Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 21
Ato


Notas iniciais do capítulo

Porque, afinal, eu sou muito boba pra vc's...



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Ponto de vista de Renesmee

Jake esperava na classe.

_Está tudo bem?_ perguntou-me ele antes mesmo que me acomodasse na cadeira.

_Pare de me perguntar se estou bem_ murmurei.

_Me importo com você_ sussurrou de forma energética.

_Importe-se um pouco menos_ retruquei, seu queixo se apertou e Jake engoliu qualquer coisa que estivesse prestes a dizer. Não gostava de ser ríspida com ele, mas sua proteção às vezes era sufocante.

Na manhã de sábado parei no último degrau da escada, admirando a sala vazia, confusa com o quão silenciosos eles foram.

_Está tudo na sala de jogos e no porão_ Jake surgiu vindo da cozinha, comendo uma maçã.

_Bom dia_ sorri e aproveitei sua distração para roubar a fruta vermelha de sua mão.

_Espertinha_ ele bagunçou meu cabelo enquanto eu mordia o fruto surpreendentemente doce.

_Hey, pestinha!_ Emmett trazia uma caixa de som do seu tamanho.

_Que tipo de música vai tocar mesmo?_ Jasper parecia preocupado ao perguntar isso enquanto colocava uma mesa de DJ ao lado da escada.

_O que eles costumam ouvir, acho_ respondi.

_A festa seria um fracasso se tentássemos educar o gosto musical dos convidados_ dizia Rose ao descer as escadas.

_Onde estão meus pais?_ perguntei a quem soubesse.

_Estão com Esme, precisei de umas coisinhas e eles foram comprar_ Alice respondeu surgindo pela porta da frente.

O dia passou rápido com os preparativos. Toda minha família perguntou o que eu queria ganhar e todos tiveram a mesma resposta: uma vida que pareça só minha é bom o bastante. De fato, não havia nada material que eu precisasse ou quisesse. Ouvi algo sobre ganhar um carro, mas meus pais não queriam que eu dirigisse ainda, não me importei, apesar de achar mais prático; eles não precisariam me levar a todos os lugares... O que eu queria era mais liberdade, experiências, nenhum de meus desejos eram compráveis.

_Tem certeza, tia?_ perguntei olhando o vestido que Alice segurava na minha frente, mesmo próximo ao seu corpo pequeno ele parecia justo e curto demais. Era preto, feito de algo que se parecia couro, pelo cheiro devia ser sintético.

_Você tinha gostado_ de repente ela parecia preocupada “Amei”, projetei em sua mente_ Vista, vai ficar lindo.


Fiquei nervosa ao me ver tão sensual no espelho. Minha pele parecia ainda mais branca em contraste com o vestido e o sapato pretos. Alice moldara meus cachos e prendera parte deles no alto de minha cabeça, deixando-os cair em cascatas, e a maquiagem era discreta para não parecer vulgar ao fim de tudo.

Há mais de vinte minutos eu podia ouvir carros estacionando na rua e no pátio na frente da casa, a música já tocava e os ouvia rir e conversar. Bella então veio me buscar, usava um vestido de seda vermelho e mais curto que o habitual_ estava deslumbrante.

Todos gritaram e assobiaram enquanto eu descia o ultimo lance de escadas. Logo depois fui abraçada por Mallory e Suzan em meio às luzes piscantes e difusas.

_Sua festa está perfeita!_ Mallory exclamou. Agradeci e fui falar com os outros.

Incrivelmente ainda havia espaço entre os corpos que se moviam com a música, porém com o som da porta se abrindo e fechando eu soube que não seria por muito tempo.

_Hey, Nessie_ Alguém me puxou e me sufocou com um abraço quente e apertado. Então vi os dois rostos conhecidos atrás dele.

_Seth!_ retribui o abraço, ele me colocou no chão e pude ver seu rosto.

_Você cresceu_ ele riu e eu bufei, não havia um mês que havíamos estado juntos.

_Não muito_ respondi sendo abraçada por Quil e Embry.

_Cadê o Jake?_ Perguntou Embry.

_Não o vi depois que desci, mas fiquem a vontade para procurar pela casa_ gesticulei para a sala que parecia ainda mais cheia de rostos familiares. Eles assentiram antes de se embrenharem entre as pessoas.

