Você tentou viver sozinho?
Quando você incendiou casa e o lar?
Você ficou próximo demais do fogo?
Como um mentiroso buscando o perdão de uma pedra
Quando é tempo para viver e deixar morrer
E você não pode ter outra chance
Algo dentro desse coração morreu
Você está em ruínas
Um, 21 armas
Abaixe suas armas
Desista da luta
Um, 21 armas
Levante os seus braços para o céu
Você e eu
21 Guns - Green Day

     - Tom.

     - Bill, você... Pode nos dar licença?

     - Ah... Claro, eu já tava saindo mesm...

     - Não, Bill, fica, por favor. – Giovanna pediu.

     - Decidam-se!

     - Fica. – ela insistiu.

     - Tuudo bem. – Bill sentou-se e tentou fingir que não queria prestar atenção.

     - Você tá bem, Tom?

     - Fora os ossos quebrados, tô.

     - Ainda bem. Me sinto culpada por você estar aqui...

     - Por quê??

     - Quem saiu correndo pela rua fui eu. Você foi atrás. Numa dessas você atravessa uma rua e aparece um louco, provavelmente bêbado, e tenta passar através de você, como se fosse um fantasma.

     - Eu que fui inconsequente e não esperei o carro passar. Dois segundos depois e a uma hora dessas estaríamos à pizza.

     - Se eu não tivesse achado de usar as ruas da cidade como cenário de pega-pega.

     - Motivo não faltou.

     Silêncio.

     - Por que “provavelmente bêbado”? – Tom perguntou, tentando quebrar o gelo (e fugir do assunto).

     - Acho que acostumei com a lei do Brasil. Lá, se tu dirige bêbado e é pego pela polícia, vaiem cana na hora. – Gih respondeu.

     - Ôh louco! Mas e se, sei lá, o cara tá voltando de uma festa?

     - Que deixe o carro lá e volte de ônibus ou táxi. Ou seja mais inteligente e vá de ônibus ou táxi, aí bebe à vontade e não tem problema pra voltar.

     - Caramba. Mas por que isso? – Bill entrou na conversa.

     - Porque o número de mortes por acidentes de trânsito era muito alto, mesmo já sendo proibido dirigir alcoolizado. Como multas e perda de pontos na carteira não foram suficientes, uma hora se revoltaram e implantaram a Lei Seca. A tolerância é zero: em época de férias e feriados, tem blitz em todas as rodovias do país. Agora fala, em cara andando por aí com o carro naquela velocidade, se não estiver bêbado não tem cérebro, né?

     - Né. – Bill concordou.

     Mais silêncio.

     Então entrou algum funcionário do hospital e disse que Tom precisava fazer uns exames ou algo do gênero, encerrando a visita.

     De volta à sala de espera:

     - Olha – disse Bill -, não se pode negar que você o ouviu. Ele é que não quis falar nada.

     - Talvez não esteja pronto...

     - Como você sabe? Era exatamente o que ele dizia quando eu falava sobre ele contar a verdade pra você.

     - Sei lá. – Gih deu de ombros.

     - De qualquer jeito, vocês não vão poder adiar essa conversa pro “dia de São Nunca”. – Bill fez aspas com as mãos e uma careta.

     - Engraçado, eu sempre achei graça nessa história de dia de São Nunca... Quando eu era criança, quando alguém falava isso, eu ficava imaginando; já pensou se marcassem um dia pra ser o dia de São Nunca, será que tudo o que as pessoas falam aconteceria?

     - Haha, já pensou na confusão que isso não ia dar? Se toda sorte de coisas impossíveis e bizarras começassem a acontecer da noite pro dia?

     - Ia ser o dia mais estranho da História!

     - Se ia!

     - Ain, Bill, eu vou pra casa. O Tom acordou, tá bem, e eu não aguento mais ficar dentro desse hospital.

     - Quer que eu te leve?

     - Melhor não, sua mãe tá vindo, vai estranhar se não te vir aqui.

     - É rapidinho, sua casa nem é tão longe assim.

     - Tuudo bem, você venceu. Então vamos.

     Entraram no carro. Bill ligou o automóvel, mas não deu partida.

     - Que foi, Bill?

     - Conhece aquela frase, é melhor prevenir do que remediar?

