Jogo de Palavras escrita por Blitzkrieg


Capítulo 6
Capítulo 6: Um pires,água,pó de canela e ciência.


Notas iniciais do capítulo

Espero não ter distanciado o leitor com a abordagem do tema religião no último capítulo. Desculpe a sinceridade, mas acho que hipocrisia não combina muito comigo. O Ivan realmente discutia sobre este assunto e acho que não estaria respeitando-o omitindo tal fato. Existe um juramento interessante, que já presenciei muitas pessoas realizarem, porém a maioria não respeitava tal juramento. '' Você jura dizer a verdade...'' ao longo dos anos ouvi muito a palavra "Juro" ainda bem que não preciso mais ouvir. O aparelho trata de jurar pela pessoa. Acho que estas experiências me fizeram valorizar a sinceridade. Mesmo que ela fosse digital naquele momento. Era sinceridade afinal de contas.



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Enquanto eu limpava minha boca e queixo com um dos lenços, eu pude perceber que o Ivan me olhava com seriedade; parecia que estava refletindo sobre o meu problema. Procurei interromper seus pensamentos com a intenção de saciar a minha curiosidade.

 

 

- No que você está pensando? – indaguei, enquanto embrulhava o lenço.

 

 

- Nada não. – respondeu, e logo em seguida balançou sua cabeça como se quisesse destruir seus próprios pensamentos.

 

 

- Você não quer me contar. – eu odiava o fato de não conseguir ler a mente do Ivan.

 

 

- Não seja dramático. – suas palavras se transformaram em flechas que me perfuraram. – Estava refletindo sobre suas alucinações, mas não é hora de me preocupar com isso. – logo após pronunciar tais palavras, levantou-se da poltrona e se dirigiu até a porta.

 

 

- Desculpe.

 

 

- Pelo quê? – indagou Ivan, e parou diante da porta em seguida.

 

 

- Desculpe por lhe preocupar desta forma. – levantei e caminhei em direção á ele. – Eu sei que lhe incomodo bastante com este meu problema. Não precisa se esforçar tanto para me ajudar deste jeito.

 

 

- Posso ser sincero contigo? – não gostei da pergunta, minha intuição me disse naquele momento que eu não iria ouvir algo muito bom.

 

 

- Sim. – respondi. – Cuidado com as palavras, por favor.

 

 

- Está bem. – Ivan abriu a porta em seguida. – Você é meu melhor amigo, eu me preocupo com o seu bem-estar, claro. – logo em seguida ele olhou o corredor da escadaria, parecia estar procurando alguém. – Mas não posso deixar de lhe contar que o que me faz querer ajudá-lo em primeiro lugar, é o fato de que o seu problema é um quebra-cabeça muitíssimo interessante. – em seguida ele virou-se de frente para mim e me encarou com um olhar sério. – Portanto, me divirto bastante tentando desvendar mistérios sobre o seu problema. E você me conhece há muito tempo para saber que quando eu me empenho em algo é difícil eu abandonar facilmente. – suas palavras frias congelaram todo o quarto.  

 

 

- Se eu sou o seu melhor amigo, você é o meu único amigo. – eu odiava me sentir um rato de laboratório. – Espero mesmo que eu não seja apenas um quebra-cabeça ambulante. – como minhas palavras eram desajeitadas, pareciam sempre expressar outra coisa.

 

 

- Não. Você não é apenas um quebra-cabeça ambulante. Não se preocupe. – Ivan caminhou alguns passos e colocou uma de suas mãos em um de meus ombros. – Você possui algo valioso garoto. – me olhou nos olhos. – E esta preciosidade se encontra aqui. – logo após pronunciar tais palavras, ergueu sua mão direita de meu ombro e esticou seu dedo indicador, encostando a ponta do mesmo bem no centro de minha testa. – Não se desvalorize desta forma, todos os seres humanos são diferentes espécies de quebra-cabeças, existem aqueles fáceis de serem completados e aqueles difíceis, mas você não é apenas mais um quebra-cabeça, pois você possui este mecanismo fantástico bem aqui, que lhe faz ter uma capacidade fabulosa. – permanecendo com o dedo indicador encostado na minha testa, continuou lançando suas palavras contra meu rosto, e eu procurei fechar os olhos para sentir a brisa gélida. – Você possui a capacidade de enxergar todas as peças de cada quebra-cabeça neste mundo, tornando desta forma todos os quebra-cabeças extremamente fáceis de serem completados por você, sendo assim, falta apenas você desenvolver a habilidade para encaixar as peças corretamente. – eu sorri, parecia que suas palavras estavam me congelando, me transformando em um bloco de gelo. – Essa capacidade é fantástica, e estou empenhado em habilitá-lo para você se tornar capaz de encaixá-las corretamente. – abri os meus olhos e percebi que o olhar do Ivan transmitia uma confiança impecável, eu realmente me senti importante naquele momento.

