Do Not Let Me Go... escrita por Constantin Rousseau


Capítulo 2
Hold me.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/330195/chapter/2

Voltaram do enterro em completo silêncio. Dean mantinha os braços ao redor da mãe, ainda que sentisse nos próprios ombros o peso daquela perda. Suspirou pesadamente ao se dar conta de que os soluços da mulher ainda faziam sacudir seu corpo, enquanto ela cobria o rosto com as mãos. Sentiu-se o pior dos homens, o pior dos filhos, por não fazer nada para amenizar aquela dor.

Sam dirigiu o Impala pela primeira vez desde que tirara carta, soltando os primeiros botões da blusa azul-clara para ficar um tanto mais à vontade, e o primogênito Winchester não se importou em ir nos bancos de trás ao lado de Mary, sem dizer nem uma única palavra, porém sem deixar de oferecer todo o apoio e conforto do qual ela necessitava. Quando era mais novo, era ela quem o havia abraçado, afagado seus cabelos e dito que tudo ficaria bem. Agora, silenciosamente, ele pretendia fazer a mesma coisa.

O trajeto não foi muito longo, mas a ausência total de uma tentativa de conversa fez com que o clima parecesse um tanto pesado quando desceram do carro. Os irmãos se entreolharam cautelosamente por alguns instantes; um curioso e pesaroso, o outro, exausto. Se Sam faria ou não alguma pergunta, ela foi logo cortada pelo breve aceno negativo de Dean, que conduziu a mãe em direção à casa; que, por acaso, fazia parte de um típico cenário de comerciais: cerca branca, grama bem aparada, pintura amarela nas paredes e um belo jardim.

De certa forma, o silêncio que tomava conta do lugar era assustador. Por estar sempre acostumado a visitá-los, o mais velho foi quem mais sentiu a ausência do pai. Porque não havia nenhuma televisão ligada, não havia nenhum rádio tocando AC/DC ou Led Zeppelin na cozinha, não havia no ar o agradável odor das flores que John costumava comprar para Mary toda semana. Nem mesmo o tiquetaquear do relógio parecia o mesmo, e tudo isso fez com que o loiro tivesse a impressão de que acabara de levar um murro, bem na boca do estômago. Respirou fundo uma, duas vezes, antes de conduzir a mãe chorosa para o andar de cima, murmurando palavras de conforto e continuando a afagar suas costas num gesto meio protetor.

Suavemente, fez com que Mary tomasse os comprimidos para dormir, vendo-a engoli-los com alguma dificuldade, mesmo com o copo d’água. Então, ajudou a mãe a se deitar, puxou os lençóis até seus ombros, e sentou-se ao seu lado na cama, afagando os fios dourados do cabelo longo. Vendo-a soluçar baixinho, meio encolhida, sem conseguir controlar a si mesma e as lágrimas que insistiam em cair, o primogênito sentia como se seu coração estivesse entre dois lutadores de boxe, num ringue de luta. Porque, sim, doía como o Inferno.

Naquele momento, ele poderia tê-la deixado ali, sabendo que os remédios logo fariam efeito, e que a mulher cairia num sono profundo e possivelmente sem sonhos; pela exaustão, pela dor, e outros tantos motivos que não se arriscaria a enumerar naquele instante.

Mas Dean não saiu do quarto até ter a certeza de que Mary dormia.

xxx

— Ela está bem? — foi a primeira coisa que Sam perguntou, no momento em que o irmão desabou sobre uma das cadeiras ao redor da mesa, na cozinha, com um longo e sofrido suspiro.

Sim, era algo meio idiota de se dizer numa situação como aquela, mas o mais velho entendeu, e isso bastava. Ele permaneceu calado durante alguns minutos, com aquela mudez à qual o moreno estava passando a associar à sua família, antes de sacudir os ombros e bagunçar o cabelo, erguendo os olhos para encará-lo, parecendo exausto.

— Não sei, pra falar a verdade. — um dos poucos assuntos sobre o qual os Winchesters conversavam franca e constantemente, era a saúde dos pais. — Antes de o pai começar a ter aqueles problemas, a mãe já estava meio... Diferente.

O moreno respirou fundo, erguendo os olhos para o teto, sentindo-se culpado. Era um homem formado, bem-sucedido ainda que há pouco tempo no ramo da advocacia, e, mesmo com a vida ocupada que tinha, sabia que podia ter feito mais pela família. Ao contrário de Dean, Sam escolheu estudar longe de Lawrence, escolheu Stanford. Então, já era de se esperar que suas visitas fossem menos frequentes, que preferisse o conforto de seu apartamento em Palo Alto. Mas, na maioria das vezes em que passava o fim de semana na casa da família, ele e o pai discutiam muito; até mesmo disputas entre diferentes times de baseball eram motivos o suficiente para alfinetadas aqui e ali, e desordens após o jantar.

E não era como se não gostassem um do outro. Ah, não. Não havia ninguém naquele mundo que soubesse lidar melhor com John Winchester, que seu filho caçula, ou vice-versa; na verdade, Sam lidava bem com qualquer um. Quando nem mesmo Mary conseguia fazer com que o marido a escutasse, em certas ocasiões, era só apelar para o mais novo, que logo o homem repensava e concordava. Talvez, justamente por serem parecidos demais, eles estivessem sempre em atrito para compensar a falta de contato durante os anos anteriores, nos quais Sam estava ocupado demais com a faculdade.

Por que, então, o moreno se sentia culpado? John tinha sérios problemas com colesterol e pressão alta. Sempre que se exaltava demais, ou corriam para o hospital, ou Mary intervinha e acalmava os ânimos de todos. Dean comumente não se metia na briga, a menos que as coisas estivessem complicadas o suficiente para que a loira não desse conta de tudo sozinha, e apoiava a mãe no que dizia respeito a interromper discussões. Sam sabia disso desde que se conhecia por gente, e, mesmo assim, toda vez que encontrava o pai, não sabia ao certo se queria abraçá-lo ou se queria matá-lo.

