Fora Da Realidade escrita por Dreamer


Capítulo 5
Buffy, the v. s.: O rapaz de Trenzalore




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Apesar do meu tempo ser o mesmo. Eu sinto o dele correr. Uma grande linha tão maior que a humana, com tantas dores de tantas perdas...

Por mais que eu não respire ou suspire. Eu sou capaz de sentir o seu pesar... E a maneira como a sua mente brilhante o tempo inteiro procura uma maneira de me salvar.

Não existe salvação para a morte, meu Doutor...

Mas, ele busca e corre. E, silencioso, pensa em mim com saudades, com medo da perda definitiva. Com culpa...

Não foi sua culpa, Doutor.

Você não pode escolher morrer quando seus amigos morrem. Minha alma se foi, e sua ficou. Não se desculpe por sobreviver...

Eu apago aos poucos e não me arrependo de nada. Mas, se eu puder escolher algo para ser meu para sempre quando eu apagar por completo, se eu tiver sequer uma fagulha de existência e algo para me apegar, eu quero levar comigo a sensação do vento batendo no meu rosto, quando corria com você, com a sua mão atada à minha.

.o.

O Doutor controlava a TARDIS, apressado. Pousou em algum lugar. Mas, Buffy, com os olhos fixos no pescoço do Doutor: duas marcas pequenas de mordida eram evidentes, não se moveu.

—Vamos lá! —exclamou ele, pegando seu casaco e saindo. Mas, Buffy sequer se mexeu. Ele voltou para dentro: — Eu entendi que você vinha.

—O que aconteceu naquela noite? Você conseguiu se recuperar de um peito transpassado por uma estaca de madeira, mas tem uma marca de mordida no seu pescoço da qual você não se recuperou. Além disso, você estava tentando proteger uma vampira!

—Ei, você enfiou uma estaca no meu peito e eu não fiquei apontando para você. Vamos logo, estamos perdendo tempo! —disse, expressando leve irritação.

Buffy saiu da TARDIS e se sentiu desnorteada: era menor do lado de fora. Estavam em uma planície, o vento ameno movia o mato alto de um lado para o outro. Mais há frente, podia-se ver uma área pequena desmatada. Caminharam até ela: o chão era distorcido como se fosse feito de areia movediça, mas ao invés de área, tinha uma substância pastosa por vezes azulada, por vezes roxeada.

Eles pularam para dentro daquele portal.

A Slayer logo percebeu que naquele novo mundo, era de noite. Um grande cemitério se seguia à sua frente. Rodeados de estátuas que ela não saberia dizer se guardavam os mortos, ou se seriam os anjos.

—Ótimo! Um cemitério! Eu sou boa em cemitérios.

Mas, o Doutor sequer a ouviu dizer. Seus olhos ficaram vidrados na gigantesca e morta TARDIS: o seu próprio túmulo. Estavam em Trenzalore, o futuro cemitério que abrigaria os restos do Time Lord.

O choque inicial se seguiu da surpresa:

—É o meu mundo. Estamos de volta a realidade—virou-se para ver o portal de onde vieram: fechara-se. O mundo, como que refeito de uma leve turbulência, reestabeleceu o seu equilíbrio: — Não, não, não, não, não! — foi dizendo até correr ao local onde não havia mais portal.

—O que foi?

—Não podemos mais voltar! Eu e Rose não estávamos aqui, então o mundo saiu do equilíbrio abrindo vários portais. Mas, quando eu voltei com você, é como se as perdas tivessem sido reparadas! Todos os portais daqui para o seu mundo, se fecharam!

Antes que Buffy pudesse entender o que o Time Lord queria dizer. Percebeu um movimento com os seus sentidos aguçados. Sacou a estaca de dentro da sua jaqueta.

—Quer fazer o favor de guardar isso? Não tem vampiros nesse mundo, pelo menos não como os seus. Você vai acabar machucando mais alguém.

A Slayer não deu ouvidos e correu, como que perseguindo alguma coisa. Ia segui-la, quando se deteve: um jovem rapaz caminhava até ele, com uma expressão opaca e olhos vidrados.

—Doutor, o seu transporte logo estará aqui. Você não deveria estar de volta, ainda é cedo.

Sacando sua screwdriver, fez a leitura:

—Você não existe!