 

 

- Obrigado. – agradeci, e fechei meus olhos novamente.

 

 

- Eu que agradeço por você me deixar fazer isto. - disse Ivan, enquanto retirava seu dedo indicador do centro de minha testa.

 

 

- Você também não é capaz de completar quebra-cabeças? – não pude deixar de lhe perguntar tal coisa.

 

 

- Apenas os mais fáceis e alguns de nível mediano, e eu preciso fazer as pessoas revelarem as peças primeiramente. Quando o quebra-cabeça é complexo eu tenho problemas em encontrar as peças certas, e quando procuro completar sempre tenho muita dificuldade. – suspirou. – O seu caso é um exemplo. – Virou-se novamente para o corredor, ficando de costas para mim.

 

 

- Quer dizer que sou melhor em completar quebra-cabeças do que você? – aquelas palavras deviam tê-lo aborrecido.

 

 

- Se você quiser entender desta forma, por mim tudo bem. – respondeu. – Se você aprimorar sua habilidade, você será capaz de completar os quebra-cabeças mais complexos que existem.

 

 

- O jogo me fará aprimorar a minha habilidade?

 

 

- Exatamente. – respondeu, e em seguida se dirigiu até o corredor. – Lamon! – gritou.

 

 

- Ivan, eu preciso lhe contar uma alucinação que eu tive hoje na escola, quando você me disse umas palavras estranhas. – caminhei apressadamente em direção ao corredor, e permaneci a um metro de distância do garoto.

 

 

 -Sim, senhor? – o Lamon apareceu no cômodo abaixo e olhou para cima aonde eu e o Ivan nos encontrávamos.

 

 

- Prepare o tabuleiro de xadrez, pois mais tarde eu jogarei com o Lucas, por favor.

 

 

- O quê? – eu congelei na hora, lembrei da alucinação imediatamente.

 

 

- Ora, vamos jogar xadrez. Você não deve ter esquecido as regras, não é? Eu as ensinei há poucos dias. – virando seu rosto para me olhar com o canto do olho, me fez tal pergunta.

 

 

- Eu lembro sim. – estava atônito.

 

 

- Sim senhor. Prepararei o tabuleiro. – disse Lamon, e logo em seguida se retirou.

 

 

-Obrigado. – agradeceu seu mordomo. - Olha só que engraçado... –virou-se e me olhou com um sorriso no rosto. - Eu estou vestido de L, e tenho um mordomo que me trouxe as balinhas de coco. Eu poderia tê-lo chamado de Watari, o que você acha? – logo depois deu uma gargalhada.

 

 

- É mesmo. – ri junto com ele. – Ivan... – cessei a risada. – Preciso lhe contar algumas coisas sobre uma alucinação que eu tive. – coloquei as mãos nos bolsos, e balancei meu corpo como uma gangorra. – Também preciso que você me ajude com a matéria de matemática.

 

 

- Ah!... – exclamou. – Trigonometria!

 

 

- Aquele negócio de fórmula geral não entra na minha cabeça. – soltei uma curta risada.

 

 

- Está bem. Tentarei lhe ajudar.

 

 

Logo depois, retornamos para o quarto. Tratei de descrever a alucinação que tive, e Ivan ouviu atentamente. Sua expressão no decorrer da minha narração expressava claramente o seu estado de incerteza sobre seus pensamentos. Assim que terminei, ele me disse sua opinião sobre o que eu havia enxergado, mas logo depois voltou atrás e finalmente disse que não podia afirmar nada. Resolvi então não tocar mais no assunto das minhas alucinações, porque o fato de ele não conseguir afirmar nada sobre as mesmas, o deixava visivelmente desanimado.