Com tantas complicações na saúde, já era de se esperar que, mais dia, menos dia, o mais velho tivesse um enfarto ou derrame, mas a possibilidade, por mais provável que fosse, parecia tão impossível, que nenhum deles dava muita atenção ao fato. Mary, no entanto, preocupava-se demais com aquilo, e comumente Dean precisava tentar convencer o pai a ir ao médico.

Sam se recordava com perfeição, do dia em que o irmão lhe ligou nitidamente desesperado, para dizer que John havia sido internado. Se recordava claramente de ter dito que o homem iria melhorar, que “vaso ruim não quebra”, e tantas outras coisas que agora pareciam tolices de um rapaz estúpido. E também se lembrava de estar num caso importante, que poderia levar sua carreira para frente, e de ter dito que em breve iria visitar a família, mas, naquele momento, estava muito ocupado.

Deus, seu pai estava morrendo, e ele preocupado com o maldito trabalho?! E nem mesmo se dera ao trabalho de retornar a ligação, para saber o quadro clínico dele! Ainda não conseguia acreditar que havia sido idiota o bastante para deixar ir embora sua última chance de se despedir de John, para permitir que sua última chance de dizer adeus ao homem que o criara escorregasse por entre seus dedos e caísse por terra. Ainda não conseguia processar aquela informação sem que um bolo se formasse em sua garganta, e sentisse a insana vontade de deitar na cama, chorar e nunca mais levantar.

Aquilo havia sido há mais ou menos duas semanas. Há três noites, John tivera um ataque cardíaco, e acabou não resistindo. Quando recebeu a notícia, Sam largou tudo em Palo Alto e foi para Lawrence, mas de nada adiantava entrar em pânico, ter uma crise, ou se desesperar por isso. O que realmente pôde fazer, ao chegar, foi abraçar a mãe, e chorar, sentindo-se uma das piores criaturas da face da Terra.

Foi uma das poucas, se não a única vez, em que viu Dean tão abalado. Já havia visto Mary assim uma vez, ao perder os pais. Já havia visto John num estado semelhante, porém numa situação inversa, quando Sam se formou e partiu para longe. Mas seu irmão mais velho? Nunca. Mesmo quando pequenos, apesar de hiperativo, Dean era uma criança silenciosa. Ele podia ter mudado um pouco, no decorrer dos anos, e tornou-se até meio tagarela, no entanto continuava sendo aquele pilar de força, que esbanjava confiança onde quer que passasse. Mesmo quando a situação complicava, mesmo quando tudo parecia perdido, ele estava lá, servindo de apoio a tantos outros, não como se não se importasse, mas como se fosse forte o suficiente por todos.

Sam prometeu a si mesmo que jamais poria o trabalho acima da família, que jamais cometeria o mesmo erro. Mas lá estava ele, mais uma vez alternando seu tempo entre ligações à Jessica para saber se a audiência já havia sido marcada, e a vontade de cuidar da mãe e do irmão. Era um pouco tarde para começar a desejar aquele tipo de coisa, mas o que podia fazer? Agora que finalmente podia ajudá-los, não correria o risco de colocar tudo a perder. Não podia colocar tudo a perder.

— Não faça isso consigo mesmo. — o murmúrio de Dean, apesar de ter sido feito num tom baixo, pegou o moreno de surpresa.

Encarando-o agora, o mais novo podia ver claramente as manchas escuras que denunciavam as noites mal-dormidas, podia ver que o irmão havia perdido peso, que estava ainda mais branco que o normal. E sentiu-se mal ao constatar que, mesmo em meio ao completo caos existente nos orbes turmalinos do mais velho, ele o encarava como se fosse capaz de matar ou morrer para protegê-lo, para impedir que algo lhe acontecesse.

Sempre tão protetor.

Sempre tão Dean...

— Não foi culpa sua. — o loiro bagunçou o cabelo com as mãos, suspirando. — A gente sempre soube que algo assim ia acontecer, mais cedo ou mais tarde.

— Eu sei. — mordeu o lábio inferior, levantando-se.

Sentia-se inquieto. Não queria ficar ali parado, mas fazer qualquer outra coisa também lhe parecia totalmente fora de cogitação. Então, virou as costas para o mais velho, inclinando-se levemente sobre a pia, espiando pela janela o céu cinzento que parecia condizer com suas emoções confusas. Puxou o ar com força, antes de permitir que o corpo relaxasse um pouco, sentindo os olhos cheios d’água.

— Eu só... — ergueu os ombros, deixando-os cair logo em seguida. — Meio que tinha esperanças de que fosse mais tarde, entende?

Dean riu. Uma risada baixa, dolorida, sem humor. O moreno ouviu seus passos, no momento em que o primogênito se ergueu e caminhou lentamente até ele. Num gesto que pegou a ambos de surpresa, de certa maneira, o loiro o abraçou com força, os dedos agarrando sua blusa como se ele estivesse se afogando, e o mais novo fosse um colete salva-vidas.

— Acho que eu também. — sussurrou, num falho tom de confidência.

Sam virou-se e o abraçou de volta. Fechou os olhos, sentindo o bolo se formando mais uma vez em sua garganta. Mas decidiu que, pela primeira vez, seria ele a segurar as pontas, a tomar as rédeas da situação e impedir que tudo acabasse.

E, pouco tempo depois, as lágrimas de Dean escureciam o tecido claro de sua blusa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Not Let Me Go..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.