Underworld escrita por shyneider


Capítulo 3
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/345541/chapter/3

Houve certa vez um homem que foi banido das cidades subterrâneas. Sua sentença seria habitar a superfície até o fim de sua vida, mas após três anos ele voltou, suas vestes eram alvas e sua presença era tranquilizadora. Ele falava em um deus que olhava pelos humanos, e seu nome era Zion, as pessoas precisavam de algo em que acreditar, e por mais que dissesse que a divindade era uma mentira, o culto ao deus Branco se propagou pelas cidades, entrando no meio de famílias, e se tornando tão comum, que tão rápido quanto veio, ele foi aceito e se tornou a religião oficial das cidades.

Os grupos que tentavam desacreditar o deus foram perseguidos por heresia, muitos foram assassinados, e o caos logo se instalou dentro das cidades, e após uma reunião dos sete reis, foi criada a Suprema Corte de Justiça, que mantinha a ordem nas sete potências, de modo que a taxa de assassinatos despencou rapidamente. Satisfeitos com o resultado da Suprema Corte, os reis se voltaram apenas aos deveres menos exigentes, deixando nas mãos dos juízes e do supremo juiz toda a responsabilidade de preservar a ordem e a paz.

Em pequenos grupos eram passadas tradições de antigas religiões que agora estavam esquecidas, Vishnu não era mais que um belo nome agora, assim como Yaweh, Jeová, Cristo e qualquer outro que um dia havia ocupado um posto importante em algum panteão. As pessoas não tinham mais tempo para se dividir, então aceitavam um único ser que tinha poder suficiente para mantê-los unidos.


Cidade de Fogo

Quando Denil virou a última gota da sua cerveja, o barman já o encarava com uma expressão furiosa.


— Outra! – ele exclamou batendo a mão no balcão.

— Não acha que já bebeu o suficiente para o mês inteiro? – Jack perguntou segurando o ombro do homem.

— OUTRA! – ele berrou agora dando um soco no balcão.

Alguns homens que estavam sentados nas mesas ao fundo do bar se levantaram, mas Jack, uma bela mulher de pele cor de caramelo se virou e os encarou com um olhar ameaçador.

— Não vou servir mais nada para você Denil, vá embora e não volte ao meu bar! – disse o barman puxando uma arma que estava sob o balcão.

Cambaleando, Denil se levantou com as mãos erguidas e se virou, a mulher o seguia de perto e mantinha os olhos fixos nos homens que formavam um corredor até a porta do bar, ela estava preparada para defender seu amigo se fosse necessário, mesmo acreditando sinceramente que ele não valia um centavo furado, ainda assim, era seu amigo e não estava nos melhores dias.

Ao cruzar a porta do estabelecimento, ele bambeou e recostou na parede, o mundo girava e sem se dar conta suas pernas falharam e ele caiu sentado. Por alguns instantes a mulher pensou em abandoná-lo ali, mas ela não conseguiria, se pudesse teria feito isso há muitos anos atrás, quando se apaixonou por ele, mas percebeu tarde demais que era inútil amar um homem como Denil, que não tinha um coração, ao menos não da forma como ela gostaria que ele tivesse. Ela se lembrava dele em uma época não muito distante, quando precisava se controlar para não se atirar nos braços daquele homem, como sempre quis fazer, mas sempre tivera o bom senso de nunca se permitir que algo do tipo acontecesse, hoje Jack se pergunta se deveria ter sido tão difícil.

Denil vomitou e isso fez com que a mulher deixasse as memórias para trás e retornasse ao presente. Pouco tempo depois de vomitar, ela viu a calça dele molhar, e suas lágrimas escaparam. Ver o homem que tanto amou naquele estado era demais para ela, mas nunca antes havia se entregado, ou desistido de alguém, e não começaria logo naquele instante a ter esse hábito.

Reunindo todas as suas forças, ela levantou o homem, e juntos atravessaram algumas ruas até chegar a casa dele.