 

 

Mudei de assunto e conversamos um pouco sobre a escola. Falamos um pouco sobre os colegas que mantínhamos algum tipo de contato, e ai ele me disse que se interessou por uma frase da Letícia. Não pude deixar de comentar que aquela frase sobre as palavras “bom dia” ditas por ela, para mim era ridícula. Discordei mais ainda do Ivan, quando ele me disse que ela poderia ser uma ótima jogadora. Procurei convencê-lo a não mostrar o jogo para a menina, pois se mostrasse ela iria espalhar para todos o que estávamos fazendo, e ai iríamos ser alvo de chacotas na escola. Ele procurou mudar de assunto e pude perceber que não levou muito em consideração os meus argumentos. Você leitor, é livre para interpretar a minha atitude neste momento como quiser, mas tenha cautela.

 

 

Resolvi então pedir que ele me ajudasse com a matemática, disse que seria melhor cuidarmos da parte chata da visita primeiramente, para depois podermos jogar xadrez. Alguns instantes depois estávamos sentados em cadeiras ao redor de uma mesa no jardim, estudando trigonometria com os livros sobre tal mesa. Não consigo deixar de sentir uma ponta de graça quando me lembro como era difícil estudar ciência naquela época, precisávamos ler e reler várias vezes conceitos científicos que fugiam um pouco do nosso cotidiano para conseguir aprender corretamente. O desenvolvimento tecnológico na época era voltado para outros fins, que não fossem para aprimorar o aprendizado dos próprios pilares que sustentavam a ciência; os seres humanos. As pessoas pareciam não gostar do progresso na época, estavam mais preocupados em desfrutar de prazeres e sustentar vícios egoístas do que desenvolver tecnologias que aprimorassem o próprio desenvolvimento tecnológico. Por que será que não compreendiam uma lógica tão simples? Mais cientistas, mais tecnologia, mais benefícios. Não posso criticar muito, afinal a internet era apenas um bebezinho. Nessa época pelo menos se esforçavam em informatizar as pessoas, isso já era um progresso.

 

 

O Lamon se dirigiu até nós com uma bandeja e logo depois nos entregou dois copos de suco de laranja. Realmente era muito estranho enxergar uma cena como aquela em um país como o Brasil. Mesmo sabendo que o Ivan era descendente de ingleses e alemães eu me sentia desconfortável em enxergar um mordomo semelhante aos de filmes estrangeiros. E me senti mais estranho ainda quando ele comentou novamente que deveria chamar o Lamon de Watari, assim que o próprio se afastou de nós e se dirigiu até a cozinha. Era engraçado estudar trigonometria com um cosplay do L.

 

 

- Pronto. Acho que terminamos todos os exercícios. – observou Ivan. – Você entendeu a matéria?

 

 

- Sim. Muito obrigado. – agradeci, estava feliz por ter compreendido, o Ivan tinha simplificado aquela matéria que me parecia tão complicada. – Você deveria se tornar professor.

 

 

- Eu ? – ele se surpreendeu com as minhas palavras. – Não quero ser professor. – riu.

 

 

- Você explica tão bem. Por que não?

 

 

- O que acontece é que eu consigo enxergar a ciência de outra forma, só isso. – explicou.

 

 

- Como assim?

 

 

- Você acha que essas matérias que estudamos são úteis em que?

 

 

-Em nada. Servem para me fazer tirar nota vermelha e fazer meus pais brigarem comigo. – apoiei meu queixo sobre minha mão e enchi minhas bochechas com ar.

 

 

- Que nada. – balançou a cabeça. – Espere ai. – levantou da cadeira. – Vou lhe mostrar o quanto a ciência é interessante. – correu em direção à cozinha.

 

 

- Ei! Aonde você vai?

 

 

- Já volto! – gritou de dentro da cozinha.

 

 

Fiquei esperando por alguns minutos, até que ele retornou com um pires cheio de água e coberto por um pó marrom.

 

 

- Pronto. – colocou o pires sobre a mesa.

 

 

- Pra que isso? – olhei o pires curiosamente.

 

 

- Coloca o seu dedo ai. – me olhou com um sorriso estampado no rosto.

 

 

- Eu? – levantei e olhei Ivan com uma expressão de deboche. – Pra quê?

 

 

- Vamos. Coloca logo. – insistiu.

