Toni dando um tapinha nas costas dele que quase o joga para frente.
         - Por último, vocé é a...
         - Danieli Passos. Sou aluna dessa academia desde o começo do ano.
         - Hmm..então você também não é tão veterana assim
         - Nada. Também comecei na escola deles esse ano. Sou uma caloura total
         - Interessante. Bem, é um prazer conhecer todos vocês. Espero que levem esse curso adiante
         - Pretendemos, né, Miguel? - diz Camila
         - Ah, claro - diz o rapaz
         Leandro não diz nada, mas não parecia muito a fim de continuar
         - Tudo bem. Então, vamos começar. Algum de vocês, com exceção da Danieli, já teve alguma experiência com teatro?
         - Você não teve Leandro? - pergunta Sandra só para provocar
         - Não, não tive - responde ele, lutando para esquecer a lembrança de já ter feito uma propaganda de fralda quando criança
         - Bem - Camila levanta a mão - Já fui empregada em uma peça de escola, mas só
         - Ótimo. O pouco de experiência que vocês tiveram já ajuda bastante
         "Empregada", pensa Miguel, "Ela chegou a usar...uniforme?". A imagem de Camila fantasiada de empregada vem à mente dele, mas some logo. Ah, o que ele estava pensando?
         - E você, Miguel? Já teve alguma experiência com teatro?
         - Não, nenhuma. Nunca fui muito bom nessas coisas
         - Tudo bem. Estamos aqui para aprender
         - E o que a gente vai fazer, professor? - pergunta Leandro - Já vamos ensaiar alguma peça ou coisa assim?
         - Não, não. Claro que não. Aqui fazemos as coisas com calma.
         Miguel fica aliviado por alguns instantes.
         - Antes de mais nada...vocês precisam sentir a harmonia com o ambiente. No palco, tudo tem o seu devido lugar e momento. O palco é um universo à parte com sua devida harmonia
         - Nossa, que profundo - comenta Sandra
         - Não é a toa que ele é professor de filosofia - completa Leandro
         - Posso continuar? - diz o professor
         - Claro
         - Bem, então a primeira coisa que eu quero de vocês é...que sintam o ambiente
         Miguel estava curioso. Como assim, sentir o ambiente?
         - Para isso...vamos fazer um pequeno jogo - diz o professor segurando alguns pedaços de pano
         "Jogo? Em teatro? O que poderia ser?", pensa Miguel, já ansioso.