Sangue.

Essa era a resposta para as perguntas que Merlin repassava repetidas vezes em sua mente. Era uma resposta um tanto quanto mesquinha e preconceituosa, mas ainda assim verdadeira.

Por que Arthur? Por que não ele? Fácil. Novamente, era o sangue. O sangue de Arthur era o mais puro de toda Camelot. O pobre sangue de Merlin, o servo vindo de uma minúscula e sem importância aldeia do reino, não era nada comparado ao do príncipe Arthur Pendragon.

Essa era a única razão para a calamidade que se passava diante dos olhos do mago. Morgana, o verdadeiro amor da existência de Merlin, como ele mesmo a considerava, estava vivendo o mais belo dia de sua vida. Vestindo o vestido branco mais belo de todo reino, bordado pela costureira mais bem remunerada do castelo. Seu longo cabelo escuro estava preso em um dos coques que a jovem só fazia nas ocasiões mais especiais, e, é claro, que ocasião seria mais especial do que seu casamento?

Também havia Arthur, Merlin não podia deixar de notar. O príncipe, que normalmente possuía um sorriso incrivelmente arrogante estampado nos lábios, dessa vez deixou a expressão presunçosa para dar lugar a uma terrivelmente boba e admirada, enquanto ele contemplava sua noiva caminhar em direção ao luxuoso altar.

Todos pareciam felizes, desde o mais simples convidado até o mais esnobe deles, Uther.

Merlin rangeu os dentes enquanto pensava no tão manipulador rei. Uther Pendragon era um ser repugnante, o responsável pela tragédia que estava acontecendo.

Uther arruinara tudo; Ele arruinara o tão épico romance que o futuro rei Arthur compartilhava com a bela Guinevere. Forçando-o, de alguma maneira, apaixonar-se por Morgana – ou melhor, Lady Morgana.

Não só isso, mas também qualquer flerte e sentimento que o próprio Merlin nutriu e compartilhou com sua amada foi automaticamente descartado no momento em que ela percebeu sua chance com o futuro rei. Afinal, por mais que um sentimento verdadeiro em relação a Merlin estivesse presente nela, Morgana Le Fay escutaria sua ganância em primeiro lugar.

Contos de fadas não existiam, Merlin percebeu. Tudo que havia eram regras sociais estúpidas, que aparentemente definiam o corpo social sovino que ele vivia. Regras baseadas em um preceito tão bobo quanto a origem do sangue do indivíduo.

–... Fale agora ou cale-se para sempre – Merlin ouviu o padre dizer distantemente.

Os olhos do mago se ergueram, procurando os da amada. Ele não sabia o que queria, talvez uma confirmação para expor sua opinião a todos os presentes na tão lotada cerimônia e finalmente tomar Morgana nos seus braços. No entanto, o que ele ganhou o feriu mais do que qualquer espada conseguiria.

Nada.

Morgana nem mesmo o olhara. Nem de relance, nem de vislumbre e nem mesmo pelo canto do olho. A futura rainha mal reconhecera a presença dele.

Foi então que Merlin percebeu que armar um escândalo não adiantaria. Morgana o desprezava. Ela era tão arrogante e esnobe quanto qualquer um naquele salão – tão sem escrúpulos quanto o homem que ela uma vez criticou, o próprio rei Uther Pendragon.

O mago mordeu os lábios enquanto sentia uma quente e pesada lágrima escorrer por sua bochecha. Seu momento de atuação passara e o príncipe já estava tomando sua nova princesa nos braços.

Não havia nada a ser feito. A hipocrisia dominara Camelot de uma maneira tão profunda e desmedida que até mesmo aqueles já foram concretos e honestos, como Morgana e Arthur, banhavam-se nela.

Já estava feito. Eles estavam casados. Todos comemoravam. Mas por que eles comemoravam? Como alguém poderia comemorar um evento tão degradante e hipócrita como esse?

Merlin deu um pulo quando sentiu alguém tocar seu braço esquerdo. Alguém cujas olheiras eram tão fortes e escuras quanto às dele. Gwen.

–Vai ficar tudo bem – ela sussurrou um sussurro quase inaudível no meio dos gritos e aplausos da multidão.

Merlin bufou, não sabendo se deveria rir ou chorar mais ainda. Como se ela realmente acreditasse em suas próprias palavras.

–Sabe, - ele ofegou, tentando sem sucesso desviar seu olhar do mais novo casal de Camelot. – Ele nunca irá amá-la como eu. Nunca.

Gwen assentiu, sua expressão tão triste quanto a dele.

–E ela nunca irá amá-lo como eu – ela disse sinceramente, apoiando-se contra o braço do amigo.