Acenei para Rose e Emm que dançavam abraçados perto da escada e para meus avós abraçados no batente da sala de jantar. Cumprimentei a maioria das pessoas, fui dançar com Suzan e Mallory e vi Jacob conversando com Jhon perto da porta. A certa altura vi Willian e os amigos, mal acreditei que eles tiveram coragem de aparecer. Não demorou muito até que...

_Nessie_ a voz veio acompanhada de um toque em meu ombro_ Você está linda_ disse Will quando me virei. Ignorei o fato de que ele estava muito bonito.

_Obrigada_ falei alto o bastante para que ele ouvisse.

_Nessie, eu queria falar com você. _ Suspirei, não respondi_ Você não pode terminar comigo, nós... Somos perfeitos juntos... _ Não o deixei terminar, sabendo o teor do que viria.

_Perfeitos por quê? Porque somos... Bonitos? Eu não acho que a forma como eu pareço seja a melhor coisa em mim. Você não devia pensar assim, que tal você olhar em volta e dar valor a coisas que realmente importam, a pessoas que verdadeiramente importam? Você não se importa realmente comigo e nós dois sabemos disso. _Nesse momento, destacando-se pela altura, vi Jake e Quil vindo em nossa direção. “Está tudo bem”, projetei na mente de Jake, que conteve o amigo. Continuei:

_Veja, eu não retirei o convite, e não vou deixar que ninguém expulse você daqui, mas esqueça qualquer coisa sobre nós, ok? Divirta-se_ gesticulei vagamente e mais uma vez o deixei apenas dando as costas. Parei na mesa de bebidas, esperando que ninguém me notasse ali, meio escondida perto da porta da sacada.

_Você está linda_ sorri automaticamente para a voz calorosa atrás de mim.

_Obrigada, onde você estava?_perguntei virando-me para Jacob, que tinha uma careta no rosto.

_Não é bem meu tipo favorito de festa_ respondeu dando de ombros.

_Não está tão mal_ eu estava me divertindo.

_Não, não está_ ele sorriu e envolveu minha cintura com um abraço_ Parabéns_ disse em meu ouvido e senti que havia algo em sua mão direita. Quando me soltou, entregou-me uma caixa do tamanho de um caderno, perguntei-me se seria isso ou um porta-retratos. Animada tentei abrir, mas ele não deixou.

_Não é educado abrir um e outros não_ ele pegou o embrulho de minha mão_ Vou guardar no seu quarto_ beijou minha bochecha e saiu sem me dar tempo para reclamar.

A certa altura, depois que dançar ficou difícil pela falta de espaço, as pessoas começaram a se despedir e, enfim, éramos apenas nossa família. Esme instruíra os garotos de La Push sobre o quarto onde dormiriam, e entre alguma piada de Emmett sobre meu vestido e alguma retaliação de meu pai, eu dormi numa poltrona que havia ficado ali.

Pela manhã a primeira coisa que fiz foi abrir o presente que Jake me deu. Senti meu queixo se cair quando fitei o tablete de madeira clara e envernizada, era meu rosto esculpido ali, e havia ainda pedaços de mogno em volta dele, se encaixando de maneira que cachos emolduravam meu rosto. Fiquei emocionada, era mais que lindo!

Pelos sons, sabia que era a única no andar de cima, então desci correndo a fim de agradecer, estavam todos na mesa de jantar.

_Sinto muito, Jake_ dizia Bella afagando os ombros de Jake, que estava de pé, as mãos espalmadas na mesa, a cabeça baixa. Embry, Seth e Quil, sentados para o café da manhã, pareciam partilhar da mesma tristeza.

_ Todos sentimos_ disse Edward, e Esme, sob o batente que dividia a sala de jantar da cozinha, aquiesceu. Meu estômago se revirou estranhamente frio, e senti-me oscilar, embora estivesse imóvel. Billy.

_Não, não, Nessie_ meu pai avançou, me puxando para si, me apoiando_ Rachel... Ela... Perdeu o bebê. Caiu, um acidente estúpido. Escorregou.

O fitei por um segundo, pensando comigo mesma o quão estúpido aquilo era: Rachel que queria tanto ter um filho cai e o perde, minha mãe que nunca planejara, morreu para ter o seu e aqui estou.

_A vida é frágil_ Edward respondeu apenas. Aproximei-me de Jacob, jogando meus braços por sua cintura, meio de lado.

_Estou bem_ ele afagou meus braços_ Vou ter muitos sobrinhos_ beijou o alto de minha cabeça, me abraçando.

Depois do clima triste do café da manhã, Jake veio falar comigo sobre o presente:

_Você gostou?

