Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 10
Sem título.


Notas iniciais do capítulo

O título desse capitulo dependia de uma pessoa que me aconselhou a deixá-lo assim mesmo, sem título. Portanto, assim o fiz.
Vou explicar o motivo da postagem tão rápida: Prometi pra alguns dois capitulos até o final da semana, que se encerra hoje.
Esse é o capítulo que fui desafiada a fazer. Não está, nem de longe, como eu queria. Não está legal. Mas está feito. E aqui está.



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“A polícia ainda não tem ideia do que possa ter acontecido. Acredita-se em asfixiamento, embora nada tenha sido comprov...”

“Tolice!” pensava, ao desligar a TV.

Era o quarto corpo encontrado na semana, ao contrário do que dizia a repórter de voz esganiçada. Sabia disso porque era consultora do caso. Mas a primeira parte tinha razão. Ninguém fazia ideia dos motivos que teriam levado aquelas pessoas, todas mulheres, à morte.

O caso não se explicava por si só. As vítimas eram em tudo diferentes, encontradas cuidadosamente estendidas, sem marcas corporais que indicassem qualquer tipo de resistência, sempre em locais fechados, improváveis e distantes entre si.

Só três coisas ligavam as mulheres: O posicionamento dos corpos, os lugares com características comuns entre si, e um mesmo gás tóxico dentro dos pulmões. Nenhum DNA. Nenhum nome suspeito.

Aquilo a estava enlouquecendo. E logo tudo seria reportado como matéria de capa. Toda a sua impotência... Foi novamente analisar os prontuários espalhados sobre a mesa. O computador apagado, ao lado das infindáveis latinhas vermelhas de Coca-Cola.

Era a mais jovem da equipe, mas não menos competente. Sempre captava as mais sutis deixas. Toda essa dificuldade em resolver o caso era novidade para ela.

Uma semana, 8 corpos e ao menos 60 latinhas vermelhas se somaram ao caso. Os crimes se tornaram mais frequentes e menos cautelosos. O perfil do assassino, antes débil servo das próprias neuras, era a cada vítima mais atenuado.

Mas agora tinha, além de olheiras fundas, uma tese. Olhos castanhos. O suspeito tinha uma tara por olhos castanhos. Todas as vítimas os tinham, no tom mais puro. Devia ser uma tara ativada por uma alavanca, ainda desconhecida, que o colocava em estado de transe e o permitia reproduzir um trauma recente.

Era uma tese, e uma fútil. Uma tese que vazou, e que fez com que o engordurado computador se acendesse em glória, numa mensagem que dizia:

“Muito bom, detetive. Progressos”.

A mensagem não tinha remetente algum, e não condizia com o perfil do suspeito, mas ela não hesitou em responder.

“Não sei o que quer dizer. Nem sei quem és. Mas pode se identificar, se quiser saber mais.”

A tela não mais se acendeu, mas ela, de alguma forma, precisava descobrir. Ligou para a equipe, que a mandou aguardar. A mensagem estava sendo rastreada. De ambos os lados.

Um provedor foi encontrado, mas, segundo as palavras do chefe, “era somente uma armadilha”. Ela então entendeu que não contaria com a equipe desta vez. Estavam descrentes dela, e ela deles. Era seu, e somente seu caso.

Novamente analisou os papéis, e resolveu sair a campo. Visitou cada um dos lugares, e encontrou um comum que não constava nos prontuários. Todos os ambientes ecoavam numa estranha cacofonia, produzida pelos sons da cidade, dos bares, do vento.

Voltou para casa, e digitou, respondendo aquela estranha mensagem. “Cacofonia.” Instantes depois, a resposta: “Quente, detetive. Mais quente.”

Mas se cacofonia se encaixava em sua tese, esse novo perfil não. Se estava certa, então quem estaria errado? Nada que pensasse lhe trazia aquela resposta, então, simplesmente, investiu na própria tese.

Usando as próprias fontes, nas quais confiava, buscou por manchetes que indicassem similaridades com as vítimas atuais. Buscou por dias, e estranhou que nesses mais nenhum corpo fosse encontrado. Ao fim da semana, um resultado e um corpo. Na manchete:

“Ex-fuzileiro sofre trauma de ter que dizer a mulher, olhando em seus olhos, que morreria, e sem desviar o olhar, vê-la morrer.”

