Revolução Abissal escrita por brenoool


Capítulo 1
Deadly Dance


Notas iniciais do capítulo

Bom, esse capítulo vai servir como um prólogo, ou melhor, um "prepara-terreno" para o verdadeiro enredo.

Cada capítulo vai ser narrado por um personagem diferente, e em primeira pessoa.

Se não gostarem, considerem e deem uma chance, o capítulo dois explica melhor algumas coisas.

Esse cap vai ser narrado pelo Shast.



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Prólogo


Ano 2100


O céu mantinha-se claro demais para a aquela noite. Não, vermelho demais. A aparência que dava é que centenas de bilhões de potes de pó de comida instantânea cor escarlate foram jogados por toda a atmosfera. Talvez seja mais um showzinho daqueles lunáticos, penso. Faltava exatamente 1 mês para a chegada do novo século, e a colônia muito provavelmente estava dobrando os turnos para trazer um espetáculo ao céu humano.


Mas toda aquela vermelhidão tinha algo estranho. Afinal, faltava um mês para o festim. Ao menos que fosse o aniversário do presidente gordo. Não é o caso, pois se fosse, seriam todos bombardeados em nossos Discovers – Uma antena cravada em nosso cabeça do qual recebemos jogos, livros, filmes, músicas e, claro, notícias do governo - com novos impostos, notícias, impostos, músicas pops de parabéns, e impostos.

_Já não aparecem estrelas em nossos céus a décadas, Shast. Enfim, faça o que lhe der vontade. Ao menos não dorme, como faz em toda noite de vigia. – Interrompeu Owen, me tirando do meu transe.

Levanto meio olho para ele. Gente igual ele simplesmente não merece minha atenção.

_Não tenho falhado em meu trabalho até hoje. – Bocejei, tentando demonstrar o quão pouco me importava. - Vê se me deixa em paz, merda.

_Não falhou porque eu compartilho o turno com você, idiota. – Disse ele, sorrindo.

_Só conseguindo ser mais estúpidas que você mesmo para não conseguirem fugir. Tanto Artômio deve ter deixado elas resistentes e retardadas. – Cortei, olhando em direção ao tanque das baleias. – Por isso durmo, só alguém como você já basta para a vigília.

Olho entediado para as baleias, minha nova fonte de trabalho. Me pergunto se não seria mais sensato enviar um especialista para observar o comportamento delas, ao invés de mim. Vigiar baleias. Imagino o quanto minha mãe está orgulhosa.

Alguns protestos recentes do povo americano aboliram a criação de qualquer bovino, em toda e qualquer área terrestre. Tudo começou quando o governo americano, já sem respostas para a colossal população – 20 bilhões, sendo que 30% da população total morrera de fome, nos últimos 10 anos – inicia um programa extremo com a genética das vacas. Elas produziam o triplo de leite, dois pedaços de bife atendiam a todas as nossas necessidades, e se reproduziam a uma velocidade inacreditável. Tudo graças ao novo mineral achado nas camadas mais fundas da lua, o Artômio. Após um processo químico, complicado demais para eu tentar entender, ele tem propriedades que estimulam todo nosso sistema hormonal, e estão até criando hipóteses que desenvolve outros meios, a nossa parte mental e cognitiva. Mesmo que eu não tenha a menor ideia do que raios significam “hormonal” e “cognitiva”. Também mencionam algo sobre iniciar um programa, desta vez com lulas. Americanos e seu amado e caído capitalismo, tsc.

Foi tudo uma grande maravilha, até descobrirem que as novas linhagens estavam nascendo com diversos problemas genéticos. Foi preciso que 20 milhões de americanos morressem, para o mundo se mobilizar e estragar a brincadeira. Claro que os governos dos outros países só queriam mandar os EUA pra vala de novo, pois antes do mesmo descobrir o Artômio na lua, estava arruinado em todos os aspectos, devendo até os cabelos e com menos da metade de seu território, perdido em uma ou outra guerra.

No desespero, tentaram repetir o mesmo com várias espécies de baleias, que haviam migrado completamente para a costa oeste do país, após a inacabável caça nos países da Ásia. Iniciaram o programa, mesmo ilegalmente. Mas a carne era tão boa, que provavelmente a barriga gorda dos presidentes lá de fora resolveu dar um pouco de piedade. E aqui estou eu, cuidando da comida de não sei quantos milhões de americanos. Claro que só estou repetindo o que eu recebi no meu Discover. Tenho vontade de martelar minha cabeça na parede só de ouvir uma palavra tão grande igual ilegalmente.