_Se gostei? Adorei, é incrível! Como fez sem que eu visse?

_Não temos passado muito tempo juntos... E você dorme muito_ Sentei ao seu lado no chão da sala, ele sorriu ao falar, mas meu coração se apertou com uma angústia indistinta que me impeliu a abraçá-lo.

_Incrível seu talento em esculpir em madeira_ disse Esme do outro lado da sala limpando a vidraça da sacada.

_Incrível é que Billy consegue ser ainda melhor_ respondeu Bella que tocava piano para si mesma.

_Meu irmão é que é incrível_ falei recostando a cabeça no ombro de Jake.


Já havia passado duas semanas desde o meu aniversário, e se antes eu achava que não estávamos sendo discretos o suficiente... Agora, então. Will tentou falar comigo algumas vezes, mas o ultimato de Jake pareceu surtir efeito, ele tentava se aproximar quando me via sozinha e então de repente, alguém de minha família estava ali, era inacreditável, era como se eu estivesse sob constante vigilância, aliás, era exatamente isso.

Eu estava de saída e Jacob surgiu na sala, vindo dos fundos da casa.

_Aonde vai?_ perguntou vestindo uma camisa, ele estava correndo.

_Ao cinema_ parei. Suas sobrancelhas se uniram sombreando os olhos escuros_ Desculpe, Jake, só garotas.

_Só garotas_ repetiu para si mesmo_ Tudo bem, pode ir_ pisquei atônita ao receber a permissão que não pedi enquanto ele sentava no sofá, o controle remoto na mão. Mesmo irritada, saí sem dizer nada, era sábado à tarde e eu não queria brigar com Jacob. Eu o adorava, o amava, mas ele estava cada vez mais sufocante com tanto cuidado. Mallory parou na frente da casa no momento em que passei pala porta.

_Onde está Suzan?_ Perguntei entrando no carro.

_Teve de sair com a mãe_ explicou_ Que tal comprar umas coisas comigo depois do cinema?

_Claro, vai ser legal.


Depois das compras Mallory me deixou em casa. Todos estavam caçando e Jacob dormia no andar de cima, o que me deixava praticamente sozinha... Meu celular vibrou no bolso.

_Hey, Suzan_ atendi.

_Oi, Nessie, está com Mallory?

_Não mais, o...

_Melhor assim, veja, não quero que me interprete mal... Willian pediu a Mall que desse a você um recado, ela disse que não lhe diria nada, porém, não acho que isso é correto, você devia decidir.

_Do que está falando?_ perguntei pensando que enfim alguém percebeu que a vida era minha e que eu devia decidir sobre ela.

_Ele queria encontrar você, ontem. Ele pareceu sincero quando disse que só queria conversar, e pedir desculpas. Bom, achei que você devia saber e decidir, embora entenda a atitude de Mallory.

_Obrigado, Suzan, você fez bem em me dizer, não se preocupe_ então nós desligamos.

Parei na cozinha, puxei uma das cadeiras e sentei fitando o celular, pensei se seria o certo deixar que ele dissesse o que tinha a dizer, mas eu não reataria com ele, isso era mais que uma certeza.

_Porque não me acordou?_ disse Jake entrando na cozinha.

_Acabei de chegar_ falei vendo-o vasculhar a geladeira.

_O que há Nessie?_ ele sentou ao meu lado, uma garrafa de leite nas mãos. Hesitei alguns segundos.

_Will quer falar comigo_ falei baixo e devagar. Jacob ficou imóvel alguns segundos, ele tinha estado furioso por causa da aposta... Continuei: _Algo como um pedido formal de desculpas.

_ Sei bem o que ele quer_ disse amargamente, entredentes_ Ele é um leviano irresponsável.

_Acho que devo falar com ele, nos acertarmos é...

_Não acredito que está pensando em voltar com ele_ sua voz se alterava, o punho se fechou sobre a mesa. Nos acertarmos não era nesse sentido...

_Porque faz isso, Nessie? Você não o quer.

Jacob tinha razão, mas não tinha direito de falar daquela forma. A certeza com que ele falava por mim era enervante e o fato dele estar certo piorava tudo.

_Sim, mas não preciso querê-lo para tê-lo_ demandei ácida. Céus, o que eu estava dizendo?! Jake estava me tirando do sério com aquilo. Ele tremeu e respirou fundo, um espasmo e estava imóvel novamente_ Pare de falar assim_ eu pedi, tentando controlar a voz.