—Exato. Assim como a garota que veio com você. Ela tomou a existência do lugar de Rose Tyler. Por isso você pode vê-la. Mas, qualquer coisa do mundo dela que caia aqui, só será real para ela.

O Doutor a viu ao longe, lutando contra o nada:

—Ela está caçando vampiros imaginários?

O rapaz afirmou com a cabeça.

—Quem é você?

—Eu sou a sombra de uma existência acabada. Eu já fui desse mundo. Até dia em que fui sugado para outros planos. Planos de inexistência. E lá, sucumbi aos poucos... Até não mais existir.

O som da TARDIS pousando rangeu atrás do Doutor. Ele percebeu a nave surgindo aos poucos.

—Mesmo que o seu retorno tenha sido prematuro, você deve ficar. Se voltar para aquele lado, poderá não mais encontrar vida quando voltar para este mundo!

—Obrigado pelo conselho, mas isso não é uma opção para mim. Se você quer ajudar, me diga: o que causa tudo isso?

—Não é o que. É quem. Aquele que escolhe a todos nós. Um por um. Para morrermos aos poucos. Até as nossas últimas regenerações...

E no último fiasco de solidez, o rapaz sorriu e se desmanchou no ar, sem deixar qualquer átomo que provasse que ele existira ali, naquele instante. O Doutor engoliu seco: seja lá quem fosse aquele rapaz. Fora um dia um Time Lord.

A TARDIS terminou o seu pouso e sozinha escancarou suas portas, como se berrasse em desespero para que o seu adorado Doutor saísse daquele planeta.

—Buffy! —gritou ele, mas ela não lhe deu atenção. Correu até ela, que lutava como que contra três vampiros, agarrou a sua mão e a puxou do meio da confusão que só ela via. —Hora de ir embora! —anunciou ele, puxando-a. Vendo que a TARDIS estava lá, passou a seguir a corrida dele por vontade própria.

Entraram na nave que exibia uma coloração mista de azul e vermelho: um controle parcial. O Doutor esperava que aquilo fosse o suficiente para consertar tudo o que precisava. Começou a acionar várias alavancas e botões.

—Certo, vou procurar se há algum portal ainda remanescente. A-HÁ!

—O que foi?

—A TARDIS localizou um portal, vamos para lá!

A nave chacoalhou  desapareceu de Trenzalore.

.o.

Os três perderam o equilíbrio e caíram no chão. O Doutor se levantou rápido:

—Não não não! Paramos no meio do caminho e fomos puxados para algum outro lugar!

Buffy e o Doutor se levantaram:

—Que outro lugar? Perguntaram juntos.

Ambos os Doutores se olharam. Eleven (o Décimo Primeiro Doutor - Matt Smith), segundos antes com uma expressão triste e com os olhos vermelhos, deu um largo sorriso:

—Ei! Isso é novo! Eu não esperava por isso—disse olhando em volta para a antiga decoração da TARDIS. —Espere um pouco, é pior que isso—percebeu encarando Ten (Décimo Doutor). —Eu não me lembro de isso ter acontecido e ainda por cima, eu não me lembro de você—voltou o olhar e todo o corpo em direção de Buffy. —E eu me lembro de todas as minhas companheiras. Mas, não me lembro de você... A-HÁ! Há uma outra versão de mim em outros universos!

—O QUE?! Você sou eu no futuro? Não, espere! Eu sou de outra realidade, não sou do mesmo universo dela!

Eleven tirou sua screwdriver do bolso e analisou Ten – rapidamente encantado por ter uma visão do seu futuro – e Buffy.

—Certo! Você sou eu do passado. O que significa que em algum ponto você alterou essa linha temporal para que ela nunca tivesse acontecido. E você, qual o seu nome?

—Buffy—respondeu a Slayer, perdida nos acontecimentos.

—Certo, Buffy, este universo é seu, você está em casa. Agora, alguma coisa congelou o tempo e a TARDIS parou de funcionar.

—O QUE? Espere um pouco, o que você está fazendo aqui? —perguntou Ten. — Você não se lembra por outro motivo, o tempo não pode ser reescrito!

Eleven deu uma risadinha rápida, segurando-se para não gargalhar de si mesmo:

—Eu era tão ingênuo... —escapou-lhe num desabafo. —Longa história, essa de como eu vim parar aqui. Em resumo, salvei o dia. Eu estar aqui foi o efeito colateral disso. Mas, eu posso voltar, se alguém se lembrar de mim—explicou, mexendo nos controles da TARDIS de maneira muito mais precisa, segura e habilidosa.

