E era isso. Miguel e Danieli, mesmo estudando juntos já há algum tempo, teriam um primeiro diálogo agora. Claro, isso só iria depender das ações de Miguel.
    - Sim, sim. Você é a Danieli, não é? A moça que senta na frente da fileira do meio.
    - É. Sou eu...e você é o menino que senta bem no fundo da sala, não é?
    - Pois é
    Alívio. Pelo menos ele conseguia estabelecer uma conversa com ela sem gaguejar. Isso já era uma notícia pra lá de boa. Tudo que precisava fazer era continuar a conversa e não deixar o assunto morrer. Se conseguisse acabar aquele intervalo sem ser um mero conhecido dela já seria um excelente começo!
    - Não acredito. Essa é a primeira vez que vocês conversam? - diz Camila simulando uma certa indignação.
    - Primeira vez. Mas é natural: o que uma menina dedicada que nem ela iria querer falar com dois vagabundos como eu e o Miguel? - Leandro se intrometendo na conversa
    - Não, não. Vocês parecem ser gente boa...eu é que não sou de falar muito mesmo - diz Danieli com uma voz simpática e calma
    "Não era de falar muito". Essa frase foi o suficiente para que Miguel se identificasse ainda mais com a garota. Um tímido compreende bem outro tímido. Pelo menos era o que ele achava.
    - Entendo. Também não sou de muita conversa. - diz Miguel sorrindo levemente
    - Isso é verdade. Mas posso garantir que ele é de boa família! - brinca Camila, batendo amigavelmente nos ombros do primo.
    - É verdade. Vocês são primos, né? - Danieli parecia um pouco mais à vontade.
    - Somos sim. Nós dois somos filhos únicos, então o Miguel é como se fosse um irmão pra mim! - diz Camila com um sorriso de satisfação
    - Puxa, legal - diz Dani também sorrindo sinceramente
    - Não são nada parecidos, né? - observa Leandro - Eu mesmo duvidei quando conheci a Camila.
    - Ei, peraí. Também não é tanto assim - reclama Miguel - A gente tem alguma coisa de parecido
    Fica um silêncio no ar. Os dois não tinham nada de parecido
    - O que vocês tem de parecido, Miguel? - pergunta Leandro
    - Não sei...a cor da pele, por exemplo
    - Cor da pele? Mas a Camila é quase uma albina. Não, não, se vocês não contarem ninguém sequer vai desconfiar que vocês são da mesma família..
    - Leandro! Não enche! - interrompe Camila - É que meu pai é de descendência alemã, por isso eu sou mais loirinha que o lado da família do Miguel - diz a mocinha se voltando para Danieli
    - Sério? Então você é alemã?
    Camila confirma com a cabeça
    - Já foi pra Alemanha?
    - Não, ainda não. Mas tenho muita vontade de ir.
    - Eu também. Quero muito conhecer a Europa.
    Miguel achou essa frase bem entusiasmada. Descobriu uma diferença: ao contrário dele, Danieli era animada. Miguel nunca foi muito preocupado com o futuro e raramente demonstrava empolgação, mesmo que, por dentro, tivesse achado o assunto muito interessante. Aparentemente, mesmo tímida, Danieli conseguia demonstrar mais emoção do que ele.
    - Europa...tenho uma tia que já foi para a Itália - comenta Leandro
    - Itália? Sério? - pergunta Dani animada
    - É. Ela disse que a pizza de lá é horrível
    - Hahaha. Já ouvi falar disso - diz Danieli rindo
    Como pode? Leandro conseguia falar tão fluentemente. Por que tinha que ser tão difícil? Era uma conversa tão informal, mas Miguel não conseguia falar muita coisa. E a Dani parecia tão natural. Claro, para ela era apenas uma conversa de intervalo. Se ela soubesse o caos no interior de Miguel...mas, ao menos, a mocinha parecia estar gostando da conversa.
    - Vocês três parecem se dar muito bem, né? - observa Danieli
    - Eu conheço o Miguel há um tempão. Como vivia na casa dele, acabei conhecendo a Camila lá também - explica Leandro
    - Sério? Já são amigos há tanto tempo assim?
    - Pois é. Sempre que tinha vontade de jogar video-game, ele ia lá pra casa. E mesmo depois de comprar o mesmo console do Miguel, ainda ia pra lá! - alfineta Camila
    - Ah, é que eu gosto da companhia de vocês...