A Cidade do Fogo, diferente do que o nome sugeria, era fria, muito fria, e era lá onde as imensas forjas ficavam e mantinham todas as sete cidades aquecidas, através de um sistema de aquecimento gigantesco que estava ligado diretamente à fonte de calor, que ficava logo abaixo do centro flamejante, que era um vulcão ativo, porém inofensivo. Diferente da Cidade de Ferro, que fora toda construída com o material de onde herdara o nome, a Cidade de Ferro fora toda construída em pedra e ferro forjado na Cidade do Fogo.

— Não podem me tratar assim! – Denil gritou entrando em casa aos tropeços, enquanto Jack o levava para o quarto, ele continuava gritando a plenos pulmões. – Se eles soubessem... Eles não sabem, mas um dia vão descobrir... Ah se vão... E sabe o que eu vou dizer? Me pergunta, vamos lá, pergunta o que eu vou dizer a eles quando descobrirem!

— O que você vai dizer Denil? – Jack murmurou enquanto ajudava a se sentar na cama e tirava suas botas.

— Vou dizer que estamos perdidos... – Denil respondeu antes de cair duro na cama.

— x —

Ela caminhava pelas ruelas da Cidade, enquanto pensava nas palavras de Denil, ele sempre dizia que as pessoas não sabiam o que estava por vir, e Jack acreditava nele, inúmeras vezes ele lhe dera tal motivo, e após a última vez em que ela quase foi morta por uma criatura que rastejava pelas cavernas onde estivera trabalhando junto com os construtores da Cidade de Pedra, ela nunca mais questionou as indicações que ele sempre lhe dava a cerca de aonde ir e onde evitar estar perto. Ela transmitia muitas das dicas de Denil para os companheiros de trabalho, mas certas coisas ela preferia manter para si, como por exemplo, aquele último aviso que ele acabara de dar.

— O que será que ele espera que venha...? – ela murmurou, e deu de ombros.

Os dois se conheciam há muito tempo, desde uma época em que serviram juntos ao exército das sete cidades, ambos eram tenentes, ninguém nunca disse qual era o inimigo que eles deveriam enfrentar, mas em várias ocasiões o seu pelotão fora enviado para explorar as cavernas ao redor da Cidade Central. Denil sempre a cobria e vice e versa, até que um dia eles foram separados.

O tenente fora enviado com um grupo de soldados para algumas cavernas desconhecidas, e durante quatro anos Jack não soube nada do amigo, muitos já o consideravam morto, mas ela mantinha a fé de que ele estava bem, quando ele voltou não era mais o antigo Denil que conhecera. Algo havia acontecido em sua última expedição que o mudara para sempre, mas ele nunca falava sobre aquilo, por mais que ela insistisse, ele sempre evitava tocar naquele assunto, e quando estava muito bêbado, ele apenas dizia as mesmas palavras: “Alguma coisa está vindo...”.

Ela parou na estação, faltava pouco para o trem passar, e ela deveria voltar para casa, pois estaria muito ocupada no dia seguinte, quando o grande transporte parou e abriu suas portas, ela entrou sem dar muita atenção aos passageiros, estava tão mergulhada em seus pensamentos que nada poderia perturbá-la, até se sentar e olhar ao redor e estacar.

Quatro pessoas ocupavam aquele vagão, três vestiam mantos negros da cabeça aos pés, enquanto o quarto vestia um terno elegante e ainda mais negro que os três mantos, seus olhos, negros como o breu, estava concentrado em Jack, ele não disse nada, apenas moveu a cabeça em um breve cumprimento que foi respondido pela mulher, e então se levantou e caminhou até ela.

— Há tempos que não cruzamos o caminho um do outro, não é mesmo, senhora Jackelin?

— Quase quatro anos, se bem me lembro, senhor Supremo Juiz Gulag... O que o traz a este lugar? Alguém andou perturbando a paz novamente? Ou então insultaram seu precioso deus branco?

O homem estreitou os olhos para Jack, medindo quanto tempo ela poderia aguentar se ele a levasse em custódia, e percebeu que não muito mais do que criminosos de verdade com quem ele estava acostumado a lidar. Gulag abriu um sorriso amargo e meneou com a cabeça.