—Você não está nos tirando daqui! —percebeu Ten, sem saber se deveria confiar na sua versão mais velha.

—Não, eu estava mandando uma mensagem para uma professora. Bem, uma amiga. Para que ela apareça no casamento de uma pessoa muito importante. Isso deve ser o suficiente para que a noiva se lembre de mim. Então, a partir de agora, eu tenho no máximo cinco minutos, e então eu vou desaparecer de volta para o meu mundo e o meu tempo! Nesse meio tempo, vamos ver no que eu posso ajudar—disse, agarrando Ten rapidamente pelo ombro e dando-lhe uma cabeçada dolorosa. Numa fração de segundos, leu a mente de sua versão mais jovem.

—Então, — perguntava Ten, esfregando a cabeça dolorida. — alguma ideia do que fazer?

—Hum, não, a TARDIS está paralisada, mas mesmo assim não há nada que você possa fazer nesse novo universo, e duvido que consiga outra chance para voltar.

—Preciso neutralizar os anjos e descobrir como interromper a vinda deles para cá.

—Ah, bem... Não se preocupe quanto a isso. Eu devo ser o culpado por eles estarem aqui—confessou, sem jeito, e foi-se logo justificando, ao perceber o olhar de repreensão de Ten. — Bem, havia uma rachadura, não era para eles virem para este lado, era para eles terem sido apagados da existência! Mas, nada mais virá para cá... A não ser as coisas que eu posso ter atirado nela nos últimos tempos... —e, pensando melhor, complementou: — Não, não, não acho que mais nada virá de lá para cá de novo. Você só precisa se preocupar em eliminar os anjos que estão aqui, reestabelecer o equilíbrio dos Vórtex e salvar Rose! Agora, até o futuro! Estou indo para o casamento de uma amiga! Geronimo!!! —exclamou, sumindo da TARDIS.

—Com você é sempre essa loucura? —perguntou Buffy, e ele riu.

O Doutor, agora único naquela sala, voltou a usar os comandos da nave, mas ela sequer respondeu para ele. Percebeu que Eleven conseguia usar a nave de uma maneira que Ten ainda não sabia.

As luzes da nave se apagaram.

—O que foi isso? —perguntou a loira.

—Protocolo de defesa 59. Ela desligou todas as funções porque alguém tentou manobrá-la de maneira drástica.

—Você?

—Não, alguém de fora... —respondeu, sentando no chão da nave. —Alguém está controlando a TARDIS por fora. Ela está começando a aprender a se defender. Só podemos esperar até que ela se reestabeleça.

Começava a esfriar. E ambos sentiram isso com maior intensidade quando se calaram.

—Você não virou um vampiro porque tem dois corações? —cutucou Buffy.

Ele a encarou:

—Porque isso é tão importante para você?

Ela deu de ombros:

—Porque você não desiste de resgatar Rose, que, aliás, está morta, enquanto que o meu namorado está perdido para sempre no espaço tempo e você não parece nem um pouco disposto a resgatá-lo?

A garota era muito mais esperta do que parecia. Eleven entregou a carta que ele nunca revelaria para ela: que na sua tentativa de restaurar os universos, pretendia também salvar Rose. Ele suspirou, vencido:

—Eu não posso ir com a TARDIS atrás do seu namorado porque o rastro deixado por um anjo cria uma distorção que não permite que ela pouse. Então é realmente impossível para eu ajudá-lo.

—Não quero parecer insensível, mas a vampira está morta. E eu não digo isso porque eu a estaqueei. Mas porque todo vampiro morre quando vira um vampiro! Ela já não tinha mais alma!

—Eu sei disso.

—Porque você sobreviveu?

—Quando chegamos no seu mundo, a TARDIS nos jogou direto num covil de vampiros. Eu sobrevivi não só porque tenho dois corações e mais sangue, mas porque aqui o meu corpo funciona diferente. No seu mundo, eu regenero, mas não mudo. No meu mundo, eu mudaria. Eu morri junto com Rose, mas regenerei. Eu não perdi a minha alma, e nem virei um vampiro, porque sou um Time Lord. Mas, Rose é humana.

—E ainda assim você acha que pode salvá-la?