Todo meu pensamento de agora está sendo direcionado a rede UC-WTW. – UC de Universal Conscience, o nome da rede de páginas de conteúdo independentes, chamadas de blog há muitas décadas atrás, e WTW de World to World, representando a conexão entre a Terra e a Colônia Lunar. – Tenho certeza que muitas pessoas de países pobres, como os do continente europeu, têm o interesse em descobrir e observar a realidade em sua volta, algo que falta em mim. Dizem que todo defeito é equilibrado por uma qualidade, mas é difícil ver minha preguiça como uma.

A rede WTW é a única em que todos do planeta podem acessá-la, com mínima exceção. Ela remonta muito à antiga internet e seus computadores, a cerca de 90 anos atrás, onde eles eram apenas calculadores gigantes; apenas processavam uns mais, outros menos. Não pensavam. Mas prefiro assim. Ficar escrevendo textos, debater, – nada muito complicado para mim, claro - ler UCs, é reconfortante para mim, me faz ter certeza de que o mundo me sente, ao passo que eu sinto o mundo.

_Shast! Shast, droga! – Owen me tira do transe novamente, mas tento não me estressar; aquilo é algo normal. Enquanto acessamos nossos Discovers, ficamos em uma espécie de transe, nos separando do controle do corpo. É realmente difícil de descrever, mas é mais ou menos como acontece em um sonho, quando estamos naquele estágio falta-dois-minutos-para-despertar, e temos uma ligeira consciência de que estamos acordados, mas, de alguma forma, nos sentimos fora do corpo. Não é fácil sair de lá; é muito tentador, como um sonho. Normalmente preciso de alguém pra me tirar do transe. Frequentemente acontecem casos em que disckers– os hackers da nossa era, atacam os Discovers enquanto seus respectivos donos o acessam, os deixando aprisionados lá. É realmente sinistro.

Demoro um pouco para processar o que está acontecendo.

Quando me deparo com Owen caído no chão, totalmente estático. Posso ser burro, mas aquilo eu tinha certeza que era medo. Suor praticamente espirrava de seu rosto, acompanhado de pequenos gemidos.

_Merda... m-mas que merda! Sha... Shast, O CÉU! – Por fim disse, com os olhos quase saindo de órbita. Revirou o rosto, se recusando a ver alguma coisa, praguejando com certo tom de insanidade.

Até minha lerdeza finalmente me mostrar o que passa.

Cinco, dez, não. Dezenas de asteroides, meteoritos, meteoros, não me preocupo de lembrar o nome correto agora. Todos dançando no céu, uma maravilhosa mortífera visão. Gravo bem o que vi, e decido morrer feliz, por ter a oportunidade de ver um show dessa magnitude. Seria o primeiro, e também o último, junto com outros 20 bilhões. Até eu perceber que esse é, provavelmente, o meu momento mais vivo e cheio de ação em toda a minha vida. Não sinto pânico, medo, ou qualquer sentimento de fraqueza que qualquer outro demonstraria com clareza. Apenas sinto a mim mesmo, vivo, como nunca antes me permiti.

Nós vivemos pelo prazer, percebera. Não pelo prazer de estarmos vivos, ninguém se dá conta disso. Pelo prazer de dividir uma cama, de beber sem se importar com o amanhã, de trabalhar meses e anos por uma única semana de descanso.

Vejo a dança mortífera acabar, e as rochas flamejantes começarem a cair.

Até o grito de pavor de Owen me trazer de volta à realidade.

Morrer sem deixar nada? Acabo de perceber que isso não combina comigo. Aqueles meteoros realmente me mudaram, devo mandar meu agradecimento a eles. Deixo Owen e seus gemidos de lado, e corro para o tanque das baleias.

Alguém vai sobreviver. Alguém tem que sobreviver, e darei a esse alguém a lembrança de minha era, a minha herança. Olho para o céu. Não entendo absolutamente nada de física, mais é fácil concluir que levariam pelo menos cinco minutos para os meteoros alcançarem a superfície. Também concluo que o tanque pode ser resistente a terremotos, tempestades e tsunamis, e outros nomes difíceis de coisas que não sei o que significam, mas não a isso.