— Você era uma peça valiosa para o nosso exército, porque resolveu nos abandonar? Seus serviços sempre foram muito estimados e sempre me certifiquei de que recebesse o devido reconhecimento. Sempre haverá um lugar para você em nossas fileiras.

— Por que está me oferecendo novamente este cargo? – Jack perguntou pesando cada palavra que dizia. – Estamos em paz, não é isso que o senhor vem pregando há tempos? Nada mais nos incomoda, o mal já se foi, e toda essa baboseira...? Acha mesmo que tenho cara de idiota, Gulag? Está escrito imbecil na minha testa? Não nasci ontem, sei que tem alguma coisa acontecendo e você não quer contar a ninguém – a essa altura, Jack abaixou a voz de modo que apenas Gulag pudesse escutar o que ela estava falando –, estão abafando tudo em Haazel, conheço seu tipo, você, esses que andam ao seu lado como se precisasse mesmo de uma guarda! Já o vi se defender muito bem em um campo de batalha cercado por uma centena de inimigos, e sem portar armas... não sei o que vocês estão escondendo, mas sei que há alguma coisa, e é grande, muito grande...

Gulag ficou em silêncio durante um longo tempo, enquanto os olhos de Jack percorriam o vagão, o trem havia sido construído na Cidade de Ferro, era impossível ñ identificar a assinatura dos trabalhadores da grande forja, ela vivera tempo suficiente em algumas cidades além de sua terra natal, e trabalhara em muitos destes lugares, por isso era fácil para ela reconhecer determinados detalhes que passariam despercebidos por um olhar menos treinado.

— Volte para a Cidade do Fogo, dê um banho em seu amigo imundo, cure-o da ressaca e vá até Haazel levando-o consigo, nem que seja amarrado, tenho um trabalho para vocês dois...

— Não, mande outro! – Jack respondeu logo de imediato.

— Não há ninguém mais em quem eu possa confiar... – Gulag murmurou sem fitar a mulher ao seu lado, algo em sua voz fez com que ela acreditasse que ele estava sendo sincero, o que por sua experiência, era muito difícil de fazer, mas por via das dúvidas, ele poderia muito bem estar dizendo a verdade, e nesse caso, se ela recusasse, poderia estar perdendo uma grande oportunidade de reaver tudo o que perdeu ao longo de sua vida.

— A que horas temos que estar lá?

— Que bom que concorda... – ele murmurou fitando de soslaio os outros juízes.

— Não disse que concordava, apenas perguntei a que horas precisaria estar lá caso aceite!

Jack se levantou quando o trem começou a desacelerar e aos poucos foi parando, quando as portas se abriram, lentamente ela caminhou até a saída, mas parou antes de deixar o vagão, uma força a obrigou a parar e se virar, Gulag estava de pé no meio do vagão e a observava impassível.

— Você e Denil estarão em Haazel amanhã ao meio dia, tenho uma missão para vocês e ambos a cumprirão, quando concluírem esta etapa da missão, poderão voltar até as sete cidades e vão esperar minha próxima ordem... Fui claro?

Jack tentou xingá-lo, mas tudo o que conseguiu dizer foi um forçado “sim senhor” e após dizer estas palavras, a força desapareceu e ela caiu, sua mão foi até à garganta e ela massageou toda a região do pescoço, onde antes parecia haver um tipo de mão imaginária que a estrangulava impiedosamente.

— Ajudem à senhorita Jackelin a retornar à Cidade de Fogo... – Gulag ordenou, e dois dos seus seguidores seguraram cada um o braço da mulher e a ergueram.

Quando a mulher tentou se desvencilhar, ela sentiu os lábios do homem ao seu lado esquerdo encostarem-se a sua orelha, e calmamente ele sussurrou:

— Não piore as coisas, apenas aceite... Ele pode te matar e você sabe muito bem disso!

— Você!? – ela murmurou espantada, e não houve resposta, os homens a arrastaram para fora do trem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Underworld" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.