Ele se levantou e ajeitou a gravata:

—Eu sou o Doutor, eu salvo tudo o que está ao meu alcance.

Ele pegou a screwdriver e apontou para os controles da nave. O painel começou a se abrir.

—O que você está fazendo?

—Não adianta eu querer consertar um Vórtex que eu não conheço.

—Isso é seguro? Eu vou ajudar você!

—Não! Não é seguro, e eu vou morrer no processo. Por isso, não se aproxime!

Ela interrompeu o passo. Se entendeu direito, mesmo morrendo, ele conseguiria retornar à vida.

—Quando eu terminar, vou nos levar direto para o momento em que eu te tirei de lá. Não se preocupe com os anjos, eu consigo lidar com eles.

Ela acenou afirmativamente e se preparou, desejando boa sorte para o que quer que ele fosse tentar fazer naquele momento.

Ele pegou a parte semi aberta do painel e a levantou. Uma luz intensa surgiu e ele pôde ver todos os detalhes do tempo e do espaço daquele novo mundo. Todo o nascimento e toda a morte. Todo início e todo o cessar...

.o.

Buffy acertou Spike em cheio no rosto. As estátuas à sua volta viraram pó. Mas, nem ela e nem a gangue tiveram tempo para observar o que estava acontecendo de fato.

Spike cambaleou para trás, surpreso. Buffy investiu mais chutes nele e ele percebeu Drusila e outros vampiros fugindo, enquanto Guilles, Willow e Xander conseguiram estaquear um vampiro.

O vampiro loiro fugiu como pôde, aos desajeitados tropeços, escapando da Slayer.

—Viraram pó! Como foi que as estátuas viraram pó? —perguntou Xander, confuso.

Willow, olhando em volta, logo deu um gritinho e correu: um corpo estirado no chão, ao centro de onde houvera uma maior quantidade de anjos, estava ensopado de sangue.

Todos correram até o corpo:

—É o Doutor—disse Buffy. —Mas, ele disse que podia se regenerar! —exclamou, perturbada.

Giles virou o corpo e tocou o seu peito: nenhum dos seus corações batia. Os anjos sabiam bem como destruir um Time Lord.

—Ele não pode se recuperar se foi morto enquanto se regenerava.

Buffy percebera: seja lá qual foi o motivo de sua morte quando olhara o Vórtex e o manipulara para voltar, não tivera tempo de se recuperar. Estava, definitivamente, morto.

.o.

Eu escrevo porque... Bem, aqui só existem essa caneta e esse papel, então: Allonz-y!

É muito estranho não poder sentir o tempo... Tê-lo estático é ao mesmo tempo um alívio e um tormento.  Não sei o quanto vou ter que esperar para algo acontecer.

Daqui eu vejo tudo, mas de uma maneira muito mais tranquila do que quando se olha para o Vórtex. Não ter um corpo é um fardo a menos. Talvez, por isso a compreensão do mundo, aqui, no paraíso, seja tão mais evidente.

Mas, não tendo um corpo, eu não posso segurar a mão da minha companheira enquanto corro...

Sinto falta de correr. Mas não sofro com isso. Aqui não é lugar de se sofrer. Algo me impede, como se esse sentimento simplesmente não existisse. Então começo a me lembrar de todas as corridas. De todos os inimigos que combati. De todos os meus amigos. De todos os meus companheiros.

Então, me lembro de Rose...

Esperava encontrar com ela em seguida da minha morte. Parece que eu não acerto sempre.

Então, eu espero... E penso em Rose...

.o.

Giles estacionou o carro na frente da casa de Buffy:

—Se quiser me ligue, a qualquer hora... —disse ele pela enésima vez.

Por mais que vivesse em cemitérios, um enterro sempre era uma coisa difícil de se ver. Ainda mais de uma pessoa tão cheia de vida como fora o Doutor.

Ela deu uma abraço rápido no Sentinela e desceu do carro. Entrou em casa, sem anunciar sua chegada para a sua mãe e subiu direto para o seu quarto. Fechou a porta e se atirou na cama, abraçando o próprio travesseiro, como quem segura o choro.

Estava cansada, confusa e ferida. Não só perdera uma pessoa que, percebeu, se tivesse tido a chance de conviver por mais tempo o consideraria facilmente seu amigo, como sabia que nunca mais veria Angel...