_Eu sei, como se fosse algo sobre mim mesmo que você nunca o quis, por isso digo essas coisas. Nessie... Se ele fosse bom para você, juro, eu juro, não me importaria_ sua voz era calma_ Mas ele é um idiota!_ acrescentou grunhindo as palavras.

_Apenas acho que ele merece dizer o que precisa_ falei suavemente.

_Esqueceu da aposta infame que ele fez? Esse cara não merece nada de você_ disse Jake com uma calma tênue. Porque ele não parava?!

_Sabe, talvez eu devesse tê-lo feito ganhar, seria mais fácil do que viver com você me lembrando isso_ as palavras saíram em borbotão, mal as considerei e elas já estavam ditas.

A garrafa de leite na mão de Jacob explodiu, o cheiro do líquido me invadiu antes que estivéssemos ambos encharcados. Limpei o rosto com o punho da jaqueta tomando ar para despejar uma série de reclamações. No entanto, Jacob vibrava do outro lado da cozinha, a mão trêmula estendida, numa advertência. Eu não tinha certeza do quanto estrago sua transformação faria, mas sabia que não seria nada bom. Ele ergueu os olhos e, como há um tempo vinha sendo, eu não pude decifrá-los. Porém dessa vez por causa de sua raiva, a mesma raiva que o queimava e o fazia tremer como um diapasão, não por causa de qualquer outra coisa que pudesse haver. Nunca o vira assim, e era assustador apesar de familiar. Aos poucos vi o tremor diminuir, quando tive certeza de que ele permaneceria homem saí, com raiva, uma raiva que fazia meu escudo tremeluzir, além da raiva, sentia-me sufocada, como se algo se avultasse sobre mim, ou dentro de mim, era confuso, mas a atitude de Jacob naquele momento parecia ser a razão.

_Aonde vai?_ sua voz soou de dentro da casa.

_ Atrás de Willian talvez_ resmunguei, sem ter certeza de que ele poderia ouvir, passando a correr. Atrás de mim patas grandes faziam o solo vibrar minimamente, corri na direção em que sabia que o bosque no fundo de nosso quintal dava para a rua, em outro quarteirão, numa parte mais movimentada de onde ficava nossa casa. Pulei o muro baixo que separava a floresta da calçada, pousando lá sem chamar atenção dos dois veículos que passavam ali no momento.

Dentro da floresta eu ouvia o lobo gigante respirando... Eu não conseguia fazer a mágoa ceder... Decidi voltar para casa, mas ia andando, pela rua mesmo, numa velocidade que mesmo para um humano seria devagar.

Jacob estava no meio do pátio da frente da casa, em sua forma humana. Cogitei seriamente a idéia de me jogar no chão chorando e esperneando como uma criança irritada...

_Você não pode, Nessie_ disse ele, a postura de quem é uma fortaleza.

_Porque não? É minha vida!_ rebati desistindo de dar explicações.

_Você... Isso é ridículo!_ sua voz quase gritava.

_Tem razão é ridículo, você está sendo ridículo, mas quer saber? Eu sei o que pensa e não dou à mínima!_ falei me aproximando dele, mas com a intenção de simplesmente passar.

_Quero o melhor para você_ disse ele virando-se conforme eu passava por ele.

_Acho que posso decidir o que é bom para mim e só eu posso falar pelo que sinto.

_Não posso acreditar... Não vou deixar que...

_Não me importo com o que acredita_ o interrompi_ Não preciso de você, não pode me dizer o que fazer, você não tem poder algum sobre mim_ falei entrando em casa. Estátuas preenchiam a sala, atentas e abismadas. Uma delas moveu os lábios:

_O que está acontecendo?_ indagou Bella.

_Renesmee_ disse Edward parecendo em choque.

_Seria péssimo se fizesse algo do qual se arrependesse_ tentou Jacob, mas eu já estava cansada:

_Não quero saber o que você pensa, ou quer para mim. Eu sinto muito, Jacob Black que você não tenha conseguido controlar e mudar a vida de minha mãe, mas também não vai fazer isso comigo!_ minha voz se erguendo a cada palavra até que eu já gritava enquanto subia a escada para meu quarto_ Vai embora, Jacob! Não preciso de você, saia desta casa, deixe-me em paz, vá embora, saia da minha vida!_ lágrimas furiosas jorravam de meus olhos de forma que eu não via muito bem em volta, apenas Jacob era meu foco de visão.