Analiso rapidamente as minhas prioridades. Mal me passa pela cabeça soltá-las; é mais fácil para os sobreviventes abatê-las aqui do que mar. Ah, claro, alimento. Aquele armazém de estoque serviria apenas para algumas semanas, e minha colocação aqui são décadas. Deixo as baleias cachalotes fugirem pelo mar, por pura misericórdia, e abro a entrada entre o tanque das Orcas e o tanque Comum que várias espécies partilhavam. Bem, eu esperava que as Orcas demorassem uns bons anos para devorar aquelas centenas, e se reproduziriam e comeriam umas as outras por algumas gerações.

Olho para o céu pelo galpão dos tanques aberto, e vejo que ainda tenho três minutos. Quando uma ponta de esperteza surge em minha mente lesada. Se um galpão está aberto, ele pode ser fechado, afinal, é um galpão. Meus olhos se viram, saltitantes, ao brilhante botão preto do tamanho de uma laranja, no canto do extenso galpão. Conheço todo o local e todos seus botões e meios de acesso. Por eliminação, aquele só poderia servir para isso. Não espero que uma tampa de ferro ridiculamente grande possa proteger algo contra meteoros, mas me esforço em fazer algo útil.

Em cima dele está escrito Cuidado, mas ignoro. Estou sendo bombardeado por rochas flamejantes do tamanho de geladeiras, se esse botão no máximo não me matar, ficarei feliz. Aperto-o, e acontece o esperado. Uma grande cúpula se fecha em torno do galpão e, então, o inesperado me surpreende. A cúpula é feita de dezenas de camadas de metros de diamante. Não ficaria contente, aquilo seria facilmente superado pelos meteoros, mas vejo que há mais algo entre aquele diamante, vários metais, algum material engenhosamente fabricado por cientistas. Fiquei alguns segundos admirado comigo mesmo; numa situação normal, ficaria igual um abobado procurando uma escada de 350 metros para roubar um pedaço de diamante.

Até que me dou conta de que não fazia o menor sentido algo como aquilo estar lá, a não ser que estivessem previsto a chuva de meteoros e a sobrevivência das baleias. Não, maluco demais para ser verdade. Apenas acato com gratidão que eu tenha me protegido do céu, mesmo sabendo que morrerei com a pressão do artômio na atmosfera. Todos morrerão.

Vou com esse pensamento na cabeça encarar meu último minuto. Pego um remédio forte de sono, e, gentilmente, o jogo na boca de Owen. Ele não precisava passar seus último minuto sofrendo, e eu, aturando seus gritos. Olho bem para seu rosto carrancudo mais uma vez, e me lembro de nossa conversa.

“Tanto Artômio deve ter deixado elas resistentes e retardadas.”

Claro, era óbvio isso! Nenhum humano sobreviveria nessa atmosfera com tanto Artômio, e provavelmente fora isso que havia matado tanta gente, após consumirem tanta Vaca-com-artômio. Elas sobreviveriam. Talvez alguns humanos achariam elas e se alimentariam, e meus últimos minutos não seriam em vão.

Vinte segundos. Caminho com essa convicção até o tanque das baleias, sem olhar para trás. As Orcas precisam de alimento.

Volto a pensar sobre o futuro. Sobre a minha pequena e inútil e existência. Nosso único destino sempre foi morrer e, no fim, ser pisado por algum ser mais evoluído que nós. Não pude deixar de encarar as baleias. A inocência em seus , sem entender o que está a acontecer. Não me importaria de ser pisado por elas.

Subo no parapeito do tanque, e respiro pela última vez o ar gelado e úmido do galpão. Encaro a morte chegando acima, e me esperando embaixo. Um vento passou pelos meus cabelos loiros, e me joguei. Durante o segundo da queda, que pareceu uma eternidade, pensei sobre minha existência, minha inutilidade, o quão pequeno eu era em comparação ao universo. Que não era meu direito, e de ninguém, tirar esses animais de seus lares e submeterem eles a isso. Pensei também sobre como eu era bonito, mas minha burrice ofuscava minha beleza. Não importava, ninguém lembraria disso agora; não haveria ninguém mais para lembrar de Shast, o Lesado. Foi meu último pensamento infeliz, até ser engolido e não ser nada mais do que um pedaço de carne. Mas, no fundo, eu, ou qualquer outra pessoa, nunca passou disso?


Reinem, Abissais. Pensei, com o último fragmento da minha mente, e foi quando percebi que já não sentia mais meu corpo. Deve ser isso o que eles chamam de alma.



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Notas finais do capítulo

REVIEEEWS :p

Queria postar logo o dois e o três em um rol, + um três ainda não tá pronto .-. HSOUHOS Então vai ser só o 1 e 2 por hoje t.t