    - Mas quando você começava a jogar nem olhava pra minha cara
    - É que tinha uns jogos difíceis, você sabe
    Danieli parecia estar se divertindo. No entanto, Miguel estava pouco à vontade. Ele não sabia muito bem como entrar na conversa. Claro, como ouvinte, ele estava ali. Mas Camila e Leandro estavam falando muito. Miguel sabia que não estavam fazendo isso por má intenção: o papo simplesmente acabou se desencadeando, mas o tímido rapaz estava meio deslocado. Podia fazer algum comentário ou algo assim, mas era difícil para ele achar brechas. Mas Camila se dá conta do verdadeiro motivo daquilo tudo.
    - Então, Leandro. Você disse que tinha algo pra me mostrar, né? - diz Camila em um certo momento da conversa
    - Eu?
    - É, você! - a garota enfatiza, puxando Leandro pelo braço - Ah, é! O sinal já vai tocar, né? A gente vai na frente, quero ver isso antes do intervalo! Té mais, gente!
    Foi meio estranho. Miguel diria que foi forçado. Ele queria uma brecha para conversar com Danieli, mas não algo tão brusco assim. De qualquer forma, era uma oportunidade que não podia perder.
    - Eles são engraçados - comenta Danielie
    - Né? Vocês ainda não viu nada. - diz Miguel rindo
    Graças. Danieli não era uma tímida excessiva ao ponto de ficar calada sem outras pessoas para puxar a conversa. E o melhor: Miguel também estava conseguindo manter um bom diálogo sem gaguejar, nem nada do tipo.
    - Deve ser legal ter uma prima estudando na mesma sala, né?
    - Hã? Ah, é verdade. A Camila é bem legal
    - Sim, sim. Gostei dela
    Nesse ponto, houve uma pequena pausa.
    - Err...você também tem primos? - pergunta Miguel, contente consigo mesmo por estar quebrando bem o gelo
    - Ah, tenho umas cinco primas
    - Cinco primas? Só primas?
    - Pois é. Da minha família, só minha mãe que não teve só meninas
    - Então, você tem um irmão?
    - Sim. Um irmão mais velho.
    Miguel ficou um pouco preocupado. Por alguma razão, o fato de Danieli ter um irmão mais velho não agradou muito ao rapaz.
    - Sério? Ele estuda aqui?
    - Não. Já está no primeiro ano de faculdade.
    - Ah, tá
    Deveria perguntar o que ele fazia?
    - Que curso ele faz? - pergunta o rapaz
    - Gastronomia
    Era diferente. De fato, Miguel não esperava ouvir essa resposta. De qualquer forma, fez uma observação positiva sobre o curso do irmão dela.   
    - Hmm..legal
    - Ele sempre gostou de cozinhar. Mas demorou para convencer meus pais para deixarem ele fazer esse curso
    - Imagino. E você? Também quer ser cozinheira?
    - Não, não. Ainda não tenho muita certeza do que quero...mas tenho muita vontade de fazer Artes Cênicas
    - Artes Cênicas?
    - Estranho, né? Eu não sou muito extrovertida e tal, mas eu amo atuar. Quando entro no palco, eu me transformo!
    - Então você já fez curso de teatro?
    - Fiz, não. Ainda faço. Toda quarta.
    - Sério?
    Danieli concorda com a cabeça sorrindo. Então ela não era tão tímida quanto pensava. Nesse momento, as duas amigas da ruivinha (eram Sandra e Paula os nomes delas, não?) surgem.
    - Dani. Você sumiu - diz Sandra (a de cabelo cacheado)
    - Desculpa. Parei pra conversar com o Miguel aqui.
    - Ah, oi, Miguel. Tudo bem? - diz Paula (a de óculos)
    - Tudo bem - e é só isso que Miguel diz.
    É aí que o sinal toca. Já era hora de voltar para a sala.
    - Estamos subindo. Você não vem? - diz Danieli para Miguel
    - Já estou indo. Preciso ir ao banheiro antes
    - Então, tá. A gente se vê
    - Até
    As três sobem juntas para a sala. "Ir ao banheiro?", pensa Miguel. Não seria uma oportunidade de conversar mais com ela? Seria, mas Miguel não se sentiria muito à vontade com as amigas dela junto. Se com Camila e Leandro, que eram seus amigos de longa data, ele já não conseguia conversar direito, com desconhecidas seria ainda pior.
    Além disso, Miguel tinha muitas coisas para pensar. Como era possível descobrir tantas coisas em apenas poucos minutos de conversa? O rapaz até que estava orgulhoso dele mesmo! Conseguiu conversar normalmente! Sinal de que pelo menos se comunicar com alguma coerência ele conseguia. Não era tão tímido assim. Mas quem também não era tão tímida assim era mesmo a própria Danieli.
    "Teatro, é?", pensa Miguel enquanto lavava as mãos, "Quem diria. Nunca poderia imaginar"