 

 

- Olha lá hein? – coloquei o meu dedo indicador devagarzinho dentro do pires.

 

 

- Viu? Não doeu. – disse Ivan.

 

 

- Não mesmo, mas por que você me fez fazer isso? – eu não estava entendendo nada.

 

 

- Hum... – resmungou. – Que estranho. – ergueu seu braço. – Vamos ver o que acontece se eu colocar meu dedo.

 

 

Encarei Ivan com um olhar desconfiado. Assim que ele colocou seu dedo indicador dentro da água, o pó que estava sobre a superfície se afastou do seu dedo bruscamente e aquilo me fez arregalar os olhos.

 

 

- Como você fez isso!? – exclamei, espantado com o fenômeno.

 

 

- Eu não te contei? – disse Ivan, em meio a risadas. – Eu tenho poderes especiais.

 

 

- Mentira!

 

 

- Sério! – gargalhou em seguida.

 

 

- Para com isso! – por um momento eu quase acreditei. – Me conta como você fez isso.

 

 

- Tá bom... – logo após terminar de rir, ele sentou-se na cadeira e fez uma pirâmide com as mãos. – Você pode fazer isso em casa depois com os seus pais. Seria interessante você contar como fez isso também.

 

 

- Não sei. Acho que vou preferir que eles achem que eu tenho super poderes.

 

 

- Não seja bobo, seu pai é advogado e você sabe que ele tem algum conhecimento científico para saber que isso não foi mágica.

 

 

- Tem razão. – olhei para cima e fiz cara de tédio por alguns segundos. – Me conta logo.

 

 

- Preste atenção. – ele não precisava nem pedir isto. – Isto tem a ver com química.

 

 

- Detesto química. – soltei tal comentário.

 

 

- Vai deixar de detestar a partir de hoje. – sorriu para mim. – O pó que estava sobre a água é pó de canela, se você utilizar pimenta do reino moída também dará o mesmo efeito. Você se lembra daquela matéria sobre tensão superficial?

 

 

- O quê?

 

 

- Esquece. Só ouve o que vou dizer. – a expressão do Ivan demonstrou aborrecimento. – Você deve ter percebido que a água estava um pouco quente. Eu tratei de esquentá-la para que o experimento funcionasse.

 

 

- Uhum.

 

 

- As partículas do pó de canela permanecem sobre a superfície da água devido à tensão superficial da mesma. Quando eu estava preparando o pires eu molhei a ponta do meu dedo com um pouco de detergente. O detergente é um tensoativo que possui em sua composição um sufactante que é capaz de quebrar a tensão superficial da água, gerando desta forma uma perturbação nas moléculas da superfície, e em seguida tais moléculas se afastam do centro do pires empurrando o pó para as extremidades.

 

 

- Que língua é essa? – não entendi muita coisa da explicação do Ivan.

 

 

- Linguagem científica.

 

 

- Então só tenho que molhar o meu dedo com detergente e colocar ele no centro do pires.

 

 

- Aiai.. – Ivan suspirou. – Você não entendeu que isto tem a ver com o que está escrito nos seus livros de química? Percebe que o que está escrito nesses livros não é uma coisa inútil?

 

 

- Eu tava só zuando.

 

 

- Que bom.

 

 

- Isso foi muito legal.

 

 

- Existem certos fenômenos que acontecem ao redor da gente que por não sabermos exatamente algo claro sobre eles, temos a tendência de considerarmos manifestações divinas.

 

 

- Milagres?

 

 

- Exatamente. – confirmou. – Imagine se eu estivesse na idade média e fizesse esse experimento perto de alguma pessoa daquela época.

 

 

- Existia detergente naquela época?

 

 

- Não Lucas. Não como os de hoje. – Ivan riu da minha pergunta. – Mas existiam substâncias sufactantes. – ele era paciente. – Se eu fizesse esta experiência, seria considerado um bruxo e seria perseguido. Agora você tem uma noção mais ou menos de como surgiram os mitos conhecidos popularmente como milagres.

 

- Legal.

 

Estava interessante a nossa conversa, o Ivan sempre que possível se esforçava para abrir meus olhos e enxergar a beleza da ciência. Tive sorte de tê-lo por perto tanto tempo.


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Notas finais do capítulo

Comentem por favor. ^^