Seu rosto era perplexo, chocado, os olhos vidrados estavam úmidos. Em meio ao caos que eram meus pensamentos furiosos, aquilo me cortou o coração. Quase pude sentir como se fissuras se abrissem em meu peito e eu me arrependi no exato momento em que acabei de proferir as palavras, neste milésimo de segundo eu hesitei em meus passos e então meu lado menos altruísta assumiu o comando enquanto eu me virava correndo e seguia firme para o quarto.


Ponto de vista de Jacob

Vai embora, Jacob! Não preciso de você, saia desta casa, deixe-me em paz, vá embora, saia da minha vida!

Eu pensei, nós todos pensamos, que os laços, os cabos que prendiam uma vida a outra pelo imprinting eram indestrutíveis, que era algo indissolúvel. Mas em algo todos estavam certos, a dor de se perder alguém ligado a nós por meio dele era algo com que não se podia lidar bem. Era isso que vinha sentindo, a dor de perder, pouco a pouco, o que mais se ama e se preza, apenas não soube reconhecer. Agora, no entanto, estava ali: uma dor indescritível. Algo que humano ou não, é impossível suportar.

Nunca imaginei, nunca houve na história de meu povo, dos ancestrais que por herança eu trazia no sangue, algo como aquilo, alguém que negasse a dedicação, um erro tão grande que destruísse assim a vida de alguém tomado por algo tão bom e puro como o amor imposto pelo imprinting. Porém, não havia sido assim desde o início? Nunca houve. Jamais houvera um lobo que sofresse isso por alguém que não fosse inteiramente humano. Tinha de acabar assim: nunca houve. Nunca haveria.

O inimaginável acontecia ali, na minha frente: tudo que eu era se tratava dela. Porque tudo em mim se desfez quando a vi pela primeira vez. Agora acontecia novamente. Eu estava vendo todos os milhões de cabos indestrutíveis sendo rompidos pela única coisa no mundo que poderia fazê-lo: Renesmee. Eles foram cortados a cada palavra, a cada pedido ou ordem, não faria diferença, eu não poderia desobedecer, era como o espírito de um alfa que só havia dentro de mim, como se ela fosse meu alpha, agora me suprimindo, me obrigando a atender. Os cabos ainda estavam ali, apontando em sua direção, como um radar viciado, mas estavam soltos, presos apenas a mim. Eu e meus muitos cabos estávamos à deriva, porque não havia nada mais para me preencher, eu não voltaria a ser eu mesmo e ela não queria estar aqui. Choque e desespero me paralisavam enquanto a assistia se afastar de mim, suas palavras ecoavam em minha cabeça como se ela fosse um espaço vazio infinito. O planeta parecia girar ao contrário, não havia gravidade e sequer um espaço por onde flutuar sem rumo: tudo era nada, se resumia nisso. A simetria universal, antes tão clara, se desfazia aos meus pés enquanto a realidade me atingia com o baque do próprio sol desabando.

Renesmee não precisava de mim, me queria longe... E apesar de não ter idéia de como era a vida longe dela, e temendo a certeza de que não era uma vida o que me esperava, minhas pernas me impeliram para fora, a fim de atender seu desejo. O calor desesperado e faminto pareceu se alimentar dos ossos do homem que eu era, me dividindo, enquanto um grito subia junto dele em direção a minha boca, trazendo a tona o animal que em primeira instância apenas sentiu a dor conforme eu exigia mais do que seus músculos poderosos podiam, mais que já havia testado em qualquer dia em sua vida. Em minha vida. O que saiu não foi o grito de um homem desesperado, foi um uivo tão alto e doloroso quanto não achei ser possível... Porém era apenas o começo, logo ele sentiria falta do que na verdade pertencia mais ao lobo do que ao homem.

Eu já estava longe quando os fragmentos de minha roupa chegaram ao chão, meu corpo cortando o ar como uma flecha ao passar por cima de um tronco caído e em seguida tocar o solo suavemente, sem jamais diminuir a corrida.

Dor agora era o que a excessiva pressão do vento incisivo causava em meus ouvidos, ou o que queimava em meus músculos por exigir demais deles, ou em minha garganta... Por enquanto, era apenas isso.



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Notas finais do capítulo

Pois é, eu não resisti...
E esse é o início do terror!
Pra mim é um dos 3 melhores capítulos, se tratando de emoção...
O que acharam?
=D querem me matar?!
Aposto que sim! haaaaaa