–Merlin! – Arthur exclamou no momento em que ouviu o servo.

–Bom dia, raio de sol – Merlin disse uma de suas habituais frases espirituosas. – Ou devo dizer raios de sol?

O olhar do mago caiu em Morgana que estava ao lado de Arthur. O sarcasmo e ressentimento estavam transparentes no tom de voz de Merlin, mas se o príncipe e a mais nova princesa perceberam, não deixaram transparecer.

–Não acho que você irá continuar com brincadeirinhas quando perceber o estado imundo que os estábulos se encontram – Arthur disse, levantando-se.

Ao contrário do que muitos acreditam, o casamento de Arthur só serviu para arruinar o humor dele; e que modo melhor para descontrair do que implicar com o seu servo pessoal?

–Aposto que não – Merlin murmurou, não prestando muita atenção no que seu senhor dizia.

A atenção do bruxo estava voltada a garota que quase imperceptivelmente se levantava e se dirigia à janela, brincando com o tecido da cortina. Apesar do ódio que sentia, Merlin não podia deixar de se perguntar se ela estava feliz, se a noite passada fora como ela sempre sonhou. Por algum motivo, ele acreditava que não.

Arthur pigarreou, incerto sobre o que deveria fazer.

–Eu vou... treinar? – Ele anunciou mais como uma pergunta do que qualquer outra coisa. – Merlin, tente terminar de limpar os estábulos até o meio dia. Depois, tenho umas tarefas para você que envolvem um pouquinho de trabalho braçal. Nada que um idiota como você não consiga lidar.

Merlin queria grunhir, mas ao invés disso ele forçou um sorriso que muitos considerariam cômico. Era impossível entender como alguém tão nojento e arrogante como Arthur ganhava todas as garotas e ainda podia mandar nele. O mundo era injusto.

–Você vai ficar bem, Morgana? – O príncipe perguntou antes de sair.

Não era como se ele realmente se importasse, e Arthur se odiava por isso. Como ele se atrevia não se importar com sua própria esposa – porque, francamente, era exatamente isso que Morgana era. Todavia, era o que seu dever mandava-o perguntar.

Morgana assentiu e fracamente sorriu. Era difícil para ela manter esse papel, mas ela precisava – mais do que isso – ela prometera.

Arthur sorriu de volta antes de se retirar do quarto. Quanto mais distante ele ficasse de sua nova realidade, melhor.

Suspirando, Morgana voltou a olhar a paisagem da janela. Segundo os criados, o quarto de Arthur tinha a mais bela vista de Camelot.

–Está olhando o que exatamente? – Ela perguntou, sentindo o olhar de Merlin sobre si.

Ele deu de ombros.

–Só isso? – Merlin disse, lutando para seu tom não sair debochado. – Sem nenhum “amorzinho” no final da frase? Sem nenhum beijinho? Sem nenhuma jura de amor? Sinceramente, eu esperava mais do mais novo casal real de Camelot.

Morgana semicerrou os olhos.

–Não opine sobre o que você não entende – ela rugiu.

Ela já não precisava mais manter-se sob o papel de mulherzinha tonta.

Merlin sorriu, sentindo algo dentro de si queimar. Sempre havia uma faísca quando ele conversava com Morgana e dessa vez não era diferente.

–Só estou dizendo que o normal é que os recém-casados tratem-se com mais carinho e tudo mais – ele disse as palavras rápido, se aproveitando da adrenalina que corria por suas veias. – Principalmente pessoas tão apaixonadas como você e Arthur.

Ela ergueu uma sobrancelha.

–O que você está insinuando?

–A não ser, é claro – Merlin continuou como se ela não tivesse dito nada. – Que a noite de vocês não tenha sido boa. Isso explicaria muita coisa.

Os olhos de Morgana se esbugalharam.

–Insolente! – Ela exclamou; seus olhos tão duros e frios como pedras.

Um pequeno sorriso se formou nos lábios de Merlin enquanto ele percebia a verdade por trás do olhar dela.