     - Quê que tem?

     - Se aplica perfeitamente a esse caso.

     - Não tô entendendo aonde você quer chegar.

     - Olha, desde que eu descobri até o Tom resolver ir falar contigo, eu briguei feio com ele três vezes. Só quero evitar brigar com você também.

     Giovanna fez cara de “hã?”.

     - Você o ouviu, fato. Ele não tocou no assunto, fato. Mas você também não tirou satisfação. Fato?

     - Fato.

     - Que vocês se resolvam e se acertem de uma vez... Longínqua esperança.

     - O que você quer dizer com isso?

     - Eu tô te estranhando, sabia?

     - Por quê?

     - Olha como você tá agindo... Fazendo de tudo pra fugir desse assunto, que sabe que uma hora ou outra será inevitável. Você não era assim.

     - As pessoas mudam, Bill. Só olhar pra você pra ter a prova.

     - Uma coisa não se compara à outra, pare de tentar mudar de assunto. As pessoas mudam, sim, mas não da noite pro dia. E também não desse jeito. Até duas semanas atrás você não queria fugir do assunto, lembra quando me mandou uma mensagem querendo falar sobre os tais e-mails? Ou quando instantaneamente quis tomar uma providência ao saber que não era eu o autor deles? Por que isso agora?

     - Você não entenderia...

     - Se você não falar não vai ter nem como. – ele disse saindo do estacionamento.

     - Sabe o que é, Bill, essa história não tá me descendo... Pra mim foi muito chocante saber que foi o Tom que me escreveu todas aquelas coisas..., e depois mais ainda quando você disse que ele gostava de mim no tempo da escola. Até hoje eu quase não creio nisso, não tô conseguindo digerir. É muito de uma vez só pra mim, a ficha não cai, sacas?

     - Aham. E sabe por quê?

     Giovanna balançou a cabeça negativamente.

     - Ooi, eu tô dirigindo, fala com a boca. Você sabe por quê?

     - Não.

     - Como não? É tão óbvio!

     - Fala logo então.

     - É evidente que tá na cara, sem sombra de dúvida qu...

     - Fala logo, Bill!

     - Eu tô tentando. Tá na cara que é porque você gosta dele também.

     - Quê?! – Gih perguntou em tom de deboche.

     - Claro! Só pode!

     - De onde tirou essa ideia?

     - De uma árvore é que não foi.

     - Você é besta?

     - Você é mais.

     - Me dê um bom motivo pra acreditar nisso.

     - Acorda, chamado da Terra, câmbio! Todos aqueles e-mails que vocês trocaram...

     - Eu achava que era você!

     - Sim, mas se você parar pra reler tudo, agora sabendo que estava se correspondendo com ele, vai entender o que eu tô falando. A única mentira que tem naquilo ali é o meu nome, tirando isso tenho certeza que tanto ele quanto você foram sinceros naquelas mensagens todas.

     - Isso não faz sentido.

     - Faz sim. E entrando mais fundo no túnel do tempo, prestando atenção em algumas lembranças, perceba que vocês dois viviam se evitando. Se lembra? Quando nós três nos encontrávamos, você me cumprimentava com beijo no rosto, enquanto pro Tom você só dava oizinho. Quando nós íamos no parque, lembra daquela casinha que tinha lá?

     - Ainda tem.

     - Jura?

     - Aham.

     - Enfim, continuando, o Tom nunca subia lá com a gente. Eu insistia, “vamos, Tom, o quê que tem” e você repelia; “ih, deixa, Bill, vamos nós”. Vocês sempre dividiam o moletom enorme dele quando você tava sem blusa de frio. Ele é quem contava todas as piadas com as quais você rolava de rir. Ainda contesta? Calma, tem mais. Foi com ele que você sonhou...

     - A gente não escolhe com quem sonha.

     - Tem razão, é o nosso subconsciente que escolhe. Foi por ele que você passou quatro noites sem dormir no hospital...

     - Faria o mesmo se fosse você.

     Nesse momento Bill parou o carro em frente à casa de Gih.

     - Afe, Giovanna, para de negar o óbvio, por mais que você negue e diga o contrário, é dele que você gosta e ponto final!

     Ela ficou em silêncio.

     - Vamos, admita. Ou quem cala, consente.