Soluçou baixinho, com seu choro mudo cobrindo a sua percepção das batidas suaves contra o vidro da sua janela. A certo ponto, ela notou o barulho e elevou o olhar: seu sangue congelou diante da imagem de quem via. Murmurou o nome dele baixo, como numa pergunta cheia de incompreensão. Então, gritou por ele, pulando para a janela e abrindo-a, puxando Angel para dentro num abraço.

Não conseguiram falar nada por um longo tempo. Do longo abraço, até o longo beijo. Então, a garota perguntou:

—Me disseram que você estava preso no passado!

Ele sorriu calmo. O sorriso dos que já viveram longos anos:

—Eu estive. Eu esperei por você. O tempo passou... Até o dia em que eu pude te ver de novo.

Ela quis que fosse possível passar a vida toda em um único beijo com Angel. Mas, numa distração pelo som que vinha do corredor, olhou para a porta sendo aberta:

—Buffy, você já está em casa? Está tudo bem? —perguntou sua mãe.

Angel sumiu como sempre conseguia fazer, conseguindo evitar de ser visto por Joyce. A mulher se aproximou da filha e lhe deu um abraço, imaginando que a expressão conturbada da filha era fruto do enterro, sem jamais cogitar o que estaria passando realmente pelo coração, subitamente aliviado, da Slayer.

.o.

Willow caminhava pelos campos da sede dos Sentinelas, em Londres. Já fazia dois anos desde que Sunnydale sumira do mapa. Assim como Buffy, seguira o seu próprio caminho, agora como uma poderosa deusa.

Não era pela ajuda que antes recebera deles que permanecia naquele lugar. Mas, de certa forma, Giles ainda era uma das poucas pessoas em quem podia confiar o seu caminho. Com ele por perto, ela sabia que não desviaria para um caminho de fúria.

De início, os Sentinelas não a quiseram acolher. É claro, a opinião deles não era de muita valia para impedir a vontade de uma deusa.

O rio estava muito calmo, o que era prenúncio de um dia de pouca agitação. Fechou os olhos e soube que Xander dormia naquele momento, Buffy dançava com um belo homem em uma boate na Itália e Giles preparava um chá.

Abriu os olhos, tranquila... Em seguida, gritou.

—Já percebeu que toda a vez que você me vê você grita? —perguntou o Doutor, com o seu cabelo sendo levemente bagunçado pelo vento.

—Você! Mas, você morreu! Há muitos anos!

—Sério? Bem, eu não esperava por isso. Acabei de deixar você, os seus amigos e Buffy num beco segundos atrás.

Willow se calou. Viajante do tempo. Ela havia se esquecido.

—Bem, de qualquer maneira, eu tenho um pedido para você. Nesta realidade e neste momento você é uma deusa, certo?

—Sim—afirmou ela, aguçando seus sentidos para ouvir o seu pedido.

—Eu vi, anos atrás você trazer uma pessoa de volta da morte. Vocês veem a morte como algo definitivo aqui, mas a verdade é que, na sua realidade, ela não é. Antes de vir te encontrar, eu viajei por vários momentos e dimensões. Agora entendo melhor: vocês migram para outros lugares. Em alguns vocês precisam de corpos para se materializar, em outros não. Outra coisa que quero esclarecer antes de fazer o meu pedido... Eu não existo aqui. Assim como a minha amiga. Não somos de outra dimensão, somos de outra realidade, você entende isso?

—Sim, eu entendo. Mas, eu posso ajudá-lo em que?

—Essa amiga minha que viajava comigo, morreu aqui. Foi transformada em vampira, você deve se lembrar disso. Como ela não existe, você não precisa oferecer nada por ela, simplesmente suas palavras devem ser o suficiente para trazê-la de volta.

—Você quer que eu a reviva? —perguntou num tom um pouco arrogante, mas logo se lembrou de que quem lhe pedia aquilo foi alguém que se sacrificou para salvar a vida dela própria. E percebeu: se ele estava correto em sua teoria, não haveria sacrifícios, não haveria nada de maligno. Ela sorriu: — Está bem, considere a sua amiga salva.

—Brilhante! —exclamou ele, com um sorriso. —Agora já vou. Preciso impedir os Anjos Lamentadores de invadirem este mundo.

Willow acenou e ele correu até a sua caixa azul, entrando nela, e fazendo-a sumir logo em seguida.