–Então, o glorioso príncipe Arthur Pendragon não é tão bom quanto todos acreditam que ele é? – Merlin continuou, alfinetando-a o máximo que podia. – Ou será que a doce protegida do rei, Morgana, é o problema?

Morgana semicerrou os olhos novamente. Ela mal podia acreditar na insolência e ousadia desse sujeito – e muito menos no turbilhão de emoções que ele causava nela.

–Nós dois sabemos que você não acredita nem mesmo por um segundo na última opção – Ela disse, um sorriso frio se formando em seus lábios para cobrir a raiva e irritação que ela sentia. – E – não que seja da sua conta – Arthur é o melhor homem que o mundo já conheceu – ela disse aproximando-se de Merlin. – Em todos os sentidos.

Morgana soltou uma pequena gargalhada enquanto via a expressão de repulsa que se formou no rosto do mago. No entanto, o que ela realmente queria era se desculpar – mesmo que há muito tempo essa já não fosse uma opção.

–Se eu fosse você arrumaria logo essa cama – ela cantarolou. – Afinal, você tem alguns estábulos para limpar, não é?

Ela caminhou em direção às suas coisas, que foram recentemente transferidas para o quarto de Arthur, e gritou o nome de uma criada qualquer que estava no corredor especialmente para ajuda-la a se preparar.

Inconformado, Merlin não pôde fazer nada além de obedecê-la.

**

Não era como se Arthur soubesse para onde estava indo. Na noite anterior, ele abusara do deleitoso álcool que os vinhos de seu casamento ofereceram – não por prazer, mas porque ele acreditava que se não estivesse bêbado o suficiente, não seria capaz de continuar com o plano. No entanto, agora sua cabeça estava pagando o preço.

–Arthur!

–Pai? – Inconscientemente, os passos de Arthur o levaram até o escritório de seu pai.

-Está tudo bem? – Uther apressadamente perguntou, uma expressão preocupada domando-o. – Você está bem? Morgana?

-Sim – o príncipe assentiu. – Está tudo bem.

Um largo sorriso apareceu no rosto do rei – um sorriso que Arthur há muito tempo não o via sorrir.

-Estou tão orgulhoso – Uther disse sinceramente. – Meu filho já –

-Pai – Arthur o interrompeu, temendo que seu pai se emocionasse mais uma vez.

-Arthur – Uther ignorou-o, olhando-o de cima a baixo. – Eu sonhei por tanto tempo em ver você e Morgana juntos.

Arthur não compreendia como Uther podia agir dessa forma, afinal, ele sabia melhor do que ninguém que aquele casamento fora puramente arranjado – por ele próprio.

-Você sabe, - Uther disse, sua voz tornando-se mais séria. – Eu já estou ficando velho, e talvez –

-Não – Arthur disse, negando-se a ouvir o que o rei iria dizer. – Pai, você ainda –

Uther levantou uma mão, claramente para interrompê-lo.

-Deixe-me terminar – ele pediu. – Não sei mais por quanto tempo continuarei no trono – Uther pausou, forçando as palavras a entrarem na mente de seu filho. – Mas, eu sei que não existem pessoas melhores do que você e Morgana para continuarem a governar com os princípios que sempre governei. Por isso, orgulho-me muito de vocês.

Uther não sabia o quanto estava enganado.

-Pare de murmurar tolices – Arthur disse firmemente. – Nós dois sabemos que o senhor ainda tem muitos anos de governo pela frente.

Uther riu.

-Talvez – ele concordou, recuperando seu bom humor. – A propósito, onde está Morgana?

Arthur franziu as sobrancelhas. A verdade era que ele não sabia – e também não se importava.

-Se preparando para descer – ele mentiu.

-E por que não está com ela? – Uther perguntou. – Houve algum problema?

Arthur poderia dar uma lista de problemas a seu pai.

-Não, é claro que não – ele disse calmamente. – Você sabe como Morgana é temperamental enquanto está se arrumando.

Uther riu.

-Posso imaginar – ele respondeu.

O que nem o príncipe e nem o rei sabiam era que os dois estavam mentindo.