Contos Do Luar escrita por ReBeec
Notas iniciais do capítulo
Agora sim, a primeira história.
Leia, se inspire, ria, chore... Só espero que seu tempo tenha até aqui lhe valha a pena.
Acendendo seu décimo segundo cigarro do dia enquanto observava a lua crescente, a jovem seguia seu caminho para a casa de Richard, a onze quadras da loja de animais onde trabalhava.
Já passava das nove horas, e suas botas de camurça continuavam a repetir aquele som irritante toda vez que tocavam o chão – como o fez no dia inteiro -, fazendo-a se perguntar qual fora a última vez que comprara um par de sapatos decentes.
Chegando ao edifício do homem, deu a última tragada e, depois de jogar a bituca na calçada sem cuidado algum, adentrou o prédio indo direto ao apartamento.
Ao chegar em frente à porta, deu uma leve batida, esperando a resposta que demorava a chegar.
Um minuto em silêncio. Um segundo e um terceiro. Chutou a porta com violência, o que fez logo em seguida surgir o homem, com uma toalha enrolada a cintura e os cabelos molhados grisalhos contornando seu semblante irritado.
- Você não poderia se acalmar? – ele perguntou. – Eu estava no banho!
Ela entrou sem mais delongas e logo se acomodou no sofá de couro com as pernas largadas, totalmente à vontade. O homem mudou sua expressão, assumindo um tom questionador.
- De qualquer forma... – ele se aproximou. – O que faz aqui?
Melissa o olhou, duvidosa.
- Estava por aqui e resolvi passar e te dar um oi. Algum problema? – respondeu, com o rosto ingênuo.
Richard andou em sua direção e sentou-se na mesa de centro, a sua frente, bem próximo a ela.
- Esmurrando minha porta? – ele perguntou agora numa voz sedutora, tentando lhe provocar. Ela podia até sentir a respiração dele pelo corpo já não mais tão jovem. – É assim que você vem me cumprimentar? – disse com o rosto próximo demais.
A loira, ciente de suas intenções, o afastou e lhe disse numa voz divertida:
- Ah, não. Você não conseguirá nada de mim essa noite. Além do que – agora ela que se projetou para frente – eu sei o quanto você odeia o cheiro de cigarro. – falou pausadamente, deixando que seu hálito chegasse a ele, provocando-o uma careta e, nela, um sorriso.
Depois de mais um olhar irritado e algumas tossidas, ele continuou.
- Não que não me agrade o seu odor insuportável de tabaco, - disse irônico – mas o que realmente faz aqui?
A moça remexeu no assento e cruzou as pernas, demonstrando desconforto.
- Eu não sei direito... – ela falou com o indicador enrolando os cabelos, e os olhos mirando o chão. – Depois do trabalho eu me senti nauseada apenas em cogitar voltar para aquela casa vazia e fria, então quis dar uma volta e, quando me dei por mim, estava aqui, no seu sofá. Será que estou com algum problema de memória? – perguntou brincalhona, enquanto ele a encarava sério.
- Você tem um problema, Melissa... – o homem pegou suas mãos, analisando-as. – Mas não é de memória.
Ela engoliu em seco enquanto o observava encostar os dedos limpos na ponta dos seus dedos amarelados.
- Se sua mão está assim, não quero nem imaginar seu pulmão – ele disse.
Melissa puxou bruscamente seus pulsos e, num tom de indignação e mágoa, retrucou:
- Você realmente precisa fazer isso? – ela o olhava repentinamente raivosa. – Expor isso de forma tão clara?
Ele a encarava.
- Eu sei o que está acontecendo! Eu sei a gravidade do problema Richard! Você não precisa jogar isso na minha cara! Mas, é claro, – ela se levantou e começou a andar pela sala-, você sabe o que está dizendo! Afinal, você leciona em uma das universidades mais importantes da Inglaterra, e é doutor, e blá, blá, blá...
- Mel... – ele tentou falar.
- Pois saiba, senhor Cambridge, que eu não me importo com o que tem a dizer! – algumas lágrimas intrusas surgiram em seus olhos enquanto ela permanecia em pé, de frente a ele. – Porque desde que eu pisei naquela sala de aula pela primeira vez, você nunca hesitou em se mostrar arrogante e desentendido da vida alheia.
- Mel, por favor...
- Para! – ela gritou. – Para! Para! Para! – se ajoelhou no chão, com as mãos na cabeça, aos prantos. – Você já me tirou uma vez de sua vida, por que quer fazer isso de novo? – perguntou temerosa, com o rosto escondido.
Richard foi logo ao seu encontro, se agachou ao seu lado e a abraçou por alguns minutos. O choro baixo da garota acendeu uma pontada de dor no coração do homem. Algo como compaixão. Num ato, colocou-a em seus braços e a levou para o quarto – ignorando os protestos da jovem.
Deitou-a em sua cama com toda a delicadeza que pôde e encarou seus olhos chorosos, que devolviam inocentemente seu olhar.
Minha pobre criança, pensou.
Deitou ao seu lado, abraçando-a. E - embora ela estivesse com suas costumeiras roupas curtíssimas, e ele, agora, na ausência de suas próprias vestimentas-, naquela noite, não houve malícia, como em tantas outras.
Não houve travessuras por debaixo das cobertas, sussurros apaixonados ou gemidos ardentes. Houve apenas o toque carinhoso da mão dele em sua face, enxugando as lágrimas que pode, imaginando quanto tempo teria até que a última caísse.
O tempo foi de exatos quatro meses.
***
Quatro meses depois ele estava fardado com um terno preto, a expressão neutra e os olhos opacos observando o caixão à sua frente descer para o fundo da cova.
Passara os últimos minutos lembrando-se de alguns momentos que já lhe pareceu sem importância na época. Como a primeira vez em que a viu sentada na carteira, com os grandes olhos verdes curiosos para conhecer o novo mundo da faculdade; a expressão desapontada dos coordenadores do lugar quando expulsaram a menina pela acusação de porte de alguma substância ilegal... Ignorantes, ele havia pensado na época.
Lembrou-se da primeira vez em que a viu com um cigarro em mãos, em uma das várias esquinas do subúrbio de Londres, no meio da madrugada, esperando algum insatisfeito que pagasse seus serviços. Recordou-se de acolhê-la naquela noite.
Lembrou-se de suas várias outras madrugadas compartilhando histórias desde a aparição da lua até o nascer do sol e dos vários momentos em que se viu confuso com as palavras e conspirações da jovem, mesmo depois dos longos anos de estudo sobre psicologia.
Lembrou-se do dia em que a viu nas escadas daquele pequeno hospital, com um papel amaldiçoado em mãos. Parece que todos temos uma data de validade, se recordou de sua voz tristonha pronunciar tais palavras.
Lembrou-se de todos os momentos que desafiaram sua capacidade de raciocínio e sua paciência infinita. Momentos que voltariam com frequência à sua mente, até que a sua data de validade chegasse.
Mas por aquela hora, apenas deu uma última olhada no cenário depressivo, virou-se com a expressão indiferente e partiu para fora do cemitério. Não tinha ideia de onde ir.
Talvez pegasse seu carro e fosse ao mesmo bairro de Londres; à mesma esquina. Quem sabe não teria uma loira com um cigarro em mãos, esperando um homem de meia-idade para dar-lhe algum dinheiro? Oferecer-lhe uma cama quente para dormir e uma companhia para dividir horas e mais horas de conversa sem fim até o raiar do sol?
Quem sabe...
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O final ficou muito triste, ruim ou confuso??