Ela levantou os braços e os céus se enegreceram, a terra tremeu e aqueles que se foram, retornaram para a sua inexistência.

.o.

Rose bocejou e se espreguiçou. Parecia ter dormido décadas. Levantou num pulo, correu para o banheiro do seu closet e se precipitou para o espelho: não havia dentes pontiagudos nem rugas profundas em sua testa. Respirou aliviada.

Caminhou pelos corredores da TARDIS, um pouco nervosa. Estivera morta. Sabia que o Doutor, de alguma forma, a trouxe de volta. Mas, qualquer coisa que quisesse perguntar escapara de sua mente quando viu a sala de controle quase completamente desmontada.

—O que está acontecendo?

—Oh, olá—disse ele com um sorriso, saído do meio das várias peças espalhadas. —Estou consertando a TARDIS. Vou instalar um novo protocolo de segurança para ter o controle total dela novamente—e ajeitou os óculos. —Mas, preciso alterar um pouco o maquinário dela para que funcione—e olhou para uma peça como quem não sabe para o que serve e a jogou para trás de si.

Ela riu:

—Desmontada desse jeito eu duvido que ela funcione mesmo!

Ele começou a juntar as peças e a montar o painel novamente. Em pouco tempo, estava erguida uma idêntica, porém nova, TARDIS.

O Doutor levantou uma alavanca e a boa e velha iluminação azulada retornou. Rose sorriu animada, mas percebeu com estranheza que ele não parecia igualmente animado. Uma voz anunciou “Protocolo de segurança 856, retorno a Terra em 3... 2... 1...”.  A TARDIS chacoalhou da sua forma usual e logo se materializou. Rose correu até a porta e a abriu. Era Londres: seu amistoso lar aguardava o seu retorno. Ela sorriu para o Doutor, mas ele não olhava para ela. Mexia no painel, voltando a modificá-lo.

—O que há de errado? —perguntou ela.

—Nada! Temos um tempo até eu arrumar tudo—disse apontando a porta com o olhar.

—Você não vem?

—Depois... —respondeu voltando sua atenção para a TARDIS de novo.

Ela não saiu da nave. Ele a encarou.

—Você me quer fora da TARDIS porque ainda tem algo de errado com ela!

—Eu estou consertando ela...

—Você planeja me deixar para trás! —arriscou ela, com uma boa dose de inconformismo em seu tom de voz.

Ele não negou. Ela foi até uma das cadeiras e se sentou, cruzando os braços:

—Eu não vou sair daqui.

—Rose... —disse ele, indo até a frente dela. —Eu não consertei a TARDIS. Eu só acionei um protocolo emergencial, mas logo eu vou perder o controle dela de novo. Mas, eu consegui te trazer para casa. Você precisa ficar. Quando eu resolver tudo isso, eu volto.

—Você está mentindo para mim! —percebeu ela, levantando-se, exaltada. —Você não sabe se vai voltar! Você não quer mais que eu viaje com você! Porque?

Inesperadamente, ele a puxou num abraço. Um abraço que queria dar-lhe há tempos...

—Você morreu lá...

—Você me trouxe de volta, Doutor. E você também morreu!

—Exatamente—respondeu, afrouxando o abraço e a olhando nos olhos: — Sempre foi perigoso, mas nunca desse jeito. Eu sempre tive o controle da situação, mas se o que aconteceu lá tivesse acontecido em qualquer outro lugar onde a morte é definitiva... Rose... Eu não poderia ter te salvado. Até eu ter o controle total da TARDIS, você não vai mais viajar comigo.

Rose não sabia se ouvia bem uma ordem. Era como se o Doutor implorasse para que ela ficasse longe e segura. Mas, por mais que ela entendesse a doçura daquele pedido, ainda era Rose Tyler. Ela absorvera a energia do próprio Vórtex para salvar aquele homem, não o abandonaria em perigo tão facilmente.

Ela o abraçou forte, como que em despedida. Ele a abraçou de volta. Ela esticou o braço e puxou a alavanca que mantinha a TARDIS sobre controle.

A nave soltou um alto guincho, como se gritasse. As luzes ficaram vermelhas e antes que o Doutor percebesse o que havia acontecido, a TARDIS chacoalhou violentamente, foram sugados de volta para fora da realidade.

(continua...)


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