No resto da reportagem descrições do grupo terrorista que o teria feito refém. Mas a data decepcionava. Acontecera há um ano. Tempo em que nenhum corpo tinha sido achado, e que portanto, não validava a tese.

Mesmo contra todos os indícios, enviou ao remetente misterioso a matéria. Nada foi respondido até a próxima tarde, em que num bipe, a mensagem:

“ E o que te faz pensar assim?”

“Sabe bem. Conhece a tese”

Mas onde eu entro nisso?”

“Você é só um sádico. Não tem relação com o caso.”

Veremos, caríssima.”

Manter uma conversa com um desconhecido nunca fora uma escolha inteligente. Ainda mais quando esse desconhecido sabia tanto, e poderia ser um assassino em potencial, sabia ela. Mas não tinha escolhas, e jogava num caso já encerrado por sua equipe.

Aquele caso seria seu Monstro de Florença, era o que lhe diziam. Mas ela não entendia porque o caso fora encerrado tão cedo, e tão sem esforços. Apenas um mês, pelas suas contas, havia se passado. Embora seu calendário alegasse bem mais que isso.

Não se lembrava da última vez que comera algo sólido. Só o doce líquido das latinhas vermelhas. Não se lembrava da última vez que saira de casa, ou atendera o telefone. Não se lembrava do mundo lá fora. Estava perdida num tempo psicológico.

Bateram em sua porta, e atendeu, reconhecendo James, o cara de sua equipe. Ele entrou, sem pedir licença, dizendo:

–- Sabe, temos precisado de você. Você sumiu e...

–- Não, eu não sumi. Vocês é que abandonaram o caso das mulheres. E sim, pode entrar.

–- Nós não abandonamos nada. Nós encerramos o caso. O resolvemos. E isso foi há dois meses.

–- É claro que não! Não minta pra mim. Sabe que não pode. – Ela retrucou, já pouco certa do que falava.

–- Você ignorou o último corpo. Era um homem, com um tiro na cabeça. Um ex-fuzileiro. Ao procurarmos sua identidade, achamos uma reportagem que batia exatamente com o perfil que você traçou. Ele matou aquelas mulheres, reproduzindo a morte da esposa. Quando caiu em si, cometeu suicídio. Isso foi há dois meses. No dia 22 de abril.

Demorou somente um instante para entender. Fora o último corpo, no dia da descoberta da mesma manchete que James agora jogava em sua cara. No dia em que mandou o email que o remetente demorou uma tarde para responder. Mas se o assassino morrera, com quem ela estava falando? Precisava pensar. Se livrar de James.

–- Ahm, certo. Então, volto a trabalhar amanhã. Preciso ir fazer compras. Minha geladeira está vazia. Se me permite, pretendo ir agora.

–- Certo, então. Até mais ver, Anne.

Nem bem seu companheiro de trabalho saiu pela porta, correu novamente para dentro. Para o computador. Digitou ao misterioso remetente a pergunta que há muito queria saber:

“Quem é você?”

Em menos de um minuto, a resposta:

“Demorou a perguntar, detetive. Creio que já percebeu meu presentinho. Finalizei o caso pra você. Sou seu pior pesadelo.”

Naquela noite, não pregou os olhos. No dia seguinte não apareceu no serviço. E nem no próximo. E nem no outro.

James então bateu a sua porta, uma, duas, três vezes. Arrombou-a. Na sala escura, somente o computador acesso. No quarto ao fundo ele pôde ver, pelo vidro, uma Anne perfeitamente estendida, de olhos fechados. Sabia o que tinha acontecido. Sabia o que encontraria nos pulmões.

Retomou a sala, e leu a mensagem na tela.

Cremem-na. Era seu desejo. Coloquem seus ossos na gaveta funerária. Gaveta tal qual onde ela colocou tantos casos.”

Abalado, ele ligou para a emergência, que confirmou sua suspeita. Estava morta, já há três dias. Os olhos do mais puro castanho jamais voltariam a se abrir. E esse caso jamais teria resposta.


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Notas finais do capítulo

Enfim, agora já o viram. Yolanda, espero que tenha atendido ao teu desafio. Marjorie, muito obrigada pela ajuda, embora saiba que não foi exatamente isso o que quis dizer. Preciso, mais do que nunca, que me digam o que acharam. Desde já agradeço-lhes.